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Thank you! Bishop Alexander

Igreja Ortodoxa

Bernardo Sartorius

III

(pp. 223-311)

 


Conteúdo: Capítulo quinto: A Igreja e a Vida Espiritual. A Igreja. A Igreja toma consciência de si mesma. A Igreja descobre-se no mundo. A oração. Posfácio - perguntas. Referências.


  

Capítulo quinto

A Igreja e a Vida Espiritual

Só a fragmentação infinita do gênero humano é acessível à nossa vista: nós vemos cada indivíduo levar uma vida egoísta e isolada; os filhos do mesmo Adão, sendo seres sociais, dependendo dos seus irmãos, não vêem a sua unidade, não estão conscientes dela, mas esta unidade manifesta-se no amor e pelo amor e existe graças à participação na vida divina e única da Igreja. "Amemo-nos uns aos outros, a fim de que num mesmo espírito confessemos o Pai e o Filho e o Espírito Santo, Trindade consubstancia e individual," proclama a Igreja na liturgia. Esta unidade da Igreja revela-se aos olhos do amor não como uma união exterior do gênero das que encontramos em toda a sociedade humana - mas como o princípio primeiro e misterioso da vida. A humanidade é vida, em Cristo, os homens os bagos de uva de uma mesma vinha, os membros de um mesmo corpo. A vida de cada homem alarga-se infinitamente para se tornar a vida dos outros, comunhão dos santos, e cada homem na Igreja vive da vida de toda a humanidade tornada Igreja; cada homem é humanidade: homo sum et nihil humanum a me alienum esse puto (Serge Bulgakoff: L'Ortodoxie. Paris, 1932, p. 6-7).

Este texto do padre Bulgakoff sublinha-o: Onde o homem descobre a invasão do Inefável, passa-se um acontecimento que tem um alcance ao mesmo tempo psicológico e social: a constituição da Igreja, comunidade daqueles que estão disponíveis para a razão de ser última da vida. Por esta razão, juntos, eles sentem-se impelidos a viver cada vez mais intensamente, em si mesmos e através das suas relações com os outros, da presença de Deus. A Igreja é, pois, a comunidade daqueles que, na oração e no amor, descobrem sempre melhor o Inefável, portanto a eles mesmos e aos outros e imprimem na sua vida as consequências éticas de alcance psicológico e social de uma descoberta sempre renovada e chamada a aprofundar-se ainda mais. A interiorização da fé pela oração e a sua exteriorização pelo amor vivido no quotidiano e no social de longo alcance são um só e o mesmo movimento, e qualquer distinção compromete a realidade da "Igreja." "A relação vertical com Deus numa fé viva realiza-se na sua manifestação horizontal com os outros, na comunhão do Espírito Santo, que não pode ser separada da realidade visível da Igreja, aqui e agora" (N. A. Nissiotis: L'Église et Ia Société dans Ia Théologie orthodoxe grecque, in L'Éthique sociale chrétienne dans un Monde en transformation. Église et Société, Genebra, 1966, p. 64). É somente na vida comunitária de uma comum participação em Deus, vida comunitária mais profunda ainda do que o casamento, que, como se viu, é um sinal, que o indivíduo se torna verdadeiramente numa pessoa, e que pode, por esta razão, ir ao mais profundo da sua própria identidade na oração e na meditação. "Na tradição oriental, observa Nissiotis, teólogo grego contemporâneo, a pessoa deve ser compreendida... como "ser pessoal," definido somente pela sua relação com os outros membros da comunidade eclesial. Ser pessoal significa que a sua individualidade não brota senão do movimento recíproco do amor que conduz à interdependência em Cristo dos homens reunidos pelo Espírito Santo" (Ibid).

 

A Igreja

Para o pensamento ortodoxo, o ato que funda a Igreja é aquele que foi instituído por Cristo e que simboliza, por si só, estas duas dimensões numa única - penetração em Deus pela oração e comunhão com os outros, - que constituem a razão de ser da Igreja: a Eucaristia. Evdokimov nota a este respeito: "Ela é a expressão mais adequada da Igreja. É na sua própria essência que a Igreja é comunhão eucarística, comunhão continuada, perpetuada" (Paul Evdokimov: La prière de l'Église d'Orient. Mlulhouse, 1966, p. 65). Ela é o sinal - partilha do pão e do vinho - da participação real no Inefável, logo a realização pelo crente da sua identidade mais profunda, sinal que é, por esta razão, ao mesmo tempo comunhão com o próximo, resumindo e realizando a profundidade máxima de qualquer encontro humano: é o sinal vivido que "faz" com que uma comunidade concreta seja verdadeiramente "Igreja." No decorrer da liturgia eucarística os crentes "constituem a Igreja, ou mais exatamente ainda, são, em conjunto, transformados em Igreja de Deus" (Alexander Schmemann: For the Life of the World. Nova Iorque, 1963, p. 14). Por toda a parte onde este acontecimento se realiza, há "Igreja," sendo esta, portanto, para o pensamento ortodoxo, Igreja local, viva num dado lugar antes de ser Igreja universal. "A plenitude - por isso também a plenitude da verdade... encontra-se presente em cada igreja local, em cada comunidade cristã reunida em redor da mesa eucarística..." (Jean Meyendorff: L'Église orthodoxe hier et aujourd'hui. Paris, 1960, p. 182) Sendo Cristo - manifestação histórica da vocação humana - significado pelo pão e pelo vinho, sinais tangíveis, a Igreja é bem esta comunidade visível de pessoas reunidas efetivamente, geograficamente, e não apenas a comunidade daqueles que se encontram "em espírito." Uma vez que Deus é homem, a vida comunitária "encarnou," isto é, tornou-se visível, palpável; o espiritualismo dos "belos espíritos" não é cristão. "A existência da Igreja, nota o padre Bulgakoff, é visível, é completamente acessível à nossa experiência; tem limites no espaço e no tempo. A vida (à primeira vista) invisível da Igreja, a vida da fé, está indissoluvelmente ligada às formas concretas da vida terrestre. O "invisível" existe no visível, está nele incluído; eles formam em conjunto um "símbolo" (A palavra "símbolo" vem de uma palavra grega que significa "reunir," "unir," "juntar.") designa uma coisa que pertence a este mundo, que lhe está estreitamente ligada, mas que, no entanto, tem um conteúdo cuja existência é anterior a todos os séculos. Está aí a unidade do transcedente e do imanente, uma ponte entre o céu e a terra, uma união de Deus e do homem, de Deus e da criatura. Sob este ponto de vista, a vida da Igreja é simbólica; é uma vida misteriosa, escondida sob sinais visíveis. A oposição entre "a Igreja invisível" e uma sociedade humana formada em vista da Igreja interior [em cada indivíduo] mas estranha a ela, esta oposição destrói o símbolo, suprime a própria Igreja, enquanto união da vida divina e da vida das criaturas" (Serge Bulgakoff, op. cit. p. 10). Ora, na medida em que a Igreja é o movimento de humanização dos homens numa comunidade real, sendo este movimento resumido e realizado sempre de novo na Eucaristia, ela pode ser designada por "una, santa, católica e apostólica."

Ela é una: expressão de um mesmo movimento divino na humanidade, movimento de reconciliação e de personalização, de equilíbrio e de paz, conscientemente orientado para último antecipado na Eucaristia, a Igreja não poderia ser dividida sob pena de constituir um desmentido flagrante àquilo que ela pretende encarnar. "A unidade cristã, observa o padre Meyendorff, é uma unidade com Cristo no Espírito Santo, e não uma unidade entre homens que se teria perdido na história: esta unidade está na Igreja Una, que não poderá ser dividida por querelas humanas. Os homens não podem dividir Deus e a Sua Verdade, para os reunificar em seguida: eles podem deixá-los e depois voltar a eles." Historicamente, esta unidade jamais exclui a diversidade nos pormenores da organização interna e as necessárias adaptações às condições locais - língua, mentalidade, etc. diversidade que, como se viu, (Cfr. capítulo 1) conduziu por vezes as Igrejas ortodoxas, no decurso da sua história, a confrontações diretas (Cf. Bemard Schultze, S. J. e Johannes Chrysostomus O. S. B: Die Glaubenswelt der orthodoxen Kirche. Salzburgo. 1961, p. 116 ss). Mas a unidade é conservada na medida em que cada Igreja local vê as outras empenhadas no mesmo dinamismo de vida, dinamismo que lhe vem do mesmo Senhor e que ela exprime através de uma mesma fé. "A unidade da Igreja é, antes de tudo, uma unidade na fé e não uma unidade de administração: a unidade administrativa não pode, com efeito, ser mais do que uma obrigação de fidelidade à Verdade" (Jean Meyendorff, op. cit. p. 184). Esta unidade de fé não é adesão comum a dogmas abstratos, mas vida comum, vida vivida em conjunto e na plena consciência - expressa na teologia! - do empenhamento comum no e pelo mistério de Deus. Numa palavra, para utilizar um termo russo, que a designa muito adequadamente ela é sobornost, isto é, comunidade-comunhão do membro individual com o conjunto do corpo eclesial e vice-versa, sendo a natureza desta comunhão da ordem de uma relação pessoal de uns com os outros e de todos com Deus, antes de ser de ordem administrativa, jurídica ou "dogmática." Como o diz esta passagem da liturgia do Pentecostes - celebrando a "descida" do Espírito Santo sobre os discípulos de Cristo - o que sublinha bem que esta unidade é, antes de tudo, unidade de vida e só, depois, unidade de instituição eclesiástica: "Quando o Altíssimo desceu para confundir as línguas, separou os povos (Alusão ao episódio da Torre de Babel (Gênesis 2) quando comunicou as línguas de fogo (= o Espírito) chamou todos os homens à unidade; unânimes, nós glorificamos o Espírito Santo" (Citado por Paul Evdokimov, L'Orthodoxie. Neuchãtel-Paris, 1959. p. 155). A unidade assim vivida só pode ser, na vida da comunidade, conciliar, isto é vivida num corpo em que cada um dos membros se pode exprimir, e contribuir assim para o dinamismo do todo. Eis a razão pela qual as decisões empenham o futuro e a orientação fundamental de toda a Igreja, as comunidades orientais sempre as tomaram no decorrer dos Concílios, assembleias de representantes de todas as Igrejas locais. "Eu decidi, escreveu o bispo Cipriano de Cartago (200-258) aos seus paroquianos, não empreender nada sem o vosso conselho e sem o acordo do povo. No meu regresso, nós julgaremos todos em conjunto" (Épitre 14:4). Além disso, uma decisão tomada por um Concílio permanece condicional por todo o tempo que não esteja aceite e assimilada em profundidade pelo povo de toda a Igreja. A vida de Deus que anima a comunidade é primeira em relação a todo o aparelho de organização e assim um concílio pode ser a expressão da tomada de consciência da Igreja perante o Inefável "não para ser formalmente constituída por representantes acreditados de todas as Igrejas locais, mas [somente] porque deu testemunho da fé e revelou a verdade" (Paul Evdokimov, op. cit. p. 160).

A Igreja é, pois una porque "Deus não pode ser dividido," una sem ser uniforme, una na complementaridade conciliar dos seus membros; por outro lado, ela é uma comunidade universal cujos membros encontram o mesmo Cristo em cada comunidade local. Esta unidade na diversidade das suas implantações locais é efetiva não somente no espaço, mas também no tempo, através dos séculos: a Igreja é apostólica, isto é, permanece fiel à intuição que os Apóstolos de Cristo tiveram da proximidade de Deus manifestada na pessoa do seu mestre e junto de todos os homens. "Apostólica, nota Evdokimov, significa idêntica à essência do germe transhistórico confiado aos apóstolos" (Ibid. p. 161). E está aí, aos olhos dos ortodoxos, o papel essencial dos bispos (nos primeiros séculos: dos padres) e da sua ordenação: o de representarem, pelo seu ensinamento e pela sua autoridade, a continuidade do movimento divino significado pela Eucaristia, movimento de que os Apóstolos, e particularmente S. Pedro, foram os primeiros a tomar consciência. "A função que o bispo desempenha, observa o padre Meyendorff, supõe que ele ensina em conformidade com a pregação comum do colégio apostólico, de que Pedro foi o porta-voz, que ocupa, à mesa eucarística, o mesmo lugar do Senhor, que é, como escrevia Inácio de Antioquia no século 1, a "imagem de Deus" na comunidade de que ele é o chefe" (Jean Meyendorff, op. cit. p. 183) A ordenação dos bispos (e, por eles, dos padres) é assim sinal da sucessão apostólica, da unidade da vida da Igreja não somente no espaço mas também no tempo. E é bem - uma vez mais - a unidade de vida que assim é significada, da verdadeira vida realizada na presença do Inefável, e não de uma vida "eclesiástica" particularmente "religiosa," separada da "vida normal." "Cristo revelou que a natureza do sacerdócio é o amor, sendo assim o "sacerdócio" a essência da mesma vida. Morreu, foi a última vítima da religião dos sacerdotes e, na sua morte, a religião dos sacerdotes foi abolida, ao passo que a vida sacerdotal de todos os homens foi inaugurada. Cristo foi assassinado pelos sacerdotes, pelo "clero," mas o seu sacrifício destituiu-os da mesma forma que aboliu a "religião." Aboliu a religião porque destruiu o muro que separava o "natural" do "sobrenatural," o "profano" do "sagrado," o que é "deste mundo" daquilo que "não é deste mundo" - distinção que era a única razão de ser da religião. Cristo revelou que todas as coisas são feitas novas no amor. E, se há sacerdotes na Igreja, é precisamente para revelar que toda a vocação humana é sacerdotal, para ajudar os homens a fazer do conjunto da sua vida à liturgia do Reino, para manifestar que a Igreja é o sacerdócio real do mundo renovado." É desta ordem que é o sacerdócio, sinal de unidade da Igreja através dos séculos, é desta qualidade essencial que é a ordenação dos padres, simples índice da continuidade do movimento de Deus na comunidade humana desde Cristo até hoje.

Esta unidade interpessoal no espaço e no tempo é a própria expressão da santidade da Igreja, isto é, do irradiar de Deus na humanidade, tal como se manifesta através da Eucaristia. A "santidade" não é uma "coisa" que a Igreja "possuiria" através do sacramento, recebe dela o dom sempre renovado, o dom da presença divina humanizante. Este dom, nenhum homem - nem mesmo o "santo" - o assimilou ainda inteiramente, estando cada um por sua vez "na Igreja," e fora dela, a caminho da "santidade," isto é, da sua verdadeira identidade de homem exatamente fundada sobre - e orientada para e pelo - Inefável. A Igreja, para o pensamento ortodoxo, pode ser chamada "santa" somente porque ela é a comunidade dos homens ainda muitas vezes bem desumanos, mas vivendo da certeza de que, para lá da sua imperfeição, Deus os humaniza pela sua presença no meio deles. Eis a "santidade da Igreja..." A Igreja não cessa de implorar a graça vivificante, a fim de regar o solo árido e o deserto do humano: "Envia-nos o teu Santíssimo Espírito que santifique as nossas almas e as ilumine (Oração do ofício da Ascensão. Paul Evdokimov, op cit. p. 156 ).

 

A Igreja toma consciência de si mesma

Constatamos, pois, que o aprofundamento da sua vida tal como é vivida comunitariamente pelos membros da Igreja ortodoxa implica um movimento de concentração em redor da Eucaristia. Por causa desta realidade, do significado deste sinal, a Igreja é una no espaço - reconhecimento mútuo pelas comunidades locais da sua realidade de Igreja - una na diversidade dos seus membros - unidade dinâmica de que os concílios são a expressão "institucional" - una e idêntica a si própria através dos séculos - "a sucessão apostólica" dos bispos e dos padres, sinais vivos da continuidade do movimento de humanização lançado por Deus em Cristo e aprofundado em cada um pelo Espírito Santo; numa palavra, é por causa da realidade encarnada de Deus que se oferece todos os dias de novo ao homem através dos sinais do Batismo, das Escrituras e da Ceia, que ela é "santa," não em si mesma, mas enquanto comunidade daqueles que reconhecem que a "santidade," isto é, a verdadeira humanidade se descobre e se vive em Deus. Há pois um movimento que tende a distinguir os membros da Igreja daqueles que ainda não viveram a mesma tomada de consciência. Daí decorre necessariamente uma atitude lúcida a respeito das outras concepções de existência, sejam elas religiosas ou não.

Certamente - e está nisso o essencial - para os ortodoxos qualquer homem, seja qual for a sua crença ou ausência de crença, seja ele cristão, ateu, indiferente ou adepto de uma dada religião, é de uma dignidade igual perante Deus, aspira à mesma felicidade de uma vida livre, equilibrada, construtiva e comunitária. Qualquer homem, e os nossos contemporâneos talvez mais do que os nossos antepassados, é "amável," porque "sensível às situações humanas: presença - ausência, solidão - comunhão, cativeiro - libertação, sentido - absurdo... amor, morte, nascimento, amizade, liberdade, vocação... No mais profundo de si mesmo há uma criança cedo ou tarde infeliz e que busca ser protegida, o que quer dizer no fim de contas: salva porque amada" (Paul Evdokimov: La prière de I'Église d'Orient. Mulhouse, 1966. p. 50). Mas, na plena consciência desta solidariedade, numa sede comum de viver que o liga a todo o homem, o crente ortodoxo não realiza menos, humildemente e no arrependimento, que Deus lhe permite à sua tomada de consciência ir mais longe, mais fundo; que este mesmo destino humano que cada homem procura decifrar, o Inefável decifra-o por ele e nele através da vida meditativa e litúrgica possível na Igreja. Assim o ateísmo, por exemplo, é certamente, à primeira vista, uma concepção válida na medida em que "a negação de Deus permitiu afirmação do homem" (Paul Evdokimov: Les Áges de Ia Vie spirituelle. Paris. 1964, p. 21). Mas ele mostrará as suas limitações decisivas ao nível das questões profundas do homem - vida, sofrimento, morte, amor: "Por falta de conteúdo positivo, todas as formas de ateísmo, nota Evdokimov, conduzem à decepção sistemática e é a existência do mal que impede o ateísmo de se tornar uma solução. O caráter irracional do sofrimento e da morte mantém a razão em fracasso, significa a falência. Para o homem e para o seu destino a natureza é indiferente ao bem e ao mal, ela esmaga-o pelo seu absurdo. A única solução [ateia] eficaz postularia a ignorância da liberdade; com esta única condição, o mal e o sofrimento seriam suprimidos uma vez que se suprimiria a consciência. Um fantoche não tem direito a um pranto trágico. Mas toda a resignação se sente inadmissível demissão do homem" (Ibid. p. 37). É de rigor uma lucidez análoga a respeito de toda a absolutização das ciências positivas, lucidez que os padres na Rússia soviética não hesitam em exprimir. Tal como nota o padre Pravdoliubov; pároco perto de Moscovo: "A religião e a ciência têm cada uma a sua verdade, mas nem todas as verdades da fé são acessíveis à reflexão científica, uma vez que elas se situam no plano sobrenatural; pelo contrário, todas as verdades científicas são acessíveis à fé" (Citado por Z. A. Iankova: L'Orthodoxie contemporaine et le caractère antisocial de son idéologie, in: Problèmes de l'Histoire de Ia Religion et de 1'Athéisme. Colecção XI. Moscovo, 1963. Tradução francesa em "Istina." 1966/4, p. 391). A atitude dos ortodoxos a respeito de outras filosofias e religiões é igualmente lúcida e crítica. De certo, todas as religiões e filosofias são válidas porque testemunham esforço do homem em busca da sua alma, são "os caminhos onde o homem procura Deus (Paul Evdokimov: op. cit. p. 78), o índice de que "Cristo está presente em todo o homem que procura a verdade" (Alexander Schmemann, op. cit. p. 8). Mas, ao mesmo tempo, o crente ortodoxo, sem de forma nenhuma se considerar superior, reconhece que em Cristo qualquer religião, incluindo a sua, na medida em que - e é muitas vezes o caso - ela cairia na antiga rotina da "religiosidade," distinta da vida, em Cristo qualquer religião atingiu o seu limite e o seu fim. "Nenhuma passagem do Novo Testamento, observa o padre Schmemann, apresenta o cristianismo como um culto ou uma religião. A religião é necessária onde existe um muro de separação entre Deus e o homem. Mas Cristo, que é ao mesmo tempo Deus e homem, derrubou esse muro. Ele está na origem de uma vida nova e não de uma nova religião" (Ibid).

