Pensamentos acerca do

Reino de Deus,

ou a Igreja

Bispo Alexander (Mileant).

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior

 

 

Conteúdo:

Onde Deveremos Procurar o Reino de Deus? A Necessidade da Igreja. A Igreja é o Reino de Deus na Terra. Atributos da Verdadeira Igreja. A Igreja Ortodoxa. Porque Precisamos da Igreja? Pastores e Doutores. As Duas Esferas. A Igreja Militante. Um Cristão: Guerreiro de Cristo. O Tesouro da Verdade. O Tesouro da Santidade. O Monte do Senhor. Não nômades, mas cidadãos. Conclusão.

 

 

Onde Deveremos Procurar

o Reino de Deus?

"Teu reino vem!"

Lendo o Evangelho não podemos deixar de notar que ele fala com freqüência no Reino de Deus. Muitos diálogos e parábolas de Cristo são destinados a revelar a natureza, atributos e propósito do Reino de Deus. Isso era tão óbvio para os contemporâneos que eles chamavam o ensinamento do conjunto desses ensinamentos de "pregação das boas novas do Reino de Deus" (Mt. 4:23).

Mas no que implica este título? Significa ele a futura vida depois da morte, que vem depois da ressurreição dos mortos? Ou, talvez, ele signifique a condição espiritual presente do homem, sua prontidão para se comunicar com Deus? Implica ele numa sociedade construída segundo os princípios evangélicos? Ou o reino universal dos santos, de mil anos de duração descrito no livro do Apocalipse (Apocal. 20:4)?

A palavra "Reino" presume em si uma estrutura social extensiva e bastante complexa: um estado, um império. Agora, se tudo que existe é uma decorrência de Deus (pois nada existe que não tenha sido criado por Ele), então o Reino de Deus é, em principio e por projeto, o mundo inteiro de Deus, o imenso universo, que inclui todas as coisas visíveis e invisíveis. Esta parece ser uma afirmação correta.

Mas se nós sabemos que Deus é infinitamente bom e justo, de onde vem toda esta discórdia? Todas estas calamidades e desastres, miríades de malignidades: crimes, atos de violência e injustiça, doenças e mortes, que são vistas por toda parte? Porque aquilo que deve acontecer não se ajusta ao que acontece de fato?

"É por causa do pecado e desobediência a Deus, por causa da resistência consciente a Ele," explica a Sagrada Escritura.

É o dom da liberdade concedido aos homens (e aos anjos) pelo Criador, que pressupõe a habilidade para infringir a Sua vontade e leis, que traz desarmonia para a beleza e ordem que deveria ter existido em todo o universo. A liberdade da vontade é como fogo, que um selvagem pode usar para cozinhar sua comida ou esquentar a sua morada no tempo frio, ou então queimar toda a floresta e talvez até mesmo perecer neste fogo.

A principio Deus poderia nos ter "programado" para só fazermos o bem, não causarmos danos aos outros e a nós mesmos, e agirmos somente como predestinados: comer, dormir, multiplicar. Mas neste caso nós seriamos robôs ou animais, dirigidos pelos instintos naturais, e não como seres de espírito-livre. Nós seriamos espiritualmente deficientes e, além disso, estaríamos privados da real possibilidade do prazer do trabalho criativo, inspiração e de atos de livre-vontade de caridade e amor. Deus criou muitos seres sem liberdade moral, que, no entanto, vivem somente pelas leis físicas. Mas eles foram simplesmente um estágio preparatório antes da concretização do homem, para quem nosso Deus criou o mundo físico.

Em Seu incompreensível amor Deus não fez os homens como "mecanismos" cegamente submissos, mas nos criou como "filhos" livres, capazes de amor consciente, e desejosos por Ele como Protótipo e Ideal. Deus deu ao homem grandes dons espirituais, colocou-o no doce paraíso, fez dele dirigente de todas as criaturas e deu a ele a árvore da vida, para que ele fosse sempre saudável, pudesse se aperfeiçoar e amar a vida. Que honra e graça! E qual não deveria ser a gratidão das pessoas que habitavam no Éden!

Mas nós temos consciência da tragédia que ocorreu: o selvagem apreendeu a fazer fogo e tocou fogo na floresta. Felizmente, ele não a queimou inteiramente e para sempre!

