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Epístola aos Efésios

do apóstolo São Paulo

Autor: Bispo Alexander (Mileant)

Tradução: Elga Drizul

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Conteúdo:

Introdução.

1. A parte do ensinamento da fé (Ef 1-3).

Saudação (Ef 1:1-2). O plano divino da salvação (Ef 1:3-14). Cristo cabeça da Igreja (Ef 1:15-23). Da morte à vida (Ef 2:1-10). Agradeçam a Deus (Ef 2:11-18). A Igreja cresce e se expande (Ef 2:19-22). O mistério da salvação de todos os povos (Ef 3:1-12). O incompreensível amor de Cristo (Ef 3:13-21).

2. A parte do ensinamento moral (Ef 4-6).

a) Estrutura geral da vida cristã. Almejem a unidade (Ef 4:1-16). b) Regras gerais. Despojai-vos do homem velho (Ef 4:17-24). Comportamento decente (Ef 4:25-32). Viver no amor (Ef 5:1-2). Não participar dos atos das trevas (Ef 5:3-14). Ajam cuidadosamente (Ef 5:15-21). c) Regras particulares. Cristo e a Igreja exemplo para maridos e esposas (Ef 5:22-33). O relacionamento entre pais e filhos e entre escravos e senhores (Ef 6:1-9). d) Vida guerra contra os espíritos maus (Ef 6:10-20). A despedida e a benção (Ef 6:21-24).

Conclusão.

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Introdução.

A epístola aos efésios distingue-se entre os livros do Novo Testamento pelo tom especialmente elevado e solene. Ela foi escrita pelo apóstolo Paulo provavelmente durante os dois anos de sua prisão na Cesaréia da Palestina, aproximadamente 61 anos depois do nascimento de Cristo (cf. At 23-26). As epístolas aos colossenses e a filêmon devem também datar dessa época.

O apóstolo Paulo responde normalmente em outras epístolas aos problemas concretos e palpitantes que surgiam em uma ou outra Igreja, enquanto que na sua epístola aos efésios ele compartilha as idéias e sentimentos elevados, com os quais Deus o iluminou durante sua prisão. É muito provável que ele escreveu essa epístola não somente aos efésios, mas também a outras Igrejas da Ásia Menor que foram fundadas por ele anteriormente em suas viagens missionárias. Aí incluiam-se além da Igreja dos efésios, as Igrejas de Perigamo, Laodíquia, Mileto, Patar, Esmirna, Trôade, Colosso, Listra e outras, localizadas na região sudeste da Ásia Menor. Por esse motivo a epístola aos efésios deve ser vista como uma epístola "de caráter geral" e não particular. Na realidade em alguns manuscritos antigos dessa epístola falta a palavra "Éfeso." No entanto como Éfeso era a cidade mais importante dessa região da Ásia Menor, a indicação Éfeso é bastante pertinente.

Éfeso era uma cidade litorânea ao sudeste da Ásia Menor (hoje Turquia) famosa pelos centros comerciais, de arte e de ciência. Como a principal cidade (metrópole) da província da Ásia ela era um importante centro pagão. Nela encontrava-se o templo Artêmis ou Diana, à qual a cidade foi dedicada. Aí estava o centro da magia pagã que se originou dos mistérios de Artêmis: usava-se como amuleto palavras misteriosas colocadas em pedacinhos de pergaminho e imagens da deusa e de seu templo, dando bons lucros aos artífices. Em Éfeso moravam também muitos judeus que tinham lá a sua sinagoga.

O apóstolo Paulo visitou-a no ano 54 d.C. (cf. At 18) e fundou a Igreja cristã. Ele permaneceu lá por pouco tempo, pois tinha pressa em voltar para as festividades em Jerusalém. Em Éfeso permaneceu o casal Priscila e Áquila, ambos dedicados a fundamentar o cristianismo entre os recém-convertidos e para ajudá-los foi enviado Apolo um judeu culto de Alexandria, que com sua eloqüência e conhecimento das Escrituras muito contribuiu para a consolidação do cristianismo nessa cidade.

Paulo voltou a visitar Éfeso na época de sua terceira viagem de boas novas (cf. At 19). Lá ele encontrou dois discípulos que tinham recebido apenas o batismo de João. Ele os reforçou na fé cristã e os convenceu a se batizarem no batismo cristão, transmitindo-lhes o Espírito Santo pela imposição das mãos. Depois disso ele se ocupou da pregação cristã em Éfeso, iniciando como de costume pelos judeus, pregando na sinagoga. A sua pregação durou 3 meses, mas "como alguns se endureceram e não creram, desacreditando na sua doutrina diante da multidão," ele se apartou deles e reuniu à parte os discípulos, ensinando-os diariamente na escola de um cidadão tirano. Esse ensinamento durou dois anos, de tal modo, que todos os habitantes da Ásia, judeus e gentios puderam ouvir a pregação sobre nosso Senhor Jesus Cristo. A pregação do apóstolo era reforçada por muitos sinais e milagres, de maneira que a Igreja de Deus lançou aí raízes profundas. Infelizmente, um tumulto contra Paulo provocado pelo ourives de prata Demétrio, levou-o a antecipar a sua partida de Éfeso (cf. At 19:23, 20:1). Depois de um certo tempo, o apóstolo dirigiu-se a Jerusalém para a festividade de Pentecostes e passou próximo a Éfeso a bordo de um navio. Parou em Mileto e convidou os presbíteros da Igreja de Éfeso e redondezas para lhes dar as orientações finais e se despediu deles dizendo:

"Vós sabeis, desde o primeiro dia que entrei na Ásia, de que modo tenho procedido convosco durante todo este tempo, servindo o Senhor com toda a humildade, entre as lágrimas e as provações que me sobrevieram das emboscadas dos judeus. Sabeis que nada tenho negligenciado do que podia ser-vos útil, pregando-vos e instruindo-vos publicamente e pelas casas, anunciando aos judeus e aos gentios a conversão a Deus e a fé em nosso Senhor Jesus. Agora eis que eu, ligado pelo Espírito, vou a Jerusalém, não sabendo as coisas que ali me hão de acontecer, senão que o Espírito Santo, por todas as cidades, me assegura e diz que me esperam em Jerusalém prisões e tribulações. Porém de qualquer modo a minha vida importa-me pouco, contanto que termine a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, de dar testemunho do Evangelho da graça de Deus. Agora eis que sei que não tornareis mais a ver a minha face todos vós, entre os quais passei pregando o Reino de Deus. Por isso eu vos protesto neste dia que estou limpo do sangue de todos, porque não me esquivei a anunciar-vos todas as disposições de Deus. Atendei a vós mesmos e a todo o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para governardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, se introduzirão então vós lobos arrebatadores, que não pouparão o rebanho. Dentre vós mesmos hão de levantar-se homens a ensinar doutrinas perversas, para levarem atrás de si discípulos. Por isso estai vigilantes, lembrando-vos que, durante três anos, não cessei, de noite e de dia, de admoestar com lágrimas a cada um de vós" (At 20:18-31).

A seguir, todos se ajoelharam para rezar e depois os presbíteros com lágrimas acompanharam o apóstolo até o navio e se despediram dele. Assim terminou o relacionamento pessoal de Paulo com os efésios, mas não terminou o seu zelo por eles como vemos nessa epístola.

Posteriormente, a cátedra de bispo de Éfeso foi ocupada até a sua morte pelo seu fiel discípulo Timóteo, a quem ele enviou duas de suas epístolas. A responsabilidade pela Igreja de Éfeso depois ficou a cargo do discípulo amantíssimo de Jesus Cristo, o apóstolo João Cristófilo. No ano 431d.C. ocorreu em Éfeso o 3º Concílio Ecumênico.

O apóstolo revela em sua epístola aos efésios aqueles caminhos grandiosos e incompreensíveis, pelos quais Deus guia a humanidade à salvação. Aos cristãos de Éfeso que viviam sob a sombra do famoso templo da deusa Diana e que diariamente observavam o brilho e a pompa dos rituais pagãos, Paulo contrapõe a grandiosidade da Igreja de Cristo, que inclui dentro de si os dois mundos: o humano e o angelical.

Na primeira parte de sua epístola sobre o ensinamento da fé (Ef 1-3) o apóstolo expõe sobre os maravilhosos caminhos da providência de Deus, convocando tanto judeus como pagãos a ingressarem na Igreja encabeçada por Jesus Cristo.

Na segunda parte sobre o ensinamento moral (Ef 4-6) ele aconselha os fiéis a viverem com dignidade, de acordo com as suas condições elevadas de membros da Igreja de Cristo e a almejarem mais que tudo a unidade e a santidade. Ele desenha nessa epístola o quadro majestoso da salvação da humanidade. Deus, antes ainda da criação do mundo, predeterminou salvar a todos através de Seu Filho, mas somente realizou o Seu plano quando chegou "a plenitude dos tempos," isto é, o amadurecimento do mundo para a fé cristã. No centro do mistério da redenção está Cristo e Sua Igreja, que vem a ser o Seu corpo místico que engloba o céu e a terra. A Igreja ainda não atingiu o seu pleno desabrochar, mas ela ao absorver constantemente novos membros cresce incessantemente, expande-se e se aperfeiçoa. Cada cristão aperfeiçoando-se moralmente, contribui para o crescimento da Igreja.

Se nós julgarmos o tom inspirado da epístola, podemos concluir que o apóstolo Paulo estando aprisionado, teve o merecimento de ser iluminado espiritualmente por Deus e receber revelações sobre os mistérios da fé. A epístola aos efésios foi motivada pelo desejo dele, de compartilhar com os fiéis os seus jubilosos pensamentos e sentimentos.

 

1. A parte do ensinamento da fé (Ef 1-3).

O apóstolo inicia a sua epístola com a habitual:

Saudação (Ef 1:1-2).

"Paulo, apóstolo de Jesus Cristo por vontade de Deus, a todos os santos que estão em Éfeso e aos fiéis em Jesus Cristo. Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo."

A seguir, ele sintetiza o conteúdo de sua epístola e o faz em uma única proposição como se fosse num um só sopro, seguindo o formato adotado naquela época. Essa proposição ficou um tanto quanto longa ― 180 palavras ― a mais longa da Bνblia, por isso nós a dividimos aqui em diversas proposições para maior clareza. Isso é como se o apóstolo tivesse tido a visão global, abrangendo o majestoso e infinito panorama da obra da salvação do gênero humano, o passado, o presente e o futuro e em êxtase agradecesse a Santíssima Trindade ― ao Pai, que tudo pré-estabeleceu e realizou ― ao Filho, que nos redimiu e renovou e ― ao Espνrito Santo, que nos iluminou e enriqueceu.

 

O plano divino da salvação (Ef 1:3-14).

"Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção espiritual do céu em Cristo, assim como Nele mesmo nos acolheu antes da criação do mundo, por amor, para sermos santos e imaculados diante Dele, O qual nos predestinou para sermos Seus filhos adotivos por (meio de) Jesus Cristo para Sua glória, por Sua livre vontade, para fazer brilhar a glória da Sua graça, pela qual nos tornou agradáveis em Seu amado Filho.

É Nele que temos a redenção pelo Seu sangue, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da Sua graça, a qual derramou abundantemente sobre nós, em toda a sabedoria e prudência a fim de nos tornar conhecido o mistério da Sua vontade, segundo o Seu beneplácito, que tinha estabelecido consigo mesmo, de restaurar em Cristo todas as coisas, quando tivesse chegado a plenitude dos tempos, assim as que há no céu, como as que há na terra; Nele, em Quem também nós fomos chamados por sorte, sendo predestinados pelo decreto Daquele que opera todas as coisas, segundo o conselho da Sua vontade, para servirmos de louvor a Sua glória, nós, que antes tínhamos esperado em Cristo; no Qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade (o Evangelho da vossa salvação), e, tendo crido Nele, fostes marcados com o selo do Espírito Santo que tinha sido prometido, o Qual é o penhor da nossa herança, para redenção do povo adquirido (por Cristo) em louvor da Sua glória."