Na medida em que a fé ortodoxa é a certeza da presença real de Deus significada pela Eucaristia em torno da qual se constitui a comunidade daqueles que aceitam tomar disso consciência, sendo, pois a Igreja una, santa e apostólica, esta certeza impede os cristãos orientais de admitirem a existência de muitas "Igrejas" que, divididas, participem no mistério com uma intensidade igual. Atitude de lucidez crítica a respeito de toda a doutrina ou ausência de doutrina que não abarque plenamente a vocação humana - tornar-se verdadeiramente homem ultrapassando-se em Deus, - portanto lucidez igualmente crítica a respeito de outras confissões cristãs. "No tempo apostólico as igrejas designavam os lugares onde se manifestava o corpo de Cristo sempre uno. Hoje, o plural reporta-se também às partes do mundo cristão dividido e, como tal, privadas da intercomunhão eucarística. Do ponto de vista ortodoxo, o dogma da unidade da Igreja determina a Igreja ortodoxa. Qualquer formação cristã para além dos limites [da Igreja ortodoxa] pertence à Ortodoxia, na medida da sua participação na verdade [o batismo, o nome de Deus]. Uma heresia, um cisma é um fenômeno da vida da Igreja, a sua ligação com o centro pode ser mais ou menos frouxa e isso é o seu grau de ortodoxia... A Igreja é una e é única" (Paul Evdokimov: L'Ortodoxie. Neuchãtel-Paris, 1959. p. 155-156). Em toda a humildade, a Igreja ortodoxa, persuadida de que a Eucaristia, sinal da presença unificante de Deus, não pode ser dividida, vê-se constrangida a considerar-se ela mesma como a Igreja, portanto como a única verdadeira Igreja, estando as outras comunidades eclesiais mais ou menos afastadas da sua apreensão do divino. Conforme o diz claramente o padre Bulgakoff: "A Igreja ortodoxa está consciente de que é a Igreja verdadeira, possuindo a plenitude e a pureza da verdade no Espírito Santo. Daí decorre a idéia que a Igreja ortodoxa faz das outras confissões religiosas, que se separaram - imediatamente ou não - da unidade eclesiástica: ela não pode desejar senão uma só coisa, é tornar ortodoxo todo o mundo cristão, a fim de que todas as confissões se fundam na Ortodoxia universal" (Serge Bulgakoff, op. cit. p. 262). A Igreja ortodoxa tem a certeza de estar na verdade, não porque ela julgue ter descoberto as fórmulas verbais corretas da verdade, mas porque descobriu esta como vida dada ao mundo, portanto como força de unidade vitoriosa de todas as divisões.

É com esta humilde lucidez que os seus teólogos se permitem lançar um olhar crítico mas fraternal sobre as outras confissões cristãs. Eles pensam que a Igreja católica romana reserva um lugar demasiado institucional, jurídico, á manifestação da presença de Deus, da "graça"; esta poderia, assim, deixar de ser um mistério, e tornar-se numa coisa "criada." A função do papa, investido institucionalmente do privilégio da infalibilidade em matéria doutrinal, constitui pois o pomo de discórdia por excelência entre a Igreja oriental e a Igreja romana, desacordo que decorre de uma divergência profunda sobre a própria natureza da manifestação do Inefável.

Enquanto que, para a Igreja romana, "o bispo de Roma - o papa - é o critério visível da verdade e o chefe único da Igreja universal... [para a Igreja ortodoxa] a permanência da verdade na Igreja é um fato de ordem sobrenatural, semelhante em todos os pontos à realidade do Sacramento [e cuja] eficácia é acessível à experiência religiosa, mas não ao exame racional, e não poderá estar submetido às normas do direito" (Jean Meyendorff, op. cit. p. 184-185) da instituição da Igreja, portanto do papa, por exemplo. É pois, antes de mais, sobre a eclesiologia - a doutrina da Igreja - que se situam as discussões entre as Igrejas ortodoxa e romana, diálogo que, sobretudo após o encontro do papa Paulo VI com o patriarca Atenágoras em Jerusalém, em Janeiro de 1964, decorre num clima excelente. Aos protestantes, por outro lado, a Igreja ortodoxa diz, com toda a simplicidade, que eles parecem não tomar bastante a sério a realidade da presença de Deus na Eucaristia, portanto na Igreja, uma vez que aceitam que esta - Corpo de Cristo - pode ser dividida por culpa dos homens. "Certamente, julga o padre Meyendorff, o princípio (protestante) da 'Igreja reformada, e sempre a reformar,' pode e deve ser aplicado, pela ortodoxia, aos elementos que são puramente humanos - e são numerosos na Igreja histórica - mas aquilo que Deus nos dá, a presença divina da sua plenitude em nós e no meio de nós, nos sacramentos e na Verdade preservada pelo Espírito Santo na Igreja, isso fica acima e para além de toda a 'reforma.' Isto deve ser ou aceite ou recusado. Ortodoxos e protestantes podem certamente concordar sobre o princípio de uma "reforma permanente' daquilo que é humano na Igreja: onde nós diferimos... é sobre a medida em que o humano se encontra assumido por Deus e deificado, sobre o princípio da comunhão intrínseca entre Deus e o homem na Igreja" (Jean Meyendorff: Orthodoxie et Catholieité, Paris. 1965, p. 122).

A lucidez crítica a respeito dos irmãos cristãos reforça-se com uma real disponibilidade para o exemplo que estes poderiam dar à Igreja ortodoxa com vista a permitir-lhe viver ainda mais plenamente a fé em domínios um pouco negligenciados por ela - a ética social por exemplo. Alguns não hesitam em falar de "complementaridade" entre o cristianismo oriental e o ocidental. "Presentemente, pensa Evdokimov, as duas espiritualidades, ocidental e oriental, completam-se... [Como diz um Padre da Igreja] o contemplativo e o prático encontraram-se, e no meio dos dois está o Senhor" (Paul Evdokimov: Les Âges de Ia Vie spirituelle. Paris. 1964. p. 168). Ou ainda, para retomar as palavras do padre Bulgakoff: "Diversos povos cristãos, pertencendo a diferentes confissões, podem instruir-se uns aos outros. O Ocidente pode encontrar um complemento para a sua secura no livre sopro da Ortodoxia; e o Oriente ortodoxo pode aprender do Ocidente cristão muitas coisas respeitantes à organização da vida cristã de todos os dias. Porque Marta e Maria, diferindo muito uma da outra, foram, uma e outra, amadas pelo Senhor" (Serge Bulgakof, op. cit. p. 219). Sente-se mesmo entre certos jovens teólogos ortodoxos contemporâneos - e muito particularmente entre os jovens leigos um ligeiro mal-estar perante a posição oficial da sua Igreja, que a seus olhos, está demasiado orientada para o passado - posição oficial que consistiria em repetir que "desde sempre," nós éramos a única Igreja verdadeira. "Devemos nós considerar a reunificação das Igrejas, que todos desejam tão ardentemente, interroga-se um jovem teólogo grego, unicamente como um regresso às condições do passado, ou antes como um progresso para a realização da verdadeira natureza da Igreja? Este progresso não interviria ao nível de discussão dogmática, mas da vida da Igreja... [isto é] do cumprimento da vida sem mais, do mundo e da humanidade" (Jacob Mainas: The Struggle of an Orthodoxe in the Ecumenical Move ment, in: revista "Risk," 1966/4, p. 58-59). Sendo lúcida a respeito das outras Igrejas, a atitude dos ortodoxos está, pois, longe de fechar a porta a uma colaboração com todos na humanização do mundo, desde que seja firmemente mantida a certeza de que Deus deu já a sua plenitude de vida à única Igreja de Cristo na medida em que ele chama toda a humanidade à plenitude de vida. "O Espírito de Deus sopra onde quer e, como diz Ireneu, onde está o Espírito aí está a Igreja. Nós [= os ortodoxos] sabemos onde está a Igreja, mas não podemos dizer com certeza onde ela não está" (Timothy Ware: citado por The Orthodoxe Ethos. Studies in Orthodoxy. vol. I, ed. por A. J. Philippou, Oxford, 1964, p. 19).

A certeza da presença de Deus no humano permite descobrir o sentido real, da vida e confere, por essa razão, ao crente uma lucidez crítica a respeito de qualquer doutrina, idéia, filosofia, religião ou qualquer recusa em abordar a questão que se situariam para aquém desta tomada de consciência, lucidez que, bem entendido, anda a par com um respeito profundo pela pessoa do interlocutor. Ora, porque o Inefável se revela através da Eucaristia, sinal central da Igreja, os crentes ortodoxos conscientes, vivendo deste critério sempre de novo oferecido, dão provas de lucidez freqüentemente muito incisiva a respeito da sua própria comunidade. Estas quantas observações, da pena de teólogos ortodoxos contemporâneos, indicam que, para a Ortodoxia também, a autocrítica construtiva é uma virtude cristã. "A grande tragédia do cristianismo, escreve por exemplo o padre Schmemann, não é estar 'comprometido com o mundo e ter-se deixado conquistar pelo 'materialismo,' mas, ao contrário, estar-se 'espiritualizado' e transformado em 'religião.' A religião tornou-se num domínio puramente espiritual, a concentração sobre realidades respeitantes à 'alma.' Os cristãos eram desta forma tentados a rejeitar inteiramente a temporalidade, a substituí-la pelo misticismo e unicamente pela busca espiritual de viver fora do tempo, evitando assim enfrentá-la" (Alexander Schmemann, op. cit. p. 32). Vista do exterior - esta crítica dirige-se particularmente à Igreja ortodoxa - a "espiritualização," a fuga para longe do real aparece sob a forma de uma insistência excessiva sobre os ritos religiosos não mais vividos como os atos reveladores do real - de toda a realidade humana, social e cósmica - que de fato são, mas suportados como cerimônias de uma certa beleza nas quais se participa por tradição sem nelas se participar realmente, ou ainda em vista dos quais se constroem belas igrejas sem verdadeiramente nelas se rezar. "Observação desrespeitante à esplêndida igreja nova e vazia que acaba de ser construída, nota o padre Yelchaninov no seu diário: 'Raramente se encontra lá um fiel.' Sim, parece-me cada vez mais evidente que os nossos ritos decorativos e pomposos devem desaparecer, que atingiram já o fim, que parecem já hoje artificiais e facultativos; deixaram de alimentar a alma faminta e devem ser substituídos por uma vida comunitária diferente, mais ativa e mais próxima da mentalidade de hoje. Que diferença entre as reuniões dos primeiros apóstolos e mártires e os nossos ritos - o padre separado dos fiéis pelo muro da iconóstase, um vasto pavimento de frias lajes entre eles e o altar, a `frieza' dos cristãos, de uns para com os outros, o cálice sempre oferecido em vão, porque sempre rejeitado, e não se sabe muito bem porquê. O elemento autenticamente 'religioso' [= que significa a relação entre Deus e o homem e dos homens entre si] desaparece, enquanto se multiplicam os arrebiques decorativos; a chama da alma arde mais fraca enquanto brilham com luz mais intensa as gambiarras de lâmpadas elétricas" (Citado por G. P. Fedotov: A Treasury of Russian Spirituality. Londres. 1952, p. 463-464). Nesta autocrítica, muitos teólogos ortodoxos julgam que a sua Igreja, dando muito relevo às formas exteriores, às tradições secundárias, não está a ser sempre fiel à sua razão de ser profunda: Manifestar, através de uma vida de comunidade de homens libertos interiormente e unidos no amor, que o Inefável permite a qualquer homem viver descontraído, livre, aberto ao seu futuro, aos outros e ao mundo. O padre Meyendorff sublinha-o: "A Igreja ortodoxa vive, em larga medida, fora das categorias eclesiásticas [= princípios evangélicos da vida comunitária] que constituem a sua própria natureza. Nas nossas práticas quotidianas, 'tradições humanas' desempenham um papel mais importante e determinante do que a tradição da Igreja... A nossa tarefa é deixar o Espírito guiar a Igreja, em lugar de tentar em vão impor os nossos desejos e as nossas tradições ao seu poder soberano" (Jean Meyendorff, Orthodoxie et Catholicité. Paris, 1965. p. 97-98). A ausência de enraizamento profundo na única realidade que legitima a Igreja impede muitas vezes os ortodoxos, pensa ainda o padre Meyendorff, de entrarem no diálogo com as outras comunidades cristãs, num diálogo que aborde o essencial. "Na situação presente, institucional e psicológica, do Conselho Ecumênico das Igrejas, a Igreja ortodoxa é considerada como se fosse a ala da extrema direita da cristandade romana, uma espécie de super-alta Igreja, exótica, incongruente na sua solenidade. Os próprios ortodoxos são, numa muito grande parte, responsáveis por esta situação. A sua forma de estarem representados no Conselho Ecumênico, sem a indispensável preparação teológica e pessoal... [tem] contribuído para obscurecer o problema aos olhos de Muitos" (Ibid. p. 129). Outra conseqüência grave de infidelidade ao movimento de Deus no homem e no mundo, movimento manifestado pela Eucaristia, sinal da Igreja: a perda do sentido da responsabilidade social, do papel de fermento na massa que deve ser o da Igreja na sociedade. Tomemos apenas este exemplo tirado da sociedade grega contemporânea: "É-se tentado, afirma Nikos Nissiotis, a falar de 'plutocracia,' porque um número limitado de pessoas dirigem uma economia que permite aos oportunistas fazerem fortuna... Ora, um número importante de membros influentes da Igreja da Grécia aceitam a passividade da Igreja neste domínio, porque eles mesmos estão habituados a pensar na Igreja como um lugar retirado, de santidade e de devoção religiosa" (N. A. Nissiotis, op. cit. p. 70). Se a Igreja perde o sentido do mistério da presença de Deus no homem, portanto o sentido do seu próprio mistério e do verdadeiro destino humano, se os deixa obscurecer pelos ritos que se esvaziam da sua substância, ela corre o risco de perder, deixando de ir "ao centro," - Deus pressentido e vivido na liturgia - a sua irradiação através de toda a realidade humana.

 

A Igreja descobre-se no mundo

E certo que a Eucaristia - tornada de consciência da presença real do Inefável junto de cada homem e nele - determina a Igreja no seu movimento de consciência de si em torno do sacramento, logo na sua unidade, santidade e apostolocidade que implicam a organização interna em redor dos bispos secundados pelos padres nos quais Deus garante de maneira visível a continuidade da sua presença na Eucaristia; daí decorre, sem dúvida, uma lucidez fraterna a respeito dos sistemas filosóficos e até religiosos, cristãos, que ficariam para aquém da apreensão na sua plenitude do divino encarnado, lucidez igualmente a respeito da Ortodoxia precisamente onde os seus membros não manifestam o máximo de humanidade de que ela constitui a tomada de consciência. Mas, se a Eucaristia determina este movimento de concentração em torno do essencial, ela é igualmente, ao mesmo tempo, o revelador de um movimento de expansão centrífuga, de humanização muito para além das fronteiras visíveis da Igreja. Esta é una, santa e apostólica, mas é também católica, isto é, "integral, universal" (do grego Kath 'holou = segundo a totalidade). Nada do que é humano é estranho ao Inefável, que dá a toda a realidade a sua verdadeira perspectiva particularmente à sociedade humana e às relações que a definem. Nada é pois estranho à Igreja, comunidade daqueles que aceitaram para a sua vida e para a do mundo, a invasão de Deus. Porque, sendo "Deus" sempre dado de novo, ela pode "devolver à humanidade a sua intimidade perdida com o Pai" (Jean Meyendorff, op. cit. p. 9); a Igreja não é um fim em si, mas não se realiza senão na medida em que o movimento divino de humanização de que os seus membros tomam consciência real irradia - ver-se-á concretamente - em todos os aspectos da vida humana. "A eclesiologia (= a doutrina da Igreja) nota o padre Schmemann, se não se inserir na sua verdadeira perspectiva cósmica ["para a vida do mundo"], se não se constituir em forma cristã da "cosmologia," não passa de uma eclesiolatria que faz da Igreja uma "coisa em si" e não o que ela é - uma nova relação entre Deus, o homem e o mundo" (Alexander Schmemann, op. cit. p. 47-48). A comunhão dos membros da Igreja entre si, para ser real, ultrapassa e inclui todo o homem, sem distinção de raça, de crença, de filiação política, social e nacional. "Na comunidade [da Igreja] o mundo inteiro está como que transfigurado num antegozo da realização final do mundo histórico. Se a Igreja não for vista simplesmente no seu aspecto institucional de sociedade particular, mas como a divina presença do Espírito, ela é o grande microcosmo, o centro e o eixo de toda a história. A Igreja não pode ser separada do mundo; ela é o seu coração. Está implantada em pleno centro da realidade histórica de que é ao mesmo tempo a origem e o fim. É o sentido qualificativo de catolicidade (sobornost em russo) que produz a realidade geográfica da Igreja."