Nós não vamos aqui recontar os detalhes da catástrofe espiritual do homem, descrita no capítulo 3 do Livro da Gênesis. É importante lembrar que devido a esta tragédia todas as pessoas nascem moralmente defeituosas e predispostas a pecar. O pecado original é como um defeito biológico da célula, que passa dos pais para as crianças.

A tragédia da humanidade é que as pessoas, com todas as suas boas intenções e esforços, não conseguem curar a podridão espiritual, que tem suas raízes muito fundas no nosso ser físico e espiritual.

Por misericórdia de Deus, nem a terra nem o inferno — a tenebrosa morada do mal, que os demônios fizeram para si próprios, — se espalharam através do Reino de Deus. Elas são mais como "ilhas" isoladas, "áreas de quarentena," ou manchas escuras no imensamente grande Reino da Luz e do Bem. Paz e harmonia reinam por toda parte, especialmente no mundo angélico. Todos rejubilam com a luz vivificante dada pelo Criador, agradecendo a Ele por Sua eterna bondade.

Mas murmúrios, gemidos e maldições são ouvidos na nossa sociedade, que se afastou do Criador. As pessoas enganam e ofendem umas às outras, "o homem tornou-se um lobo para com seu companheiro." Às vezes parece que as trevas espirituais absorverão o nosso mundo, fazendo dele um inferno real.

Mas isto nunca acontecerá! Nós sabemos, como nos foi prometido pelo Salvador, que o mal será permitido somente por um certo tempo. Vindo para o nosso mundo por uma segunda vez, o Filho de Deus ressuscitará todas as pessoas. Então todos os malignos, malfeitores, estupradores e malfeitores, todos os que odeiam a luz e estão felizes com o mal, serão jogados na ígnea Gehena, junto com os demônios. O mundo será completamente renovado. Todos aqueles que viveram pelo Evangelho, amaram o bem, procuraram a verdade, sofreram sem culpa, evitaram mentiras e violência, serão "salvos," o que significa que eles serão reunidos com o resto do Reino de Deus. E isto será a alegria inexplicável.

"E vi um novo céu, e uma nova terra," escreve o Apóstolo João no Apocalipse, "Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram... E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas... E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. E a cidade (Nova Jerusalém) não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro (Filho de Deus) é a sua lâmpada. E as nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra. E as suas portas não se fecharão de dia, porque ali não haverá noite. E a ela trarão a glória e a honra das nações... E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio de sua praça, e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para saúde das nações... E verão o seu rosto, e nas suas testas estará o seu nome. E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem da luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia" (Apocalipse 21 e 22).

A natureza deste mundo é tão diferente do nosso universo físico que faltam palavras ao autor para descrevê-lo. É claro, no entanto, que este é o mais belíssimo mundo, e o simples entendimento do pecador condenado de que ele nunca chegará lá, parece ser a mais dolorosa tortura.

Ai está porque o Evangelho fica insistentemente chamando todo mundo para fazerem todos os esforços, sacrificando qualquer coisa inclusive esta própria vida temporal, para vivê-la no Reino de Deus. O Reino de Deus é nossa verdadeira pátria, enquanto este mundo, no estado presente, é estranho para Deus, e assim deve ser estranho para nós também.

Significado da Penitência.

Quando o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, veio para este mundo, Ele o encontrou na mais miserável condição. "Todo mundo está no maligno" (I Jo. 5:19). Malignidade na forma de ignorância espiritual e de moral grosseira, privação dos direitos dos fracos, descarada dissolução dos ricos, violência e vulgaridade, estupefação bestial das massas, impulsivas e insolentes orgias das paixões inferiores, eram lugar comum e considerados uma norma. Eis porque regeneração espiritual das pessoas por iluminação de suas mentes e correção da sua moral tornou-se o principal trabalho do Salvador.

Jesus parece ter estado dizendo, "Vós pessoas, sofrendo sob o jugo da inverdade e ilegalidade! A vida que construístes para vós não pode vos dar a felicidade que vós buscais. Mas se vós quiserdes obtê-la, então arrependei-vos: pois o Reino do Céu está à mão."