Essa introdução representa pelo seu conteúdo uma espécie de símbolo de fé, no qual estão sintetizadas as mais importantes verdades da fé. Deus tendo a intenção de criar o mundo e dar aos homens livre-arbítrio, previu a queda deles no pecado desde a eternidade e por isso em Seu concílio da Santíssima Trindade delineou o caminho da salvação. Ele previu e tudo se realizou, mas não pôs em prática imediatamente o Seu plano de salvação dos pecadores. Ele enviou aos homens, quando chegou a hora, o Seu Filho Unigênito Jesus Cristo, que Se encarnou e viveu entre eles, ensinando-os a crer corretamente e a viver segundo a verdade. Cristo sofreu e morreu pelos nossos pecados, ressuscitou dos mortos, subiu ao céu e sentou à direita de Deus Pai já como Deus-Homem e como Cabeça da Igreja. Deus enviou depois o Espírito Santo, Que através dos apóstolos começou a reunir os homens em uma família de homens renovados espiritualmente ― a Santa Igreja, guardiã da verdade e da bem-aventurança. Na Igreja, os fiéis são purificados, santificados e agraciados pelo Espírito Santo com dons de bem-aventurança, direcionando-os para uma vida virtuosa. Os cristãos aperfeiçoando-se em diversas virtudes passam assim para as posições celestes, para o Reino da Glória. O apóstolo contemplando essa infinita série de coisas da misericórdia divina, exclama em êxtase: "Deus seja louvado"!

Essa epístola pode ser classificada como um hino de louvor se analisarmos o seu modo de explanação. Nesse plano, ela pode ser comparada a um dos hinos característicos do Antigo Testamento exposto no Salmo 135:

"Glorificai ao Senhor, porque é bom, porque a Sua misericórdia é eterna.

Glorificai ao Deus dos deuses, porque a Sua misericórdia é eterna.

Glorificai ao Senhor dos senhores, porque a Sua misericórdia é eterna.

O Único que faz grandes maravilhas, porque a Sua misericórdia é eterna.

O que fez os céus com sabedoria, porque a Sua misericórdia é eterna.

O que firmou a terra sobre as águas, porque a Sua misericórdia é eterna.

O que fez os grandes luminares, porque a Sua misericórdia é eterna.

O sol para presidir ao dia, porque a Sua misericórdia é eterna.

A lua e as estrelas para presidirem à noite,

porque a Sua misericórdia é eterna..."

Entre os dois hinos de louvor há sem dúvida uma certa semelhança de estilo, porém, o tema dos hinos do Antigo Testamento é limitado ao povo judeu e cita apenas os bens materiais temporários, enquanto que, o tema do hino apostólico engloba todas as nações e inclui tanto bens atuais como futuros. Os salmos do Antigo Testamento louvam a Deus mais como um sábio Criador, como Aquele que livra os hebreus dos povos inimigos vizinhos, agradecendo a Ele pela colheita e fartura dos frutos da terra. Nesses salmos toda atenção está concentrada no que é visível e temporário. Os horizontes da fé se ampliaram e o homem obteve a capacidade de vislumbrar e valorizar os bens espirituais dando preferência à vida eterna à temporária, somente com a vinda do Salvador. Com Ele não só os judeus são filhos de Deus, mas também os pagãos. Com a vinda do Pacificador as antigas disputas e divisões cedem lugar ao processo de unificação de todos a uma só grande família ― a Igreja de Cristo.

Nós devemos agradecer incessantemente a Deus adorado na Trindade por todos esses bens: Deus Pai, Que tudo previu, predeterminou e executou; o Filho de Deus, Que remiu, purificou e uniu os fiéis Consigo; e o Espírito Santo, Que iluminou, santificou e os agraciou com as forças espirituais.

A introdução da epístola, segundo a opinião de uma série de especialistas bíblico, refere-se a uma típica oração litúrgica do tempo dos apóstolos, se considerarmos o seu conteúdo universal e o seu tom de louvor. "Assim como Nele mesmo nos acolheu antes da criação do mundo, por amor, para sermos santos e imaculados diante Dele" (Ef 1:4). A moral irrepreensível e santidade é o objetivo na construção de nossa salvação. Nós fomos criados para permacermos nessas qualidades, mas por causa de nossos pecados, nós as perdemos. Deus restabeleceu em nós a santidade e a pureza não apenas como qualidades internas, mas como uma força atuante e diretriz que deve manifestar-se em atos de amor. Os objetos também podem ser santos, como por exemplo, os recipientes do Templo e os animais sacrificados a Deus, que devem ser imaculados no sentido da perfeição física. O cristão deve ser santo, imaculado, não apenas quanto aos defeitos físicos, mas também na manifestação do amor vivo e ativo.

No centro da construção da salvação do gênero humano está o Senhor Jesus Cristo. Nele somos escolhidos, reunidos e adotados e Dele recebemos a bênção e a sagração.

As palavras, "para servirmos de louvor a Sua glória" não significam que Deus necessite de nosso louvor, mas nós conscientes de Sua misericórdia para conosco, devemos sentir a necessidade de agradecê-Lo e amá-Lo cada vez mais. Nós devemos amar a Deus como o filho ama o pai; esse é exatamente o sentimento que gera tudo de bom. O apóstolo estando em êxtase ao vislumbrar a grandiosidade das graças de Deus derramadas sobre nós através do Senhor Jesus Cristo, mais adiante, ele deseja aos efésios que participem dessa visão.

Apesar de Paulo ter pregado durante mais de dois anos em Éfeso e ter ensinado muito àqueles que creram, ele reconhece que para uma profunda compreensão das verdades da fé, necessita-se de uma iluminação divina. Por isso, ele roga a Deus que ilumine os corações dos fiéis, pois apenas os sábios e iluminados do alto podem entender a superioridade da fé cristã e avaliar a grandiosidade de tudo aquilo que Deus fez e faz por eles.

O apóstolo sintetizando o conteúdo de sua epístola, passa agora a expor o tema principal:

Cristo cabeça da Igreja (Ef 1:15-23).

"Por isso, eu também, tendo ouvido qual a fé que vós tendes no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos, não cesso de dar graças a Deus por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de glória, vos dê o espírito de sabedoria e de luz, para O conhecerdes, iluminando os olhos do vosso coração, para que conheçais qual é a esperança a que Ele vos chamou, e quais as riquezas da glória da Sua herança reservada aos santos, e qual é em nós, os que cremos, a suprema grandeza do Seu poder, atestado pela eficácia da Sua força vitoriosa, a qual Ele empregou em Cristo, ressuscitando-O dos mortos e pondo-O a Sua mão direita no céu, acima de todo o Principado, Potestade, Virtude, Dominação e acima de todo o nome que é nomeado, não só neste século, mas também no futuro. Pôs debaixo dos Seus pés todas as coisas e constituiu-O Cabeça de toda a Igreja, que é Seu Corpo e o complemento Daquele que cumpre tudo em todos."

A maioria dos judeus idealizava o Messias como um rei-conquistador que iria trazer ao seu povo glória e bem estar. Eles entendiam os bens do Reino Messiânico como bem-estar terreno. Eles não compreendiam que a infelicidade básica e a tragédia da humanidade, incluindo o seu povo, estava na nossa submissão ao pecado. Essa causa primeira de todas as infelicidades e sofrimentos do homem no mundo não pode ser solucionada por nenhuma reforma política ou mudança social. Para curar-nos da úlcera do pecado e fazer-nos renascer moralmente, era necessário primeiramente o Messias derramar o Seu sangue puríssimo e morrer redimindo-nos na cruz.

Os profetas do Antigo Testamento para lançarem o alicerce da fé cristã em seu povo, previram os sofrimentos e a morte do Messias, porém, a maioria dos judeus revelou-se incapaz de entender essas profecias. O entendimento dessa verdade superior vai além das forças do cérebro. Realmente, a iluminação do alto é necessária para vermos o Filho de Deus encarnado em Jesus Cristo, humilhado, ridicularizado e morto pela forma mais vergonhosa.

O apóstolo Paulo que foi antes defensor da lei, grande conhecedor das Escrituras do Antigo Testamento e que via no cristianismo uma perigosa heresia, sabia por experiência própria como era difícil ao homem pensar segundo o plano terreno para compreender o mistério da redenção, pois ele mesmo sózinho não obteve a fé pelo caminho da lógica ou do estudo minucioso das profecias, mas a conseguiu através da revelação divina. Paulo levando isso em consideração, rogava a Deus para iluminar a consciência dos efésios e para que eles entendessem como é sábio e grandioso aquilo que Deus fez para eles, através de Seu Filho Unigênito. Todo o ensinamento cristão não pode ser visto como um sistema filosófico de lógica pura ou como um conjunto de regras de vidas úteis reunidas por experiência durante muitos séculos, mas deve ser visto e aceito como revelação de Deus, por isso, não só o ato da redenção é misterioso. Nenhuma pessoa por mais culta ou inteligente que seja é capaz por si só de avaliar a superioridade do cristianismo sobre outras crenças, mas ao contrário é provável que a pessoa veja nele coisas ilógicas, afirmações incompletas, exigências impossíveis de serem cumpridas e promessas duvidosas.

A fé cristã será sempre um mistério de Deus, revelado por Ele e aceito pela fé, assim como foi há dois mil anos, assim o é também agora. O homem submetendo-se a essa verdade revelada por Deus não abdica ao seu bom senso, mas ao contrário ele entra pelo caminho do entendimento de outros mistérios de Sua sabedoria, assim como o apóstolo escreve aos coríntios: "Não obstante, é a sabedoria que nós pregamos entre os perfeitos; não, porém, uma sabedoria deste século, nem dos príncipes deste século, que são destruídos, mas pregamos a sabedoria de Deus no mistério, que está encoberta, e que Deus predestinou antes dos séculos para nossa glória, a qual nenhum dos príncipes deste século conheceu, porque, se a tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória" (1Cor 2:6-8).

Espírito de sabedoria e de revelação (cf. Ef 1:17). Sabedoria ― ι a capacidade de entender a relação entre causa e conseqüência e a interligação entre as várias verdades da fé. A presença da sabedoria é valiosa, mas ela é insuficiente. Além dela, é imprescindível que Deus revele diretamente para a alma aquilo que supera a glória terrena e que não se submete à experimentação diária: é necessário que Deus dê visão ao homem. A sabedoria espiritual e a revelação ― são frutos do Espírito Santo.

Iluminar os olhos do coração (cf. Ef 1:18). Coração é o homem interno. O conceito de "coração" é mais profundo e abrangente que o conceito de "razão." Coração é o centro espiritual não apenas da vida consciente, mas também da subconsciente, centro de seus sentimentos, dos desejos ocultos e aspirações e lugar da manifestação da consciência. O estado do coração reflete-se diretamente sobre o grau de conhecimento das verdades cristãs. Essas verdades são compreendidas mais profunda e abrangentemente à medida que ocorre o aperfeiçoamento moral e à medida que o coração se purifica. "Mas o homem físico não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus, porque, para ele, são uma estultícia, e não as pode entender, pois elas ponderam-se espiritualmente" (1Cor 2:14).

Em (1Cor 3:20-23) contém um ensinamento importante sobre a exaltação do Cristo ressuscitado como Deus-homem acima de toda criatura e a submissão a Ele de tudo que existe. Aí vemos o engrandecimento da natureza humana na pessoa do nosso Salvador, que testemunha o fato de Jesus Cristo mesmo como Homem ser o Rei e Senhor dos céus e da terra, dos anjos e dos homens. Cristo sendo Deus por natureza, esteve sempre acima das criaturas por Ele criadas. Mas agora como Deus-homem Ele é exaltado acima de todos que se encontram nesse mundo e também acima de todas as ordens das inteligências celestes ― “Principados, Potestades, Virtudes e Dominaηões" ― acima de todas as criaturas que nós conhecemos e acima daquelas as quais somente conheceremos em outra vida. Cristo Deus-homem é o Chefe Supremo da sociedade mundial, da "organização mundial," Ele é o Chefe Supremo da Igreja.

O ensinamento do apóstolo Paulo sobre Jesus Cristo como sendo o Chefe Supremo da Igreja é extremamente importante para o esclarecimento do relacionamento entre os cristãos. Assim como os membros do corpo humano constituem juntamente com a cabeça um organismo vivo, todos os que crêem em Cristo formam um único organismo corpóreo-espiritual. Os que se batizaram em Cristo revestem-se Nele, tornam-se um só com Ele. Por isso, Cristo age nos cristãos como uma força criativa e orientadora. A vida física e orgânica depende da cabeça. No aspecto psicológico, a cabeça, como receptáculo do cérebro o mais importante órgão da atividade cerebral e dos sentidos, é conhecida como princípio orientador da atividade humana. A semelhança entre a Igreja e o corpo humano chefiado pela cabeça, dá a idéia da total dependência que a Igreja tem de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo fato do próprio Cristo reger a vida da Igreja e seus caminhos na história da humanidade.