Tal é a doutrina de Cristo: O amor é o movimento divino, logo humano que, significado pela Eucaristia, símbolo do amor de Deus em Cristo, confere ao mesmo tempo à Igreja a sua coesão e assegura-lhe a irradiação social. O homem pode amar porque "Deus, por um acréscimo de amor a nosso respeito, sendo transcendente a todas as coisas, incompreensível e indizível, consente em tornar-se participável ao nosso espírito e indizivelmente visível no poder superessencial e inseparável" (N. A. Nissiotis, op. cit. p. 60). Gregório Palamas, teólogo bizantino do século XIV, indica assim que o Inefável é a fonte, o fim e a profundidade do amor humano, do respeito e da solidariedade que os homens podem manifestar uns para com os outros. Amando, o homem realiza a sua própria natureza, toca e participa no Inefável que constitui a profundidade da sua própria vida. "O amor, observa Diádoco de Foticeia, une a alma às próprias virtudes de Deus, buscando pelo sentido interior Aquele que é invisível" (Centurie 1, citado pelo autor, op. cit. p. 191). Amor do próximo e amor de Deus sobrepõem-se. "O amor de Deus e o amor dos homens são os dois aspectos de um mesmo amor total" (Máximo o Confessor: Épitre 3, PG 91, col. 409 B). Uma vez que Deus se fez homem "o salvacionismo individual que não se ocupa senão da salvação da sua alma manifesta uma perigosa deformação. Ninguém pode jamais apresentar-se só diante de Deus... O centro [da vida humana] está em Deus e todos os homens se encontram na circunferência. Dirigindo-se para Deus, cada um segue um raio do centro, e quanto mais próximo se está do centro mais próximos estão os raios uns dos outros. Assim, a distância mais curta entre Deus e o homem passa pelo próximo" (Paul Evdokimov, op. cit. p. 148). Ou ainda, como diz o padre João de Cronstadt: "Se amais o vosso próximo, os céus vos amam; se estais em comunhão de espírito com os vossos semelhantes, estais unidos a Deus; se perdoais ao vosso próximo, estais seguros do perdão de Deus..." (Citado por G. P. Fedotov, op. cit., p. 415). Mas, sendo participação do que faz verdadeiramente o humano - Deus - o amor do próximo é "dado;" ele não é realmente possível senão na invasão primeira e incondicional do Inefável através da consciência e das motivações inconscientes do homem. Para a fé ortodoxa, o amor do próximo que vai até ao perdão e ao amor dos "inimigos" - aqueles que nos querem mal ou que nós julgamos que querem - é o fruto da presença de Deus no homem, da sua humilde disponibilidade a respeito da sua verdadeira humanidade. "Sem cessar, nota o padre Siluan, imploro a Deus que me ajude a amar os irmãos deles, porque nossos irmãos, é a nossa vida... Tu dirás: "Mas os inimigos perseguem a nossa Igreja! Como poderei eu amá-los?" Escuta: a tua alma não reconheceu a Deus, não compreendeu quanto Ele nos ama, com que intensidade Ele aguarda que todos os homens se voltem para Ele e descubram assim a sua vida verdadeira. Deus é o amor; o seu Espírito não é outra coisa senão a capacidade de amar os seus inimigos, de orar por eles, a fim de que também eles descubram a vida" (Staretz Siluan: op. cit., referido e publicado pelo Arquimandrita Sophronius. Dusseldorf, 1959, p. 280, 284, 289).

Nicolau Arseniev cita um belo exemplo deste amor por outrem, brotando do mais fundo da alma, um amor simples, direto, sem pieguice mas muito humano - e humanizante:

Eis uma história que um amigo me contou - um jovem Polaco forçado pelos Alemães a servir de intérprete na frente russa. (Conseguiu depois evadir-se e tomar parte na resistência). Durante o primeiro Inverno da campanha russa. com um frio terrível (35° negativos) encontrava-se com um jovem oficial alemão num automóvel em plena estrada. Estavam os dois completamente transidos de frio. Decidiram parar no primeiro casinhoto da primeira aldeia que encontrassem para se aquecerem um pouco. Ora a casa onde os dois jovens entraram por acaso era uma das mais pobres da aldeia, sem uma acha de lenha sequer, e estava cheia de crianças. Na verdade a família que lá vivia tinha dado hospitalidade a duas outras famílias da aldeia vizinha, incendiada pelos alemães em retirada: as tropas alemãs tinham recebido a ordem draconiana de incendiarem sem contemplação todas as aldeias donde retiravam para não deixarem ao inimigo senão ruínas e um deserto devastado. Era quase uma sentença de morte para a pobre gente vítima desta medida feroz e que, com 35° negativos, ficava sem abrigo para as crianças. Uma destas famílias tinha podido salvar uma vaca: a outra um saco de farinha. Era tudo quanto lhes foi possível levar. Quando estes dois jovens entraram, uma rapariga da casa começou a desabafar à maneira russa, como o fazem as aldeãs, queixando-se num recitativo meio lírico: "Os tempos são duros e tudo vai tão mal e sofre-se e faz tanto frio," etc. Depois, voltando-se para os dois jovens (que tomava por alemães), começou a lamentá-los. "Isto também não é agradável para vocês, que estão aqui, num país estrangeiro, com este frio. Ah! tão jovens ainda e longe da família!" etc. Depois, sai de junto deles e volta passados alguns minutos com uma tigela de leite quente e dois nacos de pão, e dá-lhos. Quando tentam recusar, ela insiste - que lhes fará bem beberem alguma coisa quente e comerem um pouco. Pois bem! era mulher a quem os alemães tinham queimado a casa, deliberadamente, um dia antes, na aldeia vizinha. Os dois jovens estavam impressionados. Isto não tem nada a ver com a pregação do ódio entre as nações, as raças ou as classses. Era uma outra mensagem: as sementes da boa nova caíram profundamente no subconsciente destas almas. Era a aplicação à vida da mensagem do Evangelho por uma simples aldeã que nem disso se dava conta provavelmente (Nicolas Arseniev: La Piété russe. Neuchãtel, 1963, p. 90-91).

Não se trata de um vago sentimento, de um doce "calor de alma", mas de um amor muito concreto, de um ato de amor ao próximo vivido na colaboração, no perdão, no respeito e na entreajuda eficazes. É em primeiro lugar nos encontros diários com os outros que o dinamismo divino do amor se expande, que constitui o único estilo de vida realmente humano, que é a origem última não só das relações construtivas para cada um, entre os membros da sociedade e das sociedades entre si, mas também a condição indispensável a toda a espécie de criação técnica, científica e artística. O amor vivido no encontro com os outros, possível porque cada um se sabe a caminho para a realização da sua vocação de homem, portanto só possível na fé, faz de cada cristão, qualquer que seja a sua função na Igreja, um "padre," isto é, um "transmissor" de vida, de alegria, de humanidade. "Todo o leigo é padre da sua existência, oferece em sacrifício a totalidade da sua vida e do seu ser" (Paul Evdokimov, op. cit., p. 214). Os ritos da Igreja recordam-no aos crentes. O dom de si no amor é, já o vimos, vivido como o sinal de uma realidade universal, no casamento, sacramento do amor. Ele está já prefigurado no batismo - cujo rito de tonsura é acompanhado desta oração significativa: "Abençoa o Teu Servo que te veio oferecer como primícias [dom da sua vida] a tonsura dos cabelos da sua cabeça" (Cit, ibid. p. 217). O dom de si é sempre realizado de novo na Ceia, na oferenda do pão e do vinho, símbolos da vida humana.

Enquanto tal, o amor do próximo, para ser real, sendo a mão estendida fraternalmente, o serviço prestado, o respeito, a compreensão das motivações do outro, é ao mesmo tempo transmissão a outrem, muitas vezes silenciosa, do Inefável no qual, em última análise, qualquer gesto de amor se torna humano e humanizante. Para os ortodoxos, amor e fé são inseparáveis e, assim. são inseparáveis "entreajuda" e "testemunho-missão." Eis a razão pela qual a evangelização da Sibéria e do Alasca, realizada no século passado pela Igreja russa, estava inseparavelmente ligada a uma ação de entreajuda às populações visitadas (Para um esboço histórico do movimento missionário das Igrejas ortodoxas, ver Ernst BENZ: Geist und Leben der Ostkirche. Hamburgo, 1957, p. 89-I 15. 0 autor (protestante) demonstra como é pouco fundado o preconceito bastante corrente segundo o qual as Igrejas ortodoxas negligenciaram a evangelização). O amor cristão do próximo não pode, pois, limitar-se a uma ajuda exterior. Pode ir até à partilha recíproca da razão profunda de viver. Dai, esta "definição do laicado: por todo o seu ser, em toda a sua existência, tornar-se uma teologia viva, teofânica uma manifestação de Deus, lugar esplendoroso da presença, da parusia de Deus" (Paul Evdokimov, op. cit., p. 222). O amor culmina na manifestação através da vida concreta da razão de ser do homem - o Inefável tornado plenamente humano em Cristo - e, reciprocamente, quanto mais for eficaz, concreto, quotidiano, "horizontal," tanto mais será manifestação de "Deus," dimensão "vertical" do homem. "Não se trata, escreve Nicolau Cabasilas, teólogo bizantino do laicado, nem de se retirar para uma solidão, nem de tomar um alimento não habitual, nem de modificar as suas roupas, nem de comprometer a sua saúde, nem de empreender qualquer outro domingo; importa entregar-se sem cessar a estas meditações [da presença de Deus] permanecendo no interior de si mesmo e sem desligar do mundo os seus talentos.

O amor é, pois, por assim dizer, o "motor" do dinamismo social descoberto e vivido pela Igreja em primeiro lugar através da vida diária dos seus membros. Ora seria ineficaz e sem alcance num mundo não despojado da sua espessura "demoníaca," num mundo que permaneceria impenetrável e rígido perante a penetração do impulso e do amor construtivo dos homens. Numa palavra, para poder agir com amor sobre o mundo e a sociedade, é preciso vê-los não como entidades imutáveis, absolutas - divinas! - mas como fazendo parte integrante da criação sobre a qual, enquanto "rei da criação," eu sou chamado a agir. "Há duas maneiras de aceitar o mundo, observa o padre Bulgakoff: 1) uma maneira natural, pagã: o homem permanece vítima das forças naturais [sociais e psicológicas] deificadas por ele, não pode libertar-se da embriaguez orgiástica, da escravidão em relação à natureza [ou às estruturas sociais - monarquia, etc.] que ele adora (são assim todas as religiões pagãs - egípcia, helênica, babilônica, etc); 2) uma maneira cristã: o homem "aceita" o mundo (e a sociedade) como a criação de Deus, da qual é o chefe; aceita com amor, mas também com o sentimento da sua independência própria de um ser consciente da sua espiritualidade... O homem não é somente o [animador] econômico do mundo, o senhor da criatura (e do devir social). Tem o direito e o dever de trabalhar no mundo, pela sua própria existência, para ajudar o seu próximo e para cumprir a obra comum da humanidade conforme o preceito de Deus: "Submetei a terra e reinai sobre ela" (Gen. 1:28) (Citado por Boris BOBRINSKOY: Nicolas Cabasillas et Ia spiritualité hésychaste; em "La Pensée orthodoxe", N.° I . Paris, 1966, p. 12). Há nesta atitude a respeito do mundo ao mesmo tempo um grande otimismo e um são realismo. Otimismo porque, em Cristo, o Inefável se manifestou como animando já desde o interior toda a realidade social, política e econômica. "Porque ela está centrada sobre o Senhor ressuscitado e exaltado, a Ortodoxia encara este mundo como o prelúdio da vitória final, que dá glória já a todas as coisas deste mundo. A visão do mundo exaltado por causa da Cruz e especialmente da Ressurreição dá-nos a possibilidade de ver toda a situação humana como potencialmente transfigurada e regenerada pela certeza da vitória [última]... O Espírito Santo está em ação na história como um novo criador depois da Ressurreição, dando a vida nova, restaurando a criatura decaída frente ao seu criador... A natureza não deve ser separada da graça" (N. A. Nissiotis, op. cit. p. 59). Mas também - esta atitude é inseparável do otimismo decorrente da confiança no Inefável ativo no mundo - são realismo, porque esta mesma sociedade dos homens, na sua totalidade, ainda não tomou consciência da sua humanidade real. "É preciso nunca esquecer que o mundo ainda não está plenamente e diretamente submetido a Deus" (Ibid. p. 63) e que, precisamente por essa razão, ele tem ainda necessidade de que homens lúcidos e corajosos, humildes mas recebendo sempre de novo a certeza do dinamismo divino no humano, contribuam, pelos seus atos e pelo seu testemunho verbal, para esta tomada de consciência universal. É pois possível agir com amor sobre o mundo e a sociedade porque eles são criação e não "divindade," e o homem é deles responsável. Neste empenhamento, o homem participa do Inefável que humaniza e orienta o devir social, político e econômico, empenhamento necessário porque a humanização do mundo está longe de ter chegado ao seu termo.

Se a disponibilidade no amor para com os outros determina a qualidade de vida dos indivíduos, ela não deixa de ter incidentes sobre a evolução de todo o corpo social. De um ponto de vista histórico, como já se viu, este impulso que visa dar à realidade social a sua qualidade autenticamente humana tem, em primeiro lugar, consistido na irradiação cultural que era a das Igrejas bizantinas e russas. Estas criaram uma "ambiência" cristã que influencia o conjunto da sociedade, sem que todo o mundo disso tivesse consciência. "Pode ser-se cristão, observa o padre Bulgakoff, seja em que estado for. No meio da ação interior espiritual, todo um mundo de 'valores' cristãos se elabora no Estado, a economia, a civilização; assim se forma aquilo que se chama o espírito de uma época. A Ortodoxia mostrou a sua força educando os povos do Oriente - Bizâncio, Rússia, povos eslavos..." (Serge Bulgakoff, op. cit. p. 217). Através dos inumeráveis ritos que, ao longo da sua existência quotidiana, lhe permitem lembrar-se da presença do Inefável - e da sua exigência de humanidade - o fiel ortodoxo vive da irradiação difusa do amor e da ultrapassagem de si mesmo na vida social e cultural própria da sua condição. O povo russo, por exemplo, tal como o acentua Nicolau Arseniev, "reencontrava o seu equilíbrio, um eixo na vida da Igreja. O elemento caótico, a exuberância dos sentimentos, encontrava o seu contrapeso na ordem regulada dos usos e costumes religiosos, no quadro ritual da Igreja, na tradição familiar santificada pela vida religiosa... [Tratava-se pois de,] uma penetração de todo o ser por uma disciplina espiritual que confere uma beleza religiosa a toda a conduta, a toda a maneira de se comportar, humilde e ao mesmo tempo cheia de um sentido de responsabilidade religiosa e de dignidade interior" (Nicolas Arseniev, op. cit., p. 47). Sobre este ponto, a cultura russa pré-revolucionária prolongava a civilização bizantina a qual, no seu todo, refletia a ambiência cultural resultante do encontro do Evangelho com o dado social e psicológico herdado da época helênica. "Entre helenismo e cristianismo, pólos (da) civilização (bizantina) não há propriamente uma fusão, mas uma fecunda 'sinfonia' que por vezes se rompe para dar lugar a uma tensão sem compensação. O helenismo ficou muito longe de ter perdido a sua carga da sua sacralidade - de imanência social e cósmica. O cristianismo, apesar da tentação imperial, preserva o seu caráter escatológico: ele pode animar, mas não isolar-se" (Olivier Clément: L'Essor du Christianisme oriental. Paris, 1964, p. 51).

Ora, na medida em que a origem deste "clima," que influi sobre a legislação, os costumes e as artes de determinada sociedade é o Inefável manifestado em Cristo através da Igreja, subsistirá sempre a inevitável tensão entre as forças desumanizantes de desintegração própria de toda a sociedade - cristalizando-se muitas vezes em ideologias estatais ou não - por um lado, e o impulso sempre novo, escatológico, que emana dos homens disponíveis a Deus, verdadeiramente humanos, por outro. É certo que, neste plano, a visão homogênea da realidade própria da ortodoxia, visão que, como já se viu, é da ordem do "coração," intuitiva e poética, apresentou o inconveniente de impedir a Igreja na Rússia czarista ou na Grécia contemporânea, por exemplo, de se distanciar em relação a uma ordem social corrompida e de a contestar, ordem com a qual, pelo fato da sua visão sintética estética, ela se identificou muito facilmente. "O fundamento ideal da Ortodoxia, comenta a este propósito o padre Bulgakoff, não é ético, mas estético-religioso; é a visão da beleza espiritual;... Não se poderia negar que este esteticismo espiritual degenera por vezes em indiferença a respeito das necessidades práticas, e sobretudo a respeito da educação metódica da vontade,; infelizmente, isso pode observar-se em momentos de crise histórica... A Ortodoxia dá sobretudo uma educação ao coração, está nisso a sua marca distintiva, a fonte da sua superioridade assim como da sua fraqueza, isto é, da falta de educação da vontade" (Serge Bulgakoff, op. cit., p. 218).

