Notas Apologéticas

Parte II

Reverendíssimo Padre Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

 

Conteúdo:

Nosso Deus... fez tudo que Lhe agradou (Sl.115:3).

Os céus foram estabelecidos pelo Verbo de Deus.

A Fé como um Dogma.

Do conhecimento ao conhecimento de Deus.

A Igreja na Sabedoria Providencial.

Vida na Fé.

Nós vimos a verdadeira Luz.

Dois Tipos de Iluminação.

Luz e trevas.

A Igreja de Cristo de acordo com os ensinamentos de São Simeão, o Novo Teólogo

 

 

Nosso Deus... fez tudo

que Lhe agradou (Sl.115:3).

O princípio do propósito da lei da casualidade.

Porque? — Como? — Essas duas questões são inerentes a cada um de nós desde a infância, desde o momento em que nós nos damos conta de nós mesmos, e que começamos a usar a linguagem. "Para que propósito?" e "Porque razão?"

A questão "Porque?" sugere a idéia de um resultado depois de um dado evento ou ocorrência. O ponto de vista religioso está associado com essa questão.

Na questão "Como?" expressa-se a idéia de alguma coisa precedendo e dando causa para um dado evento ou objeto. O ensinamento do positivismo como visão do mundo é fortemente associado com essa questão.

Todos nossos pensamentos diários também podem ser definidos como "questões eternas." "Razões" ou "propósitos" são as origens de toda existência.

O pensamento moderno se declarando científico, se esforçando em se separar da idéia religiosa e confiando no princípio do materialismo, ignora as questões dos "propósitos." Ele nega o papel preponderante delas nas principais questões da existência do mundo. Na vida cotidiana todos os propósitos são reduzidos a um mínimo. Tende-se a se estar convencido de que todos os nossos atos, sociais e privados, que parecem ser feitos por livre vontade, são de fato tão determinados por eventos passados que nossa vontade pessoal é sujeita somente à "lei da casualidade." Nessa visão, a propositalidade de nossos atos é somente imaginária, e em qualquer caso é predeterminada por movimentos "sociais." Então, por esse ponto-de-vista, nós não nos tornamos simples brinquedos nas mãos do destino?

Essa visão é totalmente inaceitável para nós. Ao lado das teorias "científicas," deveríamos providenciar terreno sólido para nossa posição Cristã nesse assunto, não duvidando que ela é verdade para nosso povo. Toda nossa mentalidade será determinada por esse princípio.

Dois elementos no mundo. Natureza morta.

O universo consiste de dois elementos: o morto e o vivo. Leis estritas de física governam o elemento morto. A essência da atividade dele é reduzida à fórmula: "causa e efeito." Ele contém massas de "matéria," principalmente na sua forma grosseira, quase selvagem, e "energia" física. Ambas estão em constante movimento, com uma pletora de elementos, a união e divisão dos quais automaticamente produz resultados estritos e precisos. Esses resultados podem ser precisamente definidos. De fato quase todos eles têm sido estudados por ciência precisa, e a humanidade usa esse conhecimento em seus próprios interesses e necessidades, às vezes em seu próprio detrimento. Matemática é a governadora nessa esfera. matemática é, em si, uma perfeita acurácia. Regras matemáticas são estritas e imutáveis. Em sua aplicação para a natureza morta, para a determinação das causas e efeitos, a matemática revela e ilumina a estrita uniformidade no ir da causa para o efeito. Nesse elemento mundano as leis são automáticas.

Leis da razão e objetivos.

O elemento vivo é outra questão completamente. A vida em si é uma misteriosa essência e existência. Nos seres mais elementares, começando com as bactérias invisíveis ao olho, automatismo e mecanicidade estão visivelmente superadas. Seres vivos, das mais baixas formas em diante, revelam sua vontade própria em movimento, no desejo de comer, em alguns elementos de orientação, na habilidade de sentir, em compreensão, e então em uma forma de razão e "propósito." Esse propósito pode ter várias direções. Por certo, aqui a lei da "causa" está ativa, mas é regulada por desejos "pessoais": uma planta sabe quando é saudável se virar para a luz, quando deve se esconder ou abrir seu botão de flor. No pequeno planeta Terra — que riqueza de formas de seres vivos no mundo vegetal e animal! E a fonte da nutrição deles todos é matéria morta: terra, ar, água e assim por diante.

E quão oportuno acontece ser, que a natureza morta é imutável em suas "leis de causa!" E quão facilmente os elementos vivos são capazes de usar os mortos!

E que incompreensível Sabedoria ativa nos é revelada em sua união e coordenação!

A vida é surpreendentemente capaz de se coordenar em relação à natureza morta. Não obstante, liberdade é inerente para a vida também. Ela não pode ser trancada dentro da caixa de ferro da necessidade. Ele tem a força interna para quebrar as amarras da natureza morta. Claramente, a vida tem um começo particular, especial no mundo, que é espiritual em qualidade. Razão, vontade, habilidade para sentir e reagir são contidas inerentemente na vida.

Que grandeza de concepção! Que plenitude de existência nessa coordenação da morte com a vida: um domínio onde só as leis de causa e efeito têm o que dizer, com outro domínio, onde liberdade e oportunidade são as governadoras!

O homem.

O homem é um ocupante da terra e diretor dela. Mas ele é também um filho da terra. Ele é, num sentido, mais do que os outros seres uma parte do elemento vivo. Ao mesmo tempo ele está ligado ao seu corpo, que foi tomado da natureza morta, governada por precisas leis da casualidade matemática. Ele requer o conforto fornecido pela regularidade das leis do corpo. Ele também é capaz de limitar essa "pressão pela necessidade" exercida pelo corpo.

Animais também possuem propósito, mas com o homem esse propósito atinge um nível muito maior como um mecanismo geral, dirigindo, regulando e protegendo suas ações. A liberdade do espírito de vida às vezes só complica sua situação quando dois impulsos, vindo de duas fontes: corpo e alma, colidem.

Além disso, nós temos nossas próprias "razões espirituais," que entram em conflito com nossa oportunidade geral. Tudo isso cria uma complexidade assim como uma riqueza de nossa vida interior.

Sociedade.

A vida social é feita de vidas individuais, eis porque ela contém tudo que pertence a cada pessoa individualmente. No entanto, a situação aqui é mais complexa. Cada pessoa tem seu caminho próprio de vida, seus planos próprios para amanhã, sua própria liberdade e sua própria submissão às necessidades. Quando possível isso tudo pode ser objeto de acordo, mas às vezes pode surgir um conflito.

Nós reconhecemos que os humanos diferem dos animais pela altura de seus objetivos. Se nós aplicamos a mesma medida para a sociedade como um todo, pode-se realmente quantificar o esforço para limitar a vida do homem dentro da esfera da existência puramente prática, apesar de confortável e conveniente, se baseando na assunção que essa existência — de um individuo assim como da sociedade —é puramente "racional," terrena, de curto-prazo e, com efeito, sem sentido, "verdadeiro progresso" ? Mas tal progresso é o que hoje em dia é reconhecido como verdadeiramente científico.

O universo.

Pode-se dizer, de um ponto-de-vista materialista ou agnóstico: "Tu te esqueces que o planeta Terra é como um grão de areia no universo, e tu te vês como centro da criação, e nisso tu constrói tuas idéias religiosas, relacionando tuas conclusões do específico com o geral." Respondamos a essa possível observação. Em discussões a respeito de Deus, só se pode falar do Criador e Provedor do universo inteiro e nosso Salvador. A argüição volta para a sua fonte, quando se ouve o anuncio, supostamente de natureza científica, mas com uma qualidade misteriosa, de que existe um elemento na terra que, combinado apropriadamente com outros elementos, fornece um começo e uma centelha inicial de vida; é só requerido que a combinação ocorra, e a semente de vida surgirá.Mas ninguém revelou ainda tal lei entre a precisa regularidade qualitativa de todo material terrestre. Teremos que esperar por um inesperado "acidente"? De outro lado, se a terra é um grão de areia no universo, como realmente é, e se imagina um acidente e faz dele um exemplo para a possível aparição da vida no universo, então tal imagem da origem da vida não aparecerá como uma brincadeira de criança? De fato, nós vemos que, em todos os tipos e gêneros de seres vivos, vida vem da vida. Essa é sua lei.

Nós nos inclinamos diante da grandeza daquele panorama Bíblico que é descrito a partir da segunda linha do primeiro capítulo da Gênesis e que é escolhido em forma condensada e oferecido para nossa audição nas leituras do Velho testamento de três das maiores festas da Igreja: Nascimento de Cristo, Epifania e Grande e Santo Sábado. Apresentamos o começo e o fim dessa leitura da Igreja. Gen. 1:1-13.

"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas... E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi... E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro."

"E disse Deus."

A criação inteira do mundo foi realizada dentro de seis dias, como é relatado no primeiro capítulo do livro da Gênesis. Os atos separados são expressos em três palavras: "E disse Deus." Claramente, a palavra "disse," repetida nove vezes, simboliza a vontade de Deus e sua realização de maneira desimpedida e absoluta. A primeira vez que ele é dita, de acordo com o texto, as massas mortas foram preenchidas com luz doadora-de-vida, necessária para a existência dos futuros elementos vivos. Na curta afirmação de Deus que se segue algo como "sementes ou raios de vida" são enviados para o mundo. Eles não são puramente físicos, mas possuidores de propriedades espirituais, sem peso, e instrumentalmente incomensuráveis. Tais grãos de vida atrairão e vivificarão as partes da matéria e energia terrestres, enchendo assim o mundo de seres vivos. O homem nessa esfera terrestre é a criação mais elevada de Deus, sua alma carregando o "sopro de Deus em sua face."

"E disse Deus...e foi a tarde e a manhã..." Essa palavras foram ditas pela primeira vez no terceiro dia, e foram repetidas nos demais dias. Cada tarde e manhã eram o começo e o fim do "período noturno," quando em cada ser vivo na terra, inclusos cada um de nós, o invisível e intangível processo de crescimento está ocorrendo, quando força está sendo recuperada, e todos os poderes são refrescados e renovados. Na manhã nós levantamos e vemos algo novo na natureza: uma flor se abriu, ou um novo ser apareceu. Não é o processo que nós encontramos na narrativa bíblica? Depois de cada verso, "e assim foi" — nós lemos a confirmação: "e viu Deus que era bom." Essa percepção é muito parecida com aquela do ser humano.

Moises escreveu sua narrativa para o povo da terra, para sua nação, para a instrução espiritual deles e nossa. Por essa razão é limitada ao tema da terra e da humanidade. Nós não somos proibidos de considerar a possibilidade de que em outros lugares do universo, condições similares as que existem na Terra também possam existir.

Nosso pensamento é golpeado por outra coisa: a elevação de espírito e pensamento do profeta Moises, sua ousadia, por medida humana, mas inspirado por Deus, em aceitar a seguinte tarefa: dar uma imagem geral da criação da Terra, da aparição da humanidade na Terra; sua primeira história; a história da nação dele, como escolhida de Deus; afirmar o monoteísmo nesse povo e começar a história da Igreja de Deus no Velho Testamento. Sua língua nacional era primitiva e, idéias abstratas eram estranhas para ela. As habilidades do escritor eram primitivas também. Mas a tarefa foi realizada, e isso quatro mil e quinhentos anos atrás!

Se o princípio do "resultado" claramente age na esfera do nosso mundo, se a harmonia na coordenação com as leis da natureza inanimada é expressa em suas partes mais vitais, sendo os elementos inanimados de utilidade para os seres vivos, se vemos profunda inteligência e ordem em tudo isso, — disso nós somos preenchidos com uma consciência da bênção e bondade de Deus, — nós só podemos rejubilar com a grandeza da criação do universo e de nossa terra; devemos pensar e agir para sermos dignos da bondade de Deus e dos dons Dele, inimitavelmente gravados nas palavras do Apóstolo Paulo aos Romanos:

"Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!... Porque Dele e por Ele, e para Ele, são todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente. Amém" (Rom. 11:33 e 36).

 

Os céus foram

estabelecidos pelo Verbo de Deus.

"No princípio era o Verbo... Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo. 1:1 e 3).

"Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da Sua boca" (Sl. 33:6).

Um artigo em um dos periódicos de nossa igreja falou orgulhosamente da altura e profundidade do ponto-de-vista Cristão expresso nos quatro Evangelhos. Ao mesmo tempo, ele expressou a inaceitável e falsa noção de que nas primeiras frases do Evangelho de São João, onde o Senhor Jesus Cristo é chamado de "Logos" no texto grego e de "Verbo" no texto eslavo, esse nome teria sido, supostamente, tomado pelo Evangelista da filosofia grega, especificamente das concepções judeu-helênicas de Philon, o filósofo judeu da antiga Alexandria. "Ainda que sua visão não coincida inteiramente com o Evangelho de São João, muito permanecerá não-claro sem nos tornarmos familiar com sua teoria filosófica," alega o artigo.