Dessa maneira, todos os cristãos representam algo como um todo orgânico que pode ser comparado a um organismo vivo. Cristo é a cabeça da Igreja não apenas no sentido de nutrí-la, dar forças e cooperar no seu crescimento, mas Ele inspira os membros aprimorando-os moralmente. Assim como cada organismo cresce naturalmente e se torna mais forte, assim a Igreja é chamada a crescer e se aprimorar.

As palavras: "Que é Seu corpo e o complemento Daquele que cumpre tudo em todos" (Ef 1:23) significam que após a ascensão de Cristo ao céu, a Igreja Dele preenche tudo ― o mundo material e o espiritual, sendo ela prσpria plena da Sua divindade. Antes da vinda de Cristo o gênero humano apenas povoava a terra; era o grão de poeira microscópica na imensidão do universo. O céu ― mundo dos anjos e espíritos superiores era inacessível para os homens até mesmo no plano espiritual, devido aos seus pecados. Além disso, o pecado provocou separações entre os próprios homens. Os homens se dividiram em nações guerreiras entre si e surgiram as mais diversas religiões. Era o tempo da desagregação física e espiritual e do isolamento. Cristo renovando os homens espiritualmente, unifica-os com Ele e habitando neles Ele os reúne em uma sociedade ― o corpo mνstico. A Igreja é uma estrutura espiritual organizada, onde não há um local sequer desprovido da ação das forças divinas de Cristo. Ela é plena de Cristo.

O Filho de Deus pela Sua natureza onipresente, antes da Sua encarnação, sempre preenchia o mundo, mas de forma invisível. Ele tendo encarnado e ascendido ao céu como Deus-homem, preenche também o mundo de forma visível. Dessa maneira, Cristo elevou a natureza humana à esfera da existência que antes lhe era inacessível.

A Igreja sendo o corpo do Cristo, graças a Ele preenche tudo e por isso pode ser chamada de plenitude Daquele que preenche tudo. Os cristãos sendo membros da Igreja, vêm a ser membros da grande organização mundial, à qual pertencem os anjos e todos os justos no céu.

Os judeus do Antigo Testamento esperavam, com a chegada do Messias, ampliar as fronteiras da sua pequenina nação de Israel. Porém, Deus fez bem mais do eles sonhavam, pois juntos com os crentes de todas as nações, eles vêm a ser membros do ilimitado e glorioso Reino de Deus. Todas as nações terrenas cedo ou mais tarde entrarão em decadência, somente o Reino de Deus crescerá e se tornará cada vez mais forte.

Mais adiante, Paulo explica aos efésios que com a vinda de Cristo começou uma nova era para a humanidade. Eles e outras nações estavam antes moralmente mortos, incapazes de viver segundo os interesses espirituais e de almejar os bens celestes, pois eles estando algemados pelo nó do pecado, estavam prisioneiros do demônio.

 

Da morte à vida (Ef 2:1-10).

A grandiosidade da providência de Deus manifestou-se primeiramente pelo fato Dele nos ter libertado da tirania do príncipe das trevas, o qual nos escravizou através do pecado. Deus ressuscitou espiritualmente os moralmente mortos, isto é, Ele deu-lhes força espiritual e os fez capaz de levarem um modo de vida espiritual. Deus incutiu-lhes a necessidade de se aperfeiçoarem moralmente e dessa forma abriu-lhes o caminho para a eterna bem-aventurança. Ele fez tudo isso exclusivamente pela Sua misericórdia sem nenhum mérito da parte dos homens. O apóstolo escreve:

"E vós estáveis mortos pelos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o costume deste mundo, segundo o príncipe que exerce o poder sobre este ar, espírito que agora domina sobre os filhos da incredulidade, entre os quais também todos nós vivemos outrora, segundo os desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos apetites, e éramos por natureza filhos da ira, como todos os outros. Mas Deus, que é rico em misericórdia, pela Sua extrema caridade, com que nos amou, estando nós mortos pelos pecados, convivificou-nos em Cristo, (por cuja graça fostes salvos), e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus com Jesus Cristo, a fim de mostrar aos séculos futuros as abundantes riquezas da Sua graça, por meio da Sua bondade para conosco em Jesus Cristo. Porque é pela graça que fostes salvos, mediante a fé, e isto não (vem) de vós, porque é um dom de Deus, não pelas vossas obras, para que ninguém se glorie. Realmente somos obra Sua, criados em Jesus Cristo para (fazer) boas obras, que Deus preparou para caminharmos nelas" (Ef 2:1-10).

Os homens não espirituais são chamados de mortos (cf. Ef 2:5), incapazes de viverem segundo interesses superiores, não sentindo a presença de Deus, portanto, estranhos a Ele. Essa é a condição de cada ser humano até o momento em que ele crê em Deus e se batiza.

Os efésios sendo homens da cultura grega, vangloriavam-se pelos seus conhecimentos em filosofia, literatura e arte e se elogiavam por saberem levar a vida alegre e feliz. Porém, a vida que eles levavam não era a verdadeira vida, mas era o seu apodrecimento moral, pois eles não tendo consciência disso viviam de acordo com a vontade do demônio, o espírito das potestades do ar (cf. Ef 2:2; 1Cor 10:19-21; 2Cor 4:4), que os escravizavam com diversas paixões e os empurravam para o caminho da morte eterna. Com a vinda de Cristo, esse espírito maldoso perdeu todo o poder sobre os crentes, mas continua a reinar entre os filhos rebeldes, ou seja, entre aqueles que são contrários à pregação do Evangelho. Paulo nomeia esse espírito de "o príncipe que exerce o poder sobre este ar," pois ele dirigi o reino dos espíritos decaídos, que apesar de serem invisíveis aos nossos olhos, eles nos rodeiam por todos os lados e se esforçam para nos influenciarem em nossos pensamentos, sentimentos e atitudes. Como resisitirmos a eles, o apóstolo dirá a nós no final dessa epístola.

Paulo denomina os pagãos de filhos da ira (cf. Ef 2:3) e merecedores da condenação e do castigo. Os pagãos estando espiritualmente mortos, submissos às paixões e cumprindo a vontade dos espíritos decaídos, eram completamente inúteis para o Reino dos Céus. Eles apresentavam a podridão moral que só poderia ter um final: a rejeição de Deus.

"Porque é pela graça que fostes salvos, mediante a fé, e isto não (vem) de vós, porque é um dom de Deus" (Ef 2:8). A nossa salvação é obra da infinita misericórdia de Deus e devemos agradecê-Lo incessantemente por isso. Nós não podemos falar em mérito aos homens perante Deus. No entanto, não devemos entender essas palavras do apóstolo como entendem os sectários que negam a necessidade de boas ações. Na realidade, ao lermos essas palavras no contexto das proposições que as precedem e que as seguem, torna-se claro que a salvação veio ao homem não por parte de qualquer mérito recebido por ele, mas como dom da graça, isto é, da misericórdia divina. A fé é a condição mínima, mas absolutamente necessária, que faz o ser humano receptivo à revelação divina e a sua força regeneradora. Enquanto o homem não crê ele é espiritualmente cego, incapaz de entender as coisas espirituais e de viver segundo os interesses espirituais. É como se ele estivesse morto. Deus vendo a incapacidade do homem, tem piedade dele e o auxilia a crer com a Sua graça, manifestando-se na sua consciência. É como se Deus batesse no coração de cada um e oferecesse a Sua ajuda: "Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a Minha voz e Me abrir a porta, entrarei até ele, e cearei com ele, e ele Comigo" (Apoc 3:20).

Por esse motivo o apóstolo Paulo denomina a fé "como dom de Deus." Na realidade se chega à fé nem tanto pelos próprios esforços, mas pela iluminação divina. É Deus Quem eleva o homem do plano terreno ao celestial, do carnal ao espiritual.

Quando alguém atende ao chamado de Deus e recebe a Sua luz ele é tido como "salvo," porém, isso não significa que ele já tenha o paraíso garantido e nem que ele não precise mais se aperfeiçoar espiritualmente, mas significa que ele entrou para o caminho da salvação. A fé em Cristo abre o acesso ao homem para todos os dons da graça. Toda vida, seja ela vegetal, animal ou espiritual é natural que se manisfeste na atividade correspondente e no crescimento. A fé cristã, caso ela realmente penetre no coração e modifique a visão do mundo no homem, manifesta-se naturalmente em atos de amor e de crescimento espiritual. Paulo acrescenta as palavras ao lembrar da fé: "Realmente somos obra Sua, criados em Jesus Cristo para (fazer) boas obras, que Deus preparou para caminharmos nelas" (Ef 2:10).

Ou seja, nós eramos antes incapazes de praticar boas ações, pois estavamos mortos espiritualmente, mas agora é como se Cristo tivesse criado-nos novamente dando-nos a capacidade de fazer o bem. A palavra "ações" não deve ser entendida como os judeus entendem, no sentido de atos da lei, que consiste na execução mecânica de regras externas e cerimoniais, mas devemos entendê-la no sentido de atividade virtuosa e cheia de amor. No tempo dos apóstolos a fé cristã era chamada de "caminho" (cf. At 18:25, 19:23), porque a fé não é um estado imóvel em sua convicção autosuficiente, mas ela é uma aspiração ativa ao aperfeiçoamento. Com a existência da fé, uma vida virtuosa é tão natural quanto aos bons frutos em uma árvore com vida. Por outro lado, quando o cristão tem a ausência do entusiasmo, a apatia quanto às questões da fé e a indiferença em relação à vida espiritual, isso testemunha que a luz da fé está apagando-se nele e que ele está morrendo espiritualmente.

O apóstolo lembra aos antigos gentios, o estado religioso lamentável que eles se encontravam antes da sua conversão ao cristianismo para revelar a eles com maior evidência a grandiosidade da misericórdia de Deus. Os judeus pelo menos acreditavam em Deus e tinham uma certa idéia a respeito da vida virtuosa, mas os pagãos estavam totalmente envolvidos pelas trevas da superstição e atolados nos vícios. Por isso, os pagãos tendo acreditado em Cristo,

 

Agradeçam a Deus (Ef 2:11-18).

"Por isso lembrai-vos que vós outrora fostes gentios de origem, que éreis chamados incircuncidados pelos que se chamam circuncidados segundo a carne; lembrai-vos que estáveis nesse tempo sem Cristo, separados da sociedade de Israel e estranhos aos testamentos, sem esperança da promessa e sem Deus neste mundo. Mas agora graças a Jesus Cristo, vós, que outrora estáveis longe, fostes aproximados pelo Seu sangue. Porque Ele é a nossa paz, Ele que de duas coisas fez uma só, destruindo a parede intermediária de separação, as inimizades, por meio da Sua carne, abolindo a lei dos mandamentos com as Suas prescrições, para formar em si mesmo dos dois um só homem novo, fazendo a paz, e, para os reconciliar a ambos num só corpo com Deus, por meio da cruz, destruindo as inimizades em si mesmo. Assim veio anunciar a paz a vós, que estáveis longe, e a paz aos que estavam perto, porquanto é por Ele que uns e outros temos acesso ao Pai mediante um mesmo Espírito."

A idéia básica é aqui, que os pagãos devem agradecer a Deus mais que os judeus. O Senhor preparou o povo judeu para a chegada do Messias ― Salvador atravιs de Seus profetas durante o período do Antigo Testamento, por isso no final desse período muitos judeus esperaram ansiosamente a chegada do Senhor Jesus Cristo, que veio ao mundo e começou inicialmente a salvação das ovelhas perdidas da casa de Israel (cf. Mt 10:16). No entanto, o plano Divino incluia também salvar os povos pagãos e por isso Jesus Cristo disse aos judeus: "Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; importa que Eu as traga. Elas ouvirão a Minha voz, e haverá um só rebanho e um só Pastor" (Jo 10:16).

A lei do Antigo Testamento tinha por objetivo proteger os judeus da influência dos pagãos e da decadência moral dos povos vizinhos. Ela os ensinava a crer corretamente, a viver na virtude e prometia-lhes proteção especial pelo cumprimento dos mandamentos. A lei era uma espécie de muro de proteção, que protegia os judeus da influência maléfica do paganismo, porém, ao mesmo tempo ela era uma barreira, que impedia a propagação dos aspectos positivos da revelação do Antigo Testamento para outros povos. Nesse aspecto, a lei tornou-se um muro de isolamento e de hostilidade e assim mais cedo ou mais tarde ela deveria ser afastada.