Esta ambigüidade que a Igreja ortodoxa não conseguiu ainda superar inteiramente, ambigüidade de uma irradiação difusa no "mundo," irradiação que resulta certamente da presença do Inefável, mas combinada por vezes com a incapacidade de deduzir daí uma contestação construtiva da ordem estabelecida, esta penumbra ética deveria muitas vezes marcar as relações entre a Igreja e o Estado nos países ortodoxos. O ideal do imperador cristão, encarnado pelo imperador Constantino, influirá muito profundamente sobre a concepção bizantina destas relações que serão definidas pelos teólogos ortodoxos como uma "sinfonia" do Estado e da Igreja. Esta foi vivida em Bizâncio, - muitas vezes em detrimento da liberdade da Igreja - através da colaboração entre Imperador e o Patriarca, tal como no império russo, principalmente com Ivan o Terrível e depois Pedro o Grande, este frágil equilíbrio será quebrado em proveito de um "cesaropapismo" - controle da Igreja pelos órgãos do Estado - abertamente reconhecido. Esta mesma identificação com a ordem existente, como já se viu, enfeudará a Igreja ortodoxa aos diversos nacionalismos gregos, eslavos e árabes, que agitarão o mundo ortodoxo durante e após a libertação dos territórios ocupados pela Turquia. "Eu não creio, nota o padre Schmemann, que alguém possa negar que um dos fatos da teocracia bizantina que assombrou por muito tempo a história do Oriente ortodoxo tenha sido o desenvolvi mento dos nacionalismos religiosos, levando à fusão progressiva da Igreja da sua estrutura, da sua organização com uma nação, fazendo dela a expressão de uma vida nacional" (Alexander Schmemann: La Primauté de Pierre dans FÉglise orthodoxe. Neuchâtel, 1960, p. 148). Ainda hoje, a Grécia vive num regime de relação Estado-Igreja que poderia facilmente ser descrito nestes termos (A atitude oficial da Igreja grega para com o "regime dos generais" saldo do golpe de Estado de abril de 1967 é significativa a este respeito). Destas relações com o Estado, ainda, se inspiram nos nossos dias certos artigos de édito real promulgado em 1833: "Em todos os assuntos respeitantes à sua vida interna, a Igreja age independentemente dos órgãos do Estado; entretanto, como a supervisão de tudo o que se passa dentro das suas fronteiras confere prerrogativas inalienáveis ao Estado, o governo tem o direito de ser informado do objeto das discussões do Sínodo [autoridade da Igreja] cujas decisões não podem portanto ser publicadas nem executadas sem o acordo do governo" (Artigo 9 do Decreto real de 23 de Julho de 1833, citado em Die orthodoxe Kirche in griechischer Sicht, referido por Bratsiotis. Vol. 11. Estugarda, 1960, p. 40). Enfim, parece provável que o espírito de submissão às autoridades civis de que dá prova ainda atualmente a hierarquia da Igreja ortodoxa na Rússia soviética não é inteiramente estranha a uma certa reminiscência da "sinfonia" bizantina entre o Estado e a Igreja.

Se o dinamismo social que emana da Igreja ortodoxa teve por efeito sobretudo incluir o Estado de forma orgânica na "cristandade" oriental, com o risco de perder o sabor revolucionário que lhe devia ser próprio porque ele é de Deus, entretanto não faltam os exemplos de situações em que a Igreja ortodoxa, por intermédio dos seus membros mais corajosos, contestou o poder tirânico de um rei, de um governo desumano. Conhece-se o diálogo pungente entre Ivan o Terrível e S. Filipe (1507-1570), que ousou reprovar ao czar a sua crueldade, coragem que pagará com a vida. Eis o diálogo que, pela mesma ocasião, resume admiravelmente a visão ortodoxa do papel legítimo - portanto humanizante - do Estado.

Filipe - "Senhor, tu que exerces um ministério cuja honra ultrapassa todos os outros, inclina-te perante Deus que te concedeu uma autoridade cujo cetro terrestre não passa de um símbolo do cetro celestial. Somente assim poderás tu ensinar os homens a viverem segundo a justiça. Respeita a justiça instituída por Deus, reina em paz e justamente. As paixões terrestres assemelham-se à água de um rio que se perde na natureza, enquanto que apenas o tesouro celestial da verdade subsiste. Mesmo que tu ocupes um cargo importante, pela tua natureza corporal és semelhante a qualquer homem: sem dúvida, tu foste criado à imagem de Deus, mas não deixas de continuar um ser terrestre. Só merece o título de soberano aquele que sabe dominar-se a si mesmo, que não sucumbe às suas paixões e alcança a vitória pelo amor. Porventura já alguma vez se ouviu dizer de czares verdadeiramente cristãos que suscitem a perturbação no seu próprio país? Nem os povos estrangeiros alguma vez conheceram semelhante escândalo."

Ivan - "Monge, que te importam os meus projetos, se eu sou o czar!' Não sabes que os meus súditos me querem eliminar?

Filipe - "Não te iludas a ti próprio pelo teu receio nada razoável e sem fundamento. O santo concílio e tu mesmo me instituíste pastor da Igreja de Cristo, e nós estamos todos ao teu lado para assegurar a salvação da cristandade ortodoxa."

Ivan - "Santo padre, eu te repito: cala-te e abençoa-me como eu desejo."

Filipe - "Se nós nos calássemos, a tua alma sucumbiria ao pecado e o povo seria ameaçado de morte. Quando, num navio, um passageiro sucumbe à tentação, os seus companheiros não correm grande risco, mas, se o mesmo acontece ao capitão, o barco pode naufragar. Se eu me submetesse à vontade dos homens, como poderia ter a audácia de declarar, aquando da vinda do Senhor: 'Eis-me aqui, a mim e aos filhos que me confiaste!' Não disse o próprio Cristo no seu Evangelho: 'Não há maior amor do que dar a vida pelos seus amigos, e é por este amor que vós deveis ter uns pelos outros, que reconhecerão que sois meus discípulos!' Eis o que nós pensamos e neste ponto manter-nos-emos irredutíveis."

Ivan - "Santo pai, os meus amigos e os membros da minha família levantaram-se contra mim, como foi o caso do rei David que exclamou: Os meus parentes abandonaram-me: aqueles que querem a minha vida lançam-me os seus laços."

Filipe - "Senhor, são homens os que tentam induzir-te em erro, escuta os verdadeiros sábios e não dês ouvidos aos bajuladores; não partilhes o teu poder, porque tu foste estabelecido por Deus para exercer a justiça no povo e não para adquirir reputação de tirano; tudo desaparece cá em baixo, mesmo a glória e a honra; só permanece a vida em Deus; será despojados dos nossos bens terrenos que deveremos dar contas da nossa vida. Repele para longe de ti os caluniadores e unifica o teu povo, porque Deus não está presente senão onde reinam a unidade e o amor sincero."

Ivan - "Não contestes a minha soberania, senão a minha cólera inflamar-se-á contra ti. Ou, então, abandona o teu cargo!"

Filipe - "Eu não te pedi, nem diretamente nem por interpostas pessoas que me investisses neste ministério, nem paguei a ninguém para receber esta honra. Porque me arrancaste à solidão e à companhia dos santos monges? Se tens a coragem de invocar os cânones [= legislação eclesiástica] fá-lo; por mim, quando chegar a hora do martírio, ficarei firme" (Emst Benz: Russische Heiligenlegenden. Zurique, 1953, p. 418-419).

Este exemplo - poderiam citar-se similares tirados da história de Bizâncio - mostra que onde a Igreja é realmente a comunidade dos que têm consciência da igualdade de todos em dignidade, da justiça sinal do Inefável, ela assume a tensão entre si mesma e um Estado cujas práticas comprometem o humano, ela ousa interpelá-lo, pô-lo em questão, com o risco do martírio se for preciso. O governo do Estado é a expressão da vontade de Deus somente na medida em que permite aos habitantes dos países viverem na "unidade e no amor sincero." Porque não lhes parece ser esse no Estado bolchevista dos primeiros anos após a Revolução de 1917, dignitários eclesiásticos russos aceitaram o martírio, certamente não por anticomunismo de princípio, mas porque o novo regime lhes parecia, em fatos e não em teoria, dar lugar a injustiças e a crimes ainda piores que os do antigo, tanto mais que ele tinha inscrito na própria constituição o ateísmo doutrinário, limitação do homem às suas dimensões empíricas. Mas, e é o que importa sublinhar aqui, os teólogos ortodoxos reconhecem hoje que, em princípio, tais contestações do Estado pela Igreja não devem ter por objeto o sistema de governo, mas unicamente a forma humana - ou desumana - de o exercer. Por outras palavras, "(se) durante longos séculos, a Ortodoxia estava ligada à monarquia [que] lhe prestou muitos serviços causando-lhe também graves feridas... não há nenhum laço interior e imutável entre a Ortodoxia e este ou aquele sistema de governo... [É certo que] o ideal da transformação do Estado pelas energias interiores da Igreja subsiste em toda a sua força na época [atual] da separação da Igreja e do Estado... não se [exercendo] a ação nem de cima nem de fora, mas do interior, a partir de baixo, do povo e pelo povo... [Assim] a Igreja exerce a sua influência sobre as almas [e, portanto, sobre a qualidade humana do governo] pela via da liberdade que só corresponde à dignidade cristã" (Serge Bulgakoff, op. cit., p. 228-229; 230-231).

Se a tranqüila irradiação do amor vivido nos fatos e nos gestos e o exemplo da vida quotidiana dos crentes, interpelando e contestando assim o mais desumano dos regimes, é mais importante, aos olhos da Igreja ortodoxa, do que qualquer espécie de doutrina sobre as relações entre Estado e Igreja, o mesmo se passa no que diz respeito à ação humanizante do Inefável, através daqueles que disso estão conscientes, sobre as estruturas econômicas e sociais da sociedade. "Os ortodoxos não têm nem sistema social, nem teoria cristã determinada das relações sociais, nem doutrina teológica do trabalho e da profissão, ou da moral sexual, nem posição definida sobre o controle dos nascimentos, nem princípio diretivo sobre a industrialização, nem juízo teológico sobre a secularização moderna. O papel da Igreja não é o de propor normas que sejam aplicáveis em toda a parte e que dêem origem a uma única forma de civilização ou de cultura técnica" (N. A. Nissiotis, op. cit., p. 58). Mas não é menos verdade que o crente ortodoxo, consciente do dinamismo divino no tempo e no espaço, se sente chamado a agir efetivamente sobre as estruturas, as tradições, os movimentos que determinam a sociedade. "A doxologia [= adoração e louvor de Deus] não é simples contemplação ou ilusão visionária: é uma participação dinâmica na glória de Deus, revelada em Cristo e na sua Igreja, tornando possível a renovação contínua da ação no mundo" (Ibid., p. 57). Assim, "a Ortodoxia está, por essência, continuamente aberta a novos desenvolvimentos em cada situação do mundo" (Ibid., p. 58).

A certeza da presença humanizante de Deus imprime, entretanto, à ação social e econômica uma certa orientação de base. Assim, à partida, o único fundamento na edificação da sociedade para o cristão será o arrependimento, isto é, o realismo lúcido frente às suas próprias fraquezas, portanto a disponibilidade em face do movimento profundo do mundo - Deus - lucidez donde decorre a recusa em conferir um valor absoluto a qualquer espécie de sistema, de ideologia social e econômica. "Todos os homens, nota ainda Nissiotis, são convidados a juntar-se à comunidade cristã participando na Palavra e nos sacramentos e a começar assim a tomar consciência de que todo o seu ser e toda a sua vida no mundo são para oferecer a Deus por amor de toda a sociedade. Os sábios e os sociólogos em particular exercem, em certo sentido, uma ação parassacerdotal na humanidade resgatada por Jesus... Mas... o significado de uma tal situação não aparece automaticamente sem que o homem faça um ato de arrependimento, não se alimente perpetuamente dos sacramentos e não faça a experiência da realidade da vida eclesial" (Ibid., p. 66). É neste espírito de disponibilidade que o crente se sentirá chamado a colaborar ativamente - e sem reserva mental com os especialistas, sociólogos, políticos e economistas, crentes ou não, que se dediquem a tudo o que compromete a vida dos homens, a toda a estrutura ou concentração de poder que compromete a dignidade humana - as desigualdades sociais, a exploração de um grupo por outro, o analfabetismo, etc.

Desta posição aberta mas firma podem decorrer, no contexto do mundo atual, opções político-econômicas exatas. Tal é por exemplo a do padre Bulgakoff que conheceu bem os sistemas marxista e capitalista, mantendo distâncias em relação a um e a outro:

Não é possível suprimir o [capitalismo industrial] porque ele é economicamente inevitável; só resta dar-lhe um sentido cristão e enobrecê-lo. Em vez de organizar a exploração, trata-se de organizar o trabalho de toda a humanidade a fim de que ele sirva aos fins supremos desta e ao amor cristão, e não ao prazer e à cupidez... A Ortodoxia não deve [por isso] opor-se ao socialismo se este reconhecer a liberdade individual; bem pelo contrário, porque este socialismo é o cumprimento do mandamento do amor na vida social... [Com] efeito o cristianismo está acima das classes limitadas e egoístas... [Assim] a Ortodoxia não se põe em guarda contra a propriedade privada. A propriedade privada é uma instituição histórica cujas formas variam em todo o tempo assim como a sua importância social: não tem uma forma de valor durável, intrínseco. A Ortodoxia não pode pois defender o sistema capitalista, porque ele está fundado sobre a exploração do trabalho assalariado: ela só provisoriamente poderá transigir com este sistema. em razão dos seus méritos: porque aumentou a produtividade do trabalho e a energia criadora. Mas há aqui limites indubitáveis: a sua transgressão não se pode justificar.

O cristianismo não pode transigir com a escravatura... nem com a exploração do trabalho das crianças, praticado pelo capitalismo no seu começo... [Em conclusão] não há senão um valor supremo, à luz do qual é preciso julgar as formas econômicas: é a liberdade individual no direito e na economia. Portanto, a melhor forma de vida econômica e social - qualquer que seja o seu nome e seja qual for a maneira por que sejam combinados o capitalismo e o socialismo, a propriedade privada e a propriedade pública é a que melhor assegura, num dado estado de coisas, a liberdade pessoal, preservando-a de pobreza natural [fome e nudez] e da escravidão social [sob todas as formas, mesmo refinadas, como a das grandes indústrias atuais]. Eis por que o ponto de vista ortodoxo a respeito das formas econômicas tem, antes de tudo, em conta a história [animada por Deus]. É o domínio do relativismo dos meios; só o fim permanece imutável (Serge Bulgakoff, op. cit., p. 239, 241, 243, 245-246 (extractos)).

Na base do que acaba de ser dito, poder-se-ia supor que a Igreja ortodoxa foi, ao longo da sua história, um poderoso fermento de humanização na massa social, que exerceu uma influência positiva em todo o lado onde quer que se tratasse de modificar as antigas estruturas sociais, econômicas e políticas em proveito de formas mais justas e eficazes. De fato, como já se viu, dada, por exemplo, a impotência da Igreja russa para transformar em profundidade as estruturas de uma sociedade que se dizia "muito ortodoxa," ou ainda as hesitações da Igreja da Grécia neste domínio, poderia concluir-se por um fracasso da Ortodoxia no plano das responsabilidades sociais e políticas. Encontramos aqui a ambigüidade própria da visão homogênea das coisas na medida em que ela impede uma análise crítica dos dados empíricos e uma ação incisiva. Entretanto, tal como o faz notar o teólogo luterano Emest Benz, "temos de constatar aqui que a pesquisa histórica neste domínio é ainda embrionária. Não existe, por exemplo, estudo histórico da participação da Igreja ortodoxa russa na libertação dos servos dos meados do século XIX ou ainda... nas revoluções de 1905 e 1917" (Emst Benz: Geist und Leben der Ostkirche. Hamburgo, 1957, p. 127). É verdade, além disso, que a Igreja russa do último século, ainda que a sua hierarquia, fechada no seu atavismo bizantino de apoio incondicional ao czar, não' fosse nada acessível a um "socialismo" cristão, viu surgir das suas fileiras padres e leigos corajosos que não têm medo de pagar com as suas pessoas a contestação da ordem estabelecida e promover as reformas indispensáveis. Assim, por exemplo, o padre Gregório Petrov que, em 1908, não hesita em dirigir-se ao seu bispo nestes termos: "Não existe imperador cristão, de governo cristão e de ordem social cristã. De fato, as classes superiores da sociedade dirigem as classes inferiores, uma minoria reina sobre o conjunto da população... Os dirigentes afastaram as massas populares de tudo: do poder, das ciências, das artes, até da religião; fizeram desta última a sua serva obediente..." (Cit. ibid., p. 129) "Fazer política, diz-se noutro passo, é antes de tudo papel da Igreja. No fundo, toda a ação da Igreja é 'política,' se se entende por 'política' a arte da edificação humana da vida social. Os Evangelhos - a doutrina do Reino de Deus - constituem a única base sobre a qual é possível organizar em proveito de todos a vida política e social" (Cit. ibid). O padre Petrov foi excluído da Igreja. Sabe-se também que a procissão dos peticionários de 1905, que conduziam ícones e imagens do czar, e que os cossacos massacraram terrivelmente, que esta procissão cuja repressão pelo poder provocou as primeiras perturbações revolucionárias, era conduzida por um padre, o padre Gapon, que havia de escrever após estes incidentes sangrentos: "Eu dirigi-me para junto do czar com a confiança ingênua de que ele nos faria justiça (pravda)... mas as balas dos soldados czaristas que assassinaram os que levavam as imagens do czar, trespassaram essas imagens, matando a nossa confiança no imperador" (Cit. ibid., p. 130-131). Mesmo que não se veja uma relação direta entre a Ortodoxia e a revolução russa, senão talvez através da fé de um Kerenskij que se dizia crente, e sobretudo, negativamente, através do objeto de propaganda em que iria tornar-se, entre as mãos dos bolcheviques, o tradicionalismo decrépito dos dirigentes ortodoxos russos, encontraram-se, pois, na Igreja russa, homens bastante crentes para ousarem viver até ao fim as implicações sociais e políticas da irrupção do Inefável. Mas tudo isto se fez, infelizmente, sem ordem nem continuidade, de maneira espontânea e desorganizada.

E preciso reconhecer que o impulso humanizante que emana da Igreja ortodoxa da Grécia aparece mais visível. Desde a independência proclamada em 1821, a Igreja da Grécia, através de diferentes movimentos de despertar religioso, tendo cada um as suas implicações sociais (recorde-se o fundado pelo teólogo leigo Makrakis, morto em 1905) marcou com o seu sinal as estruturas sociais e políticas do país, permitindo, entre outras coisas, a criação de uma rede de obras sociais, de instituições pedagógicas, de orfanatos e outros. Fundando, por exemplo, a "Diaconia apostólica," instituição de entreajuda, a Igreja da Grécia criou para si um instrumento de ação que não se limita ao trabalho de reparação, mas pode fazer penetrar, a todos os níveis das estruturas políticas e sociais do país, o sentido do humano na sociedade grega contemporânea. Este movimento, tal como o denotam os teólogos gregos avisados, deve ainda ampliar-se a fim de que seja suplantado o perigo de imobilismo sempre inerente, como já se viu, a uma Igreja que considera automaticamente como membros seus, todos os cidadãos do país.