"Arrependimento" é o primeiro chamado do Evangelho. Arrependimento é a condição primária para o recebimento do Reino de Deus. A palavra russa "arrependimento" é insuficiente para dar a noção original; "metanoi´te" a palavra do texto original significa mudar a maneira de pensar, a atitude para com a vida e o sistema inteiro de valores.

Este chamado para o arrependimento supõe que outra vida é possível e realizável no mundo, uma vida diferente daquela que as pessoas vivem, gemendo sob seu jugo. Ilusão, amor próprio, malicia e fluxo caótico de instintos baixos não formam uma corrente inquebrável. Vontades melhores, nobres e santas existem junto com as anteriormente citadas no homem, ao menos em forma latente e potencial: amor pela verdade, compaixão, fraternidade e desejo de justiça. Se não se as perde, mas se deixa que abram e floresçam, então o mundo interior brilhará com luz celeste; a vida mudará além do conhecimento: paz, justiça e caridade habitarão no coração, substituindo viciosos e vergonhosos desejos.

O processo de renovação interior do homem é muito individual. Ele pode ser instantâneo ou gradual. Tudo depende da sinceridade e do esforço da vontade, que o homem faz ao se voltar para Cristo. Pessoas que estão "prontas e disponíveis" hoje não se ajustam ao Reino de Deus; elas têm que mudar radicalmente, reavaliar as bases do seu pensamento, desejos e ambições, e iniciar uma nova vida: numa palavra, elas têm que embeber o espírito com o ensinamento de Cristo e procurar imitá-Lo.

Mas somente desejo sincero não é suficiente: a prolongada doença moral minou nossos poderes espirituais, e a própria boa vontade tornou-se instável e murcha. Um fluxo de novos poderes espirituais é necessário para uma mudança fundamental e para uma virada completa para o Reino de Deus. O homem precisa nascer por uma segunda vez: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus."(Jo 3:3). Tal nascimento para a vida espiritual é dado através do Espírito Santo, e as águas batismais transportam o Seu poder.

Significado da Graça.

A graça de Deus é a fonte primária de todos os poderes e habilidades espirituais. É como o sol que dá ao nosso mundo luz e calor.

Tendo caído de Deus através do pecado, as pessoas perderam Seu poder vivificante e morreram espiritualmente. Cristo veio ao mundo para retornar para nós a companhia de Deus, e com ela as nossas vidas perdidas. Eis porque se virar para Jesus é comparado a ressuscitar dos mortos: o Salvador disse, "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, [a proclamação do Evangelho], e os que a ouvirem viverão" (Jo. 5:25).

A graça penetra no coração do pecador e torna a miséria e dano de sua alma manifesta para sua consciência. E de repente, como acordando de um sono, ele realiza quão trágica é sua condição, teme por seu fado eterno, e cuida da libertação e salvação. Ele que estava habituado a ser cego para a salvação, insensível e descuidado; agora ele pode ver, tem sentido e toma conta. Mas isto ainda não é uma mudança; é somente uma oportunidade e chamada para uma mudança. É a graça batendo no coração do pecador, dizendo: "Olha por onde tu andas, e toma cuidado para seres resgatado." Se ele notar este chamado e prestar atenção no aviso, ele fará bem para si; se não atentar, ele será abandonado e mergulhará no seu sono profundo.

Insatisfação consigo próprio e perseguição de coisas mais elevadas são sentimentos comuns de arrependimento incitados pela graça de Deus. O homem se torna insatisfeito com tudo que o cerca, com suas vantagens e posses ainda que ele seja muito rico.

As palavras, "Aquele que não nascer da água e do Espírito...." (Jo. 3:5) destacam a graciosa regeneração do homem nas águas do Batismo e a recepção da graça do Espírito Santo através da Crisma. Outros meios espirituais instituídos pelo Salvador, e em particular o sacramento do Arrependimento e Comunhão, são destinados a confirmar e reforçar o poder de nosso espírito. Nossas orações em casa e na igreja, as austeridades Cristãs e fazer o bem ajudam a obter estes fins. Atenção especial deve ser dada à Oração do Coração, porque ela traz a graça de Deus para nós e nos transforma no templo do Espírito Santo.

A graça ajuda o homem a enxergar a miséria e a sordidez de qualquer coisa mundana, e esquenta nossos corações com um afetuoso amor por Deus. Pouco a pouco, o homem começa a enxergar a companhia de Deus como o seu mais precioso tesouro.