O Senhor Jesus Cristo eliminou tudo que era sem importância na lei de Moisés, ou seja, tudo que tinha caráter temporal, tudo que se referia às cerimônias e aos hábitos nacionais, tudo que alimentava o nacionalismo exagerado e o isolamento, enaltecendo e enobrecendo tudo que havia de verdadeiramente valioso. Segundo as palavras do apóstolo Paulo, Cristo: "Abolindo a lei dos mandamentos com as suas prescrições, para formar em si mesmo dos dois um só homem novo, fazendo a paz" (Ef 2:15).

O pecado é o princípio separador não apenas entre os homens, mas ele é também um muro entre os homens e Deus e entre a terra e o céu. O Senhor Jesus Cristo eliminou a fonte de discórdia entre Deus e os homens, cujos pecados foram lavados com Seu puríssimo sangue derramado na cruz. Os homens reconciliando-se e se aproximando de Deus, eles naturalmente reconciliaram-se entre si. Por isso, tudo aquilo que era exterior e temporal, incluindo a lei cerimonial de Moisés (lei mosaica), estava sujeito a eliminação. A convocação para ingressar no Reino de Deus é dirigida a todos os homens sem exceção: para os que estão próximos (judeus) e para os que estão distantes (pagãos). Os dois têm acesso a Deus somente através de Cristo: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por Mim" (Jo 14:6).

A obra da salvação da humanidade pode ser comparada com o perdão aos exilados. Alguns condenados por crimes perante o Estado foram exilados para uma ilha longínqua e abandonados. Ninguém evidentemente interessou-se pelo bem estar deles. No exílio eles sofreram muitas desgraças como: miséria, fome, doenças contagiosas, etc. Devido aos poucos recursos da ilha eles brigaram entre si e se dividiram em grupos, tornaram-se inimigos e tentaram destruir-se uns aos outros. Todos estavam irritados sem a esperança de uma vida melhor. Após um longo período de tempo, um novo rei assumiu o poder do Estado de onde eles foram expulsos e esse novo rei tomou conhecimento da situação lastimável desses exilados, apiedou-se deles e resolveu dar-lhes a anistia. Ele foi até eles de navio, os fez embarcarem e deu ordem aos seus criados para lavá-los, vestí-los e alimentá-los. O rei levou-os ao seu rico reino, onde prometeu suprí-los com habitação, trabalho honesto e todos os direitos civis. Imaginemos nós a alegria que sentiram esses antigos prisioneiros, vendo de repente em suas vidas uma mudança radical para melhor. De repente, tudo aquilo que eles antes disputavam, dispostos a aniquilar-se uns aos outros, perdeu toda e qualquer importância por causa da misericórdia do rei. Ninguém se interessou mais pelos seus miseráveis trastes. Eles retornaram à pátria cheios de esperança e alegria. Ninguém quis lembrar o passado, perdoaram-se, abraçaram-se uns aos outros e deram graças ao rei pela sua misericórdia, por toda a vida.

Da mesma forma, quando o Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, Ele não veio para julgar as questões de um lado ou de outro entre aqueles que brigavam e nem veio para dar vantagens a um povo sobre o outro, mas Ele veio para se apiedar de todos, integrá-los na nova vida e reuní-los em um único povo de Deus, porque: "Se algum, pois, está em Cristo é uma nova criatura; passaram as coisas velhas; eis que tudo se fez novo" (2Cor 5:17). Jesus Cristo tendo reconciliado os homens com Deus e entre si, reconciliou-os também com o mundo dos anjos. O apóstolo Paulo contemplando todas essas grandes obras da misericórdia de Deus, conclama a todos em êxtase espiritual para agradecê-Lo.

Ao referir-se à lei dos mandamentos (cf. Ef 2:15) ele subentende as deliberações da lei do Antigo Testamento a respeito da circuncisão e da utilização dos alimentos, os que devem ser considerados puros e os impuros. Tudo isso foi útil e necessário um dia, mas com o cristianismo perdeu o significado, devendo ceder lugar a mandamentos de ordem moral mais importantes.

O homem novo (cf. Ef 2:15) ou nova criação. O aspecto exterior do homem permanece o mesmo com a sua aceitação ao cristianismo, porém, o seu conteúdo interior muda completamente. Agora, o homem é preenchido com novos pensamentos e sentimentos, ele tem uma nova visão do mundo, novos valores e novos ideais que o inspiram para uma nova meta.

Paulo ao falar da Igreja como sendo a sociedade dos que crêem, recorre a duas analogias: o corpo e o edifício. Ao utilizar a semelhança da Igreja com o corpo ele desenvolve o seguinte pensamento: na Igreja, assim como em um organismo vivo, não há membros supérfluos e inúteis, ao contrário, os membros todos se completam e são necessários para o bem do todo. Na semelhança da Igreja com o edifício (ou templo) o apóstolo revela a sua majestade e a sua coerência, o seu poder, a sua firmeza, a sua beleza espiritual e a sua harmonia. A Igreja é como um edifício altíssimo que começa na terra e o seu topo alcança o céu, porém, esse edifício não está terminado.

 

A Igreja cresce e se expande (Ef 2:19-22).

"Vós, pois, já não sois hóspedes, nem adventícios, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular, sobre O qual todo o edifício bem ordenado se levanta para ser um templo santo no Senhor, sobre O qual vós sois também juntamente edificados para morada de Deus, mediante o Espírito."

A Igreja é como um edifício poderoso e majestoso fundamentada nos apóstolos e nos profetas e tendo Jesus Cristo como pedra angular. As analogias do corpo e do edifício falam sobre a unidade da Igreja de Cristo: um ensinamento único, uma única fé, um único objetivo e uma única graça vivificante que foi lançada como alicerce pelos apóstolos e profetas, os quais são a base da Igreja. Mas em última instância, tudo se fundamenta na fé em Jesus Cristo e no Seu ensinamento, pois Ele é o redentor dos homens que reconciliou os pecadores com Deus, Ele é o mestre da verdade, Ele é a fonte das forças regeneradoras, Ele é o caminho para a salvação. A Igreja é inexistente sem Cristo tal como um edifício é inexistente sem alicerce. Toda a estrutura da Igreja desfaz-se, caso se tente ignorar Cristo e mude o centro do ensinamento cristão para outros valores quaisquer. Por esse motivo as Escrituras denominam Jesus Cristo como pedra angular (cf. Sl 117:22; Mt 21:42; Lc 20:17; 1Pdr 2:7).

Do ponto de vista da semelhança da Igreja com um edifício em construção, é como se cada homem representasse no início da construção o material cru ainda não trabalhado, a pedra não lapidada. Para a "pedra" tornar-se útil na construção do edifício muito trabalho é necessário para com ela, ou seja, muita lapidação. Esse ensinamento sobre a Igreja como um edifício em construção foi desenvolvido em um livro escrito no século 2 conhecido pelo nome de "O Pastor Erma" que foi muito popular na antiguidade.

O apóstolo está totalmente maravilhado com a contemplação do mistério da salvação. Os detalhes desse mistério eram desconhecidos não somente às gerações antecessoras, mas também aos anjos do céu. O mais inesperado por todos, é que Deus predeterminou também chamar os gentios (pagãos) para entrar na unidade da Igreja de Cristo juntamente com o povo de Israel. Paulo agradece a Deus por Ele tê-lo feito merecedor em ser o pregador desse mistério. Apesar dele ter sofrido muitas tribulações por causa de suas pregações, ele não se enfraqueceu e convenceu aos cristãos convertidos (os antigos pagãos) a não se lamentarem pelo que ele passou.

 

O mistério da salvação de todos os povos (Ef 3:1-12).

"Por esta causa, eu, Paulo, o prisioneiro de Jesus Cristo por amor de vós gentios... se é que tivestes conhecimento da concessão da graça de Deus, que me foi dada para vós, porque por revelação me foi manifestado este mistério, como acima escrevi em poucas palavras, por onde podeis, lendo-as, conhecer a inteligência que tenho do mistério de Cristo, o qual não foi conhecido nas outras gerações pelos filhos dos homens, como agora foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas pelo Espírito, isto é, que os gentios são co-herdeiros e membros do mesmo corpo e participantes da promessa de Deus em Jesus Cristo, mediante o Evangelho, do qual eu fui feito ministro, segundo o dom da graça de Deus, que me foi comunicada segundo a eficácia do Seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios as riquezas incompreensíveis de Cristo e de manifestar a todos qual seja a comunicação do mistério escondido, desde o princípio dos séculos, em Deus, que tudo criou, para que a multiforme sabedoria de Deus seja manifestada por meio da Igreja aos Principados e Potestades nos céus, conforme a determinação eterna que Ele realizou em Jesus Cristo nosso Senhor, No qual temos segurança e acesso a Deus com confiança, por meio da fé Nele."

O mistério da conversão (à fé) dos povos pagãos: "O qual não foi conhecido nas outras gerações pelos filhos dos homens" (Ef 3:5). "Porque não o recebi nem aprendi de homem, mas por revelação de Jesus Cristo" (Gal 1:12). A verdade é que alguns profetas previram, que um dia os povos pagãos se converteriam à verdadeira fé e glorificariam a Deus (Sl 21:28, 71:10-17; Is 2:2, 11:1-10, 42:1-12, 49:6, 54:12-14, 55:5, 65:1-3; Dan 7:13-14; Ag 2:6-7). Porém, o fato de que eles juntamente com os judeus compartilhariam todas as bênçãos do Reino de Deus e junto com eles constituiriam um único povo de Deus ― estava oculto aos homens. O apσstolo Paulo, assim como outros judeus daquele tempo, entendia as profecias sobre a conversão dos pagãos no sentido que alguns pagãos seriam perdoados e mereceriam uma posição secundária no Reino do Messias, já os judeus sendo o povo eleito receberiam uma posição privilegiada nesse Reino.

Porém, Paulo tendo recebido a revelação entendeu que o Messias veio para salvar todos os povos. Deus dá às pessoas a cidadania no Seu Reino não por direito, mas por Sua misericórdia. Diante disso, não se pode falar sobre privilégio ou mérito perante Deus, pois a diferenciação das nacionalidades perde todo e qualquer significado no Novo Testamento. Até a vinda de Cristo, o plano de Deus sobre a salvação de todos os povos era um mistério que nem os anjos entendiam. Apesar dos anjos conhecerem muito mais que os homens, já que eles podem contemplar diretamente a majestade de Deus, não sabem de tudo, mas apenas o que Deus quer revelar-lhes. Deus revela os Seus planos aos anjos na medida necessária para o cumprimento da Sua vontade. Os motivos ocultos, porque Deus determinou dessa forma ou daquela, outras metas, e como os acontecimentos desenvolver-se-ão após a execução dos planos continuam encobertos para eles, que ficam sabendo sobre isso mais tarde já a partir dos próprios acontecimentos. À medida que esses acontecimentos vão desenvolvendo-se, os anjos têm a possibilidade de entender os mistérios que estão em suas bases. A Terra, os homens e principalmente a Igreja de Deus são o palco principal das grandiosas e maravilhosas obras de Deus. O centro da luta entre o bem e o mal concentra-se em nosso mundo, após a expulsão do demônio dos céus juntamente com os anjos decaídos. Os anjos contemplando os caminhos da Providência de Deus na vida das pessoas, tomam parte nos eventos do nosso mundo obedecendo as instruções de Deus. O apóstolo Paulo tendo em vista essa observação no desenvolvimento dos fatos do Novo Testamento escreveu: "Em verdade, entendo que Deus nos expôs a nós apóstolos como os últimos (dos homens), como destinados à morte, porque somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens" (1Cor 4:9).

E ele vendo a grandiosa força e abundância da graça divina que atuava através dele, reconhece a sua fraqueza e insignificância na obra da divulgação do cristianismo e escreve: "A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios as riquezas incompreensíveis de Cristo" (Ef 3:8). Em outras palavras, tudo é realizado por Deus, o apóstolo considera-se apenas um instrumento da Sua vontade. Deus criou tudo em Jesus Cristo:

"E de manifestar a todos qual seja a comunicação do mistério escondido, desde o princípio dos séculos, em Deus, que tudo criou" (Ef 3:9). Assim como Deus Pai criou tudo que é visível e invisível através de Seu Filho, (cf. Col 1:16) agora o Filho toma para si a obra da regeneração do homem.

 

O incompreensível amor de Cristo (Ef 3:13-21).