A sua participação no movimento ecumênico permitirá certamente à Ortodoxia redescobrir sempre melhor as suas próprias intuições segundo as quais a irrupção de Deus no mundo pode - e deve - ter um efeito concreto sobre as relações humanas vividas não somente no frente a frente de pessoas, mas ainda através do conjunto das instituições políticas, econômicas e sociais que podem, se permitirem o desabrochar da vida, tornar o rosto do amor do próximo de "larga visão." E hoje esta ação deve revestir uma dimensão universal. Como o diz Mons. Emilianos, teólogo grego representante do patriarca de Constantinopla junto do Conselho ecumênico: "Trata-se de falar a linguagem do nosso tempo, de compreender as necessidades dos homens atuais, de tomar consciência dos grandes problemas postos à consciência dos humanos. Não é ignorando o mundo de hoje que se pode pensar em aproximá-lo de Deus. As estatísticas dizem-nos que 60% da humanidade dispõe dos 70% das riquezas do mundo, que a situação, em vez de melhorar, tende a agravar-se, no sentido em que, apesar do progresso das regiões em vias de desenvolvimento, se cava cada vez mais fundo o fosso entre as nações fortemente desenvolvidas e as outras. Por outro lado, 16% dos seres humanos muito favorecidos representam as nações do Atlântico norte, de tradições cristãs. Chegou o tempo de mobilizar toda a influência e toda a atividade da Igreja - a todos os níveis e entre todos os seus membros numa campanha de longo fôlego contra a inércia dos fiéis, contra a solidão, a pobreza no mundo. Esta solidariedade evangélica apresentar-se-á, pois, na Igreja, como uma força moral que tem por objeto exercer uma influência educativa e inspiradora com o fim de estabelecer a justiça e o desenvolvimento e de assegurar a vitória sobre a pobreza no mundo. É preciso a todo o custo que os cristãos, clero e fiéis, adquiram uma consciência clara desta questão do subdesenvolvimento: [é preciso que] se projetem sobre programas de ação... Uma vez mais a Igreja deve ajudar os homens a compreender que o pecado não é ser rico de bens, mas não os usar como devem ser usados" (Emilianos Timiadis: À Ia redécouverte de notre Frère, ed. pelo "Comité das Igrejas junto dos trabalhadores migrantes na Europa ocidental" (policopiado). Genebra, 1967, p. I-2).

A oração

Através da liturgia - Ceia e Palavra - e o resumo da existência humana que é o batismo, a Igreja descobre sempre de novo que Deus está na origem de todo o movimento social digno deste nome, tomada de consciência que, através da vida dos seus membros e do seu empenhamento coletivo, é chamada a manifestar a todos os níveis da vida social, pela sua irradiação cultural difundida, a sua atitude de contestação construtiva a respeito das estruturas do Estado, dos mecanismos sociológicos e econômicos. Tudo isto é a expressão concreta do "amor, que não é um vago sentimento, mas o respeito pelo próximo, a entreajuda eficaz. Na medida em que este dinamismo realiza o homem enquanto ser chamado à vida comunitária, o mesmo dinamismo, relançado pela irrupção de Deus em Cristo, amplificando-se pela presença do Inefável no homem - o Espírito Santo - constitui o movimento interior para a descoberta de si. A dinâmica de que a Igreja toma consciência é ao mesmo tempo social e psicológica, ao mesmo tempo descoberta dos outros e de si mesmo, ao mesmo tempo encontro de Deus nos outros e encontro de Deus no mais profundo do nosso psiquismo. Numa palavra: a vida humana expande-se ao mesmo tempo no amor e na oração.

Na Igreja ortodoxa há lugares que manifestaram, por assim dizer, de maneira exemplar, este duplo dinamismo num só: os mosteiros. Tendo começado por uma atitude de protesto dos eremitas do deserto contra a Igreja imperial dos primeiros séculos, o monaquismo oriental, como já se viu, recordou por isso muitas vezes à Igreja, tornada tradicionalista, o pôr em questão radical de toda a realidade "antiga," pela novidade do Evangelho. Na sua própria vida, o monaquismo oriental, que conhecerá uma expansão notável em Bizâncio, e depois, mais tarde, na Rússia do século XV encarna ao mesmo tempo a busca solitária de si - portanto da novidade de Deus no homem - os eremitas - e a busca de uma vida comunitária que ultrapassa a própria comunidade monástica e se traduz por um empenhamento social. Estas duas tendências, reclamando-se uma do eremita Antão (morto em 356) e a segunda de Basílio (morto em 379) redator das "Regras da vida comum," vão coexistir no monaquismo oriental até aos nossos dias. Muitas vezes elas confundiam-se, quando os "eremitas," praticando a busca pessoal de Deus, eram ao mesmo tempo membros de vastas comunidades, como por exemplo João Clímaco (579-649), famoso contemplativo e abade do Mosteiro do Monte Sinai. Por vezes, a tendência eremítica e a tendência cenobítica (do grego koinos bios = vida comum) conheceram períodos de tensão. Tal foi o caso do monaquismo russo que verá triunfar as grandes comunidades sobre o elemento antes inquietante, mas tão salutar, que eram os eremitérios.

Enquanto o movimento monástico russo tinha começado no século VII com os eremitérios estabelecidos nas margens setentrionais do mar Negro, eremitérios que inspirarão S. Teodósio para fundar o mosteiro das Covas de Kiev, mais eremitério coletivo do que verdadeiro mosteiro, a criação, no século XIII, dos conventos "suntuosos" (fundados pelos boiardos) inaugurará a outra tendência que, entre outras coisas, sob o impulso de José de Wolokalamsk (14391515), dará origem aos grandes mosteiros preocupados com a sua inserção da sociedade russa, exercendo muitas vezes, em nome da autoridade, uma ação caritativa em proveito dos miseráveis e dos doentes. Enquanto os monges dos "skitas" (do grego skit = eremitério) estavam preocupados sobretudo com a busca pessoal do Deus do amor e da doçura, os seus confrades dos grandes conventos preocupavam-se com a vida comunitária na oração e na entreajuda eficaz. Esta diferença de tônica que lhe acentua simplesmente a indispensável complementaridade, degenerará em conflito aberto quando os conventos cenobíticos, enfeudados, por causa do seu desejo de enraizamento social, à doutrina da Igreja de Estado, se viram contestados neste ponto pelos eremitérios de além Volga. Os eremitérios foram dissolvidos e os seus ocupantes metidos na prisão. Será somente no último século que a tendência de busca pessoal de Deus, no silêncio e na oração - de si - irá reaparecer em força com o ministério dos célebres startzi (do russo staretz = antigo), desses padres espirituais aos quais se dirigiam os mujiks como os aristocratas para aprenderem a viver melhor, e a melhor se descobrirem a si próprios.

Busca de Deus em si mesmo - vida do eremita e a sua descoberta nos outros - vida monástica comunitária: estas duas tônicas do monaquismo oriental marcam ainda nos nossos dias a vida dos conventos que subsistem nos países sob regime socialista - bastante numerosos na Romênia - assim como na Grécia onde o Monte Atos, verdadeira república de conventos, é particularmente célebre. Hoje ainda, depois de uma história monástica de mais de mil anos, esta península do norte da Grécia, chamada "Santa Montanha," tem uma vintena de conventos, uns "cenobíticos" vivendo portanto da "regra comum," outros "idiorrítmicos," isto é, permitindo a cada monge que viva segundo o seu "próprio ritmo" (em grego = idios rytmos), portanto mais como eremita do que como membro de comunidade. Apesar das sérias dificuldades de recrutamento, o Monte Atos e alguns conventos que subsistem nos países socialistas mantiveram essas características específicas do monaquismo oriental: "uma notável unidade de inspiração (que deixa) aos diversos temperamentos pessoais o meio de se exprimirem livremente. O monge, que vive só ou em comunidade, é um testemunho e um profeta do Reino que há de vir" (Jean Meyendorff: L'Église orthodoxe hier et aujourd'hui. Paris, 1960, p. 74).

Esteja ele só ou com os outros, o monge oriental é um índice de que o Inefável é, ao mesmo tempo, o motor e o fim da introspecção e da vida comunitária.

"A Igreja sempre se recusou a aprovar as tendências que isolavam os monges e lhes atribuíam uma missão essencialmente diferente e superior à dos outros cristãos" (Jean Meyendorff: L'Église orthodoxe hier et aujourd'hui. Paris, 1960, p. 74). Importa sublinha-lo: na sua espiritualidade, o monge não é diferente do leigo; simplesmente ele encarna a espiritualidade de todos os crentes de forma, por assim dizer, "concentrada." Certamente, dado o seu estilo de vida particular - ascese corporal, celibato, jejuns, pobreza, hábitos especiais, numerosas horas de oração na igreja e na cela, - os monges orientais, como os seus confrades do Ocidente, podem dar a impressão de viver uma vida "mais cristã," mais "próxima de Deus" do que a dos simples leigos. A tentação do helenismo - desprezo das coisas "materiais" em proveito das realidades "espirituais" - foi com frequência muito forte nos meios monásticosa (Esta corrente helenixante remonta, entre outros, a Evagro o Póntico. morto em 399). e pôde dar lugar a uma separação, no espírito das pessoas, entre monges e simples crentes. Entretanto, dada a igual dignidade aos membros da Igreja perante Deus que se manifesta na liturgia, muitos teólogos ortodoxos sempre sublinharam repetidamente a semelhança das vocações do monge e do leigo. Isto é particularmente aparente no plano da vida de oração - busca de si em Deus - por muito inseparável que ela seja da vida social.

Nicolau Cabasilas, em particular, através dos seus escritos e da sua vida, mostrou que a espiritualidade "monástica" é, na realidade, a expressão "condensada" da busca de Deus - da oração, da meditação - própria de todo o homem que quer descobrir-se a si mesmo, estando sempre mais disponível para o Inefável. "O dom incomparável de Nicolau Cabasilas será o de encontrar as palavras e os realces para descrever a visão dos teólogos e dos espirituais numa linguagem acessível, num contexto realizável no século, de proclamar a universalidade não somente da fé e da moral evangélica comuns, mas da iminência do apelo de Cristo à perfeição, e da urgência da resposta de '[qualquer] homem '[monge ou leigo, pouco importa] ao dom total e ao amor insaciável do Senhor" (Boris Bobrinskoy, op. cit., p. 24). A maioria dos monges ortodoxos são "leigos," isto é, não são padres, o que sublinha a proximidade dos monges e dos homens que vivem "no mundo." A Igreja é um todo, os seus membros são todos de uma dignidade igual perante Deus; simplesmente há alguns que vivem a vocação para a oração e para a busca de si de forma "profética" - exemplar quanto à forma, não quanto ao conteúdo - a fim de fazerem aparecer de maneira particularmente densa o dinamismo espiritual ao qual cada cristão é chamado. "A Ortodoxia, observa o padre Bulgakoff, não conhece escalas diferentes da moral; aplica uma mesma escala a todas as situações da vida. Muito menos ela conhece distinção entre duas morais, uma secular e outra monástica; há apenas diferenças de quantidade, de grau e não diferenças de natureza" (Serge Bulgakoff, op. cit., p. 215). Ou então, como dizia João Crisóstomo: "Quando Cristo ordena que se siga pela via estreita, dirige-se a todos os homens. O monge e o secular devem atingir as mesmas alturas" (Commentaire de l'Épftre aux Hébreux, 7:4). Esta identidade profunda do itinerário interior de qualquer homem, caminho "tipificado," "encarnado" simplesmente na pessoa do monge, permitirá a Paulo Evdokimov descrever a espiritualidade de todo o crente, e particularmente do crente moderno, como um "monaquismo interiorizado." "O testemunho da fé cristã nos quadros do mundo moderno, afirma ele, postula a vocação universal do monaquismo interiorizado" (Paul Evdokimov, op. cit., p. 123). E explicita: "O passado histórico põe em presença duas soluções. A primeira, monástica, prega uma separação completa com a sociedade que vive segundo os elementos deste mundo...' É perfeitamente claro que não podendo todos partilhar esta vocação, a solução monástica permanece limitada, não será a solução do mundo na sua totalidade. A segunda solução tenta cristianizar o mundo, sem sair dele, a fim de construir a Cidade cristã... o malogro retumbante desta tentativa demonstra que jamais se pode impor o Evangelho de cima e prescrever a sua graça como uma lei. Haverá uma terceira solução? Sem antecipar juízos, poderá ao menos dizer-se que ela deve apropriar-se das duas existentes, interiorizando-as, o que quer dizer apropriar-se dos seus princípios num para além das suas formas precisas" (Ibid., p. 123-124).

A espiritualidade monástica, tal como nos esforçaremos por descrevê-la, deverá, pois, ser compreendida como um conjunto de intuições, através das quais todo o crente ortodoxo pode viver a descoberta progressiva de Deus em si mesmo na "ascese," na oração, na contemplação. Por outro lado, este movimento de introspecção, indispensável da tomada de consciência comunitária e da sua irradiação social, sendo não "monástica" no sentido limitado do termo, mas eclesial, não é mais do que a explicação progressiva do significado da Eucaristia, no arrependimento, na humildade e na fé. Numa palavra, o que se chama a "vida espiritual" concretizada pela oração e pela contemplação, é a descoberta cada vez mais lúcida da irrupção de Deus no homem, logo, da sua própria identidade, e, portanto, da do outro. Isto é de uma atualidade prodigiosa: A contemplação e a oração tais como são vividas pelos cristãos orientais são "chamadas," pensa Olivier Clément, a assumir hoje e a retificar as técnicas orientais de concentração e as achegas da psicanálise: só talvez (esta espiritualidade) o possa fazer até ao fim, entre as diversas tradições da espiritualidade cristã, porque as técnicas psicossomáticas de concentração e a psicanálise mais impiedosa (englobando os níveis angélicos e demoníacos de que a ciência moderna só pode registrar os reflexos) são-lhe familiares desde há muito tempo: não para adaptar o homem à sua condição decaída, mas para o fazer aceder, na graça do Espírito Santo, a uma psicossíntese superior" (Olívier Clément: Purification par l'Athéisme, in: "Contacts", 1966/1, p. 55).

Na descoberta de Deus em si mesmo, descoberta; recordamo-lo, indissoluvelmente ligada ao encontro de Deus no próximo, podemos descobrir, por necessidades de exposição, três aspectos que, de fato - em Deus o homem vivo é uno e dinâmico - constituem um só e mesmo movimento. São a "ascese," a "oração," a "visão de Deus." No monaquismo tradicional, a ascese, controlando pelo jejum e pela castidade as veleidades corporais, visa a aumentar a disponibilidade a respeito do Inefável. Com o fim de estar livre para a descoberta de Deus, a consciência humana deve assumir, logo controlar, os impulsos mais profundos do corpo e, portanto, os mecanismos psicossomáticos. "A trama da alma está sólida, nota Atanásio, quando diminuem os prazeres do corpo" (Vie de Saint Antoine, PG 26, col. 853 AB) Gregório de Nissa exprime de maneira bastante pitoresca que o fim desta lucidez a respeito da dimensão psicossomática do nosso "eu" não é, em última análise, uma limitação da pessoa humana, mas uma possibilidade de expansão até na sua dimensão vertical, "divina:" "Os olhos de um porco, voltados naturalmente para baixo, não se apercebem de nenhuma das maravilhas do céu. Da mesma forma a alma que o corpo arrasta para baixo não pode jamais contemplar as belezas do alto" (La Virginité, PG 46; col. 112).

Esta atitude, construtiva na medida em que corresponde ao restabelecimento do justo equilíbrio no interior do composto humano, podia conduzir ao desprezo do corpo humano, risco que o monaquismo oriental nem sempre evitou. Evagro o Pôntico, inspirando-se mais no dualismo helênico (oposição alma-corpo) do que na concepção evangélica do homem total, insistirá na necessidade de uma separação radical do espírito - "divino" a seus olhos - em relação ao corpo, não lhe parecendo suficiente o domínio do corpo: "Quando o teu espírito, num ardente amor de Deus, sai pouco a pouco... da tua carne, que ela rejeite todos os pensamentos que vêm dos sentidos... que ela se encha ao mesmo tempo de respeito e de alegria, então tu poderás julgar-te próximo dos confins da oração" (Traité de Ia prière (sob o pseudónimo de São Nil) in: Petite Philocalie de Ia Prière du coeur, tradução de Jean Gouillard. Neuchâtel-Paris, 1953, p. 52). Nesta mesma linha de pensamento, João Clímaco não hesitará em descrever a ascese como uma "fuga para fora do corpo" (Echelle 26/19, citado pelo autor, op. cit., p. 199). Mas esta corrente helenizante será sempre de novo transcendida pela visão sintetizante própria da fé ortodoxa - o homem é um todo porque, em Cristo, Deus o assumiu todo inteiro - e sobretudo, pela certeza de que o esforço que visa a dar ao "corpo" o seu verdadeiro lugar não pode ter por objetivo último senão a abertura, a disponibilidade do homem a respeito de Deus, centro da origem e fim da pessoa humana. Macário do Egito (c. 300-390. Autor cuja identidade exata ainda se ignora,, mas cujos escritos exercerão uma profunda influência na espiritualidade bizantina e principalmente sobre Gregório Palamas) sublinha que só a penetração de Deus - do Espírito Santo - no conjunto - corpo e alma - da pessoa humana permitirá a esta descobrir a sua verdadeira identidade. A ascese não é mais do que a colaboração do homem, querida por Deus, porque Ele quer o homem ativo e livre, colaboração no dinamismo divino-humano que é a integração da personalidade. "Ainda que a alma deva cansar o corpo pelo jejum e pelas vigílias prolongadas, nota Macário, neste estádio, a sua atitude para com a virtude [= a humanidade verdadeira] é como se ela não tivesse começado a busca... O véu não cai diante da face (da alma) senão... na luz divina... (Então, purificado pelo Espírito, santificado na sua alma e no seu corpo, o homem tornar-se-á o recipiente puro da presença de Deus" (Homélie 10/4, PG 34, col. 544 AB). Nesta perspectiva, a ascese, que consiste em orientar para o essencial os "impulsos subterrâneos," segundo os termos de um monge contemporâneo do Monte Atos, é a "supressão dos impulsos egocêntricos que impedem o desabrochar das forças escondidas do homem." E acrescenta: "Quando se compreende que a razão de ser da ascese é o desejo de orientar a vida para o Fim de que cada homem pode fazer a experiência, pode descobrir-se nisso uma força criadora" (Citado por Rudolf Biach; Das Geheimnis des heiligen Berges. Viena, 1949, p. 21).