Zelo e entusiasmo em captar coisas espirituais são característicos da morada do Reino de Deus na alma de um homem. "Vim lançar fogo na terra, e que mais quero, se já está aceso?," disse o Salvador (Lc. 12:49). Como as chamas envolvem um prédio inteiro durante um incêndio, assim a chama espiritual deve capturar a natureza inteira do Cristão: seus pensamentos, interesses, desejos, toda a sua atividade. Mas há um risco de se perder a companhia de Deus. "Não extingais o Espírito" (I Tessal. 5:19), "não sejais vagarosos no cuidado: sede fervorosos no espírito," alerta o Apóstolo Paulo (Rom. 12:11).

A boa disposição é posta em nós através da especial sugestão de Deus, e do mesmo modo Ele nos ajuda a fazer coisas boas. O que depende de nós é a maior ou menor presteza em obedecer à sugestão de Deus e em aceitar o auxilio Dele. Nós merecemos punição ou recompensa por sermos vagarosos ou reverentemente obedientes para seguirmos a vontade de Deus em nossas vidas.

O processo de renovação espiritual ocorre fundo no interior do homem, e é por isto que se lê que "O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou ei-lo ali; porque o Reino de Deus está entre vós" (Lc. 17:20-21). Todo esforço deve ser feito para se segurar este Reino dentro de nós: "mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt. 6: 33) diz o Salvador. Ele não diz, "buscai somente o Reino de Deus e Sua justiça" mas sim "buscai primeiro" significando que o cuidado com o Reino de Deus, desejando justiça na vida, deveria ser a prioridade de nossa consciência.

O inimigo de nossa salvação faz todas as tentativas de nos distrair de nossa prioridade, jogando-nos numa grande quantidade de tarefas ‘urgentes’ e ‘importantes’. Prevenido-nos contra a nova escravização ao materialismo, o Senhor disse, "Não andeis pois inquietos, dizendo: que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram (Mt. 6: 31-32). Coisas materiais podem satisfazer somente pessoas com moralidade adormecida. Para os filhos do reino de Deus, o mundo exterior com toda sua conveniência só é instrumental para o atingimento do objetivo principal, que está além dele.

Quem o Reino Chama?

Já foi dito que, nas condições de hoje em dia, o Reino de Deus não é tão realizado nos melhoramentos sociais exteriores, quanto no melhoramento interior que ele produz nas pessoas. O Reino de Deus está especialmente próximo daqueles oprimidos por este mundo de vulgaridades e crueldade, degenerado sob seus próprios pecados e imperfeições, agarrado na atmosfera circundante de mentiras e inverdades, e esperando pelo triunfo do bem e da verdade.

Se alguém tem sede de renovação espiritual, o Reino de Deus virá para ele. Se uma nação tem esta sede, então o Reino virá para ela. Mas para aquele que está feliz e satisfeito com o mundo existente, que não consegue entender e ridiculariza este desejo pelo ideal, que não está preocupado com falsidades e quebras da lei, que despreza pureza e falta de egoísmo, que persegue as alegrias mundanas e os prazeres corporais, para ele o Reino de Deus é estranho e um ensinamento indesejado.

O Reino de Deus não é para triunfar neste mundo. É a "porta apertada e o caminho estreito" que poucos podem encontrar. Não é um "prédio" acabado, mas um em construção. Mesmo assim é uma clara coisa real que tem sido realizada neste mundo desde o dia que o Salvador veio para a terra. Ele sempre cresce e se espalha, atraindo e absorvendo pessoas sensíveis espiritualmente de todos os níveis da sociedade, de todas as nações e de todos os estágios de desenvolvimento. É uma organização (associação) de indivíduos, pensamentos, poderes, escritos, transformações e ocorrências externas, guiadas por Deus e desenvolvidas pelo invisível poder de Sua graça. O Reino de Deus é uma vida nova, justa, construída sobre a fé no Salvador e aceitação de Seus ensinamentos.

O completo e manifesto triunfo do Reino de Deus só ocorrerá após a Segunda Vinda de Cristo, quando a comunidade dos justos se fundirá com o mundo dos anjos para se tornarem o Reino de Deus. Mas agora ele só pode ocorrer, parcial e incompleto, nos corações dos fiéis, pelo grau do avanço espiritual deles.