Os efésios podiam estar confusos pelo fato de Deus permitir que Seus servidores estivessem sujeitos a tantas tribulações e dificuldades, porém, o apóstolo não responde às hesitações deles, ele somente roga a Deus para que Ele os ajude a amadurecerem espiritualmente e a entenderem por si só, porque é necessário para todos passar pela fornalha purificadora dos sofrimentos.

"Pelo que vos rogo que não desanimeis por causa das tribulações que tenho por vós: elas são vossa glória. Por esta causa dobro os meus joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do Qual toda a família, quer nos céus, quer na terra, toma o nome, para que, segundo as riquezas da Sua glória, vos conceda que sejais corroborados em virtude, segundo o homem interior, pelo Seu Espírito, e que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade; e conhecer também o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus. Àquele que é poderoso para fazer todas as coisas mais abundantemente do que pedimos ou entendemos, segundo a virtude que opera em nós, a esse glória na Igreja e em Jesus Cristo, por todas as gerações de todos os séculos. Assim seja" (Ef 3:13-21).

O apóstolo inicia e termina com oração a revelação aos efésios sobre o mistério da salvação. Ele roga a Deus para dar-lhes a compreensão de perceberem o imenso amor de Cristo, porque só assim, eles poderão crer e amá-Lo intensamente começando então a enriquecer-se com virtudes cristãs.

O homem interior (cf. Ef 3:16; Rom 7:22) é aquela parte escondida do homem, onde desabrocham as suas qualidades mais nobres e mais elevadas como: o amor à verdade, a propensão para o bem, a nítida distinção entre o bem e o mal, o sentido da moral, o fascínio pelos valores espirituais e a sede do relacionamento com Deus. À medida que o homem interior coloca-se em ordem e torna-se mais confortável, ele está apto a receber Cristo. O Senhor disse ― sobre o Seu misterioso habitar dentro do homem que crκ: "Aquele que retem os Meus mandamentos e os quarda, esse é que Me ama; e aquele que Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei (também), e Me manifestarei a ele. Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, qual é a causa porque Te hás de manifestar a nós e não ao mundo? Respondeu Jesus e disse-lhe: Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra, Meu Pai o amará, nós viremos a Ele e faremos Nele morada" (Jo 14:21-23).

"... O que permanece em Mim e Eu nele..." (Jo 15:1-8). O bispo Teofan Zatvornic explica detalhadamente como desenvolver o seu homem interior ao interpretar a epístola aos efésios ("Epístola aos Efésios," Moscou, 1893, págs. 238-239).

"E que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade; e conhecer também o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus" (Ef 3:17-19). O desenvolvimento das capacidades cerebrais ou o aperfeiçoamento das diversas qualidades não é o que dá ao homem a sabedoria espiritual, através da qual ele pode penetrar nos mistérios espirituais, mas é sim o prosperar no amor. O mais maravilhoso e inspirador de todos os mistérios da fé e ao mesmo tempo inatingível vem a ser o amor de Cristo, que é tão imenso quanto ao espaço que nos rodeia. As palavras "largura e comprimento" "altura e profundidade" usadas pelo apóstolo Paulo é como se ele desenhasse a cruz perante os olhos dos fiéis, lembrando-nos que Cristo manifestou Seu infinito amor a nós exatamente nos Seus sofrimentos sobre a cruz.

Portanto, tudo vem de Deus. Ele nos criou, nós caímos e Ele nos levantou, purificou os pecadores e os santificou, iluminou os insensatos e fortaleceu os vacilantes. A contemplação dessa infinita seqüência das graças de Deus leva o apóstolo a sentir a necessidade de glorificá-Lo incessantemente. O seu ensinamento sobre a Igreja de Cristo, como uma sociedade universal que tudo preenche com o corpo místico de Cristo, é muito importante para o fortalecimento da nossa fé. Nós como membros de uma determinada paróquia, freqüentemente, perdemos de vista a real grandiosidade e a força espiritual da Igreja à qual pertencemos. Nos tornamos propensos a ver o nosso templo-paróquia como uma ilhota perdida no oceano sem limites da sociedade, na qual a maioria das pessoas vive de acordo com os entendimentos e os interesses pagãos. As ondas espumantes das inúmeras heresias e a decadência moral cada vez maior do ser humano fazem-nos parecer às vezes, que finalmente estão afundando a nossa pequena paróquia e aos poucos o cristianismo como um todo, de tal forma, que só nos restará lembranças da Igreja de Cristo.

O apóstolo Paulo ajuda-nos a afastar tais pensamentos sombrios, pois ele desvenda perante os nossos olhos espirituais a grandiosidade da Igreja de Cristo que envolve o Céu e a Terra. A Igreja é o Reino de Deus, que inclui não apenas aqueles que vivem aqui na terra e crêem sinceramente, mas que envolve também a imensa reunião dos anjos e das almas dos justos que vivem no céu. O Senhor Jesus Cristo ― a cabeηa da Igreja ― unifica essa imensa reuniγo daqueles que estão salvos e daqueles que se estão salvando; por isso, não existe organização maior e mais forte do que a Igreja. As nossas paróquias não são ilhotas dispersas, mas sim saliências na rocha de uma montanha monolítica e majestosa, cujo topo sobe ao céu. Mesmo a força das águas batendo fortemente no sopé da montanha não conseguirá abalá-la. Por isso, nós não devemos preocupar-nos com o destino da Igreja que aos poucos cresce e se fortalece ― pelo menos em sua parte celestial. O que devemos fazer é apenas nos agarrarmos e nos abrigarmos nela, porque enquanto estivermos com ela não pereceremos nas ondas desse mundo.

A seguir, nós veremos a segunda parte da Epístola aos Efésios que contém o ensinamento moral incluído nos três últimos capítulos de 4 a 6.

 

2. A parte do ensinamento moral (Ef 4-6).

Nos três primeiros capítulos o apóstolo esclareceu que todos os cristãos constituem um só corpo ― a Igreja. Partindo desse pensamento principal, ele conclui como devem viver e agir os cristãos membros do corpo místico de Cristo. Ele mostra inicialmente: a) a estrutura geral da vida cristã, cuja linha básica vem a ser a unanimidade na fé (Ef 4:1-6); expõe as regras gerais dessa vida cristã (Ef 4:17, 5:21); mostra as regras particulares da vida referente aos conjuges, aos pais e filhos, aos escravos e senhores (Ef 5:22, 6:9) e finalmente convoca a todos para a luta contra os inimigos da nossa salvação, os diabos e os demônios (Ef 6:10-18).

 

a) Estrutura geral da vida cristã.

Almejem a unidade (Ef 4:1-16).

O apóstolo Paulo após ter revelado o entendimento sobre a Igreja como sendo uma sociedade grande e coesa que unifica os fiéis, conclama a todos a almejar a paz e o entendimento:

"Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de um modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros por caridade, solícitos em conservar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também vós fostes chamados a uma só esperança pela vossa vocação. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, e atua por todas as coisas e reside em todos nós" (Ef 4:1-6).

As palavras introdutórias "que andeis de um modo digno da vocação a que fostes chamados" (Ef 4:1) englobam tudo o que o apóstolo prepara-se para falar. O Senhor tirou-nos do meio de uma sociedade moralmente apodrecida, tirou-nos das trevas morais e nos fez entrar em Seu Reino de Luz, onde tudo se baseia nos princípios da verdade e do amor. Por isso, vivam de acordo com a sua vocação. No mundo impera o egoísmo, a vaidade, o orgulho e a exploração dos outros para o proveito próprio. Freqüentemente, aquele que é mais insolente e agressivo alcança um sucesso maior. Daí provem inimizades, brigas e outros males que arruinam a sociedade humana. Para evitar isso, nós devemos ser humildes e dóceis e em tudo manifestarmos a paciência e o amor. É maravilhoso que na base da perfeição espiritual, o apóstolo coloca a virtude com a qual o Senhor iniciou o Seu Sermão da Montanha, ou seja, a humildade ― uma opiniγo modesta a respeito de si mesmo aliada à esperança da ajuda de Deus (bem aventurados os pobres de espírito). Da humildade nasce a docilidade que impede qualquer desavença. A meta comum deve ser "conservar a unidade de espírito (unanimidade) no vínculo da paz."

Paulo, a fim de incentivar os cristãos a almejarem a unanimidade, lembra-os que eles constituem uma sociedade espiritual ― o corpo mνstico de Cristo ― que se torna vivo pela aηão do Espírito Santo. No cristianismo tudo leva à unidade. Realmente, todos são chamados para um Reino; todos adoram um único Deus; todos têm uma só fé e mistérios (Ef 4:4-6); todos compartilham a mesma forma de pensamento e os mesmos valores espirituais; todos têm a mesma meta e a mesma fonte da graça regeneradora.

Os ativistas modernos da Igreja que clamam por unidade e cooperação, devem lembrar-se que isso só pode ser alcançado na unidade da fé. O apóstolo Paulo assim como outros apóstolos pregando uma única fé, pediu a seus seguidores para conservá-la.

"Pelo qual sois também salvos, se o conservais como eu vo-lo preguei, exceto se tiverdes crido em vão" (1Cor 15:2). "O que aprendestes e recebestes, ouvistes e vistes em mim, isso praticai" (Flp 4:9). "Permanecei, pois, constantes, irmãos, e conservai as tradições, que aprendestes, ou por nossas palavras ou por nossa carta" (2Tes 2:14). "Nós vos ordenamos, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que viver desordenadamente e não segundo a doutrina que foi recebida de nós" (2Tes 3:6). "Ó Timóteo, guarda o depósito (da fé), evitando as novidades profanas de palavras e as contradições de uma ciência de falso nome" (1Tim 6:20).

Paulo usa a palavra "tradição" para denominar tudo que ele ensinou. A Igreja na pessoa de seus arquipastores, seguindo o preceito da tradição dos apóstolos, procurou sempre protejer a fé dos diversos modernismos, ensinando que é importante não apenas crer com sinceridade, mas da maneira como os apóstolos ensinaram, pois qualquer arbitrariedade em questões da fé ou qualquer fé "particular" afasta inevitavelmente o homem da Igreja.

No entanto, como nós vemos diante do preceito do apóstolo, a unidade em questões da fé não anula as qualidades particulares ou os talentos de um ou outro fiel, porque assim como no organismo cada membro desempenha uma determinada função necessária para o corpo, assim também dentro da Igreja cada membro pode e deve cooperar para o bem comum por meio de seus dons naturais e benéficos. Deus não anula as qualidades individuais do homem, mas ao contrário Ele as eleva, reforça-as e as manifesta em sua forma máxima por meio da Sua graça. Assim como cada membro recebe a sua função no organismo, assim cada um dos fiéis recebe seu talento como complemento para as qualidades naturais. Esse talento é uma graça especial, um dom espiritual especial, através do qual cada um deve servir ao bem comum.

"Mas a cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo. Pelo que a Escritura diz: "Tendo subido ao alto, levou cativo o cativeiro, distribuiu dons pelos homens." Ora, que significa subiu, senão que também antes tinha descido aos lugares mais baixos da terra? Aquele que desceu, é Aquele mesmo que também subiu acima de todos os céus para cumprir todas as coisas. Ele a uns constituiu apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo, para que não mais sejamos meninos flutuantes, e levados ao sabor de todo o vento de doutrina, pela malignidade dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Porém, praticando a verdade na caridade, cresçamos em todas as coisas Naquele que é cabeça, o Cristo, do Qual todo o corpo coordenado e unido por meio de todas as junturas de comunicação, segundo uma operação proporcionada a cada membro, toma o aumento próprio do corpo para a sua edificação na caridade" (Ef 4:7-16).

O apóstolo Paulo cita o seguinte trecho do salmo 67, o qual se refere ao Messias, indicando Cristo como sendo a Fonte dos dons da graça: "Subindo nas alturas subjugou o cativeiro e deu dons aos homens para que aqueles que recusam (pagãos) possam habitar com o Senhor Deus" (Sl 67:19).

O apóstolo citando o texto segundo a tradução grega da Bíblia conhecida pelo nome de Septuaginta (70 intérpretes), corrige, no entanto, a palavra "recebeu" pela palavra "deu," porque a tradução mais correta é a tirada da palavra hebraica "lacah." Essa profecia significa que o Messias tendo descido ao inferno após a Sua morte, tirou de lá os cativos do demônio (subjugou o cativeiro) e os libertou. Depois disso, subiu aos céus e deu aos fiéis dons benéficos enviando-lhes o Espírito Santo.