Uma alma Cristã não pode concordar com isso.

No conjunto todo dos livros do Novo Testamento onde se pode tentar estabelecer uma ligação entre as verdades Cristãs e a filosofia grega? O Apóstolo Paulo não fala sobre a sabedoria dessa época: "Ninguém se engane a si mesmo... Porque a sabedoria desse mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia." "...: o Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos" (I Co. 3:18 a, 19-20). A quem o Apóstolo censura por cegueira e estreiteza mental? E a respeito do Apóstolo João devemos dizer: era necessário que se voltasse para filosofia mundana justo ele que declarou com toda força de espírito: "... e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? ( I Jo. 5:4 b-5).

Se o Apóstolo João tivesse tido, em sua mente, uma certa misteriosa imagem de um "Logos" pela qual ele estivesse escrevendo o Evangelho, ele teria continuado a usar esse nome para o Senhor em seus escritos. Mas isso não acontece. Esse mesmo primeiro capítulo de seu Evangelho está cheio de outros nomes para o Salvador: Vida, Luz, Filho Unigênito, que está no seio do Pai, Cordeiro de Deus, Messias, Filho de Deus, Rei de Israel, Rabi, Filho do homem. E somente no 14° versículo desse capítulo nós lemos: "E o verbo Se fez carne, e habitou entre nós..." Mas isso está muito longe de qualquer imagem filosófica, porque nós lemos depois, no mesmo versículo: "...e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade."

Sim, o Evangelho de João é verdadeiramente o Evangelho do "Verbo," mas do "Verbo de Deus," pois ele consiste quase que completamente nas palavras do próprio Senhor Jesus Cristo, e, além disso, o próprio Senhor testemunha: "A Minha doutrina não é Minha, mas Daquele Que Me enviou" (Jo. 7:16). O Evangelho de João é verdadeira "Teologia." É o quarto Evangelho escrito em ordem de tempo. Mas na consciência da Igreja e na prática dos ofícios da Igreja é o "primeiro." O ciclo das leituras Litúrgicas começa precisamente com a leitura do primeiro capítulo: "No princípio era o Verbo..." Por conta dessa honra, o autor do Evangelho é chamado de "o Teólogo" na Igreja Ortodoxa.

Nós devemos rejeitar definitivamente a afirmação do mencionado artigo e de outros artigos similares, tais como: "João usou o conceito de Logos, aplicando-o ao nome de Jesus Cristo, e deu a esse conceito um novo significado."

Foi o Apóstolo João algum pensador de gabinete, mantendo traços do espírito da filosofia, em sua variedade verdadeiramente grega ou judaico-helênica? O seu interesse estava virado para papiros ou rolos de couro com idéias filosóficas em uma antiga livraria? Ou usaria ele idéias acidentais ou passageiras para seu grande propósito?

Há só mais um lugar, dentro dos textos do Novo Testamento, onde o Salvador é chamado de "a Palavra": no 19Ί capítulo do Apocalipse de São João o Teólogo: "E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e O que estava assentado sobre ele... e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão Ele mesmo. E estava vestido de uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual Se chama é a Palavra de Deus" A exegese bíblica vê uma direta ligação entre essa imagem e como se fosse a realização da visão descrita pelo Profeta Isaias no capítulo 63 de seu livro: "Quem é este, que vem de Edon, de Bozra, com vestes tintas... Porque está vermelha a tua vestidura, e as tuas roupas como as daquele que pisa no lagar? – Eu sozinho pisei no lagar... e o ano dos meus remidos é chegado... Tu, ó Senhor és nosso Pai; nosso Redentor desde a antigüidade é o Teu Nome" (cap. 63:1-4, 16).

A coerência desses dois lugares no Evangelho e no Apocalipse, além de seu significado espiritual, é importante para nós porque confirma que o Apóstolo João escreveu o Apocalipse, sendo inspirado do alto. É importante também porque o Senhor é chamado de Palavra de "Deus," o que nega qualquer idéia filosófica de "Logos" como um Ser independente, um mediador entre Deus e a Criação, ou um "Paráclito" (como o autor do citado artigo se refere ao Logos). O Senhor chama o Espírito Santo de Paráclito, ou "Confortador," em Sua discussão final com Seus discípulos.

Isso já é bastante atenção para com o artigo. Mas a questão ainda permanece não-clara: porque o Evangelista se referiu ao Senhor Jesus Cristo como "Verbo" e "Palavra," ou "Logos" nas primeiras linhas de seu Evangelho? E ao mesmo tempo, porque nós encontramos o nome Logos, ou Verbo ou Palavra, somente nessa linhas do Novo Testamento? Que o Santo Apóstolo nos perdoe por tentarmos invadir seu sagrado pensamento, que não está muito claro para nós, com nossas mentes estreitas e pecadoras, e por entrarmos naquela região da alma, que é usualmente chamada de "o subconsciente."

A atenção de cada Cristão familiar com a Bíblia é atraída pelos paralelos que se pode notar entre o começo do livro Gênesis do Velho Testamento e o começo do Evangelho de São João desde as primeiras palavras. Nós iremos revisar esses paralelos.

"En arhi" — "no princípio" — são as primeiras palavras de ambos os santos escritos. O grego "arkhi" tem três significados fundamentais: a) o princípio de um evento ou tarefa, no significado usual e comum da palavra; b) liderança, domínio ou poder; c) histórico, passado, antigo, no sentido religioso—ilimitado e eterno.

Na linguagem original do livro, Moises usa essa palavra em seu sentido usual, primário: Deus, antes de qualquer de Suas ações fora de Si mesmo, criou o céu e a terra. A mesma palavra esta em primeiro lugar no Evangelho de João, mas o Santo Apóstolo eleva a idéia da palavra grega "arkhi": "No princípio era o Verbo" — Verbo, como a existência Divina pessoal, "era no começo" — antes de qualquer outra existência, além disso: antes de qualquer tempo, em eternidade ilimitada. Nesse mesmo Evangelho essa palavra é repetida, com o mesmo significado: apresentamos o versículo aqui. Quando os judeus perguntam ao Senhor: "Quem és Tu?" —Jesus respondeu para eles: "Isso mesmo que já desde o princípio vos disse" (Jo. 8:25) — Tin arkhin, oti ke lalo imim. Assim o primeiro livro de cada Testamento, Velho e Novo, começa com a mesma palavra expressiva; mas no livro do Novo Testamento tem um significado mais elevado do que na Gênesis.

Mais adiante nos textos de ambos os livros, especialmente nos cinco primeiros versículos de cada um, nós notamos essa conexão interna. Talvez ela não tenha sido feita de propósito pelo Evangelista, já que a seqüência não coincide exatamente. Essa conexão pode ter sido o resultado natural da essência dos dois assuntos. Aqui nós notamos a superioridade dos eventos do Novo Testamento quando comparados com aqueles do Velho Testamento. Iremos comparar os lugares paralelos na Gênesis e no Evangelho.

 

 

1."No princípio criou Deus..." "E disse Deus:

Haja..."

 

 

 

 

 

 

2. "E a terra era sem forma e vazia"

(sem vida)...

 

 

 

 

 

3. "E disse Deus: Haja luz."— isso é dito a

respeito de luz física.

4. "... e havia trevas sobre a face do abismo;... "

Nas linhas seguintes:

5. Sobre o Espírito Santo: "E o Espírito de Deus Se movia sobre a face das águas."

 

6. "E disse Deus:Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança...E criou Deus o homem à Sua imagem;... "

 

7. "...Ele descansou no sétimo dia de toda a Sua obra, que tinha feito," (Gen. 2:2).

1. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus."

Aqui a verdade do Monoteísmo é elevada através

da revelação da segunda Pessoa — o Filho — em

Deus. A expressão "estava com Deus" é esclarecida

mais tarde, no versículo 18: " ...o Filho unigênito

que está no seio do Pai..."

 

2. "Todas as coisas foram feitas por Ele (o Verbo),"

e sem Ele nada do que foi feito se fez."

O verbo "fez" é esclarecido com as palavras "por

Ele(o Verbo)," o que demonstra a participação da

segunda Pessoa Divina, o Criador do mundo todo,

o executor da vontade do Pai.

3. "Nele (o Verbo) estava a vida.

4. "Ali estava a Luz verdadeira, que ilumina todos

os homens...." O assunto do pensamento é imensamente elevado, apesar de usar a mesma palavra."

A respeito do Verbo, o Filho de Deus: Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não O conheceu ."

6. As palavras de João Batista: "E eu não O conhecia; mas, para que Ele fosse manifestado a Israel, vim eu, por isso, batizando com água. E João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do céu como uma pomba, e repousar sobre Ele" (cap. 1:31-32).

7. A respeito do Verbo adotando natureza humana: "E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua glória; e vimos a Sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (cap. 1:14).

8. A Vinda do Verbo para a terra. A glória do Salvador: "... daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem" (Jo.1:51).

 

Essa coerência de pensamentos e expressões entre os dois livros santos do Velho e do Novo Testamento, essa luz do Evangelho, considerado ser o primeiro pela autoconsciência da Igreja, que se derrama sobre o primeiro livro de Moises, o que é confirmado pelas próprias palavras do Apóstolo no primeiro capítulo de seu Evangelho: "E todos nós recebemos também da Sua plenitude, e graça por graça. Porque a Lei foi dada por Moises; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" (16-17).

E não há necessidade de se procurar por uma fonte do nome "Logos-Verbo ou Palavra," que se tornou uma parte integrante da tradição Cristã. E esse nome ou noção, não é de modo nenhum estranho ao Velho Testamento: "Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito de Sua boca" (Sl. 33:6), — é dito no Saltério, que era parte da leitura diária dos hebreus. Essas palavras são idênticas no velho texto hebreu e na "Tradução dos Setenta." O mesmo é encontrado no Salmo 119:89: "Para sempre, ó Senhor, a Tua palavra permanece no céu;" o mesmo no Salmo 107:20.

Mas a conversação final do Senhor com Seus discípulos é uma fonte ainda maior de iluminação para nós: "...; ora, a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai Que Me enviou" (Jo. 14:24).

"... porque tudo quanto ouvi de Meu Pai vos tenho feito conhecer" (15:15) "Tudo quanto o Pai tem é Meu" (16:15). Esse é o assunto básico daquela grande conversação, assim como da oração que se seguiu falada pelo Senhor (Jo. 17).

A Igreja Ortodoxa amorosamente aceitou o nome do Filho de Deus como "Verbo" e usa-o freqüentemente, mas nunca só ele, mas sempre com algum outro de seus atributos: "... Deste à luz o Verbo de Deus..."(oração à Virgem), "Ó Filho Único e Verbo de Deus" (na Liturgia); "Ó regulador de tudo, Verbo do Pai"(orações antes de dormir).

 

A Fé como um Dogma.

Nosso professor de fé viva, o santo padre São João de Kronstadt, em seu livro "Minha vida em Cristo," nota: "Fé é uma chave para o tesouro de Deus." Essa é uma definição da fé, muito valiosa e muito sábia. A fé concede acesso às riquezas do tesouro de Deus de vida e eternidade. Ele continua: "Ela (a fé) reside em um coração simples e amoroso. Se tu podes crer de fato, tudo é possível para o crente."

Ele também escreve: "A fé é como se fosse uma boca espiritual: quanto mais livremente ela se abre, maior o fluxo de fontes Divinas que entra em nós; que essa boca se abra (em oração) tão livremente quanto a nossa boca corporal; que ela não seja trancada por dúvidas ou falta de fé: se ela for trancada por dúvidas ou falta de fé, então o tesouro de bênçãos de Deus estará fechado para nós. Quanto mais de coração aberto nós pudermos acreditar no Total-poder de Deus — maior será a generosidade do coração de Deus será revelada para nós. Quando nós pedimos em oração, acreditai, isso nós receberemos: e será dado a nós" (Minha vida em Cristo, vol. 1, pg. 242).

Por essa razão a fé pode ser chamada o primeiro dogma do Cristianismo. O Novo Testamento inteiro é cheio de pregação de fé.

É difícil explicar a noção de fé. O Apóstolo Paulo diz o seguinte: "Fé é a substância de coisas esperadas, a evidência de coisas não-vistas." "Substância de coisas esperadas" — é a admissão de que indubitavelmente há, ouve e haverá Ele, em Quem nós esperamos; há uma confirmação interna, misteriosa notificação, de que isso é como é. "Evidência de coisas não-vistas" — ainda que não possa vê-la, ainda que ela não seja revelada através de experiência externa, mesmo assim o invisível é revelado através de experiência interna: na expansão de horizontes espirituais, através de alegria ou de outra maneira – através de oração.