Não se trata, pois, simplesmente de uma limitação benfazeja dos impulsos instintivos que, desta forma, retomam, pouco a pouco, o seu verdadeiro lugar, mas do exercício prático da liberdade interior, da disponibilidade a respeito da vocação profunda do homem. A ascese oriental é uma "espiritualidade não de supressão das atividades sensíveis mas, ao contrário, de consagração do mundo numa glorificação de Deus pelo homem total, tanto corpo como espírito" (Louis Bouyer: La Spiritualité orthodoxe et Ia Spiritualité protestante et anglicane. Paris, 1965. p. 63). Na hora atual, em que as vocações monásticas propriamente ditas não são muito frequentes, a ascese assim compreendida guarda, aos olhos dos teólogos ortodoxos contemporâneos tais como Paulo Evdokimov, toda a sua atualidade. "Nas condições atuais, observa ele, sob o peso do stress e do esgotamento nervoso, a sensibilidade muda. A medicina protege e prolonga a vida mas; ao mesmo tempo; diminui a resistência ao sofrimento e às privações. A ascese cristã não é mais do que um método ao serviço da vida, e ela procurará acomodar-se às novas necessidades. [O deserto dos mosteiros] impunha jejuns extremos e privações; hoje, o combate desloca-se. O homem não tem necessidade de [mortificações] suplementares; cilícios, disciplinas, flagelações, acabariam por destruí-lo inutilmente. A mortificação será [hoje] a libertação de qualquer necessidade de droga: pressa, ruído, excitantes, álcool de toda a espécie. A ascese será acima de tudo o repouso imposto, a disciplina da calma e do silêncio, periódicos e regulares, em que o homem reencontra a faculdade de parar para a oração e a contemplação, mesmo no meio de todos os ruídos do mundo, e sobretudo para ouvir a presença dos outros. O jejum, ao contrário da maceração que o homem se inflige, será a renúncia ao supérfluo, a sua partilha com os pobres, um equilíbrio sorridente... A ascese moderna vê-se ao serviço do humano que a Encarnação assumira; ela opor-se-á violentamente a toda a diminuição ou demissão do homem" (Paul Evdok1mov, op. cit., p. 57-58).

Os três votos monásticos - pobreza, castidade, obediência - conservam assim, para Evdokimov, um alcance real para os nossos contemporâneos, mesmo para aqueles que não desejam de modo nenhum tomá-los à letra; eles são - ao contrário das aparências - outras tantas vias para o desabrochar da pessoa humana na descoberta da sua razão de ser profunda. A "pobreza," que pode ser vivida por qualquer homem, abrange a liberdade interior em relação aos bens que se possuem ou que se deseja adquirir. O desprendimento em relação ao que o homem tem desabrocha o que ele é. Em lugar de ser escravo daquilo que possui, encerrado na carapaça dos seus bens, do seu standing e das tradições e dos hábitos que lhe estão ligados, o homem pode estar verdadeiramente disponível, livre a respeito de si mesmo, dos outros, logo de Deus. "As verdadeiras necessidades variam conforme as vocações, mas o essencial encontra-se na independência do espírito em relação ao tudo ter... O espaço da liberdade desinteressada entre o espírito e as coisas restitui a capacidade de as amar como dom de Deus" (Ibid.. p. 134).

A "castidade" é a atitude de simplicidade, de humildade e de disponibilidade que consiste, no casamento, em não se querer apoderar do outro - e fazer dele uma "coisa" que se pode utilizar a capricho. A atitude "casta" é pois verdadeiramente humana, porque, mesmo no ato sexual, o parceiro é amado por aquilo que ele é, uma pessoa total, corpo e espírito, coração e poesia. "A castidade, nota Evdokimov, ultrapassa a fisiologia e exprime a estrutura casta, inteira, íntegra do espírito humano. Ela constitui o carisma [= a dimensão divina, vertical] do sacramento do matrimônio; mais latamente, inspira o sentido do sagrado inviolável de toda a parcela da criação de Deus, inviolável na sua espera da salvação, que vem do homem casto. O poder da castidade é o contrário do poder mágico e significa o regresso ao verdadeiro poder "sobrenaturalmente natural" do Paraíso... Segundo a Bíblia, [o amor casto] é o "conhecimento" total de dois seres, uma conversação de espírito a espírito, em que o corpo aparece prodigiosamente como veículo do espiritual" (Ibid., p. 136-137).

Quanto à obediência, é ela uma atitude interior através da qual o homem - qualquer homem, monge ou leigo - descobre a sua natureza de adulto que não reage mais como adolescente contra o Pai, mas reconhece, face ao mistério da Sua presença, o seu próprio lugar, a sua própria importância muito relativa, aceita-se a si mesmo no papel que razoavelmente pode desempenhar na sociedade, aceitação que é a condição prévia a toda a ação eficaz. A obediência a Deus enquanto manifestação da aceitação de si - definição da idade adulta - é por isso sinal de verdadeira liberdade. "A verdadeira obediência em Deus comporta a suprema liberdade sempre criadora [porque] a obediência crucifica toda a vontade própria, a fim de ressuscitar a liberdade última: o espírito à escuta do Espírito" (Ibid p. 139 e 141). Para um teólogo ortodoxo de vanguarda, como Paulo Evdokimov, as intuições que estão por detrás dos votos monásticos - pobreza, castidade, obediência - descrevem, pois, o próprio movimento do homem para a descoberta de si e isso em relação àquilo que, nele ou fora dele, poderia entravar o desabrochar da sua liberdade: dinamismo para a liberdade em relação ao que se possui e que ameaça sempre possuir-nos a nós; para a humildade disponibilidade em face dos outros e do mundo que aprendemos a amar em vez de os violar; para o ultrapassar do passado da adolescência na aceitação do mistério do Inefável, logo para a aceitação realista de si mesmo.

Se a ascese oriental, vivida como estilo de vida interior que pode ser adotado por todos - certamente, hoje ainda, alguns são chamados a ser, numa vida monástica efetiva, sinais desta exigência - tem por fim "transcender todo o limite, dilatar as almas pela maior audácia do amor e desabrochar a pessoa" (Ibid.. p. 172), esta descoberta de si é necessariamente abertura sobre o mistério de Deus escondido no mais fundo da pessoa humana. Para a Ortodoxia não há equilíbrio interior nem "processo de individuação" sem a descoberta do Inefável, tal como Ele se manifesta através do psiquismo humano. Por outras palavras, não há homem digno deste nome sem oração, sem contemplação e adoração de Deus. A Eucaristia é um símbolo particularmente propício a desencadear o movimento da oração. "O Pão (da Eucaristia) que, em verdade, tonifica o coração do homem, nota Nicolau Cabasilas, alcançar-nos-á este efeito [o dom da oração], comunicar-nos-á ardor para a contemplação, extirpará da nossa alma a indolência que nela ganha consistência..." (Citado por Boris Bobrinskoy, op. cit., p. 20). Com efeito, a abertura sobre o Inefável vivido na Eucaristia é um ato de confiança, confiança de que o homem - eu mesmo - não se esgota na sua humanidade contingente, mas que a sua existência está orientada e transcendida, logo animada por Deus. Ora esta atitude silenciosa precede e legítima qualquer oração expressa; é o recolhimento, a concentração sobre o mistério. "O 'deserto' entre os ascetas da, antiguidade cristã interioriza-se, observa Evdokimov, e significa a concentração de um espírito recolhido e silencioso. É a este nível, em que o homem consegue enfim calar-se, que se coloca a verdadeira oração e que o homem é misteriosamente visitado" (Paul Evdokimov: La Prière de l'Eglise d'Orient. Mulhouse, 1966, p. 21). Fundamentalmente, a oração é, pois, a operação mental pela qual o homem toma consciência, na confiança, da presença de Deus. Como diz um monge de Atos contemporâneo, "orar é erguer a sua consciência ao nível de Deus... Na nossa alma, acrescenta ele, corre uma fonte que deve ser captada com cuidado, a fim de que a Água viva (Deus em nós) penetre o nosso eu todo inteiro. Esta 'captação' é a oração... Evitando forçar, é-nos preciso orientar a nossa vontade de maneira a que ela liberte a centelha divina que está em nós" (Citado'por Rudolf Biach, op. cit., p. 82).

Sendo a descoberta progressiva da dimensão vertical da nossa existência, dimensão que me foi manifestada através da Encarnação de Deus em Cristo, e de quem eu posso tomar consciência agora por causa da ação atual de Deus pelo Espírito Santo, a "oração," para começar silenciosa, simples ato de confiança, pode tornar-se permanente, pode marcar cada instante da minha vida, qualquer que seja a minha situação no tempo e no espaço. "Para invocar a Deus, afirma Cabasilas, não há necessidade nem de uma preparação extraordinária para a oração, nem de um lugar especial, nem de grandes reforços de exclamações. Com efeito, Deus não é um ausente em lado nenhum; impossível que Ele não esteja em nós porque àqueles que O procuram Ele adere mais intimamente do que o seu próprio coração" (Citado por Boris Bobrinskoy, op. cit., p. 19). Entretanto, como no amor do próximo vivido em ações, a oração não é automática, ela exige um empenhamento um esforço. "A oração, afirma Vladimiro Manómaco (960-1015), só tem tanto valor porque é uma forma superior de trabalho" (Citado por Louis Bouyer, op. cit., p. 26). Desde sempre que os crentes ortodoxos sabiam que este esforço que visa à descoberta de Deus em si mesmo é difícil, que é, portanto, através da oração que o homem realiza a sua verdadeira grandeza. "Um único santo pela sua oração, observa Orígenes, é mais forte na sua luta do que uma multidão de pecadores..." (Homélie sur les Nombres 25/2) Hoje, há que reconhecê-lo, o esforço a despender é muito grande, porque anda ligado ao estado psicológico do homem moderno para quem "a dificuldade vem da separação entre a inteligência e o coração, entre o conhecimento [racional] e os juízos de valor" (Paul Evdokimov: Les Áges de Ia Vie spirituelle. Paris. 1964, p. 193). Assim pois, sendo tomada de consciência de Deus, despreocupação de si mesmo, esforço de lucidez, a "oração," para começar inexprimida, possível em todo o lado, é a dimensão psicológica, "interior" da fé e da colaboração com Deus; este movimento interior, tão importante como a sua contrapartida social, intervém no mais profundo do "eu," do qual revela ser "à imagem de Deus." "A oração é a fonte e ao mesmo tempo a forma mais íntima da nossa vida... A vida de oração, a sua densidade, a sua profundidade, o seu ritmo, medem a nossa saúde espiritual e revelam-nos a nós mesmos" (Ibid., p. 190).

O homem que descobre esta possibilidade de realizar a sua natureza profunda - na Igreja, sublinhamo-lo de novo, isto é, em comunhão com os outros - é então chamado a formular esta tomada de consciência, seguindo a Liturgia da Igreja (Vei no capítulo segundo, pág. 77) por um lado, e, por outro, rezando livremente. O seu ato de confiança exprimir-se-á na súplica ou na oração de intercessão, o seu amor na oração de consagração, o seu embevecimento perante o mistério da Vida - da sua vida e da do mundo revelada em Cristo, na oração de louvor e de adoração. A história de um operário curtidor que ensina a Sto. Antão a humildade na oração, mostra como estas três formas que constituem a oração total, podem santificar todos os instantes do tempo. "De manhã, confessa este homem simples, apresenta todos os habitantes de Alexandria diante da face de Deus e diz: 'Tem piedade de nós pecadores.' Durante o dia, ao longo do trabalho, a sua alma não deixa de sentir como uma oferenda tudo o que faz: 'A vós, Senhor;' e, à noite, toda a alegria de se encontrar ainda vivo; a alma não pode deixar de dizer: 'Glória a Vós!' (Citado por Paul Evdokimov: La Prière de l'Église d'Orient. Mulhouse 1966. p. 25)

Mas há uma forma de oração própria da Igreja ortodoxa que é praticada sobretudo nos mosteiros, uma forma particularmente significativa: a "oração de Jesus." Centrada, provavelmente desde uma época muito remota' (Já Diádoco de Foticeia nota: "Se o homem começa a avançar pela observação dos mandamentos e invoca sem descanso o Senhor Jesus, então o fogo da raça divina estende-se mesmo aos sentidos exteriores do coração." ( La Perfection spirituelle, trad. E. des Places. Paris, 1943, p. 146-147)) sobre o nome de Jesus, segundo a fórmula "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador," esta oração é repetida centenas de vezes, constituindo assim um resumo, vivido, sempre novo do destino do homem: confissão da Encarnação do Inefável em Jesus de Nazaré; afirmação de que toda a realidade humana e cósmica é compreendida por Ele ("Senhor"); lucidez a respeito de si mesmo ("pecador"); certeza de que a irrupção de Deus em Cristo me levanta e me repõe no caminho para a realização da minha vocação ("tem piedade de mim"). Este movimento interior atinge o inconsciente e o corporal, porque a repetição da oração deve ser regulada sobre o ritmo da respiração ou das palpitações do coração, animando assim a oração toda a pessoa humana. Um tal método parece ter já sido seguido por João Clímaco que afirma: "Que a lembrança de Jesus constitua uma só respiração com a vossa; então compreendereis a utilidade desta [oração]" (Echelle 27. PG 88, col. 1096. Tradução de Jean Gouill'ard, op. cit., p. 117). Por conseguinte, Nicéforo o Solitário (segunda metade do século XII) aconselhará: "Senta-te, recolhe o teu espírito, introdu-lo - digo o teu espírito nas narinas: é o caminho que segue a respiração para ir ao coração. Impele-o, força-o a descer ao teu coração ao mesmo tempo que o ar inspirado... Sabe depois que, enquanto o teu espírito se encontra lá dentro, tu não deves nem calar-te nem permanecer ocioso. Mas não tenhas outra ocupação nem meditação a não ser o grito: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim!" (Traité de Ia sobriété et de la garde du coeur, PG 147, col. 951 D, ibid. p. 204-205) Por detrás desta descrição, com noções de anatomia fantasistas por certo, há que ver o próprio movimento da oração, da contemplação: a descoberta do Inefável em si mesmo e não somente a sua descoberta, mas ainda a sua manifestação, por assim dizer, palpável.

O padre Bulgakoff vê três graus na oração de Jesus que correspondem a um aprofundamento progressivo da descoberta, pela oração, de Deus em nós, da nossa identidade, graças a Deus, "divina:" "Antes de mais, é a oração oral: então faz-se um esforço para ter constantemente nos lábios e no espírito a oração de Jesus (com a condição, sem dúvida, de conformar com ela o nosso estado de alma: viver na paz e no amor com todos, observar os mandamentos, ser casto e humilde). É ainda difícil, neste grau, fazer a oração de Jesus por muito tempo e, na medida do possível, constantemente; é um trabalho penoso, um esforço sem qualquer recompensa, parece. No segundo grau, a oração de Jesus torna-se mental ou psíquica. A inteligência começa a entrar nesta oração repetida sem cessar e concentra-se sobre o nome de Jesus; já aí se desvenda o poder de Cristo que nela está escondido. Então a inteligência liberta-se dos seus erros contínuos e fica na câmara interior da meditação sobre Deus. Há já nisso um pressentimento da doçura do nome de Jesus. Enfim, o terceiro e supremo grau da "ação espiritual" (é assim que se chama a oração de Jesus) cumpre-se em espírito ou no coração. A oração penetra o ser interior do homem, o qual, muito espantado, se vê transportado na luz divina. A oração de Jesus diz-se então por si mesma no coração, constantemente e sem nenhum esforço, e a luz de Jesus ilumina - através do coração - todo o universo. Este estado não pode ser descrito por palavras, mas é já o protótipo de que "Deus será tudo em todos" (Serge Bulgakoff, op. cit.. p. 206-207). Ao longo e no fim desta prática o Inefável aparece, como a realidade última do homem, o Inefável, que Ele lhe dá, em Cristo, consistência e orientação até ao subconsciente" (Paul Evdokimov: Les Âges de Ia Vie spirituelle. Paris. 1964, p. 197) A oração (de Jesus) ressoa sem cessar no fundo da alma, mesmo independentemente da vontade e da consciência. Jesus entronizado no coração é a liturgia interiorizada e o Reino instalado na alma pacificada." A oração, sob a forma de "oração de Jesus" ou outra, conduz pois à contemplação de Deus no homem, sobre a certeza da Sua realidade na e por detrás da minha realidade, sobre a descoberta da Sua presença não só em Jesus de Nazaré, mas na própria teia da minha vida. Para chegar lá foi preciso, sabendo, que agora como no começo desta "peregrinação," qualquer descoberta nova é dom imerecido, viver vários graus da oração, durante longos anos de perseverança. Para Evdokimov, isto acontece com toda a oração e não só com a "oração de Jesus": "No seu começo, a oração é agitada... Emotivo, o homem despeja todo o conteúdo psíquico do seu ser... Se o homem compreendeu a lição, retifica a sua atitude, põe-na de acordo com este texto litúrgico: "Faz da minha oração um sacramento da tua presença;" então] é na sua própria estrutura que o homem se prosterna e adora por toda a sua vida e com todo o seu ser... [No final da experiência, verifica-se que] a oração não é perfeita, se o homem tem a consciência de si mesmo e se apercebe de que reza" (Paul Evdokimov: La Prière de I'Eglise d'Orient. Mulhouse, 1966, p. 24-25).