Cristo instituiu a uns apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e doutores, exatamente para a edificação e consolidação da Igreja de Deus. Os apóstolos são os discípulos mais próximos de Cristo, aos quais foi confiada a divulgação da Igreja. Os profetas são orientadores espirituais inspirados, que receberam de Deus revelações especiais, pois tiveram grande importância na consolidação da Igreja no primeiro século do cristianismo (cf. At 11:27, 21:10; 1Cor 14:3). Os evangelistas (aqueles que levam a boa nova) são os pregadores do Evangelho, viajantes e missionários, que assim como os profetas normalmente não eram vinculados a uma determinada comunidade. Por outro lado, os pastores e doutores eram orientadores espirituais permanentes de suas comunidades, que pregavam, explicavam a palavra de Deus e respondiam às necessidades diárias dos fiéis. Aqueles que recebiam a imposição das mãos dos apóstolos, eram consagrados para o exercício do episcopado ou do sacerdócio e revestiam-se do direito de realizar a comunhão, batizar, dar sacramentos de cura (miropomázanie) e encabeçar as orações comunitárias (missas).

O apóstolo Paulo explica detalhadamente em suas epístolas a Timóteo e a Tito em que consistem os deveres dos bispos, dos presbíteros e dos diáconos (auxiliares dos dois primeiros) e cita as qualidades morais que eles devem ter (cf. At 14:23, 20:23-32). Em sua epístola aos Coríntios ele escreve a respeito dos dons espirituais gerais que são dados a todos os fiéis, como por exemplo, o dom da fé, da sabedoria, da cura, o de falar diversas línguas e o das interpretações das línguas (cf. 1Cor 12:4-31). Na epístola aos efésios, no entanto, ele se detem nos dons que são necessários para a estrutura da Igreja.

É importante lembrar que ninguém pode pela sua própria resolução assumir alguma atividade de liderança na Igreja, seja um profeta, um evangelista, um pastor ou um doutor, mas sim pela indicação daquele que Deus autorizou nomear. Nos tempos dos apóstolos, as atividades na Igreja eram desempenhadas por pessoas nomeadas pelos próprios apóstolos, mais tarde eles passaram esse direito para os seus sucessores, os bispos (cf. Tit 1:5). Paulo fala claramente sobre a hierarquia eclesiástica instituída por Deus em sua epístola aos efésios assim como em outras epístolas, por isso, aqueles que rejeitam ao clero vão contra aquilo que os apóstolos estabeleceram. O objetivo dessa hierarquia é ajudar os fiéis no aperfeiçoamento moral (para o aperfeiçoamento dos santos cf. Ef 4:12) e criar o Corpo de Cristo (a Igreja), isto é, ajudar a difundí-la e a consolidá-la. Os pastores da Igreja devem trabalhar nesse sentido "Até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo" (Ef 4:13), isto é, que com a segunda vinda de Cristo todos atinjam o nível espiritual máximo.

Dessa maneira segundo o apóstolo, a Igreja não é uma pedra imobilizada, mas é sim um corpo vivo cuja vocação é crescer e aperfeiçoar-se. Um grande carvalho difere muito no seu aspecto externo de um pequeno broto, do qual ele cresceu, no entanto, a sua essência é a mesma. Da mesma forma, a Igreja no seu estado atual parece ser diferente da Igreja dos tempos dos apóstolos, mas a sua essência permanece a mesma: ela contem a mesma fé, a mesma bem-aventurança, os sacramentos e a estrutura hierárquica que continha naquela época. Em seu longo caminho histórico, a Igreja enriqueceu-se e amadureceu em muitos aspectos. A luta contra as heresias ajudou no entendimento de muitas verdades cristãs e a propagação do monastério ajudou na consolidação de regras da vida espiritual. O magnífico canto litúrgico, as ricas imagens e arquiteturas, tudo isso é resultado do crescimento interior e exterior da Igreja.

"Para que não mais sejamos meninos flutuantes..." (Ef 4:14). O ideal do cristão é atingir a bondade, a espontaneidade e a sinceridade da criança. "Na verdade vos digo que, se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18:3). Isso é dito em relação ao coração.

No entanto, quanto às questões sobre o ensinamento da fé, o cristão não deve ser ingênuo e crédulo "ao sabor das ondas e agitado por qualquer sopro de doutrina," mas ao contrário, ele deve estar bem informado para ensinar os outros a crerem corretamente (cf. 1Pdr 3:15; 2Pdr 3:17).

O objetivo de nossos esforços é orientarmos tudo para o bem do próximo, inspirados no amor. Elucidando esse objetivo, Paulo lembra aos efésios como eles estavam distante dele antes de sua conversão a Cristo.

 

b) Regras gerais.

Despojai-vos do homem velho (Ef 4:17-24).

"Isto, pois, digo e vos rogo no Senhor: que não andeis mais como os gentios, que andam na vaidade dos seus pensamentos, os quais têm o entendimento obscurecido, (e estão) afastados da vida de Deus pela ignorância que há neles, por causa da cequeira do seu coração, os quais desesperando, se entregaram à dissolução, à prática de toda a impureza, à avareza. Mas vós não aprendestes assim (a conhecer) Cristo, se é que ouvistes (pregar Dele), e fostes ensinados Nele, segundo a verdade que está em Jesus, a vos despojardes, pelo que diz respeito ao vosso passado, do homem velho, o qual se corrompe pelas paixões enganadoras. Renovai-vos, pois, no espírito do vosso entendimento, e revesti-vos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeira."

Devemos tomar cuidado para não retornarmos ao passado. O pecado é nocivo não apenas porque infringe a norma moral, mas principalmente porque ele obscurece a razão e endurece o coração do pecador, que cai em um círculo vicioso: pecando, ele obscurece a razão e com a mente obscurecida ele peca ainda mais. O que ocorre com o pecador é semelhante a uma pedra que rola sobre um plano inclinado: quanto mais longe ela rola maior velocidade ela adquire. Os pagãos estando prisioneiros do pecado não se entregavam apenas à libertinagem, mas praticavam-na insaciavelmente. O apóstolo explica aos efésios, que todos eles se afogariam no lodo do pecado, se não fosse Cristo, porém, essa condição ficou para trás quando eles durante o batismo trocaram a sua roupa velha pela nova, simbolizando a sua purificação da corrupção moral. Eles sendo santificados pela graça de Cristo, adornaram-se com as Suas virtudes e dessa forma assemelharam-se a Ele (cf. Ef 4:24). Depois do esclarecimento de Paulo aos efésios sobre essa profunda mudança ocorrida com eles através da aceitação do cristianismo, ele passa a esclarecê-los mais detalhadamente sobre as qualidades espirituais, através das quais eles devem distinguir-se.

Comportamento decente (Ef 4:25-32).

"Pelo que, renunciando à mentira, fale cada um a seu próximo a verdade, pois somos membros uns dos outros. Se vos irardes, não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao demônio; aquele que furtava, não furte mais, mas antes ocupe-se, trabalhando com suas mãos em qualquer coisa honesta, a fim de ter que dar ao que está em necessidade. Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que seja boa para edificação da fé, de maneira que faça bem aos que ouvem. Não estristeçais o Espírito Santo de Deus, pelo Qual fostes marcados com um selo para o dia da redenção. Toda a amargura, animosidade, cólera, clamor, maledicência, com toda a espécie de malícia, seja banida de entre vós. Pelo contrário, sede benignos uns para com os outros, misericordiosos, perdoando-vos uns ao outros, como também Deus vos perdoou por Cristo."

Esse ensinamento é claro, nós devemos deter-nos apenas em alguns pensamentos. O versículo 26 "Se vos irardes, não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira" convoca-nos a tentarmos reconciliar-nos rapidamente com quem estivermos irado antes que o sol se ponha. Isso porque, os sentimentos e as sensações que recebemos durante o dia ficam gravados durante o sono em nosso inconsciente. Se os sentimentos e as sensações gravados forem maus e pecaminosos, eles nos influenciarão e nos empurrarão para uma direção maléfica.

Os pecados, principalmente a depravação, entristecem o Espírito Santo (cf. Ef 4:30), através do Qual os cristãos foram selados no dia da sua redenção, ou seja, durante o seu batismo. Já nos tempos dos apóstolos, era comum eles oferecerem aos cristãos os dons do Espírito Santo logo após o batismo durante o mistério da unção com mirra (miropomázanie). No início, esses dons eram oferecidos aos novos cristãos pela imposição das mãos e mais tarde, ainda durante a vida dos apóstolos, os dons eram dados a eles através do óleo santificado (miropomázanie) acompanhado das palavras "selo dos dons do Espírito Santo." Por esse motivo, o apóstolo usou na sua epístola a palavra "selo," indicando que os cristãos receberam o selo espiritual.

Viver no amor (Ef 5:1-2).

"Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos muito amados, e andai no amor, como também Cristo nos amou e Se entregou a Si mesmo por nós a Deus, como oferenda e hóstia de suave odor."

Nós devemos imitar a Deus no amor, tal como os filhos imitam a seus pais. Imitar a Deus significa seguir o exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo. As perfeições do Deus invisível tornaram-se visíveis a todos nos atos de Jesus Cristo. Por isso o Salvador disse: "Quem Me vê, vê também o Pai" (Jo 14:9). O apóstolo João aconselha-nos a imitar o maior ato de amor de Cristo, que foi o Seu sacrifício redentor, sacrificando-nos pelo bem do próximo. "Nisto conhecemos o amor de Deus: em ter dado a Sua vida por nós; igualmente nós devemos também dar a vida pelos nossos irmãos" (1Jo 3:16).

O apóstolo Paulo recomenda novamente aos efésios para evitarem tudo aquilo a que antes se submetiam, para eles evidenciarem com mais brilho o alto nível da vocação cristã.

Não participar dos atos das trevas (Ef 5:3-14).

"Nem sequer se nomeie entre vós a fornicação ou qualquer impureza ou avareza, como convêm a santos; nem palavras torpes, nem loucas, nem chocarrices, que são coisas inconvenientes, mas antes ações de graças a Deus. Com efeito, sabei-o bem, nenhum fornicador ou impudico ou avaro, o qual é um idólatra, terá herança no Reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos seduza com palavras vãs, porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos rebeldes. Não queirais, pois, ter comunicação com eles. Outrora éreis trevas, mas agora (sois) luz no Senhor. Andai como filhos da luz, porque o fruto da luz consiste em toda a espécie de bondade, de justiça e de verdade. Examinando o que é agradável a Deus, não tomeis parte nas obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as. Porque as coisas que eles fazem em segredo, vergonha é até dizê-las. Mas todas as coisas que são condenadas, são postas a descoberto pela luz, porque tudo o que é manifestado é luz. Por isso se diz: "Desperta, tu que dormes; levanta-te dentre os mortos e Cristo te alumiará."

Palavras vãs ― são conversas do tipo: "pecado não é algo tão grave, porque pecar é algo natural a nossa natureza imperfeita; Deus é misericordioso, Ele perdoa a todos" e outras conversas desse gênero. Paulo explica que todas as tentativas de justificar de alguma forma os próprios atos pecaminosos, atraem a justiça de Deus.

Nós devemos não apenas evitar os pecados, mas antes condená-los (cf. Ef 5:11), porém, para isso a pessoa tem que ter muita sabedoria espiritual e experiência. Ser pacificador, ou seja, reconciliar os pecadores com Deus, é a sétima virtude que se dá àqueles que são puros de coração (cf. Mt 5:9). O apóstolo Paulo em sua epístola aos Gálatas encarrega alguns espirituais para corrigir aqueles que cometem pecados: "Irmãos, se algum homem for surpreendido em algum delito, vós, que sois espirituais, admoestai-o com espírito de mansidão; refletindo cada um sobre si mesmo, não caia também em tentação" (Gal 6:1). O homem espiritual deve ser prudente e refrear-se em sua tentativa de corrigir o outro para que ele mesmo não caia em tentação: "Aquele, pois, que crê estar de pé, veja não caia" (1Cor 10:12).

A tarefa de repreender os que pecam, deve-se deixar àqueles que têm essa obrigação direta. Paulo orienta seu discípulo, o bispo Timóteo, como ele deveria proceder perante a acusação contra um presbítero: "Aos que pecarem repreende-os diante de todos, para que também os outros tenham medo" (1Tim 5:20). "Levai os fardos uns dos outros e, desta maneira, cumprireis a lei de Cristo" (Gál 6:2). "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes salvos" (Tg 5:16).