A fé só é válida e ativa numa pessoa quando seu objeto é real, e não somente imaginário.

A fé une alguém com aquilo em quem ou no que esse alguém acredita.

A fé só pode ser forte se o objeto da fé é forte ou procede de um Poder mais alto.

A fé é alegre, porém só quando nós acreditamos em algo perfeito, genuíno e elevado.

A verdadeira fé eleva, dá asas, torna invencível, purifica, conduz para o céu. Essa é a fé Cristã.

Mas se nós fazemos de algo falso o objeto de nossa fé, ela só resultará na destruição dos bons elementos da alma; ela não será duradoura e se renderá facilmente para um objeto de fé similarmente falso.

Quando as pessoas se ligam por fé com aquilo que, apesar de real, é baixo ou maligno, então essa fé rebaixa a moral dessas pessoas, e lãs são pegas nas redes de poderes malignos.

Credulidade não é fé. Credulidade é uma expressão de frivolidade, uma aceitação superficial daquilo que acabou de ser ouvido. Credulidade revela uma preguiça e ingenuidade da alma e da mente. O que é aceito facilmente, é perdido também facilmente.

Fé religiosa traz substância e significado para a vida de uma pessoa. Ela cria uma plenitude de vida espiritual. Ela, ainda que temporária ou parcialmente, separa a pessoa de interesses baixos e terrenos, conduzindo-a para a região de emoções elevadas, moralmente puras, santas. Essa fé é adquirida facilmente? — Depende do estado espiritual da pessoa, do conteúdo dos seus pensamentos, hábitos e desejos. Quanto mais pura a alma, mais facilmente ela aceitará o bem. Quanto mais ela for sensível à bondade, mais facilmente ela responderá ao chamado do alto. Mas fé é mais exigente que credulidade, porque ela sempre demanda sacrifícios. Mas de outro lado, esse sacrifício, suportado com fé, torna-se mais fácil, e nos casos mais elevados, mais raros, conduz até para auto-sacrificios jubilosos. Essa fé requer quase nenhuma prova visível ou mental. É por isso que o Evangelho diz: "... bem-aventurados os que não viram e creram" (Jo. 20:29),

Há às vezes uma descrença não-pecaminosa: "Eu creio Senhor, ajuda minha descrença." Essa confissão não impede a cura da pouca fé possuída. Houve a fé do Apóstolo Tomé, ligada com uma sede pelo complemento e reforço da fé, expresso nas palavras: "Se eu não vir... de maneira nenhuma o crerei" (Jo. 20:25). Isso significa, ele não terá aquela alegria, que ele teria tido "vendo," como os outros Apóstolos tinham tido. Às vezes, dúvidas ou "suspeitas" em relação a boas novas da verdade só mostram como é tremendamente importante essa nova para a pessoa, assim como é pura e grande sua alma, como nós vemos no caso do Apóstolo Tomé.

Fé religiosa não é como acreditar no próprio poder. Algumas seitas religiosas estão em erro muito grave, quando elas ensinam que os benefícios e dignidade da fé "como ela é," estão no que é desejado: convencendo as pessoas de sua própria saúde, sucesso, bem-estar. Tal fé é auto-engano e é um inimigo do Cristianismo.

Nós podemos chamar firmemente nossa fé Cristã o primeiro dogma do Cristianismo. Nós começamos nossa confissão diária de nossos fundamentos Cristãos com essa afirmação: "Creio em um só Deus ..." do Credo de Nicéia.

De acordo com Santo Irineu de Lion, fé é o vaso para coletar água vivificante, e essa água vivificante é a graça de Deus.

"É impossível agradar Deus sem fé, pois é demandado que uma pessoa acredite que Deus existe, e que recompensa aqueles que O buscam."

É por isso que somos comandados: "Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos." — confira a ti mesmo, se tens fé (2 Co. 13:5), ensina o Apóstolo.

À qual capacidade da alma pertence a fé: à mente,à vontade ou ao sentimento?

Parcialmente, o objeto de nossa fé está contido em nossa mente. Porém, isso é mais do que conhecimento ou uma "suposição confirmada" que com freqüência pode ser vista em nossas vidas. A fé possui uma única força motivadora.

Ela não pode ser chamada de um "fenômeno da vontade" porque, apesar da fé poder mover montanhas, um Cristão recusa sua vontade própria, entregando-se para a vontade de Deus: "Seja feita Tua vontade em mim, um pecador."

Pertence a fé ao reino do sentimento? Ela é mais complexa do que os sentimentos de um indivíduo: ela tem elementos de temor, honra, reverência, humildade. Por isso, ela se infiltra na alma toda.

A fé só é ativa quando a alma está unida com a graça de Deus. E isso acontece em grande extensão quando a alma está embelezada e unificada por amor. Como diz o Apóstolo Paulo: "Fé que opera por amor.," que o eslavônico da Igreja expressa tão bem com as palavras: "Fé acompanhada com amor," como se os dois estivessem andando juntos suportando um ao outro em sua atividade (Ga. 5:6).

Fé é um poder ativo. Mas não age através do poder de imaginação ou auto-hipnose, como algumas seitas a definem, mas estando ligada com a fonte de toda força — Deus. "Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d’água viva correrão do seu ventre" disse o Senhor (Jo. 7:38).

O Cristo da Igreja é fundado na fé como numa rocha, numa base sólida. "Os quais pela fé venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas dos leões. Apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos" (Hb. 11:33-34).

Como deveríamos entender as palavras do Senhor para os Apóstolos: "... se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esse monte: passa daqui para acolá — e há de passar; e nada vos será impossível"? (Mt. 17:20) Não fala o Senhor sobre a possibilidade da fé ser desenvolvida em alguém pelo seus próprios poderes?

Por certo absolutamente não. O grão de mostarda, não importa quão minúsculo, tem em si próprio a plenitude de vida. Contendo vida no menor pedaço de "matéria," ele prossegue para seu propósito e o atinge sem o menor desvio, sem, por assim dizer, pecado pessoal. O Senhor falou de uma perfeição definitiva pela qual todos os Cristãos devem se esforçar. Ele falou do ápice da santidade, na qual o crente é unificado com Deus, Cuja força é ilimitada. Os Apóstolos e todos os realizadores de milagres que os sucederam sempre realizaram curas e outros atos miraculosos no nome do Senhor Jesus Cristo, através do poder da fé Nele e do poder da oração para Ele, ou no nome da Santíssima Trindade, realizando a profecia: "... aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas" (Jo. 14:12). Quando as pessoas, atônitas porque o Apóstolo Pedro tinha curado uma pessoa que era coxa de nascimento, correram para os Apóstolos, Pedro disse a elas: "Varões israelitas, porque vos maravilhais disto? Ou, porque olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar esse homem?... E pela fé no Seu nome fez o Seu nome fortalecera este que vedes e conheceis; e a fé que é por Ele deu a este, na presença de todos vós, esta perfeita saúde" (Atos, capít. 3).

A essência do Cristianismo é fé no Filho de Deus, o Unigênito, Que veio na carne para a salvação das pessoas, para conceder a elas vida eterna em Deus. O objetivo de todos os Escritos do Novo Testamento é estabelecer firmemente fé naqueles que são chamados por Deus e respondem ao chamado, como nós lemos no último capítulo do Evangelho de São João. A princípio todo Cristianismo histórico, Cristianismo no sentido lato da palavra, baseia-se nesse ponto básico da fé. Com o passar do tempo ele se despedaçou em muitos grupos que estão dissociados uns dos outros. Não é surpresa que os Cristãos mais sensíveis tenham ponderado sobre como superar as divisões e diferenças em pensamento. Essa idéia veio do Protestantismo. Eles querem entrar no "movimento" das igrejas antigas históricas, não obstante a "ortodoxia" e conservadorismo exterior dessas últimas que são tão estranhos ao Protestantismo. Os representantes das igrejas Ortodoxas, por outro lado, encontrando-se em situação difícil, esperam encontrar alguma proteção nesse movimento e assim respondem as propostas dos Protestantes.

As esperanças de uns são fracas, e as esperanças dos outros são lamentáveis. É significativo que o ateísmo organizado não é hostil para com esse movimento e até ajuda-o.

A entrada de Ortodoxos nesse movimento esquece e até mesmo sacrifica certos pontos de sua fé Ortodoxa. O mais importante na fé é esquecido e perdido. Todos o Cristianismo não-Ortodoxo perdeu a Igreja. E os Ortodoxos entrando nesse "movimento," o ecumenismo, não entendem que eles estão deixando a Igreja. A Igreja não é um ajuntamento ou união de pequenos-crentes e pecadores, conduzidos por "teólogos estudados." A Igreja é uma existência ou um mundo unificado espiritualmente, um organismo Céu-e-terra, cuja Cabeça é o próprio Cristo. A Igreja possui completa santidade e unidade. Os Apóstolos são seus líderes espirituais. Ela é verdadeiramente universal, porque ela envolve o Céu e a terra. E nós, na terra, vivemos nela, respiramos seu espírito, mas nela nós ainda somos "chamados." Sendo aceitos na Igreja, nós somos os escolhidos, mas nós ainda não temos as vestes para entrar na Câmara de Cristo. "Na verdade, eu contemplo Tua câmara adornada, e não possuo manto para nela entrar." Nós ainda estamos em perigo de nos desviarmos do caminho, como muitos e muitos já perderam esse caminho. Nós estamos na Igreja, mas nós estamos entre aqueles "sendo salvos," não entre aqueles já salvos. E assim nós devemos ser particularmente fiéis para com a Igreja, onde nós podemos receber ajuda dos professores e irmãos celestes.

Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, que foi, é e será até o final do mundo.

 

Do conhecimento ao conhecimento de Deus.

"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não trabalham nem fiam; E Eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles" (Mt. 6:28-29).

"Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas" (Rom. 1:19-20).

Nós usualmente usamos dons da natureza para satisfazer nossas necessidades diárias. Ao mesmo tempo, às vezes, nós devemos nos defender contra as forças da natureza, e até mesmo lutar contra elas. A ciência aplica toda a sua força no estudo da natureza. Essa análise é quase que inteiramente dedicada à aplicação dos poderes e recursos da natureza em uma maneira prática e utilitária. A melhoria estética das plantas também é motivada pelo desejo egoísta de decorar nossos ambientes. O estudo da vida animal parece não-lucrativo na maioria dos casos, com suas observações e testes científicos, mas geralmente ele contém uma visão e aproximação materialista. Esse caráter utilitário e terrestre de acessar a natureza em sua totalidade é olhado hoje em dia como completo, inteligente e racional.

Mas, por certo, muitas pessoas não concordam com essa visão estreita e egoísta, nem com sua influência insalubre na alam humana. Se a humanidade como um todo declara: "Tudo é nosso," a moralidade individual tira sua própria conclusão: "Tudo à minha frente é para mim," — e essa já é a razão para a violação de leis sociais e crimes. Essa é uma conclusão simples e natural.

Nós, ao contrário, vivemos segundo noções Cristãs que são independentes dessa retórica prática. A natureza em sua grandeza e plenitude permanece diante de nosso intelecto. Ela é cheia de mistérios não resolvidos. Ela é cheia de razões, que em boa parte parecem ser totalmente inacessíveis à mente humana. Até nos dias presentes, forças desconhecidas são reveladas nos eventos mais comuns da natureza. O universo inteiro, assim como suas partes, têm sua própria direção, coordenação e propósito. Está cheio de razões.

Só resta para nós admitir que o universo não precisa dos humanos para tomar conta dele. Ainda mais, nossas atividades são, com freqüência, uma violação dos seus direitos. Em vastas áreas da terra áreas mortas ou construções sem vida tomaram o lugar de vegetação viva.

Mas a grandeza da mão criativa de Deus vista na natureza, não é diminuída por isso. "Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de Suas mãos" (Sl. 19:1). Por essa razão os mentores, padres e professores da Igreja, desde os tempos antigos até tempos recentes, com freqüência dirigem nossa atenção para a natureza — uma pregadora do poder, bondade e grandeza de Deus. Assim São Basílio em sua obra "Seis Dias" descreve o nascimento do universo em toda sua diversidade, de acordo com a descrição da Gênesis. Seu irmão, São Gregório, o Bispo de Nissa, seguiu no mesmo assunto, de alguma forma suplementando e esclarecendo as palavras de Basílio, e em parte, dando especial atenção à origem da humanidade. O Venerável João Damasceno em sua obra dogmática "Exposição sobre a Fé Ortodoxa" incluiu até mesmo um capítulo sobre os movimentos dos corpos celestes e sua formação geral, de acordo com as idéias científicas de seu tempo. E o justo São João de Kronstadt não chamou-nos para ver Deus na natureza em seu diário "Minha vida em Cristo," como também fez uma longa série de sermões para seus paroquianos sobre a vida na natureza, de acordo com a descrição dos seis dias da criação nas Escrituras.