No entanto, os resultados benéficos ou "frutos" deste Reino ficaram evidentes na história da humanidade depois da Natividade de Cristo: abolição da escravatura, correção da moral, superação da brutalidade e depravação, humanização da legislação, morte das superstições, maior respeito pela personalidade, melhoria de todas as artes, — literatura, pintura, arquitetura, música...

Conclusão.

A vida inteira do Salvador teve por objetivo o lançamento de novas bases espirituais para a vida humana: fé pura, caridade viva e amor por Deus, lutando por melhoria moral e santidade. É nestas bases que nós deveríamos construir nossa propensão religiosa e nossa vida toda.

Construindo nossa vida sob os comandos de Cristo, nós nos acalmamos por pensarmos que o Reino de Deus certamente triunfará, e as prometidas paz, justiça, alegria e vida eterna virão para a Terra renovada. Nós oramos para que Deus nos faça dignos de herdarmos o Seu Reino!

Então, mesmo aqui, sob as abóbadas dos túmulos dos mártires, alguns pesarosos suspiros dissolvidos no alegre hino da fé vitoriosa. Atentos ao inicio do raiar-do-dia das Boas-Novas para o mundo, os Cristãos esquecem suas próprias desgraças e infortúnios. Nós temos que recordar que "o reino de Deus sofre violência, e o violento o toma à força."

Que venha para nós o Teu Reino, ó Senhor!

 

A Necessidade da Igreja.

A floresta não pode produzir Newtons ou Einsteins, Apóstolos Paulos ou reverendos Serafins. Entretanto, mesmo dotado, ou até mesmo um gênio, um homem não consegue compreender tudo sobre si próprio, e precisa de família e sociedade para o seu desenvolvimento. Até a pessoa mais talentosa, não se torna um excelente violinista se se der para ela um violino e partituras de música. Alguém tem que ensinar e passar experiência para ela. O progresso visível da humanidade, o avanço da civilização tem lugar pela experiência anteriormente ganha. As gerações precedentes servem como base para o crescimento intelectual das gerações que se seguem. Quando um estado ou império entra em colapso como resultado de algum desastre, a cultura colapsa com ele. Esforços de muitas gerações serão necessários posteriormente para o restauro do conhecimento e experiência.

Para o desenvolvimento de habilidades mentais e progresso geral harmonioso um homem necessita de professores, escolas e uma estrutura muito complexa da sociedade humana. O homem cresce, melhora e se torna útil como um membro da comunidade. Sem ela, o homem se torna um selvagem, não adaptado à vida. Em resumo, o homem foi criado de modo tal que não pode viver fora da comunidade.

Idealmente, a família e a comunidade tem que formar não só as habilidades mentais e práticas de um homem, mas construir seu ser espiritual também. Foi assim que Deus projetou. O mundo angélico celestial é a comunidade ideal de bondade e verdade, fundado nos princípios do amor divino, onde seres inocentes vivem não para si próprios, mas para cada um dos outros, com um alegre louvor do Autor.

O pecado se introduziu na ordem inteira da vida humana, perverteu a natureza espiritual do homem, e a vida social como um todo. A comunidade, que por projeto de Deus, teria que facilitar o correto desenvolvimento espiritual dos humanos, na prática perdeu a capacidade para isto. Sem os pontos de conferência espiritual, a comunidade dirigiu todos os esforços no desenvolvimento de avanços exteriores, coisas materiais, resultando isto na visão unilateral de seus membros, e às vezes resultando em frieza, crueldade, brutalidade e outras coisas que nós vemos diariamente no mundo que nos cerca.

Por isso, para a salvação de nossas almas, e para a elevação e desenvolvimento espiritual do homem, Deus estabeleceu outra comunidade: a Igreja. "mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes Daquele Que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz; vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus" (I Pe. 2:9).