O estado de um pecador arraigado é semelhante a um sono profundo, mas com a ajuda de Deus até mesmo ele pode despertar. As palavras: "Desperta, tu que dormes; levanta-te dentre os mortos e Cristo te alumiará" (Ef 5:14) pelo que parece são extraídas de algum hino cristão no tempo dos apóstolos ou são inspiradas no texto do livro do profeta Isaías, que profetizou sobre a glória vindoura da Igreja de Cristo: "Levanta-te, recebe a luz, Jerusalém, porque chegou a tua luz, e a glória do Senhor nasceu sobre ti. Porque eis que as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti nascerá o Senhor, e a Sua glória se verá em ti" (Is 60:1-2).

Mais adiante, o apóstolo explica que tudo aquilo que ele conclama, deve ser aceito por nós não como plano geral para um futuro incerto, mas ao contrário, cada crente deve esforçar-se o máximo possível para aproveitar o tempo precioso que Deus deu a ele, a fim de se preparar para a eternidade.

Ajam cuidadosamente (Ef 5:15-21).

"Cuidai, pois, irmãos, em andar com prudência, não como insensatos, mas como circunspectos, recobrando o tempo, pois que os dias são maus. Portanto não sejais imprudentes, mas considerai qual é a vontade de Deus. E não vos embriagueis com vinho, no qual está a luxúria, mas enchei-vos do Espírito Santo, falando entre vós com salmos e hinos e canções espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor em vossos corações, dando sempre graças a Deus e Pai por tudo, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo."

Paulo denomina aqui de "maus" (Ef 5:16) os dias de nossa vida terrena no sentido de sua precariedade. Nós sempre pensamos que a nossa vida ainda está por vir, que nós iremos conseguir regenerar-nos e fazer algo de bom. De repente, de surpresa a morte espreita-nos e aí está o fim de todos os nossos planos: não há como fazer o tempo retroceder. Por isso, o apóstolo roga para não sermos insensatos, mas para nos esforçarmos a compreender a vontade de Deus, isto é, entender o que devemos fazer e o que almejar. Deus indicará, sem dúvida, algo de útil através das circunstâncias externas e através da inspiração interna àquele que O procura para guiá-lo. O que devemos fazer é somente aprender a ouvir a Sua voz.

Um noviço faz uma pergunta: "Quantas vezes se deve orar para receber a mensagem como se deve agir"? O ancião Varsanof responde: "Quando não há um ancião experiente para se perguntar, deve-se rezar três vezes sobre o caso e depois observar para onde o coração inclina-se, nem que seja um cabelo e assim agir. O coração pode perceber e compreender tal mensagem."

Noviço: "Deve-se rezar as três vezes tudo de uma vez ou em momentos diferentes"?

Ancião: "Às vezes não há como protelar. Se houver tempo reze três vezes no intervalo de três dias, caso houver necessidade premente como foi no tempo da traição do Salvador, tome-O como exemplo. Ele se afastou por três vezes para orar e as três vezes Ele pronunciava sempre as mesmas palavras (cf. Mt 26:44)."

Noviço: "Quando se pretende fazer algo para agradar a Deus e um plano contrário opõe-se a ele, como saber se esse ato realmente agrada a Deus"?

Ancião: "Reze e observe. Veja se durante a oração o coração consolida-se no bem e esse bem não diminui mas cresce e se o plano contrário, que se opõe, permanece ou não. Saiba que toda boa ação acarreta uma reação contrária por inveja do demônio e uma boa intenção consegue vencer através da oração. Caso aquilo que pareça bom for inspirado pelo demônio e além disso, acontecer que a reação contrária também provenha dele ― com a oraηão enfraquece o bem aparente e juntamente com ele a reação contrária aparente. Nesse caso, é evidente que o inimigo opõe-se ao plano, que ele próprio colocou dentro de nós, para através disso nos tentar a aceitar o plano inspirado por ele como bem. Quando se pensar sobre algo e se sentir embaraçado no plano e após invocar o nome de Deus ainda restar o mínimo que seja desse algo, saiba que essa ação que se quer executar é inspirada pelo demônio. Então, não faça isso em hipótese alguma, pois o que é feito com embaraço não agrada a Deus. Mas quando alguém reage ao embaraço (e quando ocorre pensamento que se opõe ao embaraço) não se deve considerar imediatamente o ato como nocivo, mas se deve examiná-lo se é bom ou não. Se não for bom, abandone-o, se for bom, faça-o, ignorando o embaraço."

Assim como numa corrente um elo puxa o outro, assim também ocorre com os vícios. O exagero ao beber-se vinho, por exemplo, leva o homem a uma vida libertina (cf. Ef 5:18). O cristão deve procurar o consolo espiritual, ele deve encher-se do Espírito Santo recitando salmos, hinos e cânticos espirituais ao invés de procurar os prazeres da carne (cf. Ef 5:19). Ele deve esforçar-se para que tanto a língua quanto o coração louvem a Deus, pois se sabe que durante o tempo dos apóstolos já haviam hinos cristãos (cf. 1Cor 14:26). Um governante pagão chamado Plínio escreveu no início do século II ao imperador troiano, que os cristãos reuniam-se antes do raiar do sol e juntos louvavam Cristo como Deus.

O agradecimento a Deus deve sempre fazer parte nas nossas orações. O apóstolo Paulo ensina em sua epístola aos Tessalonicenses: "Estai sempre alegres; orai sem cessar: por tudo dai graças (a Deus)..." (1Tes 5:16-18). A palavra tudo inclui também os acontecimentos tristes da vida: "Ora nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus" (Rom 8:28).

Após a explicação das regras gerais da vida cristã, o apóstolo passa a explicar as regras particulares, começando pela exposição das obrigações dos conjuges. Ele representa aqui a união dos conjuges como sendo a imagem da união mística de Jesus Cristo com a Igreja.

 

c) Regras particulares.

Cristo e a Igreja exemplo para maridos e esposas (Ef 5:22-33).

"As mulheres sejam sujeitas a seus maridos, como ao Senhor, porque o marido é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja, seu corpo, do qual ele é o Salvador. Ora, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim o estejam também as mulheres a seus maridos em tudo. Maridos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja e por ela Se entregou a Si mesmo, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada. Assim também os maridos devem amar as suas mulheres, como os seus próprios corpos. O que ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque ninguém aborreceu jamais a sua própria carne, mas nutre-a e cuida dela, como também Cristo o faz à Igreja, porque somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. "Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher; e serão os dois uma só carne." Este mistério é grande, mas eu o digo em relação a Cristo e à Igreja. Por isso também cada um de vós ame sua mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o seu marido."

O homem, que freqüenta a Igreja, reconhece nesses versículos o preceito que foi lido durante o sacramento do matrimônio. Para o entendimento correto do ensinamento do apóstolo a respeito dos conjuges, deve-se levar em consideração que ele não teve como objetivo derrubar as estruturas sociais que foram estabelecidas durante séculos. O apóstolo Paulo assim como os outros apóstolos quando tinham a necessidade de dar conselhos práticos a respeito do relacionamento entre os membros da família ou entre aqueles que comandavam e os seus subordinados, esforçavam-se apenas em tornar esses relacionamentos mais nobres e elevá-los moralmente para eliminar a crueldade e o mau uso.

Os princípios de submissão e responsabilidade são princípios estabelecidos por Deus, pois eles são absolutamente necessários para o bem estar da sociedade. Os filhos devem obedecer aos seus pais, os empregados aos seus patrões, os trabalhadores aos que os comandam, os cidadãos aos governantes, os membros da paróquia aos seus pastores e mestres e todos devem obedecer a Deus. Todos os direitos estão ligados aos deveres. Aqueles que comandam são responsáveis perante a Deus pela maneira como eles utilizam o poder e a posição que lhes foi concedida. Caso o comandante não se preocupar com o bem estar de seus subordinados e fizer mau uso de seu poder, ele se transformará em um tirano e poderá trazer prejuízo à sociedade. Deus cobrará isso dele. Da mesma maneira, quando os subordinados não obedecem aos seus comandantes ocorre a anarquia e a sociedade dissolve-se.

A família é a menor célula da sociedade. A própria natureza sugere que cada membro da família tenha seus direitos, suas obrigações e responsabilidades condizentes. O cristianismo reconhecendo a primazia masculina não diminui a mulher deixando-a em segundo lugar, mas ao contrário, nós sabemos pela história que o cristianismo libertou a mulher da posição da escravidão, na qual ela se encontrava no mundo anteriormente e reconheceu a sua igualdade religiosa e moral da mesma forma que reconhece para o homem. O apóstolo coloca a mulher em segundo lugar (após o marido) nas condições de vida do lar. Ele faz isso de acordo com o que foi estabelecido por Deus durante a criação, onde ambos os sexos têm suas superioridades específicas e limites de atividades. A superioridade do marido é a força física e a energia da vontade, a superioridade da mulher é a disposição para as atividades práticas, ternura e benevolência. De acordo com essas qualidades é completamente injusto fazer a mulher praticar os mesmos deveres que o homem. Os direitos devem ser de acordo com os deveres e vice-versa. Por determinação divina, ao marido cabe o primeiro lugar na vida familiar, porque esse primeiro lugar é em suma o conjunto de certos deveres, que as esposas não podem desempenhar pelas suas forças. O marido deve amar a sua esposa como ele ama o seu corpo, porque ela é osso de seus ossos e carne de sua carne (cf. Gên 2:23).

As esposas costumam sentir-se oprimidas com o peso do poder do marido sobre elas e os maridos têm a tendência de fazer mau uso de sua posição de primazia, por isso, Paulo ensina em sua epístola justamente o que é violado no casamento: os maridos devem amar as suas mulheres e as esposas devem ser obedientes a eles. Deus encarrega cada membro da família de "provações" especiais para evitar brigas pela primazia e protegê-la. O marido deve ocupar-se do bem estar da família e tomar decisões a respeito do andamento exterior familiar e a esposa deve concentrar a sua atenção sobre a educação dos filhos e aspectos internos. As atitudes do marido em relação à esposa devem vir do sentimento de amor por ela e a mulher em troca deve permitir a ele o lugar de cabeça da família, cedendo-lhe a última palavra. No plano ideal, o relacionamento entre marido e mulher é como o relacionamento entre Cristo e a Igreja: um amor absoluto pela Igreja até o sacrifício da Sua própria vida e uma submissão agradecida da Igreja a Cristo.

A submissão da esposa ao marido, no entanto, não é de escrava e nem forçada, mas é como uma submissão ao Senhor que provem do sentimento de confiança e de gratidão. A postura de autoridade do marido deve ser entendida como uma posição de liderança, que é sempre necessária em todas as uniões e sociedades, porém, não deve ser uma postura de dominação. O marido é a cabeça natural da família. Ele deve carregar o fardo principal das obrigações familiares, os quais a esposa não pode levar devido a delicadeza relativa de sua natureza e da fragilidade de suas forças físicas. O amor conjugal deve ser principalmente um amor espiritual e ter um objetivo moral.

O apóstolo cita as seguintes palavras: "no batismo da água" (cf. Ef 5:26) que subentende o mistério do batismo, com o qual Cristo purifica as pessoas que ingressam na Igreja de todas as suas impurezas morais. De forma semelhante, os maridos também devem cuidar da pureza moral e da salvação das almas de suas esposas. Eles devem manifestar o seu amor nos cuidados com elas, assim como eles cuidam de seu próprio corpo. Eles devem alimentá-las e aquecê-las como o Senhor faz com a Igreja. Paulo lembra-nos sobre o embasamento bíblico desse amor do marido para com a esposa: "Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa só carne" (Gên 2:24).

Com essas palavras, o apóstolo deseja alertar os conjuges para uma união sólida e demonstrar como as brigas conjugais são anti-naturais. A expressão "a mulher reverencie o seu marido" (Ef 5:33) é evidentemente figurativa, isso não significa que a mulher precise temer o marido como uma escrava, porque tal temor não pode ter lugar no cristianismo. Esse temor nada mais é que o respeito da mulher para com o marido. Ela deve respeitá-lo como cabeça da família e ele deve ser responsável perante a Deus pelo bem estar dessa família. Através desses e de outros ensinamentos apostólicos nós podemos ver como era o relacionamento dos primeiros cristãos com o casamento. O marido e a mulher são absolutamente iguais como colaboradores de Deus, do Reino de Deus e herdeiros da vida eterna, porém, a diferença estabelecida entre eles pela sua natureza, permanece. A esposa foi criada para ajudar o marido e foi criada do marido (da costela dele) e não o marido para ajudar a esposa, apesar dele ter nascido "da mulher." A esposa, pelo seu significado humano e pelo desígnio de Deus, é igual ao marido em tudo, mas no aspecto prático ela vem a ser a sua ajudante e dependente e o marido vem a ser a cabeça da família, portanto, cabeça da esposa "e que vivam segundo a vontade de Deus" como está escrito nas orações do sacramento do matrimônio.