Nós citaremos agora, como exemplo, várias passagens a respeito de vida de plantas e do organismo humano do trabalho de São Gregório de Nissa "Sobre o Sistema Humano."

A respeito da natureza.

"Imaginemos um jardim. Um milhar de diferentes árvores e vários tipos de plantas crescem ali, cada uma delas diferente em aparência, cor e qualidade de crescimento. Tantas plantas em um só lugar, todas nutridas pela mesma mistura! Apesar da força da mistura, enchendo cada uma delas ser a mesma em essência, ainda assim as plantas usam a mistura de acordo com suas diferentes necessidades. Em absinto, a mistura torna-se rançosa; em cicuta aquática, ela se torna um sumo venenoso; em outras — açafrão, bálsamo, papoula — ela desenvolve outras qualidades: em uma — ela aquece, em outra — ela refresca, numa terceira fica em algum lugar no meio... em louro, cravo e plantas similares — ela é fragrante; no figo e na pêra — doce; na vinha ela torna-se uva e vinho. O gosto da maçã, o vermelho da rosa, a brancura dos lírios, o azulado das violetas, o púrpura do jacinto, e tudo que pode ser visto na terra, crescendo de uma e a mesma mistura, difere em tantas variedades de aparência, construção e qualidades."

O santo bispo vê em tudo isso o miraculoso respirar da vida. Ele chama de ou "força da vida," "mente," ou num certo sentido "alma." Essa última noção ele divide em três categorias: "a alma nutridora de crescimento" no mundo das plantas, "alma sensitiva" no mundo animal, e "alam racional" no homem. Há três estágios consecutivos estreitamente ligados. E o homem, desde seu nascimento, passa através dos estágios iniciais, antes que sua alma racional seja revelada completamente, ela que desde o início já era parte de seu potencial.

Seguindo o pensamento do santo bispo, podemos acrescentar que as plantas têm os elementos iniciais da "sensibilidade," por exemplo, para a luz, para calor, até para toque estranho. Elas podem até ter a habilidade de reagir ao que elas "sentem," e também o instinto de atrair atenção para si através de lado estético. Os botânicos podem, por certo, nos contar muito sobre isso!

São Gregório então escreve sobre o homem:

"Um milagre similar é realizado pela natureza, ou melhor, pelo Senhor da natureza, a nosso respeito como seres animados. Ossos, cartilagens, vasos pulsantes de sangue, fibras musculares, ligamentos, o corpo em si, pele, gorduras, cabelo, glândulas, unhas, sobrancelhas, ouvidos, e tudo que é similar e, além disso, milhares de outras conexões diferindo umas das outras por várias características — todas essas são nutridas pelo tipo de alimento característico para a natureza delas, para que o alimento, aproximando-se de cada um de seus membros se modifique apropriadamente. Se for perto do olho, ele se dissolve nesse órgão de visão e, de acordo com as características de cada parte do olho, se separa para nutrir cada uma delas. Se se aproxima dos órgãos de audição, ele se mistura com habilidade de ouvir; nos lábios, torna-se o lábio; nos ossos ele se endurece; no tutano ele se amacia; ele muda para tensão nos músculos, estica-se sobre a superfície na forma de pele, torna-se unha, torna-se refinado o suficiente para produzir cabelo ondulado ou crespo se ele vai na direção dos ventos, ou reto e longo se se move numa linha reta."

Isso que foi dito há mais de 1500 anos atrás implora para ser suplementado pelo conhecimento moderno. Hoje em dia temos a nossa disposição os resultados de tais invenções do século XX, ou mais precisamente — das últimas décadas, que aparentam ultrapassar os poderes da natureza: os humanos ultrapassaram a sabedoria escondida na natureza e aperfeiçoaram suas bênçãos. Assim parece, ao menos superficialmente. Mas, só precisamos olhar profundamente para dentro de nós mesmos para vermos que todas as conquistas da cultura, incluindo o computador, se conformam aos dons iniciais de Deus que nós carregamos dentro de nós e dos quais fazemos largo uso. Assim, em nosso cérebro, nesse caso muito simples, nós temos um inumerável número de câmaras, onde temos nossos próprios dicionários de várias línguas, se nós as tivermos apreendido; livrarias em miniatura, formadas pelas notas de nossa memória; arquivos cheios com material de nossa vida inteira; trabalhos vocais ou musicais memorizados ou gravados em nossas almas; há um dispositivo fotográfico onde são guardadas inumeráveis fotos; quando estamos sozinhos, temos em nós mesmos uma audiência e uma classe para auto-instrução. O aparato de nosso cérebro nos dá a habilidade de reproduzir a qualquer momento o conteúdo do discurso que nós tenhamos ouvido, ou obras vocais ou imagens visuais que foram impressas lá. Nós mantemos em nossos cérebros as nossas riquezas espirituais, mas também lá deixamos com freqüência lixo desnecessário. Tudo isso pertence à nossa alma eterna, e o senhor e gerente dessa riqueza é nossa mente, nossa razão, que é também a avaliadora de nossa coleção. Seu trabalho é controlar nosso conteúdo espiritual, que é protegido de uma maneira inexplicável dentro do cérebro, um órgão físico, com toda a vida circundante, com a ajuda de uma série de outros órgãos físicos.

São Gregório sugere que suas leituras colocam mentalmente uma pessoa, como criação de Deus, próxima da escultura ou pintura dessa pessoa: que diferença entre o poder criativo de Deus e criatividade imitadora dos humanos! Então nós podemos perguntar, junto com o santo, se todas as conquistas modernas de nossa mente podem ser comparadas com a estrutura espiritual e física de nosso ser? Podemos comparar os atos abundantes-de-vida do Deus incompreensível, o Uno Criador e Provedor, com as muitas vezes sem vida, falsas e até mesmo mortas conquistas do gênio humano?

Sobre a composição e propósito do homem.

São Gregório nota que em seu tempo a questão se a alma ou o corpo tinha sido criado primeiro foi objeto de "confusão nas igrejas." Em resposta a isso, ele nega o próprio palavreado da questão. Nem o corpo sem a alma, nem a alma sem o corpo podem existir: eles são simultâneos em origem. As outras duas opiniões são fábulas tanto quanto o ensinamento sobre a transição da alma.

Todas três forças agem na natureza humana, como mencionado antes: o crescimento, o sentimento, e o raciocínio. "Mas não são três almas. A verdadeira e perfeita alma é, em essência, uma, inteligente e imaterial, unida através dos sentidos coma essência material." "Como a perfeição da alma consiste no poder da mente e no dom da palavra, então tudo que não é assim (na natureza) somente pode ser algo similar à alma, mas não uma alma verdadeira, mas somente alguma atividade viva, comparável à alma."

"Onde se poderia supor que resida a parte controladora da alma? Alguns dizem que o centro controlador da alma (a mente — Editor) está no coração. Outros alegam que a mente habita no cérebro." Os primeiros argumentam que o coração é o centro do corpo inteiro, razão pela qual o movimento voluntário é facilmente espalhado pelo corpo todo. Os outros vêem o templo do raciocínio no cérebro, dizendo que a cabeça é construída por natureza como uma fortaleza do corpo todo, com a mente residindo nela como um rei, cercada pelas áreas dos sentidos nas camadas exteriores do cérebro, como seus arautos e protetores.

"Eu também aceito que os sentimentos estão baseados nas camadas exteriores do cérebro, ficando sobre o cérebro dentro da cabeça, de acordo com os cientistas. Por essa razão o poder do pensamento da alma freqüentemente torna-se confuso; eu não nego tais assertivas depois de ouvir aqueles que fizeram pesquisa anatômica... Nós também não minimizamos o significado do coração... Mas paremos com o vazio falatório daqueles que querem confinar a atividade pensante dentro de qualquer parte do corpo como numa caixa... A alma e a mente pertencem ao corpo inteiro, à todos os seus membros; as duas comandam o corpo também...Mas como o corpo é construído como um instrumento musical, então, como com freqüência acontece na música, que os profissionais não possam mostrar sua habilidade devido a falta de mérito dos instrumentos — assim a mente, agindo ou no instrumento inteiro — o corpo, ou em membros individuais, só consegue resultados quando os membros são encontrados em seu próprio estado natural; mas se os membros do corpo não estão em seu estado natural, então a mente fica sem sucesso e inativa."

O corpo e a alma, de acordo com a lei maior colocada pelo comando de Deus, possuem um mútuo "ponto-de-partida," "de maneira que a pessoa não seja mais velha nem mais nova do que si própria...."

Como dizemos que uma semente de trigo ou qualquer outra semente potencialmente contém dentro de si tudo relativo ao seu futuro amadurecimento: folhas verdes, talo, galhos e sementes, assim também podemos assumir que ambos elementos de um organismo, o corpo e a alma, já estão presentes quando tudo está sendo esquadrinhado para o início de vida de uma pessoa, com todas as suas características. A aparência única de um indivíduo é baseada em suas qualidades iniciais. "Nós assumimos que o que o (organismo) vivo procura dentro de si para servir para o início de sua vida não é algo morto ou inanimado. O estado de morte resulta da perda da alma."

"Como o corpo cresce de sua menor para a sua altura total, assim a atividade espiritual se desenvolve e é revelada numa pessoa, de acordo com o desenvolvimento do corpo. No desenvolvimento inicial do corpo, há somente poder de crescimento na própria alma, como alguma raiz escondida no solo... Mais tarde, quando essa planta vem para a luz e mostra seu crescimento para o sol, o dom dos sentidos floresce. Quando essa planta amadurece e atinge a altura apropriada, então ela começa a mostrar poderes de raciocínio, como uma fruta, nem tudo ao mesmo tempo, mas crescendo rapidamente com o crescimento de sua casca física, dando seu fruto de acordo com os poderes individuais da pessoa."

A Imagem de Deus no homem.

Esse assunto é muito pertinente em nosso tempo, pelo fato de que, para alguns representantes do pensamento teológico e filosófico russo, ele está ligado com as idéias sofiológicas a respeito de uma presença feminina em Deus. Isso resulta de uma singular interpretação de Gênesis 1:27: "E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou." Aplicando o método de dedução reversa, contrário às leis da lógica, para esse versículo da Escritura, algumas pessoas encontram suporte para a idéia de uma misteriosa "Sofia," como faceta feminina em Deus.

"O que a palavra "imagem" significa? E como macho e fêmea coexistem nessa imagem, quando eles não estão presentes em Deus como a Imagem Primária?" — lê-se no cabeçalho do capítulo 16 do escrito acima mencionado do santo. Relataremos o conteúdo desse e de capítulos seguintes em forma condensada.

Os pagãos costumavam dizer: "O homem é um pequeno mundo," consistindo dos mesmos elementos que o universo. Mas usando esse grande nome eles não notavam que estavam honrando o homem com as características do mosquito e do rato... Porque é tão importante honrar o homem com a imagem e semelhança do mundo, quando o céu e tudo no mundo passam com o tempo? De acordo com os ensinamentos da Igreja, a grandeza do homem não está em sua semelhança com o mundo, mas sim em ser a imagem do Criador de tudo.

O que a palavra "imagem" significa? Somente a Verdade pode explicar isso claramente. Mas nós, tanto quanto podemos, pensamos nisso por conjectura e suposição.

De um lado, a patética pobreza da essência humana não pode ser comparada com a abençoada impassividade da vida Divina; de outro lado, — o Verbo, dizendo essas palavras a respeito da imagem de Deus no homem, não está mentindo. Porque a essência Divina é abençoada, enquanto a humana é calamitosa, se no Santo Escrito o humano é considerado comparável ao Divino? Examinemos precisamente as palavras. É dito: "Façamos o homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança;... E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou." A criação é completada de acordo com a imagem de Deus. Então essas palavras são repetidas, dizendo "macho e fêmea os criou," o que parece ser singular em relação à noção usual de Deus. Por essa razão a estrutura de nossa natureza é, de certa forma, dupla: uma é comparável à natureza de Deus, e a outra é diferente, sendo dividida em dois sexos... "Pois eu penso, que algum dogma grande e elevado está relacionado através das Sagradas Escrituras com o que é dito, e é o seguinte: a natureza humana está posicionada no meio das duas naturezas extremas, a natureza Divina — incorporal, e a vida silenciosa — muda e bestial; da Divina — verbosidade e raciocínio; da muda — a estrutura física, com a divisão entre macho e fêmea..." "Que ninguém fique bravo comigo pelo pensamento que se segue. Deus, por Sua essência, contem todo o bem que pode ser imaginado ou compreendido. Ele só criou o homem porque Ele é bom..., e o provê com graças que não faltam. E a palavra de Deus, unificando todo o bem dado para o homem, indica isso sucintamente: o homem foi criado "na imagem de Deus." Se a Divindade é a plenitude das bênçãos, e o homem é a Sua imagem, então somos capazes de tudo que é maravilhoso, de qualquer virtude e sabedoria; e uma dessas bênçãos é liberdade, porque virtude é algo que não pode ser subjugado, mas permanece livre sempre." Toda a humanidade tem essas excelentes qualidades, apesar de chamada coletivamente, na pessoa do primeiro homem, "Adão" ("alguém tomado da terra"). O que é forçado e compelido não pode ser virtuoso.