O fim do movimento é assim ter a certeza espontânea de que Deus está presente e, para retomar ás palavras dos padres orientais, "ver Deus." Orígenes descreve este momento como aquele em que "o espírito racional, purificado de qualquer mancha dos vícios... não pode sentir, compreender ou pensar nada mais senão Deus... que possui a Deus, que Deus é o modo e a medida de todos os seus movimentos... que Deus é Tudo" (Des Principes. PG I I, col. 356). Para Evagro, a oração conduz à situação em que o espírito humano descobre que é o "lugar de Deus" (PG 40, col. 1244 AB). Esta experiência, mística propriamente falando, alguns Padres orientais descrevem-na na sua linguagem grega segundo a qual a visão é a de um espírito humano despojado de todos os seus apegos corporais e materiais. Todavia, para outros, esta "visão" experiência de Deus em si faz-se através das faculdades psíquicas como corporais, não sendo o Inefável o Grande Intelecto dos Gregos, mas o Criador e o Animador de toda a realidade espiritual e material, a origem e o fim do homem feito, em corpo e alma, à sua Imagem. Como afirma Macário o Egípcio, descrevendo a sua experiência com a ajuda da imagem bastante rica da água, imagem utilizada pelo próprio Cristo: "Nos santos, a beleza da divindade é manifesta e visível; os cristãos estão misturados nela e contemplam-na... [com efeito, conforme está escrito (João 4:14): 'Naquele que beber da água que Eu lhe der, Eu tornar-me-ei uma fonte que brota em vida eterna" (Homélie 34/1. PG 34, col. 744 C). Para Gregório Palamas, monge de Atos do século XIV, defensor da "oração de Jesus" (Também chamada oração do coração, porque o nome de Jesus é repetido segundo o ritmo do batimento do coração) a "visão" de Deus, para a qual o homem se prepara pela "oração do coração" - isto é o colocar-se em estado de disponibilidade de todo o composto humano, do qual o coração, como já se viu, é o centro de integração ultrapassa de longe a "inteligência," o "coração" e o "corpo," porque, por ela, o homem descobre em si mesmo, naquele que é a mais íntima das realidades da sua vida, e que, ao mesmo tempo, a transcende absolutamente. Colocado assim perante a sua verdadeira razão de ser, o crente pode descrevê-la como "Luz," fonte de vida, de calor e de discernimento das coisas. "Quando o espírito humano ultrapassa toda a atividade intelectual, torna-se transcendente às faculdades visuais, e enche-se então da iluminação extraordinariamente bela, penetrando em Deus pela graça, possuindo misteriosamente e vendo imediatamente a Luz" (Triades I/III. 56, edição citada. p. 503-505). É bem na sua própria pessoa que, para Gregório Palamas, o crente descobre a realidade indescritível de Deus: "Os hesicastos, (Do grego: hesychia = silêncio. Os "hesìcastos" = aqueles que buscam o silêncio) tendo-se misturado de forma indizível com a Luz que ultrapassa qualquer pensamento e qualquer sensação, vêem por isso a Deus neles mesmos como num espelho." No fim, a descoberta desta "habitação" da "Luz" divina no crente é de tal modo tangível - ela é uma verdadeira experiência (Gregório Palamas nota a este respeito: "Só conhece a luz do Espírito aquele que aprendeu por experiência o que ela é:" ( Triades 111/1. 32, p. 619)) - que o crente "se torna" ele mesmo "Luz:" "Aquele que participa na [presença de Deus], diz Palamas, torna-se ele mesmo, de qualquer modo, luz e com a Luz, vê em plena consciência tudo o que fica escondido àqueles que não têm esta graça" (Homélie sur Ia Présentation de Ia Vierge, citada pelo autor, op. cit., p. 291).

Esta descoberta de Deus no homem, na oração, é a mais radical contestação da sua inumanidade; por isso, ela é acompanhada de uma luta cerrada travada pelo Inefável no homem, da "graça e da fé," contra tudo aquilo que se opõe à realização da sua verdadeira identidade, à descoberta de que o "Eu" humano é à imagem de Deus. "A ascensão para Deus é uma descida dentro de si - "conhece-te a ti mesmo" - a fim de forçar as paixões deífugas [= que afastam de Deus] a alienarem-se, a exteriorizarem-se..." (Paul Evdokimov: Les Âges de Ia Vie spirituelle. Paris, 1964, p. 112). Os ascetas do deserto, combatendo contra os "demônios" - serão eles a materialização visual destes impulsos subterrâneos, - travaram esta luta de maneira particularmente dramática. Descobrir Deus em si era, por reflexo, descobrir "as energias obscuras abaixo do nível da consciência. [Pode encarar-se] a ascese do deserto [como] uma imensa psicanálise seguida de uma psicossíntese da alma humana universal... Era preciso materializar e personalizar os elementos pervertidos do ser, e o eu destestável com o seu amor próprio, a dor e o duplo demoníaco. Era preciso sobretudo extirpá-los, "vomitá-los" e objetivá-los a fim de os olhar de frente como desligados e exteriorizados... Os padres do deserto praticaram esta operação grandiosa em lugar de todos e uma vez por todos. Eles mostraram o homem a nu e deram rosto e nome a todo o elemento obscuro do jogo" (Ibid.. p. 113-114). Desde então, é possível ao homem descobrir a plenitude "Deus" em si, a harmonia e a alegria. Eis o que diz o staretz João, monge russo do último século, um velho de uma idade avançada, "cujo rosto, no dizer de um amigo, era resplandecente e cheio de alegria:" "Quando passei muitos anos [a praticar a oração incessante] eis que esta oração começou a aprofundar-se no meu coração. Mais tarde, no eremitério de "Pokrov" o Senhor visitou-me graças à intercessão do padre Platão. Uma alegria inexprimível se propagou na minha alma e a oração interior começou a atuar. Ela encheu-me de uma doçura tal, inefável, que eu não posso dormir. Durmo uma hora sentado, e depois levanto-me fresco e desperto, como se tivesse dormido, e mesmo quando durmo, o meu coração vela. E esta contemplação começou a dar frutos. É muito verdade que o reino dos céus se encontra dentro de nós. Nasceu em mim um amor inexprimível para com todos... E a Sagrada Escritura está agora cheia de uma doçura tão grande para mim... que me não posso cansar de a ler, e cada palavra me enche de admiração e me faz derramar lágrimas" (Citado por Nicolas Arseniev. op. cit.. p. 129). e Ainda que o exemplo não seja corrente, ele sublinha que a descoberta de Deus em si dá ao homem a medida plena da sua existência: alegria, equilíbrio interior, saúde até física, amor, espírito de discernimento das realidades, dons do Evangelho. Numa palavra, "o múltiplo dá lugar ao uno e ao simples. A alma, imagem, espelho de Deus, torna-se morada de Deus" (Paul Evdokimov, op. cit., p. 232).

É então que o crente, que na oração e na contemplação descobriu a ponta externa da sua própria pessoa na qual, pela presença do Espírito Santo, o Inefável se reflete "como num espelho," é então que o crente ortodoxo descobre que o mistério de Deus não é somente o que há de mais íntimo no homem, mas também a Realidade que ultrapassa absolutamente o homem e todas as coisas criadas. O homem descobre o Todo-Outro, Deus na sua transcendência, quando, na sua visão de Deus, ele se encontra perante uma realidade da qual tudo o que poderá dizer é que ela é absolutamente, essencialmente e infinitamente diferente de toda a realidade criada que faz parte da sua experiência corrente. Para Gregório de Nissa, esta revelação é, acompanhada de "uma embriaguez sóbria e divina durante a qual o homem sai de si próprio" (Homélie sue le Cantique des Cantiques, PG 44, col. 992). É o "êxtase" (do verbo grego "sair de") que não deve necessariamente acompanhar-se de sentimentos "extáticos" no sentido psico-religioso do termo. Para o homem vulgar, trata-se da descoberta da distância absoluta que, e está aí o mistério de Deus, separa o homem do Inefável, apesar da sua infinita proximidade. Gregório Palamas afirmou, exprimindo assim a intuição do pensamento cristão até hoje, que "nos é impossível estarmos unidos a Deus a menos que estejamos... de fora, ou muito acima de nós mesmos, depois de termos deixado para trás tudo o que é relevante no mundo sensível e nos termos elevado para lá das idéias, dos raciocínios e mesmo até acima da própria razão" (Sermon sur Ia Présentation de Notre-Dame, citado por Basílio Krivosheine in: The ascetic and theological Teaching oj Gregory Palamas, separata de "Eastem Churches Quarterly". Londres, 1954, p. 15). Se o pensamento oriental pode ser qualificado de "teologia mística" (Vladimir Lossky: Théologie mystique de 1'Église d'Orient. Paris, 1944), não é porque ele procure uma mística sentimental muitas vezes sinal de desequilíbrio, mas porque nunca é uma teologia abstrata, que atua com conceitos, mas uma teologia contemplativa, que eleva os espíritos para realidades que ultrapassam o entendimento" (Ibid., p. 40-41). O ponto de consequência da vida do homem é esta espera diante do Inefável, mistério absolutamente diferente de tudo, Deus, mas donde emanam todas as coisas e para quem todas as coisas convergem. Quando "Deus desde à alma em oração, e o espírito emigra em Deus" (João Damasceno: De Ia Foi orthodoxe. PG 94, eol. 1089), - êxtase - perante o abismo do Insondável, perante a razão de ser indescritível da minha existência e da dos outros, "todo o movimento cessa, a própria oração muda de natureza. A alma reza fora da oração. É a hesychia, o silêncio do espírito, o seu repouso que está acima de toda a oração, a paz que ultrapassa toda a razão. É o frente a frente alargado sobre a eternidade... Neste encontro frontal com Aquele que já vem, o homem torna-se enfim tal como em si mesmo a eternidade divina o transforma. Chegado ao termo do "último desjável:" "Ele está separado de tudo e unido a tudo; impassível e de uma sensibilidade soberana; deificado, e julga-se a escória do mundo; para além de tudo é feliz, divinamente feliz..." (Evagre: Traité d'Oraison, citado por Paul Evdokimov, ibid., p. 234; Ibid.. p. 233-234) Neste estádio de tomada de consciência, como em todos os outros, o Inefável é a única origem da humanização assim realizada, sendo qualquer colaboração do homem, pela meditação ou pela oração, participação em Deus que está sempre "já lá." O êxtase, nota Gregório Palamas, está eminentemente mais alto do que a teologia racional porque pertence somente àqueles que estão mergulhados na impassibilidade [portanto àqueles que estão bastante livres interiormente para serem acessíveis ao Inefável], mas não é ainda a união com Deus, a menos que o Espírito Santo ilumine do alto o homem que, na oração, atingiu o estado superior das suas mais altas possibilidades naturais e aguarda a promessa do Pai, e que Ele o não arrebate, pela sua revelação, para a contemplação da Luz" (Triades 11/111. 35. edição citada. p. 441).

Deus - a realidade de que depende a existência de cada homem e do mundo - aparece, pois, a este nível de meditação, como absolutamente incognoscível. E isso não porque o espírito humano seja imperfeito ou marcado pelo pecado, mas simplesmente porque Ele é Deus. Nenhuma das categorias lógicas, ontológicas ou existenciais poderiam descrevê-Lo na sua verdadeira identidade, do mesmo modo que nenhuma experiência religiosa, sentimental, intuitiva ou sensível, poderia ser a experiência de Deus na sua transcendência. Como afirma Gregório Palamas: "A natureza superessencial de Deus não pode ser nem dita, nem pensada, nem vista - porque ela está afastada de todas as coisas e é mais do que incognoscível, sendo alcançada pelas virtudes incompreensíveis dos espíritos celestes - incognoscível, e inefável para todos e para sempre. Não há nenhum nome, nem neste século nem no século futuro, para lhe dar, nem palavra encontrada na alma e purificada pela língua, nem contato sensível ou inteligível, nem imagem para dar um conhecimento qualquer a seu respeito, se não a incognoscibilidade perfeita que se professa negando tudo o que é e pode ser nomeado. Ninguém o pode chamar essência ou natureza de maneira própria, se procura sinceramente a verdade que está para além de toda a verdade" (Théophanés. PG 150, col. 937 A). Os únicos termos que convêm no limite são de ordem paradoxal e antitética: "Essência superessencial" (Termo muito freqüente em Gregório Palamas. Por exemplo: Triades, III/II. 8. edição citada. p. 659). "Aquele que não é se os outros seres são," "Treva divina e luminosa." Este último termo sobretudo, do qual se encontram, como já se viu, reminiscência na iconografia sob a forma de um círculo negro ou escuro donde emanam raios mais claros (ver ilustrações) é frequente nos escritos patrísticos orientais. Dinis o Areopagita (a Autor também chamado Pseudo Dinis, cuja identidade exata é ainda desconhecida), por volta do século IV, por exemplo, descreve, assim a subida de Moisés ao Monte Sinai: "Ultrapassando o mundo onde se é visto e ou onde se vê, Moisés penetra na Terra verdadeiramente mística da ignorância; é lá que ele faz silenciar todo o saber positivo, que escapa inteiramente a todo o contato e a toda a visão, porque pertence totalmente Àquele que está para além de tudo, pois já não se pertence a si próprio nem pertence a nada de estranho, mas, pelo melhor de si mesmo, Àquele que escapa a todo o conhecimento, tendo renunciado a todo o saber positivo, e, graças a este mesmo desconhecimento, conhecendo para lá de toda a inteligência" (Théologie mystique 1/3, PG 3, col. 1000-1001). É o paradoxo de uma realidade ao mesmo tempo incognoscível e contudo comunicada ao homem como vida, alegria e luz. "A Treva divina, observa Gregório Palamas, é a Luz, inabordável pela superabundância da difusão luminosa e superessencial... é pois uma luz no sentido próprio e uma treva por transcendência" (Triades VI/III. 51, edição citada, p. 491). Os autores ortodoxos sublinham por isso que, no fim de contas, no termo do aprofundamento da sua própria existência fundada sobre o Inefável, a única teologia ainda possível é uma teologia da ignorância, uma teologia "apofática" (do termo grego apophainein = recusa de falar) uma teologia do silêncio mas de um silêncio pesado da presença do Inefável. "Moisés... deixando-se conduzir acima de si mesmo... entrou no mistério mais que incognoscível (Ibid., II/III. 56, edição citada, p. 505): "Para lá do despojamento dos seres... há uma ignorância, mas ela é mais do que espantosa, e nesta treva mais que luminosa... estas coisas divinas são dadas aos santos" (Ibid., I/III. 18, edição citada, p. 149).

Na hora atual em que as teologias ocidentais se vêem perante a impossibilidade de encontrar uma linguagem compreensível para o homem de hoje, em que por esta razão alguns teólogos americanos falam da "morte de Deus," é bom ter em conta esta atitude apofática oriental que, sendo "antes do mais uma disposição de espírito que se recusa à formação de conceitos sobre Deus, exclui resolutamente qualquer teologia abstrata e puramente intelectual que queira adaptar ao pensamento humano os mistérios da sabedoria de Deus (Vladimir Lossky, op. cit. p. 36). A certeza de nada poder dizer sobre Deus mas de não poder senão viver dele - portanto a teologia apofática - é a única resposta a um ateísmo de fato que nenhum intelectualismo teológico, por mais subtil e revolucionário que seja, conseguirá ultrapassar. "A aproximação apofática de Deus concorda com o niilismo ateu na sua negação dos ídolos lógicos de Deus, mas não se fica nesta negação. Se bem que Deus seja totalmente desconhecido e inacessível na sua essência, nós podemos viver dele e participar da sua existência através da sua atividade" (Christos Giannaras: An Orthodox Comment on the "Death of the God" in: "Sobornost", 1966/4, p. 253) isto é, através do conjunto do dinamismo em Cristo e em cada homem através da descoberta de si e dos outros e do mundo - sinais do Espírito Santo, - dinamismo descrito nesta obra. Sabe-se da emoção provocada nos meios crentes ocidentais pelo livro do bispo anglicano T. A. Robinson Um Deus Diferente que parece, à primeira vista, pôr em questão a própria existência do Senhor tal como o Ocidente a imaginou. Um teólogo ortodoxo contemporâneo sublinha, a este propósito, que "o próprio nome de Deus" é uma expressão puramente humana... todos os nomes dados [para designarem o Inefável] são pois relativos porque dependem, por um lado, das atividades de Deus que eles designam, e por outro, dos meios culturais e lingüísticos [que presidiram à sua elaboração]. Nenhuma linguagem humana descreve o próprio ser de Deus. Deus não é revelado, nem pelo nome de "Pai," sem falar dos outros nomes. A este respeito, o bispo Robinson parece estar muito próximo das intuições patrísticas" (Vladimir Rodzianko: "Honest to God" under the Father's Judgent, in: "Theology", Janeiro 1964, p. 61) (orientais). O único inconveniente, acrescenta este autor, é que Robinson permanece prisioneiro da tendência ocidental em querer a todo o custo, perante o fracasso das definições clássicas, encontrar uma nova fórmula capaz de descrever adequadamente o Deus - o que não somente é impossível, mas ainda prejudicial. "Procedendo por negações sucessivas, o crente eleva-se para Deus... pondo progressivamente de lado tudo o que pode ser conhecido, a fim de se aproximar do Desconhecido na escuridão da ignorância absoluta. Pois, da mesma forma que a luz, particularmente a abundância de luz, torna invisível a escuridão, assim o conhecimento das coisas criadas, e particularmente uma insistência excessiva sobre a sua importância, impede esta ignorância que é, no entanto, a única via que permite pressentir a existência de Deus, "em si," através da contemplação e da visão. Ora esta maneira patrística [= ortodoxa] está precisamente no oposto da seguida por Robinson. Para Gregório de Nissa, é a subida mística, com Moisés, até à Treva do Monte Sinai; é a purificação do coração e do espírito a fim de que desapareçam as divisões conceptuais do espírito humano e sejam substituídas pela experiência mística da união com Deus, da visão sem fim. Para Robinson, pelo contrário, "a busca intelectual é a condição de todas as coisas," sendo assim muito mais importante do que a vida litúrgica e mística" (Ibid., p. 62) Permitimo-nos citar bastante largamente este artigo porque, a propósito de uma controvérsia teológica talvez local e de importância no fim de contas relativa, ele faz surgir a este nível do nosso caminhar teológico, a diferença profunda que separa ainda o Ocidente do Oriente cristão. O Ocidental - seja ele católico, protestante, agnóstico ou ateu - procurará sempre envolver a sua posição afirmativa ou negativa nas estruturas mentais da sua lógica. O crente ortodoxo, talvez, mais consciente da finitude do espírito humano, aceitará de bom grado ver a sua busca terminar no silêncio, na ignorância, no espanto maravilhoso e alegre diante do Indescritível que cria, ama, anima, orienta, humaniza o homem.

Este episódio, vivido no Monte Atos, em 1963, por um teólogo protestante descreverá, melhor do que numerosas definições laboriosas, até onde pode ir esta espiritualidade do nada e do silêncio sentidos como uma plenitude.