O apóstolo Paulo a fim de complementar esses preceitos gerais a respeito das obrigações dos conjuges, escreve sobre os votos conjugais: "Quanto àqueles que estão unidos em matrimônio, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não separe do marido; e, se ela se separar, fique sem casar, ou reconcilie-se com seu marido. O marido igualmente não repudie sua mulher" (1Cor 7:10-11).

"Aos outros, sou eu que lhes digo, não o Senhor: se algum irmão tem uma mulher sem fé, e esta consente em habitar com ele, não a repudie. E, se uma mulher crente tem um marido sem fé, e este consente em habitar com ela, não deixe esta o seu marido; porque o marido sem fé é santificado pela mulher fiel, e a mulher sem fé é santificada pelo marido fiel; doutra sorte os vossos filhos seriam impuros, enquanto que agora são santos" (1Cor 7:12-14).

Esses últimos versículos são de grande importância hoje em dia nos casamentos, nos quais apenas um dos conjuges tem fé ou é cristão ortodoxo.

"Este mistério é grande, mas eu o digo em relação a Cristo e à Igreja" (Ef 5:32). No casamento existe mistério como: o marido e a mulher serão os dois uma só carne, porém, esse mistério é ainda maior em relação a Cristo e à Igreja, que o apóstolo nem tenta explicar. A seguir, Paulo passa a esclarecer os deveres dos filhos em relação aos pais e dos pais em relação aos filhos.

O relacionamento entre pais e filhos e entre escravos e senhores (Ef 6:1-9).

"Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. "Honra teu pai e tua mãe," que é o primeiro mandamento que tem promessa, "a fim de que sejas feliz e tenhas larga vida sobre a terra." E vós, pais, não provoqueis à ira os vossos filhos, mas educai-os na disciplina e nas instruções do Senhor. Servos, obedecei a vossos senhores temporais com reverência e solicitude, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo, não os servindo só quando sob as suas vistas, como por agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus, servindo-os com boa mente, como se servísseis o Senhor e não os homens, sabendo que cada um receberá do Senhor a paga do bem que tiver feito, quer seja escravo quer livre. E vós, os senhores, fazei o mesmo com eles, pondo de parte as ameaças, sabendo que o Senhor, tanto deles como vosso, está nos céus, e que não faz acepção de pessoas."

Os filhos devem obedecer os pais, pois assim exige a lei natural da justiça. Os pais devem evitar severidade com os filhos e educá-los segundo as leis do Senhor. Todo relacionamento familiar deve ser no Senhor, isto é, deve estar de acordo com o ensinamento cristão em relação à liberdade e pureza moral; deve estar baseado no princípio da justiça, respeito mútuo e amor, e não deve transgredir os limites permitido pela lei de Cristo.

"A fim de que sejas feliz e tenhas larga vida sobre a terra" (Ef 6:3). Esse é o único mandamento acompanhado de uma promessa. O quinto mandamento ― honrar os pais ― entre os dez mandamentos do Antigo Testamento ι o único que promete uma recompensa: "Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas uma vida dilatada sobre a terra que o Senhor teu Deus te dará" (Êx 20:12).

A seguir, o apóstolo fala do relacionamento entre escravos e senhores. Ele pede aos escravos para obedecerem aos seus senhores e aos senhores ele pede um tratamento justo e misericordioso para com seus escravos, porém, ele não aborda o aspecto político ou social sobre a legalidade ou não da escravidão. A Igreja cristã não tinha como função realizar reformas políticas ou sociais, mas sim o renascimento interior dos homens. É natural que a renovação moral da sociedade deveria levar a mudanças correspondentes favoráveis no relacionamento entre as pessoas.

Concluindo os ensinamentos morais, Paulo conclama os cristãos a lutar contra o inimigo invisível de nossa salvação ― o demônio e seus servos. Esse ensinamento está na base da devoção cristã.

 

d) Vida guerra contra os espíritos maus (Ef 6:10-20).

"De resto, irmãos, fortalecei-vos no Senhor e no poder da sua virtude. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio, porque nós não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares. Portanto, tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e ficar de pé depois de ter vencido tudo. Estai, pois, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestindo a couraça da justiça, e tendo os pés calçados para ir anunciar o Evangelho da paz; sobretudo embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do maligno; tomai também o elmo da salvação e a espada do espírito (que é a palavra de Deus), orando continuamente em espírito, com toda a sorte de orações e de súplicas, e vigiando nisto mesmo com toda a perseverança, rogando por todos os santos e por mim, para que me seja dado abrir a minha boca e pregar com liberdade o ministério do Evangelho, do qual eu, mesmo com as algemas, sou embaixador, e para que eu fale corajosamente dele, como devo."

A nossa vida toda é uma luta incessante contra as tentações que vêm de todos os lados. Essas tentações nascem em nós freqüentemente sem um motivo externo aparente ou provem às vezes de pessoas ou circunstâncias externas. No entanto, cada um deve saber que o maior perigo que nos ameaça vem exatamente dos demônios. O satã e os espíritos decaídos não são produtos de fantasia supersticiosa, mas são seres reais apesar de serem invisíveis. Eles direcionam conscientemente e segundo um plano todas as suas atividades, artimanhas e experiência de milhares de anos, a fim de estimular paixões nas pessoas e as empurrarem para todo o tipo de transgressão. A maioria dos homens, pela sua ingenuidade, são inclinados a ver os seus concorrentes e seus desafetos como inimigos e não levam em consideração a presença dos espíritos malignos. Na realidade, como explica o apóstolo, a nossa luta não deve ser dirigida contra a carne e o sangue, ou seja, ela não deve ser contra os homens que se encontram em perigo como nós, mas ela deve ser contra esses espíritos do mal. Nós não gostamos de sofrer perdas materiais, porém, esse não é o maior perigo, o verdadeiro perigo é perdermos o Reino de Deus e a vida eterna, isso é o que devemos temer, pois essa perda será uma tragédia irreparável.

Paulo denomina os espíritos malignos de "dominadores deste mundo," não por eles terem o poder sobre o mundo, mas por eles comandarem a parte da humanidade que permanece no mal. Na realidade, os ateus, as pessoas libertinas e os pecadores persistentes fazem de uma certa forma, mesmo que inconscientemente, a vontade dos demônios. Esses espíritos usam essas pessoas e através delas tentam influenciar as atividades sociais e políticas. A expressão "pelos ares" significa que os espíritos malignos constantemente permanecem entre o céu e a terra. Eles nos rodeiam por todos os lados, assim como uma nuvem de mosquitos perturbadores que ficam procurando um lugar desprotegido para picar.

O apóstolo pede a todos para tomar a armadura de Deus para nos defendermos deles, isto é, utilizarmos todos os meios espirituais que Ele nos deu através do cristianismo. Essa armadura é indispensável para nós resistirmos aos espíritos malignos nos dias maus, isto é, nos minutos decisivos de nossa vida, como por exemplo, nos momentos das provações pesadas e na hora da morte. De acordo com diversos relatos da vida dos santos, no momento que a alma sai do corpo e durante a sua viagem ao Céu os espíritos decaídos fazem uma última e desesperada tentativa para destruí-la.

Esse ensinamento de Paulo inspira-nos a ver-nos como soldados de Cristo. Os espíritos malignos tentarão atacar-nos com diversas tentações até o fim de nossas vidas a fim de nos destruírem, pois queiramos ou não, estamos no centro de um combate desesperado com eles.

O apóstolo Paulo não explica detalhadamente o que ele subentende por diversos objetos de uso militar, mas a idéia geral é clara, as nossas armas contra os demônios são: a fé firme e sincera (o escudo), a orientação pela palavra de Deus (as Sagradas Escrituras como espada do espírito), o amor à verdade, o esforço na vida cristã (a couraça da justiça) e a disposição para a divulgação do ensinamento do Evangelho (a anunciação da paz).

Maiores detalhes sobre essas virtudes cristãs podem ser vistos no Sermão da Montanha do Salvador (Mt 5-7). Dessa maneira, o modo de vida cristã correto é a melhor defesa contra os espíritos decaídos, por outro lado, eles têm livre acesso às pessoas que se encontram longe de Cristo, influenciando-as em seus pensamentos e sentimentos, provocando nelas paixões e as empurrando para todo o tipo de maldade. O pior de tudo é que o infeliz pecador nem desconfia da tremenda desgraça, na qual ele se encontra.

A despedida e a benção (Ef 6:21-24).

O apóstolo pede para orarem por ele na conclusão de sua epístola aos efésios. Ele faz isso em cada uma delas, ensinando dessa maneira que a oração coletiva tem uma grande força, pois até mesmo os mais importantes servidores da Igreja têm necessidade dela.

"E para que vós saibais também o estado das minhas coisas e o que eu faço, de tudo vos informará Tíquico, nosso irmão muito amado e ministro fiel no Senhor, o qual vos enviei para isto mesmo, para que saibas o que é feito de nós e para que console os vossos corações. Paz aos irmãos e caridade e fé, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo de um modo inalterável. Assim seja" (Ef 6:21-24).

 

Conclusão.

Assim, em sua epístola aos efésios, o apóstolo Paulo compartilha aqueles pensamentos e sentimentos elevados, com os quais Deus iluminou-o durante o período de reclusão. Ele revela aqueles caminhos elevados, pelos quais Deus leva a humanidade à salvação e revela também o significado da Igreja de Cristo que envolve o mundo humano e o angelical.

No centro do mistério da redenção encontra-se Cristo e Sua Igreja, a qual vem a ser o Seu corpo místico que envolve o céu e a terra. A Igreja não alcançou ainda a plenitude de seu desabrochar, mas ela cresce e se aperfeiçoa com a absorção constante de novos membros. Cada cristão, aperfeiçoando-se moralmente, contribui para o crescimento dela.

O ensinamento do apóstolo sobre o Senhor Jesus Cristo como cabeça da Igreja é importante para o esclarecimento do relacionamento mútuo entre os cristãos. Assim como os membros do corpo humano juntamente com a cabeça constituem um organismo vivo, da mesma maneira, todos os que crêem em Cristo formam um único organismo corporal-espiritual. Aqueles que se batizam Nele revestem-se Dele, tornando-se unos com Ele. Cristo age na Igreja como uma força que reúne a todos e os direciona. Dele depende o crescimento e o aperfeiçoamento da Igreja.

Os judeus do Antigo Testamento esperavam com a vinda do Messias a expansão do estado de Israel. Deus fez muito mais que isso; Ele transformou o pequenino estado terreno em Seu Reino Espiritual ilimitado, que absorveu fiéis de todos os povos. Todos os governos terrenos mais cedo ou mais tarde entram em decadência, somente o Reino de Deus permanecerá para sempre e ficará cada vez mais forte.

A Igreja não é uma rocha imóvel em sua estagnação, mas sim o corpo de Cristo vivo e em constante aperfeiçoamento. Uma árvore de muitos séculos difere na aparência da pequena sementinha, da qual ela germinou, no entanto, a sua essência genética permanece a mesma. Igualmente, é a Igreja de Cristo hoje com toda a sua aparente diferença daquela Igreja dos primórdios do cristianismo, mas que contem a mesma fé, a mesma graça, os mesmos sacramentos e a mesma estrutura hierárquica que os apóstolos colocaram como base.

A nossa vida é uma luta incessante contra os espíritos malignos que tentam destruir as nossas almas, atacando-nos insistentemente com tentações. Um modo de vida cristão e a graça de Deus são os meios mais seguros, isto é, as "armas" para nos defendermos deles. A virtude mais importante é o amor puro e desinteressado em primeiro lugar a Deus e depois ao próximo. Aquele que se esforça a amar a todos com toda a sua força, encontra-se no caminho da perfeição e os espíritos malignos não têm acesso a ele.

 

 

Folheto Missionário número P64

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Redator: Bispo Alexandre Mileant

(ephesians_p.doc, 05-18-2002)

 

 

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