O santo responde a pergunta seguinte com grande cautela: porque o presente método de reprodução foi escolhido para a humanidade, e não um que "teria nos assemelhado aos anjos?" "Nossa opinião é a seguinte," responde ele, dando a seguinte razão: "Como o Criador viu com Sua "visão-percebedora-de-tudo" que a escolha humana não conduziria a humanidade para sua predestinada perfeição por um caminho reto, e por conseqüência ela se afastaria da vida Angélica, então, para que o número de almas humanas não permanecesse pequeno pela perda daquela habilidade pela qual os anjos crescem em número, — o Criador proveu o homem com outro método de reprodução, uma que se adaptasse melhor aos pecadores, fazendo esse método de sucessão mais parecido com o das bestas e sem sentido. É por essa razão, me parece, que o grande Davi, se apiedando da pobreza do homem, clama sobre a natureza humana com as seguintes palavras: "O homem que está em honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que perecem" (Sl. 48-20).

"Eu penso," — continua São Gregório, — que todas as paixões brotam dessa fonte, inundando nossa vida inteira... Amor pelo prazer, tendo um início como animal, ganhou poder na vida humana através da assistência dos pensamentos. Daí vieram, vingança, inveja, falsidade, más intenções, hipocrisia. Todos esses, rebentos das más intenções da mente. Mas, ao contrário, se a razão toma poder sobre esses movimentos, então cada um deles se torna em uma virtude. Assim, irritabilidade se torna coragem, timidez — cautela, medo — obediência, ódio—repugnância pelos vícios, poder do amor —desejo pelo verdadeiramente dignificado, e grandeza de disposição (conhecimento do próprio valor) —eleva acima das paixões... Assim o grande Apóstolo nos ordena a estarmos continuamente "pensando nas coisas de cima" (Coloss. 3:2). Então a elevação dos pensamentos se ajustará à beleza daquilo que é a imagem de Deus. Aqueles em quem a beleza inicial não desvaneceu são uma confirmação viva da verdade do que foi dito, que o homem foi criado com a semelhança de Deus."

Deus, Que governa tudo, também previu que a raça humana conquistaria algum dia uma certa plenitude, e então esse método de regeneração terminará. O tempo terminará também, e o universo inteiro será renovado. Com essa mudança, a humanidade passará de finita e terrestre para vida livre de paixões e eterna quando as trombetas da ressurreição soarão.

Assim, apesar do homem pecar depois da queda do céu, ele ainda mantém a imagem de Deus. Sua mente ainda tem os traços de sua Imagem Original. "Como Deus é mais maravilhoso que e superior a todo bem possível, a mente é decorada com a semelhança da beleza prototípica, como um espelho refletindo o que está diante dele. Então a natureza espiritual inteira adere à mente e é ela mesma embelezada por similar beleza, tornando-se como um espelho refletindo outro espelho; dessa maneira o lado material também é protegido e mantido. Assim, "enquanto um mantém o outro, a verdadeira beleza é comensuravelmente refletida em tudo; o que decora o mais alto imediatamente embeleza o mais baixo. Mas quando essa boa união é anulada, ou quando o mais alto segue o mais baixo, então, quando essa matéria mais baixa parte de sua norma, sua não-imagem é revelada (porque a matéria sozinha não tem imagem e nem estrutura). Então, através dessa falta de imagem a beleza da natureza, previamente realçada pela mente, é estragada. Então a impureza é transferida para a própria mente, de modo que a imagem de Deus não pode mais ser vista nos traços da criação (homem). A mente, permanecendo em si uma imagem da divindade, agora como um espelho estilhaçado, não reflete mais os belos traços da divindade, mas reflete a feiúra da matéria. Assim, pelo cancelamento do adorável, o maligno é introduzido."

"Nós, de outro lado, temendo tal desastroso resultado," — conclui o santo, — "ouvindo o chamado do Apóstolo Paulo: "... pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos. E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem Daquele Que o criou" (Coloss. 3:9-10), — retornemos para aquela divindade como a de Deus, com a qual Deus criou o homem no início, dizendo: "Façamos o homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança."

Quando nos familiarizamos com as obras dos santos padres, particularmente com os dos séculos IV e V, nós só podemos nos inclinar diante da maneira pela qual os padres da Igreja conheciam perfeitamente e empregavam seu conhecimento das Sagradas Escrituras. De outro lado, só podemos nos maravilhar com o grande conhecimento das ciências de seu tempo que eles possuíam, incluindo história, ciências naturais (como no exemplo acima), filosofia e até mesmo mitologia pagã (como São Gregório o Teólogo), na extensão que elas contribuíam para a formação da visão Cristã do mundo. Os curtos excertos dados do trabalho de São Gregório de Nissa, por certo, não mostram em que detalhe ele examinou a estrutura anatômica do organismo humano e todos os seus órgãos, correspondendo ao conhecimento de seu tempo. Ele fez isso para mostrar as condições favoráveis que se tem para atender ao chamado de "ser um amigo de Deus," como o profeta Davi é chamado na Gênesis, e para manter sua régia posição na terra.

O presente é muito diferente. Os diretores modernos da consciência humana se aproximam da psique de uma pessoa da mesma maneira que a natureza é tratada hoje em dia — com uma mente prática e de negócios. O presente estado é aceito como o requerido, norma perfeita, só capaz de desvio para um lado ou para outro. A psicologia experimental moderna foca o estudo dos vários desvios, subnormais e, talvez, estados espirituais artificiais. Daí o estudo da psicologia do subconsciente, suas fontes obscuras, esferas sombrias, expresso em sonhos ou tendências psicossomáticas semiconscientes. Não há menção de psicologia como uma ferramenta educacional para elevação moral dos humanos. A história manteve a memória de gênios humanos, fornecendo um rico material para a psicologia, assim como para a análise e esclarecimento da boa ou má condição da perfeição espiritual de uma pessoa. Uma ligação da psicologia moderna com a religião seria ainda menos provável que existisse. A literatura artística moderna está conduzindo para o mesmo caminho decadente.

Nossa época já se revelou totalmente. Não virá logo uma nova época, revelando poderes espirituais para reinstalar a união do conhecimento científico com a fé Cristã para criar uma visão unificada do mundo, os primeiros passos para a qual foram dados pelos padres da Igreja? Ou fé e ciência continuarão seus caminhos separados?

 

A Igreja na Sabedoria Providencial.

1. "A Igreja nos ensina" — o que isso significa?

Como deveríamos entender a expressão "A Igreja ensina." Eu fui batizado, eu sou um membro e parte da Igreja. Isso significa que eu também participo na autoconsciência da Igreja? E ainda mais, "nós," tomados juntos, participando nos ofícios, apreendendo a Lei de Deus, não somos os locutores da consciência geral da Igreja? Onde está essa Igreja "que ensina," na qual nós deveríamos procurar instrução?

Tentemos responder essa questão.

Para isso, consideremos o que é a Igreja de Cristo em sua plenitude. Não esqueçamos que a Igreja é uma santa parte do mundo de Deus. Nós não podemos sequer imaginar a vastidão da Igreja e a profundidade de seu conteúdo espiritual. Nós não somos mais do que partes temporárias da Igreja terrestre, com freqüência desviadas por cuidados mundanos. Poderíamos nós facilmente atingir o nível espiritual que nos capacitaria perceber a plenitude da vida da Igreja? Por essa razão nós procuramos orientação dos santos padres da Igreja de todas as épocas. Todos esses santos padres tiveram um consenso geral com relação à fé. E nós vemos que nenhum deles ensinou nada sobre fé que fosse diretamente deles, mas participaram da fonte da Igreja. O que é essa fonte? Ela consiste de duas partes: 1) as Escrituras do Velho Testamento e 2) o Novo Testamento, o Evangelho de Cristo e Seus santos apóstolos.

Cada um de nós é um cidadão de seu pais, mas cada um de nós conhece todo território de seu pais, seu conteúdo, suas necessidades, todas as suas leis? Nem nós deveríamos simplificar nossa visão da Igreja, a catolicidade da qual é expressa não só na unidade de seus membros celestes e terrestres, mas também na plenitude de seus mistérios, alguns dos quais são abertos e acessíveis para nós, e alguns são completamente desconhecidos.

Nós devemos admitir que quando pessoas, muito seguras de si, consideram-se com poderes para acrescentar aos ensinamentos da Igreja, através de suas considerações filosóficas ou pessoais, isso só mostra que eles não conhecem a Igreja. Ou eles não admitem que a Igreja tem uma resposta pronta para o que eles estão procurando, ou eles estão invadindo áreas em que até os anjos temem se intrometer.

Um exemplo dessa injustificável autoconfiança, ligada com uma falta de conhecimento dos ensinamentos da Igreja, pode ser visto nos inaceitáveis ensinamentos de um grupo de filósofos russos sobre "Sofia — a Sabedoria de Deus," considerada como uma mediadora entre Deus e o mundo nos atos providenciais de Deus. Nós deveríamos estar cientes, portanto, do verdadeiro ensinamento sobre a Sapientíssima Providência de Deus.

2. A Sábia e Toda-Abarcante Providência de Deus.

A majestosa plenitude dos atos providenciais de Deus nesse mundo é revelada seqüencialmente de duas formas: 1) O Velho Testamento afirma que o universo inteiro é preservado na "mão direita" de Deus; 2) O Novo Testamento mostra a mais alta e mais perfeita expressão da sabedoria e amor de Deus na Encarnação do Filho de Deus para a salvação do mundo e sua transfiguração no Reino de Glória.

Nesse conclusivo significado, expressamente do Novo Testamento, Sabedoria é o nome dado para o Senhor Jesus Cristo. "... e os gregos buscam sabedoria; — escreve o Apóstolo Paulo — Mas nós pregamos a Cristo crucificado... Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus."— "Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não porém a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo que se aniquilam. Mas falamos a sabedoria de Deus oculta em mistério,... a qual nenhum dos príncipes desse mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam o Senhor da glória. Mas como está escrito: as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que O amam (I Cor. trechos capítulos 1 e 2). Desse modo aparente, aberto, ou de modo misterioso e escondido, tudo está unido dentro de uma todo-abarcante Sabedoria de Deus. E a Igreja firme e diretamente prega ser nosso Salvador a Sabedoria Personificada: "Nem de sabedoria ou poder ou riqueza nós nos orgulhamos, mas de Ti, a faceta de sabedoria do Pai, ó Cristo!" (Irmos 3, Cânon do tom IV).

Nós ainda temos que considerar a imagem da sabedoria do Velho Testamento mais atentamente, porque a época presente tenta introduzir algo novo, também sob o nome de "Sabedoria," na fé Ortodoxa.

A primeira página da Gênesis, relatando a criação do mundo, nos oferece o suficiente para pararmos de procurar por alguma independente sabedoria mundana fora da Tri-facetada sabedoria de Deus. O salmo 103(104) seria suficiente, mesmo que só nas primeiras linhas e última linha: "Senhor meu Deus, Tu és infinitamente grande! De majestade e esplendor Tu Te revestes... Feitas todas com sabedoria!"

O salmo 138(139) apresenta maravilhosamente a consciência de um simples homem de fé, cuja alma está inteiramente imersa na providência de Deus:

Senhor, tu me sondaste e me conheces.

Tu conheces o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.

Cercas o meu andar e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos.

Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces.

Tu me cercaste em volta e puseste sobre mim a tua mão.

Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a posso atingir.

Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face?

Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também;

se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar,

até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.

Se disser: decerto que as trevas me encobrirão; então, a noite será luz à roda de mim.

Nem ainda as trevas me escondem de ti; mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa.

Pois possuíste o meu interior; entreteceste-me no ventre de minha mãe.

Eu te louvarei, porque de um modo terrível e tão maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem.

Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra.

Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma delas havia.

E quão preciosos são para mim, ó Deus, os teus pensamentos! Quão grande é a soma deles!