[Chegado junto do eremitério, vi] num terraço, um monge sentado num banco contemplando o mar... O solitário parecia ter ouvido os meus passos que ressoavam no caminho pedregoso, porque se voltou lentamente. Chamei, saudando-o com a mão, "epitrepeté?" "Posso aproximar-me!" Fez-me sinal para que fosse ter com ele... Era um monge leigo, que não usava sotaina, mas uma espessa camisola de lã, calças cinzentas apertadas na cintura por um cordel, barrete de monge na cabeça. Deveria ter 70 anos; a cabeça estava coroada por uma auréola de cabelos brancos prateados que se prolongavam numa barba branca impressionante. Seus olhos tinham a expressão de espanto infantil, frequente nos monges idosos que aprenderam, ao longo de prolongados sacrifícios, a acalmar as tempestades do seu coração e a expandirem-se em pensamentos agradáveis... Quando lhe perguntei se outros monges habitavam também no seu pequeno mosteiro, respondeu: Ya sam, slawa Bogu, isto é: "Eu estou só; graças sejam dadas a Deus" [Após longos minutos], o velhinho levantou-se para me preparar um café turco, e desapareceu calmamente na casa, procurando o pequeno recipiente que em todo o Próximo Oriente serve para estas funções; encheu-o de água na fonte e depois dirigiu-se para a cozinha a acender o lume de carvão de madeira, a moer o café... Algum tempo depois, regressou sorridente, trazendo a minúscula chávena num tabuleirinho... [Depois, declarando que a água seria melhor, foi encher um copo] a uma outra fonte que, dizia ele, deitava a melhor água, a mais clara e a mais fresca do Monte Atos... Uma das vantagens certas desta existência solitária parece a de ter reduzido as necessidades a um mínimo, e ter devolvido assim às raras coisas verdadeiramente indispensáveis à vida o seu significado original, arquetípico, simbólico, quer dizer sacramental. Isto é verdade não só para os objetos, mas também para os gestos, os olhares, os movimentos, a palavra, o silêncio: tudo reencontra o significado que um uso muito frequente ou a inflação de palavras e de produtos de consumo lhes roubaram; tudo se torna assim a expressão de uma realidade mais profunda. Logo que o monge desempenhou a sua função de hospedeiro, sentou-se a meu lado junto à balaustrada do seu terraço e contemplou de novo o mar. Bebi as últimas gotas de café, esvaziei o meu copo de água que o sol não chegou a aquecer, e olhei igualmente para o mar. Foi então que, de repente, o tempo parou. Nada se passou de extraordinário, nem visão nem fenômeno semelhante, mas foi simplesmente uma libertação - não poderei referi-lo de outro modo - fora da cadeia dos segundos, para a infinidade. Eis um velho de cabeça nimbada de uma auréola de cabelos brancos, que contemplava o mar, mas o seu olhar não olhava nada - ele nada procurava, porque o mar estava vazio e o céu igualmente vazio, e eles estavam ali desde sempre e o vazio existia desde sempre. O mar cintilava com o sol, e o céu cintilava com a luz, penetrando os seus raios através das folhas verdes da figueira e as folhas verde-claras das vinhas cuja silhueta se recortava entre céu e mar, fazendo os raios aparecer as nervuras sombrias das folhas; até os velhos troncos pareciam transparentes à luz, fazendo aparecer as rugas profundas da madeira. A luz cintilante do mar confundia-se com a luz cintilante do céu e era uma única luz, um único vazio, uma única plenitude, pouco importa, que se tornava mais densa junto do sol então no seu zénite. O movimento dos pensamentos e das imagens mentais susteve-se e eu só tive esta impressão: se a intensidade da luz aumentasse por pouco que fosse, toda a realidade se-dissolveria, mesmo fisicamente, na luz, e tornar-se-ia ela mesma luz, o monge sentado na minha frente, o mar, o céu, os campos, as folhas, os troncos, eu mesmo: tudo se transformaria em luz e se confundiria com os raios que emanam da Fonte da Luz. E da mesma forma, tão subitamente como tinha fugido à prisão do tempo, a ele voltei instantaneamente. De repente, tive de novo a sensação do tempo... Muitas horas tinham decorrido desde a minha chegada ali, tinha de chegar ao porto para não perder o barco. Levantei-me, o velho sorriu-me e, tendo expressado a minha gratidão, retomei o caminho da encosta dirigindo um último sinal de amizade ao velho monge que, lentamente, desceu até à fonte para lavar o copo e a chávena. Puxei o ferrolho do portão do jardim, transbordando de gratidão pelo dom do silêncio que o velhinho me tinha oferecido" (Ernst Benz, Patriarchen und Einsiedler. Der Tausendjãhrige Athos und die Zukunft der Ostkirche. Dusseldorf - Colónia, 1964, p. 195 ss).

Este silêncio não é vazio, mas carregado da presença de Deus. Da presença d'Aquele que se manifestou no mais profundo da humanidade na qual Ele encarnou em Jesus Cristo, na presença d'Aquele que, Espírito Santo, habita em todo o homem na Igreja, por toda a parte, ontem, hoje e amanhã. É somente ao nível da contemplação silenciosa "apofática" que se ousa falar do mistério da Trindade divina, "Pai, Filho e Espírito Santo," tal como ele é vivido - não discutido - pela Igreja ortodoxa. É no termo do aprofundamento, perante a Treva luminosa, diante do vazio pleno, na adoração do Todo-Outro, que o crente ousa confessar Deus, uno em três, trindade na unidade, Deus criador - o Pai - Deus encarnado na história - o Filho - Deus querendo habitar em cada homem e regenera-lo - o Espírito Santo. Esta meditação da unidade de Deus em "três pessoas" é verdadeiramente da ordem da teologia apofática, isto é, é a expressão humana do mistério efetivamente trinitário de Deus. "Eu não comecei a pensar na Unidade, medita Gregório de Nazianzo, sem que a Trindade me banhasse do seu esplendor. Não comecei a pensar na Trindade sem que a Unidade se apossasse de mim."

Deus é criador, isto é, fundamento, origem e fim de todas as coisas, e é o Pai. Deus é presença absolutamente íntima na história da humanidade, e é o Filho. Deus é o movimento que anima cada homem em particular, impelindo-o para o outro - a comunidade - e é o Espírito Santo.

Pai, Filho e Espírito Santo não são, para a Ortodoxia, formas exteriores de uma Divindade "única" na realidade, da qual eles seriam apenas manifestações diversificadas. Não: A unicidade de "Deus" não é análoga à do algarismo "um" matemático, frio e impessoal. Deus é em si mesmo vida, comunidade, amor das "pessoas" de umas pelas outras. "Não se trata aqui, observa Lossky, do número material que serve para calcular e não é de forma nenhuma aplicável no domínio espiritual onde não há acrescentamento quantitativo. Em particular, quando se refere às "hypostases" = pessoas divinas indivisivelmente unidas e cujo conjunto (a "soma" para nos exprimirmos de uma maneira imprópria) é sempre igual à unidade, 3 = 1, o número três não é uma quantidade, como nós a entendemos habitualmente: ele exprime a ordem inefável da divindade." Este mistério, exprimiu-o a teologia oriental com a ajuda das categorias gregas de "pessoas" (= hypostasis), para designar o que é particular no dinamismo trinitário, e de "essência" (= ousia) para descrever o que é comum. [É preciso] salvaguardar a distinção das três hipóteses na única essência e majestade da Divindade, porque o Filho não é o Pai, uma vez que não há senão um só Pai, mas ele é o que o Pai é. O Espírito Santo, embora procedente de Deus, não é o Filho, uma vez que só há um Filho único, mas é o que o Filho é. Um são os Três em divindade e o Um é Três em personalidade" (Gregório de Nazianzo, Sermon 31, Mi 36, col. 144 A). Todavia, não se trata senão de uma linguagem analógica porque, como se viu já, nenhuma linguagem humana consegue descrever adequadamente o mistério de Deus. Da mesma forma que "Deus não é uma essência se as coisas são uma essência" (Gregóno Palamas: Chapitres physiques, théologiques et pratiques, PG 150, col. 1176 B), assim, enquanto "as obras das pessoas humanas são distintas, as das pessoas divinas não o são, porque não tendo os Três senão uma só natureza, não têm senão uma só vontade, um só poder, uma só atividade" (Vladimir Lossky, op. cit- p. 53). Tudo o que se pode dizer, no fim de contas, é que o Pai "não é gerado, que o Filho é gerado, que o Espírito Santo procede de Deus" (Gregório de Nazianzo, op. cit., p. 36, col. 144 A), e isto "deve ser entendido num sentido apofático: [é] sobretudo uma negação que nos mostra que o Pai não é o Filho nem o Espírito Santo, que o Filho não é o Pai nem o Espírito, que o Espírito Santo não é nem o Pai nem o Filho" (Vladimir Lossky, op. cit., p. 54). É possível, na Ortodoxia, compreender este mistério com a ajuda de uma terminologia mais recente, e assim o faz o padre Bulgakoff, quando afirma que "Deus é um Espírito que tem uma consciência tripla e una, ao mesmo tempo que uma unidade de vida e de substância; e nesta unidade a três a existência particular das três hipóstases divinas se concilia com a unidade da consciência. Deus é amor. A Trindade possui um tal poder de amor mútuo que este reúne os três numa só vida" (Serge Bulgakoff, op. cit- p. 143). Mas, qualquer que seja a formulação utilizada, o deão da trindade significa o mistério de uma presença inefável que é em si mesma amor, comunidade, relação recíprocos.

Por outro lado, a meditação da Trindade recorda ao crente ortodoxo que o Inefável que unifica, criando-os, o tempo e o espaço, - o Pai, - que entra na humanidade e me encontra assim em todo o homem - o Filho, - enfim que anima o movimento social e psicológico (de que a Igreja e a oração constituem uma primeira tomada de consciência) - o Espírito Santo, - é sempre uma pessoa que vem ao meu encontro e não uma divindade vaga e difusa de que eu poderia, por este motivo, iludir a interpelação. É a insistência sobre o carácter eminentemente pessoal de Deus, o qual, antes de ser unidade e harmonia perfeitas, é Pessoa do Pai, Pessoa do Filho e Pessoa do Espírito Santo, que, segundo os autores ortodoxos, distingue a compreensão oriental da Trindade da do Ocidente. "Como essência única, nota o Padre Meyendorff, Deus permanece incognoscível, mas revela-se como Trindade. O Deus da Bíblia é conhecido na medida em que Ele é o Deus vivo e actuante, Aquele ao qual se dirige a oração da Igreja, Aquele que enviou o seu Filho para a salvação do mundo. Este aspecto do pensamento dos padres orientais distingue-os - sem nunca os opor a eles - dos seus irmãos latinos, que preferiam conceber Deus antes de mais como uma essência única, e somente depois como Trindade" (Jean Meyendorff, op. cit- p. 168).

Na medida em que Deus é triplamente pessoal, nessa medida é verdadeiramente aquilo que nós tentámos descobrir neste volume: a realidade pessoal, portanto humanizante, que orienta e unifica o tempo e o espaço, que contesta o homem desde o interior e o repõe no caminho para a realização da sua humanidade, que anima as relações na comunidade da Igreja e o seu dinamismo sócio-político, enfim a profundidade última da pessoa humana, profundidade donde o homem sai de si mesmo para se tornar realmente a pessoa à imagem da pessoa do Inefável. Esta ligação estreita entre o mistério trinitário de Deus e o que o homem tem de mais humano, explicita-o o padre Bulgakoff: "Nós encontramos na nossa própria [existência] testemunhos relevantes da existência da unidade em três pessoas - eu, tu, nós [resumindo toda a vida humana] - que este [mistério se torna uma necessidade para o pensamento e o ponto de partida de qualquer" (Serge Bulgakoff, op. cit- p. 144) [filosofia].

Assim o aprofundamento espiritual, partindo do simples restabelecimento do equilíbrio entre as faculdades físicas e psíquicas do homem e da abertura sobre os outros e sobre si próprio, portanto já sobre Deus - a ascese - passando pela oração, descoberta de Deus em si, isto é da paz e da certeza interior, e conduzindo ao "êxtase," descoberta de que Deus está ao mesmo tempo para lá de toda a realidade humana e criada - Treva Luminosa - assim este itinerário leva ao mistério da Trindade que reenvia o homem para a vida do amor concreto, para o "eu - tu - nós" empírico de que é origem. Para o ortodoxo, a progressão espiritual pela ascese e pela oração pede pois exactamente a realização efectiva da vocação humana na liberdade, a abertura aos outros e ao mundo, a criação e a ordenação de uma sociedade e de um meio ambiente que permitam ao homem cada vez mais e sempre usar o seu nome de homem. Nada está mais próximo do mundo de hoje, para a Igreja ortodoxa, do que a Trindade. Assim, e é com esta "imagem" que terminamos esta meditação, o ícone da Trindade é o símbolo perfeito do destino e do devir e da origem e do fim de todo o homem e de todas as coisas.

Este ícone (ver a ilustração 21) de André Rublev, que representa à primeira vista os três anjos que visitaram Abraão (Gen. 18) é, de facto, uma imagem das três Pessoas Divinas. As personagens estão inscritas num círculo: "O movimento circular significa que Deus permanece sempre o mesmo, que engloba ao mesmo tempo os membros internos e externos, que é ao mesmo tempo continente e conteúdo que tudo o que dele vem a ele regressa" (Dinis, o Areopagita: Des Noms divins, PG. 3, col. 916 D). O círculo: a plenitude de vida oferecida a qualquer homem. Os três anjos reflectem uma atitude de disponibilidade de uns para com os outros - fundamento de qualquer vida social normal - enquanto cada um conserva serenamente a sua identidade própria: todo o homem tem direito a ser verdadeiramente ele mesmo e é então que encontra a paz. Cada um dos anjos aponta com a mão para o cálice eucarístico colocado sobre a mesa: o movimento do Inefável encontra a unidade da sua encarnação em Cristo, logo no humano, não estando Deus tanto no céu mas sim onde os homens penam, se alegram, sofrem e vivem. O anjo da esquerda, cujas vestes são de cor indefinida: o Pai, o mistério criador por detrás de todas as coisas, escondido e manifestado de forma global e difusa. O anjo do centro - o Filho de vestes azuis e vermelhas, do azul do céu e do vermelho do amor vivido nas acções e no sofrimento: o homem verdadeiro é este ser vertical, voltado para o céu e inflamado pelo fogo do amor. O anjo da direita - o Espírito Santo - de vestes verdes, sendo o verde a cor da juventude e da força: no hoje de Deus, neste mesmo instante, todo o homem pode conservar e revigorar a sua força, a sua frescura interior, qualquer que seja a sua idade. Os três anjos têm vestes em parte azuis e os seus rostos assemelham-se: a realidade - cujo fundamento é Deus e de que nós fazemos a experiência em cada minuto da nossa existência - é una e múltipla, global e distinta, sendo esta dialéctica o próprio movimento da vida. No primeiro plano, enfim, a mesa com a perspectiva invertida: a vida humana, por muito empírica e imediata que seja, é sempre e de novo interpelada e contestada e está nisso o verdadeiro dinamismo - pelo último Para-Além sobre o qual ela desemboca, e que a inquieta pelo paradoxo do inédito permanente, da gratuidade constrangente, do silêncio cheio de significado, do exigente amor.

 

Posfácio - perguntas

Partindo da intuição espontânea de uma realidade mais profunda, pressentida por detrás e por diante da realidade empírica, realidade que dá a sua coesão à experiência existencial do tempo e do espaço, que anima todo o homem e toda a criatura em movimento para o seu futuro; descobrindo então como esta intuição é vivida através da liturgia e da contemplação do ícone, uma e outra reveladoras de identidade profunda respectivamente do homem e das coisas, esta visão muito superficial permitiu esboçar que, para a Igreja ortodoxa, a razão de ser do homem, a sua verdadeira humanidade se realiza na liberdade, no equilíbrio interior, na vida comunitária, no esforço de uma actividade criativa só possíveis, no fim de contas, na participação na liberdade, na harmonia, no amor, na iniciativa criadora de Deus, que estão na origem. A fé e a vida, a "religião" e a existência pessoal - psicológica - tal como a vida social, económica e política, são pois uma só e mesma realidade, a "religião organizada" - a Igreja e os seus ritos - sendo os reveladores e a manifestação, longe de ser perfeita, vimo-lo, tomada de consciência por alguns da vida pressentida por todo o homem e à qual todos são chamados para se tornarem plenamente eles próprios. A ética - quer dizer a maneira de viver no plano individual e social - e a fé são, portanto, a bem dizer, inseparáveis. Deus é a vida e o seu frente-a-frente, ou Ele não é.

Esta certeza da Igreja ortodoxa - partilbada, aliás, por Igrejas ocidentais, católicas e protestantes ainda que formulada por momentos diferentemente - põe questões ao homem moderno que recusa seguir inconscientemente o movimento da cultura contemporânea e que, ao contrário, entende levar uma vida de homem, isto é, dar provas de um mínimo de lucidez em relação ao que lhe acontece. Pode então legitimamente perguntar-se se a "suspeita de outra coisa" de que fala Albert Camus em A Peste não é um pressentimento do Inefável, de um Deus certamente inaceitável para Camus porque, no seu ponto de vista, a Igreja ocidental lho apresentava não como o fundamento da vida, mas como uma realidade acrescentada, portanto supérflua. Pode perguntar-se se o esteticismo do romance actual, centrado por exemplo sobre o insólito como em Boris Vian, não é a manifestação de um presentimento análogo, incapaz no entanto de se realizar, enquanto as Igrejas não manifestem, pelo seu compromisso em toda a realidade humana, que elas vivem do paradoxo humanizante que transcende a lógica das calculadoras electrónicas.

Pode levar-se a interrogação mais longe: A ausência de síntese no mundo de hoje, a atomização da vida em domínios distintos e vividos separadamente não será uma consequência da recusa do Inefável? O fraccionamento do homem num ser exterior, (sociológico), interior (psicológico) e existencial, (o eu e o nós reais) não será somente na fé que poderá ser ultrapassado? Não se reduzirá a civilização contemporânea progressivamente à elaboração de "estruturas" por certo reais e eficazes - haja em vista a escola dos estruturalistas - mas cuja ausência de conteúdo deixará com a sua fome? A vida comunitária, familiar e social, não estará em risco de se esvaziar da sua substância humana para ficar reduzida só a uma questão de organização funcional? A pessoa humana individual, rodeada por este vazio, não estará ela, na ausência de um factor de integração profunda da sua individualização, ameaçada, por sua vez, de não encontrar jamais a sua unidade de vida, de estar condenada a assistir, impotente, ao conflito que nela travam a sua consciência e o seu subconsciente? E sobretudo pergunta que a Ortodoxia põe muito particularmente aos cristãos do Ocidente: - esta atomização da existência não será, em parte, uma consequência do racionalismo analítico que substituiu a visão global e vital, uma consequência da reflexão sobre Deus, em vez da participação na Sua vida, tentação na qual as Igrejas ocidentais caíram muitas vezes nas suas teologias? Tantas outras perguntas que o leitor avisado terá o cuidado de formular pessoalmente, prosseguindo o estudo e a meditação.

 

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Edição da Igreja da Proteção de Nossa Senhora

Holy Protection Russian Orthodox Church

2049 Argyle Ave. Los Angeles, California 90068

Editor: Bishop Alexander (Mileant)

 

(igreja_ortodoxa_3.doc, 09-20-2000)

Edited by

Date

Jose Arimatea

03-15-2000