A representação da Providência de Deus no Velho Testamento é universalmente Cristã. E deve-se admitir que esses sentimentos são antigos, genuínos e percebidos com frescor. A Providência de Deus nos escritos do Velho Testamento é freqüentemente apresentada através de imagens vivas, através de alegorias e personificações, porque a própria vida é o assunto. Os mesmos métodos são usados em literatura artística, e até mesmo em nossa conversa normal. .

Entre os livros do Velho Testamento, dois em particular se referem com abundância à sabedoria. Esses livros são o de Provérbios e o da Sabedoria de Salomão. Personificação é largamente aplicada neles, dando ao leitor a oportunidade de imaginar a sabedoria das Escrituras como personificada. Mas, de fato, imaginário é o método mais comum de se expressar os pensamentos.

Alegoria está presente em nosso falar o tempo todo: o clima está "enganoso," a vista está "falhando," os feriados estão "se aproximando" e assim por diante. Personificação é a técnica artística geral. "Porque, obscuros bosques, porque estais pensativos? Escurecidos com tristeza?" "Nuvens do céu, eternas peregrinas! Correndo pelas estepes azuladas como uma cadeia de pérolas, o mesmo que eu, desterradas, do amado norte para as terras do sul" (M. Lermontov) " Minhas campânulas, flores das estepes? Porque vós, azuladas, olhais para mim? (Canção folclórica russa).

Em adição, o autor do livro de Provérbios faz um alerta nas primeiras palavras de que ele está escrevendo principalmente para os "jovens" e para os "simples," esperando que p leitor seja capaz de "compreender as parábolas ali," isto é, alegoria, "discurso intrincado com seus enigmas."

Ao mesmo tempo o autor definitivamente afirma que ele está falando da Divina fonte da Providência presente no mundo. Assim nós temos o direito de relatar excertos separados dos dois livros mencionados para outros, onde o pensamento do Velho Testamento eleva-se para a vinda do Salvador para o mundo como a mais alta expressão da Providência de Deus.

A sabedoria humana também é louvada nesses livros, se ela está unida com a sensitividade moral, porque então ela também tem a Divina Sabedoria como sua fonte.

3. Sabedoria não é um ser pessoal.

Sabedoria é uma qualidade, um atributo da personalidade, em outras palavras — uma noção abstrata. A qualidade não é um objeto ou entidade real. A gramática escolar nos ensina, que somente aquelas palavras que na sua origem são substantivos, denotam objetos reais: o mar, o céu, a terra, a árvore, a colina. mas aquelas que historicamente derivaram de adjetivos, verbos ou números: uma viagem, um descanso, uma limpeza, uma década, um século — são idéias sem existência pessoal, requerendo outras palavras que as carreguem. Nós chamamos essas palavras de abstratas, em contraste com as palavras do primeiro tipo — as concretas, que representam objetos ou pessoas específicas, ao menos em nossa imaginação. Os sofiologistas provavelmente conhecem isso tudo melhor do que nós. Dessas idéias e palavras abstratas, derivadas de adjetivos e verbos, o politeísmo criou todo um mundo imaginário. Sabedoria, amor, coragem, beleza masculina, feminilidade, comércio, fertilidade — tornaram-se deuses e deusas. Existe algo real ou pessoal por detrás dessas idéias? Nada e ninguém, somente vazio. Tal foi a religião do mundo greco-romano.

Cada objeto e cada ser vivo tem seu próprio e grande numero de características, atributos e diferenças. Sabedoria em si é só um atributo, ela pode ser completa, como a sabedoria de Deus, ou limitada, como na criação. Ambas as formas são apresentadas no Livro de Provérbios. Se sabedoria tem certo número de atributos ligados a ela, isso não significa que ela é a única proprietária deles, ela é só uma entre outros, cada um deles tendo seu próprio nome, enquanto o grupo todo de atributos tem seu próprio carregador geral sob seu próprio nome. Talvez por isso os sofiologistas acrescentam o nome "Sofia" a "Sabedoria," como se a primeira carregasse a segunda como um atributo. Mas isso, de fato, é pura tautologia (redundância), quando coisas idênticas são nomeadas com duas palavras. O nome não eleva o conteúdo daquilo no qual é aplicado.

Qual é a questão então? Não estão os sofiologistas usando nomes das Escrituras para introduzir conceitos substanciais e concretos estranhos às verdades das Escrituras e Cristãs?

Que afastamento da visão Cristã do mundo!

Como tudo isso é contrário à própria idéia monoteísta das Escrituras! Não há nada em comum entre monoteísmo e politeísmo na própria essência deles, assim como entre fé e ateísmo. A essência toda da religião do uma vez escolhido povo de Deus, o inteiro ardor dos discursos proféticos, das exortações, das ameaças, dos gritos de dor espiritual, foram feitos direta e precisamente na batalha com esse "culto de vida" pagão, com o culto do "inicio ancestral da vida," em sua forma mais baixa, e foi isto que formou o espírito do politeísmo em diferentes variações. A religião das Escrituras é completamente livre desse elemento. Ela vê todas as tragédias das pessoas e a história toda delas do ponto-de-vista de sua queda por conta das idéias básicas pagãs e por conta das orgias desses cultos conectadas com eles. Os profetas previram e explicaram a destruição do estado, os problemas das nações, como uma direta punição pelo afastamento da pura moral do monoteísmo, pela traição à Deus.

Devemos falar desse tema em conexão com o Cristianismo?

O primeiro nascimento de uma pessoa, isto é, a criação de Eva da costela de Adão, de acordo com o livro da Gênesis, não foi um nascimento "sem uma esposa" sem propósito. O Cristianismo recebeu seu começo do mesmo modo: a encarnação do Filho de Deus "sem marido."

Em resposta nós temos oferecida a seguinte citação do primeiro capítulo das Escrituras: "... à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou." Disso deriva uma conclusão reversa: que o que foi estabelecido na natureza humana, é também característica da natureza Divina. Mas tal conclusão é uma violação da lei elementar da lógica — uma conclusão reversa por analogia. Eu vejo claramente num espelho polido: mas eu não posso deduzir daí que minha face também é polida e brilhante, como o espelho. O Apóstolo escreve dos pagãos: "... em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança do homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis (Rom. 1:21-23). Temos que imitá-los?

Só podemos louvar Deus pela sábia ordem sobre a terra. Pela Sabedoria de Deus, pela corrente de inumeráveis nascimentos, pela junção dos elementos macho e fêmea da criação, incontáveis variações de formas, tipos e aparências foram realizadas na terra. Uma mudança de gerações é criada através dessas condições, uma plenitude e harmonia do todo, e tal riqueza de individualidades que não existem, não existiram nem existirão duas pessoas completamente iguais, nem mesmo duas árvores são iguais como duas gotas de água. Mas a sabedoria de Deus colocou a lei de reprodução através da união física de duas criaturas de um só tipo, dando a elas as correspondentes variações na estrutura corporal. E não somente diferenças na forma foram realizadas. Ainda mais: uma família foi formada, a célula básica da sociedade humana. Mas, ai de mim! Eles estão agora até mesmo tentando destruir a família... Mas somente na família, desde a infância, as pessoas apreendem a amar e não egoisticamente servir uns aos outros!

 

4. Sofia como "a alma do mundo"? Um "elemento feminino" em Deus?

Quando os sofiologistas usam uma linguagem mais simples, eles nos revelam que eles significam que a "alma do mundo" é a carregadora da sabedoria.

Essa é outra questão inteiramente. Deve-se reconhecer desde o início que a idéia de alma do mundo é completamente estranha ao Cristianismo e às Escrituras. Os sofiologistas deveriam parar suas tentativas de encontrar apoio nas Escrituras e, ao invés, Cristianizar suas idéias.

Na realidade, os perpetradores da idéia de uma alma do mundo seguem diferentes caminhos: ou eles terminam com a filosofia pré-Cristã, ou emprestam a idéia do Gnosticismo ou diretamente do paganismo.

O Cristianismo rejeitou abertamente esse ensinamento, bem como o Gnosticismo, há muito tempo atrás, depois de tentativas de introduzi-lo na consciência Cristã.

Porque essa idéia existiu no Cristianismo em algum tempo?

A alma é o próprio cerne de qualquer coisa, inerente e incorporada num ser. Daí segue, então, que todas as ocorrências negativas na vida do mundo, dos humanos, de todos os seres conscientes, todo o mal que existe, seria falta ou culpa da alma do mundo. De outra forma, que tipo de alma do mundo ela seria, se só tivesse responsabilidade pelos elementos positivos do mundo? Não, ela sofreria sob o grande peso do mal, impotente para reviver seu corpo todo-abarcante. A humanidade precisa dela talvez, para que as pessoas possam por ao largo suas responsabilidades pessoais? Tal tentação é desonesta, vã, e, na verdade, fútil!

Se essa alma é para ser imaginada uma criação Divina, ideal, pura, um "anjo-protetor" do mundo (existe esse ponto-de-vista também), então, na presença da Divina Providência, o que ela dá para o mundo?

E aqui, ao invés de uma resposta, nós encontramos outro, um mais profundo oculto motivo do sofianismo. Eles dizem que há algo que está faltando no ensinamento da Igreja sobre o mundo, nomeadamente, falta o elemento feminino largamente encontrado na natureza. Aqui a discussão reverte para o próprio início da existência. Nós podemos também ver claramente a queda da moderna visão do mundo Cristã no pântano de antigas idéias e cultos politeístas pagãos. Tendo sido estudados nos tempos modernos em detalhes, os antigos cultos estão completamente revelados para nós, falando abertamente, tão claramente obscenos e nefandos, atraindo em parte a atenção e sendo cultivado por escritores modernos. Por certo, só a idéia pura é extraída deles pelos sofiologistas: a idéia da plenitude da estrutura do mundo, a "plenitude de vida," expressa pela presença dos dois componentes principais do mundo vivo: o macho e a fêmea. E já que, de acordo com visões modernas não da Igreja, o Cristianismo é somente um dos numerosos sistemas religiosos, então, por seu papel de liderança do Cristianismo, a idéia é suplementar o ensinamento da Igreja com a idéia purificada da "fonte feminina" como um poder ativo no mundo.

Mas nós ousamos não aplicar as leis da vida, implementadas somente na terra, para o reino da Divindade e do celeste, para o reino dos anjos e outros seres incorporais!

Sofia como "A Quarta Faceta"? Responderemos curtamente.

Se imaginamos ser ela uma faceta da Una Divindade, então não há lugar para ela no Cristianismo, mesmo nas formas Cristãs completamente afastadas da Ortodoxia. Há Cristãos que não confessam a Santíssima Trindade, mas não há nenhum que confesse um Quarteto.

E ainda que ela fosse uma "faceta física," "então ela só poderia ser a primeira, dando inicio para um incontável número de outros seres físicos, em outras palavras: faces, indivíduos. Eles não podem pretender que a existência dela absorva todas as personalidades abaixo dela, incluindo nós!?

 

5. A vida do Mundo no Espírito Santo.

O mundo humano vive num estado de pecado.

E de fato toda "a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Rom. 8: 20-21).

Mas a misericórdia, bondade, amor, caridade, e amor pelo homem de Deus não têm limites. Nem no Verbo de Deus, nem na fé da Igreja Ortodoxa há a mais leve insinuação de alguma coletiva, unificadora, e ao mesmo tempo individual, "alma do mundo." "Toda alma, todo ser que respira, é vivificado pelo Espírito Santo." O salmo 50(51), um produto do Velho Testamento, um companheiro perpétuo das orações Cristãs, testemunha a eterna fé no Santo Espírito de Deus, presente no mundo e o fiel diz: "Não me lances fora da Tua presença e não retires de mim o Teu Espírito Santo. Torna a dar-me a alegria da Tua salvação, e sustem-me com um espírito voluntário." Nós oramos com essas palavras desse salmo.

O autor do livro "A Sabedoria de Salomão" assim confessa a sua fé: "E o Teu projeto, quem poderia conhecê-lo, se não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses o Teu Espírito Santo? (9:17) Por isso orei, e a prudência me foi dada; implorei ( à Deus) e me veio o espírito de sabedoria....(7:7) Tudo o que está oculto e tudo que se vê eu conheço, pois a sabedoria, artífice de todas as coisas me ensinou. Pois há nela um espírito inteligente e santo, único, múltiplo(não como "espírito"—criação, mas como o "sopro do poder de Deus," como reflexo da eterna luze o puro espelho das ações de Deus e a imagem da Sua graça—páginas seguintes), sutil, vivo, claro, sem mancha, invulnerável, amante do bem, penetrante, benfazejo, humanitário, constante, seguro, sem inquietações, que tudo pode, que tudo supervisiona, e penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros, os mais sutis." "E o Teu projeto, quem poderia conhecê-lo, se não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses Teu Santo Espírito? (7: 21-23; 9-17). "Teu Espírito incorruptível está em todas as coisas" (12:1).

Protegendo-se e à sua nação de idéias politeístas diabólicas, os lideres espirituais da nação hebraica mantiveram firmemente as idéias do monoteísmo> Porém mesmo no Velho Testamento a idéia da mística Existência do Verbo no Pai, a noção do Espírito Santo como o Doador-de-vida, assim como a idéia da Trindade apareceram entre o povo escolhido.

A sabedoria é inerente em todas as três Facetas da Santíssima Trindade. O Cristianismo prega "Cristo — Poder e Sabedoria De Deus." Porém a sabedoria é contemplada no Espírito Santo como doadora-de-vida, poder ativo eternamente no mundo, e como a fonte da Divina graça e santidade.

Não há diferença por conta do gênero gramatical que é usado para expressar as noções da fé Cristã. Isso só tem a ver com as características de uma língua ou outra. Por exemplo, a palavra "Espírito" na língua grega é do gênero neutro. E na Rússia, todos os nomes "qualitativos," não relacionados com objetos concretos, são expressos no gênero feminino.

O autor do livro do Velho Testamento "Sabedoria de Salomão," como ele mesmo testemunhou, amou a sabedoria que emana do Espírito Santo, "mais do que a saúde e beleza" (7:10). Porque não deveríamos nós, membros da Igreja de Cristo, reconhecer o Espírito Santo como a Fonte de vida Universal: "Porquanto, partindo da grandeza e da beleza das criaturas, chega-se a contemplar, por analogia, Aquele Que lhes deu origem" (13:5).

Os ofícios da Igreja Ortodoxa são cheios de glorificação do Pai e do Filho e do Espírito Santo em uma Essência. A glorificação é encontrada na exclamação que conclui todas as litanias, e na conclusão de quase todas as orações. Todos os mistérios da são realizados pelo poder do Espírito Santo. Começamos nossas orações endereçando-nos ao Espírito Santo. Imediatamente após o batismo nós recebemos o selo do Espírito Santo. A Igreja canta o poder doador-de-vida do Espírito Santo em curtos hinos nas Matinas de domingo, que são parte da Vigília de toda noite, nas assim chamadas antífonas anavatmi (ou hinos de ascensão). "Pelo Espírito Santo toda santidade e sabedoria é observada...." "Na verdade glória e honra tornam-se o Espírito Santo," "Na verdade, todas as riquezas de honra são do Espírito Santo. E Dele é também a graça e a vida por toda criação. Por isso, Ele deve ser louvado..." "Na verdade, toda a criação é regenerada pelo Espírito Santo" "Na verdade, pelo Espírito Santo todo ser divino vê e profere coisas a acontecer, e realiza maravilhas celestes" "Na verdade, todos viverão" "Na verdade, o Espírito Santo flui com correntes de graça, e irriga toda criação com vida refrescante" "No Espírito Santo está a fonte de tesouros divinos; pois Dele vem a sabedoria, temor e compreensão" " Pelo Espírito Santo toda criação visível e invisível é preservada, pois Ele é o Criador de toda essência da criação" "Nele toda a criação vive e se move" — "pois através Dele toda coisa viva respira" " Na verdade, através do Espírito Santo todos são feitos divinos; e Nele está o prazer, compreensão, segurança e bênção" "Na verdade, o Espírito Santo tem poder sobre tudo; a Ele todas as hostes celestes adoram, assim como tudo que respira aqui embaixo. Para Ele, portanto seja a glória, poder e honra." " Pela abundância dos dons, pelas riquezas da glória, e profundidade das grandes prescrições — na verdade, o Espírito Santo é a Causa de tudo, e contém em Si a harmonia da segurança. E o Espírito, Que igual a Eles em aparência e no trono, Se mostrou do Pai da mesma forma."

Não há brecha! Não há espaço para uma "alma do mundo"!

A Igreja nos ensina essa visão do mundo. A Igreja vive no Espírito Santo, e o Espírito Santo a preside. Os pensamentos em forma de oração sobre o Espírito são construídos de modo tal que nós venhamos a compreender essa constante presença do Espírito nos fiéis e entre os fiéis. Nós sempre pedimos por uma renovação de Sua proximidade conosco.

 

Vida na Fé.

"Deus é luz, e não há Nele trevas nenhumas" (1 Jo. 1:5). Porque Deus é chamado de Luz? Claramente, ela representa a perfeição de Deus: perfeita Benevolência, em perfeita Pureza, perfeita Santidade, perfeita Verdade, perfeita Bondade e Amor, unidos com Bem-aventurança, perfeito Poder criativo, perfeita Contemplação, perfeita Consideração e Liderança para o mundo.

De acordo com os Padres da Igreja, Luz não é a essência de Deus, é a plenitude de Seus atributos e a expressão deles. E o cantor-de-Salmos expressa a manifestação desses atributos no salmo 103(104), com as palavras: "Tu Te revestes de luz como de um manto."

São Gregório o Teólogo ensina:

"Deus é Luz, o Altíssimo, Inaproximável, Indescritível, e Incompreensível para a mente e inexprimível em palavras" (Palavras sobre a Santa Epifania). "Portanto Divindade por Sua essência é inominável... Os mais sábios e mais antigos dos judeus não podiam tolerar ter o nome de Deus e os nomes das criaturas escritos se usando o mesmo alfabeto. Nem eles ousavam pronunciar o próprio nome do Ser preeterno e uno. Somente de alguns modos pode-se aplicar a palavra "Sou" para Ele, não só porque Ele Que falou para Moises Se chamou assim, e porque Ele ordenou a Moises a contar para o povo: Eu Sou(Jehovah) me enviou a vós" (Êxodo 3:14)... mas também porque não houve e não haverá nenhum limite ou fim para Ele (Palavra 30, 4ͺ sobre teologia).

 

Nós vimos a verdadeira Luz.

O brilho de Deus emana sobre o mundo. Ele desce e penetra nas almas humanas. Nós ousamos pensar que ele penetra não só nas almas dos Cristãos, mas também nas almas daqueles que desejam ardentemente pelo alto, que têm sede pelo conhecimento de Deus.

É importante lembrar que as palavras "luz de fé" não são meramente um "símbolo" da experiência da fé. Elas expressam a genuína iluminação ou brilho da alma. O mesmo São Gregório o Teólogo nos dá os seguintes exemplos dessa fé, expressos nos salmos do Velho Testamento, em suas palavras sobre a festa da Epifania ("a Festa das Luzes"):

"... alumia os meus olhos para que eu não adormeça na morte; (Sl. 12[13]: 3).

"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).

"Tu és mais ilustre e glorioso do que os montes de presa (Sl. 75[76]: 4).

"O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? (Sl. 26[27]: 1).

"Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem (Sl 42[43]: 3).

"... Senhor, exalta sobre nós a luz do teu rosto (Sl. 4: 6).

"...na tua luz veremos a luz (Sl. 36[37]: 9).

Na Igreja do Novo Testamento essa luz é mais forte e mais abundante. Ela foi profetizada pelo profeta Isaias: " E será a luz da lua como a luz do sol, e a luz do sol sete vezes maior, como a luz de sete dias, no dia em que o Senhor ligar a quebradura de Seu povo, e curar a chaga de sua ferida" (30: 26)... E também: "Levanta-Te, resplandece, porque já vem a tua luz, e a glória do Senhor vai nascendo sobre ti... E as nações caminharão à tua luz (60: 1 e 3).

A realização da profecia de Isaias é notada nas primeiras linhas do Evangelho, particularmente no Evangelho de São João, na primeira leitura da Páscoa, que é o início das leituras Litúrgicas Anuais do Evangelho. Nessa leitura, as palavras sobre o aparecimento da Luz no mundo são repetidas seis vezes, como que proclamando a luz do amor de Deus para o mundo inteiro (1, 4, 5, 7, 9).

O Salvador ensinou à Seus discípulos: "Vós sois a luz do mundo:...Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras.." (Mt. 5: 14 e 16). E a respeito Dele mesmo para os Fariseus: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo. 8: 12).

Não podemos prosseguir sem mencionar as cartas Apostólicas aos novos convertidos, pelo menos brevemente.

O Apóstolo Pedro assim descreve o significado da entrada na Igreja de Cristo: "Mas vos sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes Daquele Que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz" (1 Pe. 2: 9).

O Apóstolo João o Teólogo: "Porque a Vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a Vida eterna que estava com o Pai, e nos foi manifestada... Deus é luz... se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 Jo. 1:2 -7).

O Apóstolo Paulo: "vós resplandeceis como astros no mundo" (Filip. 2:15).

"Porque Deus Que disse que das trevas resplandecesse a luz, é Quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (2 Cor. 4:6).

"Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor (2 Cor. 3:18).

"As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que O amam (1 Cor. 2:9).

Junto com essa iluminação da alma, essa elevada iluminação da razão, a Palavra das Escrituras nos ensina, uma alegria, ou sopro de bem-aventurança, é introduzido na alma.

"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).

São João o Precursor diz de si próprio: "... o amigo do esposo... alegra-se muito... Assim, pois esse meu gozo está cumprido. É necessário que Ele cresça e que eu diminua" (Jo. 3:29-30). O Apóstolo Paulo, quando confessando de si: "Já estou crucificado com Cristo" (Gal. 2:20) (tais eram os problemas causados pelos inimigos de sua pregação), está cheio de alegria Cristã e passa isso para seus filhos espirituais: "Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez vos digo, regozijai-vos" (Filip. 4:4). "... meus amados e mui queridos irmãos, minha alegria e minha coroa.." (Filip. 4:1). Essa mensagem de sua epístola aos Filipenses está presente também em suas outras santas epístolas. Confidente de Cristo, o Apóstolo João, expressa isso mais fortemente: "Estas coisas vos escrevemos para que o vosso gozo se cumpra" (1 Jo. 1:4). Nós vemos aqui a verdade que uma crescente perfeição moral é acompanhada por um alegre estado da alma. Ao mesmo tempo, como vemos mesmo nesses curtos excertos das epístolas, há um crescimento do amor, de uma amorosa, branda e afável atitude para com todos. Acrescente-se que esse esforço para a Luz mostra claramente os defeitos de quem o faz, e ainda mais mostra suas quedas, de modo que eles não ficam enamorados de seus atos. Isso produz uma humildade natural e nobre, e particularmente é instilado o temor de Deus, o que é expresso no Salmo 85[86] assim como nas orações do padre durante o ofício de vésperas: "une o meu coração ao temor do teu nome." Tal é o aspecto de estados espirituais Cristãos. Isso é o que "Viver na Luz" significa. Assim a Luz de Deus é derramada no mundo.

 

Dois Tipos de Iluminação.

Nós, as pessoas modernas da assim chamada "cultura Ocidental," vivemos por necessidade em dois ciclos espirituais: a) o ciclo atemporal da Iluminação Cristã e b) a época do "iluminismo" começou na Europa Ocidental no final da Idade Média. Nós vivemos na era do racionalismo, ou pensamento prático, que tem se afastou gradualmente dos princípios religiosos, particularmente na era do "Voltairianismo." No nosso tempo se transformou em uma perseguição direta do Cristianismo, principalmente da Igreja Ortodoxa, e particularmente da Igreja Russa. De acordo com os objetivos dessa época geral, somente certos objetivos seculares são dignos de atenção social e até mesmo de existência. A preocupação com a vida eterna ou com uma vida de acordo com o espírito do Evangelho não tem espaço aqui agora. E para proteção da "ética social" e ordem, ensinamento comum e vigilância do tipo policial, complementadas por instalações de detenção são consideradas perfeitamente suficientes. Tais são os valores dessa era. Mas suas realidades estão todas diante de todos: milhões mortos por sua firmeza na fé, milhares nas prisões ou em exílio por protestarem contra a pressão física e moral, uma onda de guerras civis e internacionais, crescimento do crime, colapso da moralidade, e uma abundância de sofrimentos morais e físicos.

Não obstante todas as violações no campo da religião, parece óbvio que a parte positiva da cultura prática ocidental cresceu de uma base Cristã, — seja a imprensa (Gutenberg, para livros da Igreja e principalmente as Escrituras), literatura artística, "novelas" (brotando da hagiografia do período escolástico romano), os trabalhos dos grandes compositores (escritos inicialmente para serem executados nos ofícios da Igreja), arte (da arte da Igreja), ou arquitetura (dos intrincados projetos da arquitetura de Igreja).

De outro lado, nós estamos conscientes que a fé Cristã não rejeita a cultura secular e as necessidades diárias, o que é atestado pelas próprias Escrituras. Assim, nós lemos no Evangelho no quadragésimo dia da Ressurreição de Cristo, os discípulos do Senhor foram para seu turno noturno de pesca. O Apóstolo Paulo, completamente devotado à pregação da Ressurreição de Cristo e aos ensinamentos Dele, também gastava tempo fazendo tendas, para que os outros não tivessem que se preocupar em mantê-lo. O Evangelista Lucas foi um médico e também artista, além de ser o autor de dois livros importantíssimos: o Evangelho e o Livro dos Atos dos Apóstolos.

Mas, pela palavra do Senhor: "Nem só de pão vive o homem." E nossa autoconsciência pessoal nos ensina, que nosso escopo, e, portanto nosso propósito está acima das demandas da simples existência, e nos limitarmos a esse lado físico significa nos privar da plenitude da vida. Mas nós diremos de um ponto-de-vista Cristão: é mais do que uma privação das alegrias da terra, mas também das bênçãos da vida eterna em Deus, e isso significa morte espiritual!

 

Luz e trevas.

Tanto quanto o conhecimento moderno penetrou na história passada da humanidade, fica aparente que duas grandes idéias foram, desde o início, inerentes ao homem: fé em Deus e uma noção de eternidade (nas Escrituras — da "árvore da vida" celeste. Foi sempre entendido que se não há eternidade em Deus, então para todo homem no futuro, depois de um curto e sempre incerto, apesar de às vezes até mesmo "feliz" curso de vida, a morte virá, significando colapso, vazio, trevas. E esse desesperado último resultado — morte apaga completamente o significado da vida terrena. Na própria "visão do mundo" da pessoa sem fé o final é vazio e trevas.

Mas a visão Cristã do mundo é diferente, e dito simplificadamente: tem "fé." O Senhor Jesus Cristo ensinou os Seus discípulos e outras pessoas no Sermão da Montanha: "Mas ajuntai tesouros no céu... pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração." "A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons, (em Eslavo "prosto" ou "simples," isto é, diretos, em condição saudável), todo o teu corpo terá luz ( Nós veremos claramente nossos passos, nossos atos, nós mesmos). "Porém, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas! (Em eslavônico, a tradução é: quantas vezes maior ela él —Mt 6:20-23). Que tipo de trevas espera uma pessoa no futuro, se ele já se retirou da luz de Deus aqui na Terra... Protegei-vos, humanos, para que não vos declareis descrentes, ateístas e predetermineis assim vossa destinação para as trevas "absolutas" (Em eslavônico, a palavra, "kromeshniy" para absoluto deriva de "krome," ou "sem," "fora da" luz de Deus), externas em relação ao onipresente Deus...

O autor do não-canônico, porém reverenciado livro "A Sabedoria de Salomão," nos seus últimos dois capítulos, dá uma assustadora imagem da absoluta "trevas egípcias" que aconteceu no Egito antes do êxodo dos judeus. Essa é um símbolo da outra, das "trevas eternas."

Para a pessoa que crê, para o Cristão, "E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam" (Jo. 1:5). E em complemento às palavras do Sermão da Montanha citado acima, o Evangelista Lucas acrescenta as seguintes palavras do Senhor: "Se, pois, todo o teu corpo é luminoso, não tendo trevas em parte alguma, todo será luminoso, como quando a candeia te alumia com o seu resplendor" (Lc. 11:36).

Em tais candeias de fé a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica teve seu início e foi estabelecida.

 

A Igreja de Cristo

de acordo com os ensinamentos de São Simeão, o Novo Teólogo.

O santo Apóstolo Paulo, em uma de suas epístolas, dá o mais elevado e completo entendimento sobre a Igreja. Ele escreveu para a comunidade de Éfeso nos dias do início do Cristianismo, quando esse tinha meramente 30 ou 40 anos e era representado por pequenas comunidades espalhadas ao redor do Império Romano. O Apóstolo estava carregando correntes, como se fosse uma coroa, por suas boas novas a respeito de Cristo, e nesse isolamento estava especialmente iluminado por luz divina. Ele escreveu que a Igreja é o Corpo de Cristo, isto é, um organismo celeste-terrestre vivo. Esse entendimento da Igreja tem sido cuidadosamente mantido pela consciência Ortodoxa universal. Essa visão majestosa da Igreja é apresentada como a "plenitude Daquele Que cumpre tudo em todos" (Efes. 1:23). Ela é descrita como uma nova existência, a essência da qual é a "ligação de amor," uma existência unindo "céu e terra" com fortes e constantes laços. A epístola diz: "... Naquele Que é a cabeça, Cristo. Do Qual todo corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para a sua edificação em amor" (Efes. 4:15b-16). Para esse objetivo, escreve o Apóstolo, Cristo estabeleceu na parte terrestre da Igreja "alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores" (Efes. 4:11). Mas o que são esses laços, unindo as partes do Corpo "segundo a justa operação de cada parte"? O que são esses "ativos" laços, produzindo o "desenvolvimento" de cada parte individual da Igreja, e ao mesmo tempo, um crescimento, uma perfeição, e uma plenitude do corpo inteiro celeste-terrestre da Igreja, unida sob Cristo como sua única Cabeça? Por certo, a ligação universal que une o corpo da Igreja é oração. Pois o que é a Igreja em si, senão um "mundo de oração" ? Nós podemos chamar a oração de ar, de respiração, de vida da Igreja. Como os fios num tear de tecelão, os fios da oração vão a todas as direções; eles unem cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrestre uns com os outros, e os membros terrestres com os celestes. O mesmo ocorre nos céus, nas regiões dos anjos e santos, somente num nível mais elevado e mais perfeito. Os mortais oram uns pelos outros, e, conduzidos pela lei do amor, pelos falecidos. Os que agora estão no céu oram pelos mortais, e igualmente pelos falecidos, quando esses precisam de ajuda. Louvores e agradecimentos viajam por esses fios de oração em ambos os reinos da Igreja. Aqui na terra eles são acompanhados por pensamentos e sentimentos penitentes.

Por certo, os laços dentro da Igreja são expressos em certas ações e atividades; porém esse aspecto é somente derivativo, tendo a oração como sua fonte original.

Tal entendimento é mantido completo somente pela Igreja Ortodoxa, correspondendo a própria estrutura e vida diária dela. Nossos ofícios de Igreja são um indicador direto desse entendimento da vida da Igreja.

É esse entendimento também mantido nos ensinamentos dos santos padres da Igreja? Sim, os pensamentos dos santos padres estão plenos dele. Nós apresentamos um exemplo dos trabalhos de São Simeão, o Novo Teólogo, que viveu no tempo entre o primeiro e o segundo milênio (ele repousou cerca de 1020 AD). Nós consideraremos seus pensamentos sobre a vida interior da Igreja de Cristo como um corpo celeste e terrestre, expressos na 24ͺ "Palavra." Nos pensamentos apresentados, o santo nem faz uma distinção entre as duas condições possíveis de membros da Igreja — terrestre e celeste, — não porque ele os rejeite, mas para tornar claro que a Igreja é "um Corpo sob Uma Cabeça," uma "plenitude do Um Que cumpre tudo em todos."

Isso é o que São Simeão ensina:

"Todos os santos são verdadeiramente membros de Cristo, Nosso Deus. Como membros eles estão unidos com Ele e conectados com Seu Corpo, assim que Cristo é a Cabeça, e todos os santos, do início até o último dia, são Seus membros, e todos eles juntos fazem um corpo, e de certo modo, uma pessoa. Alguns são como mãos, trabalhando todo dia, cumprindo Sua santa vontade, transformando o indigno em digno e apresentando-os para Ele. Outros são os ombros do corpo de Cristo, que carregam o fardo dos outros, ou, carregando a ovelha perdida que foi recuperada depois de ter se perdido nas colinas e ravinas, levando-a para Cristo, cumprindo assim Sua lei. Outros são como o peito, do qual flui a pura água da sabedoria e razão para aqueles que tem fome e sede da verdade de Deus, já que ensinam a esses a palavra de Deus e dão a eles o pão espiritual, que os anjos comem, isto é, teologia verdadeira, como confidentes de Cristo e Seus amados. Outros são como o coração, no qual, através de amor, eles abarcam todos os humanos, aceitando dentro deles o espírito de salvação e servindo como os vasos dos inefáveis e escondidos Mistérios de Cristo. Outros são como os órgãos internos, que têm em si "o poder doador-de-vida dos pensamentos Divinos da misteriosa teologia," e através das palavras de seu ensinamento semeiam a semente da piedade no coração dos homens. Outros, finalmente, são como ossos e pés, que mostram coragem e paciência em tentação, como Jó, e são imóveis na sua posição de bondade, e não evitam as dificuldades que pressionam, mas alegremente as aceitam e alegremente as levam até o fim. Dessa forma a Igreja Corpo de Cristo é feita de maneira ordenada de todos os Seus santos desde o início, e existe completa e perfeitíssima, para que todos os filhos de Deus sejam um, renascidos, escritos nos céus.

Eu provarei que todos os santos são membros de Cristo e são um corpo através das Santas Escrituras. Primeiro de tudo, ouçam ao próprio nosso Salvador, o Senhor Cristo, quando Ele apresenta a indivisível união, que os santos têm com Ele, nas palavras de Seus apóstolos: "Crede-Me que estou no Pai, e o Pai em Mim.." (Jo. 14:11a). "Naquele dia conhecereis que estou em Meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós" (Jo. 14:20, também 17:20-26).

Como a divindade, concedida à nós através da associação com o Senhor, é indivisível, então é necessário para nós, que fiquemos verdadeiramente em comunhão com essa Divindade, para sermos inseparáveis de Cristo, sendo um corpo em um espírito (Gal. 3:28; Coloss. 3:11; 1Cor. 12:1-14). Como Deus dá a cada santo seu lugar próprio nas moradas eternas, como dissemos antes, assim no corpo da Igreja cada pessoa é designada para o tipo de membro de Cristo que melhor se adapta a ela. O Apóstolo Paulo mostra isso na mesma epístola dizendo: "Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis."(1 Cor. 12:18). Assim, há muitos membros, mas um só corpo. Desejando mostrar as diferenças desses membros, e o que esses membros são, ele diz: "Ora vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular. E a uns pôs Deus na Igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas" (1 Cor. 12:27-28).

"Grande é esse mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da Igreja" (Efes. 5:32). E verdadeiramente esse mistério é e será grande, e grande acima de todas as coisas. Nosso Senhor, o Criador de Tudo, tem a mesma unidade, associação e relação coma Igreja toda, como com uma esposa, e é um com ela, e é sempre inseparável dela, como de Sua amada. Mas essa unidade é conveniente a Deus, como é conveniente a Deus ser um com a Igreja, o que é incompreensível e inexprimível. De novo, a Igreja também se une com seu amado Deus, e se inclina para Ele como o corpo para sua cabeça. Pois como o corpo não pode viver sem sua cabeça, assim a Igreja, uma coleção de fiéis, isto é, os filhos de Deus, escritos nos céus, não pode ser um completo e perfeito corpo sem sua cabeça — Nosso Deus Cristo, e não pode viver uma vida verdadeira e eterna, se não for nutrida por Ele diariamente com o pão necessário, do Qual todos que O amam recebem vida verdadeira, e crescem para um homem perfeito, pela medida crescente de Sua plenitude.

Como a Igreja é o corpo de Cristo, e a noiva de Cristo, e um grande mundo, e templo de Deus, assim os membros de Seu corpo são todos santos. Ao mesmo tempo, nem todos eles já nasceram de novo ou se mostraram dignos. É claro, então, que o corpo de Cristo não está ainda completamente pronto, que o mundo mais elevado ainda não está cheio, que as hostes inteiras de indivíduos ainda não entraram na Igreja de Deus. Mas hoje em dia ainda existem muitos descrentes no mundo que vão se tornar crentes em Cristo, existem muitos pecadores cuja obrigação é se arrepender, existem muitos insubordinados, que se submeterão a Cristo. Muitos ainda nascerão de novo, e servirão Deus, antes que a última trombeta soe. E assim, todos os previstos por Deus devem nascer de novo, e o Primogênito da Igreja deve encher a Jerusalém celeste, imensuravelmente mais elevada que esse mundo. Então a plenitude do Corpo de Cristo ocorrerá, e aqueles preconhecidos por Deus serão conformados à imagem de Seu Filho, tornando-se os filhos da luz e do dia" (As Palavras de São Simeão, o Novo Teólogo, traduzidas pelo Bispo Teófano, 1ͺ impressão, Moscou, 1892, pgs. 383-391).

 

 

Folheto Missionário número P077d

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Redator: Bispo Alexandre Mileant

(apologetical_notes_m_pomazansky_2_p.doc, 09-10-2004)