A Igreja é uma comunidade peculiar, estabelecida e santificada por Deus. A Igreja é diferente de qualquer outra sociedade ou estado humano, pis ela é o Reino de Deus na Terra, e seus objetivos são a renovação moral dos humanos e a condução para a salvação. Cristo deu para a Igreja tudo que era necessário para a realização deste propósito, que pode ser posto em duas palavras: graça e verdade. Estes são os tesouros espirituais dela Igreja os quais ela é chamada a guardar, e enriquecer os fiéis com eles. Mas nem mesmo a maior jóia não será de nenhuma valia para o homem se ele não fizer uso dela. Por esta razão é que é necessário para todos se enriquecerem com os tesouros espirituais da Igreja: apreender com a verdade que ela guarda, receber a santificação através dos dons de graça dela, absorver a experiência do povo justo dela.

Um homem tem um corpo e uma alma, e similarmente a Igreja tem uma parte visível e uma parte invisível. Sua parte invisível é a ação da graça de Cristo, a melhoria espiritual dos fiéis, e sua porção celeste — a Igreja Triunfante. A Igreja é uma comunidade celeste-terrestre, encabeçada por Cristo. Eis porque muito da vida eclesiástica não pode ser assunto de estudo. A parte visível da Igreja é seu ensinamento, sua hierarquia eclesiástica, concílios ecumênicos e locais, templos, ofícios divinos, festas e tradições, leis canônicas e assembléias religiosas.

Muitos Cristãos contemporâneos não compreendem para que existe a Igreja. Eles acham que é suficiente ler os Evangelhos e creditar em Cristo. Mas, primeiro, o Evangelho não caiu do céu. Alguém teve que coletar os livros escritos pelos apóstolos conferi-los in totum, e incorporá-los no corpo das Escrituras. Alguém teve que tirar das Escrituras qualquer escrito falso ou herético. A Igreja fez isto nos três primeiros séculos. Segundo, não se pode apreender somente por livros. Mesmo na ultra precisa e lógica ciência da matemática, um estudante precisa de alguém que lhe explique o que não está claro para ele, confira seus acertos, e lhe de orientação para futuro aprendizado. Do mesmo modo, a educação espiritual do homem requer guias espirituais para explicar o que não está claro, e preveni-lo contra falsos professores e falsos profetas que sempre foram abundantes.

Prestando atenção no ensinamento do Salvador e de Seus Apóstolos, nós podemos entender que, de acordo com o plano Divino, as pessoa não são chamadas ao acaso e isoladamente; ao contrário, elas podem ser salvas em seu estar-juntas, como membros de uma grande família. Os fiéis não são chamados somente para utilizar o que a Igreja dá, mas também para assistir uns aos outros quanto à salvação. Pecado e egoísmo são fontes de desintegração, enquanto caridade e carinho iniciam integração.

Nenhum homem pode atingir a perfeição num piscar de olho. A vida Cristã é um processo de auto-melhora. É, portanto natural que a Igreja consista de pessoas de diferentes estágios de desenvolvimento espiritual. Aqueles que atingiram um maior grau de perfeição, deveriam ajudar seus companheiros mais fracos. O próprio Senhor estabeleceu a ordem que uns ensinem e outros sejam ensinados.

Na Igreja um Cristão apreende a verdade e recebe santificação pela graça do Espírito Santo. No Santo Sacramento da Eucaristia, ele entra em real comunhão com Cristo, Filho Encarnado de Deus, e através Dele torna-se partícipe da Divina natureza. Nesta misteriosa comunhão com Deus o homem recebe poderosas forças espirituais, que o ajudam a crescer e melhorar espiritualmente. Perfeição moral é o objetivo de nossa vida: "Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Que está nos céus" (Mt. 5:48).

 

A Igreja

é o Reino de Deus na Terra.

Porque ela é o reflexo do ideal Reino do Céu, a Igreja de Cristo é chamada de Reino de Deus nas Sagradas Escrituras. No seu uso regular, "reino" significa um alto grau de sociedade desenvolvida, um estado com seus legisladores, executivos e todas as outras autoridades. Um estado consiste de cidadãos, governo, administração. Ele tem leis, costumes, língua, exército e assim por diante. A Igreja também é um reino, e peculiar porque ela é cheia de graça. Ela consiste de pessoas em processo de regeneração moral. Sendo um Reino, ela tem sua Cabeça, o Rei Celestial, o Senhor Jesus Cristo, e também suas próprias leis, estrutura interna, ministros (hierarquia), e cidadãos — fiéis Cristãos. Sem estas características ela não seria um reino, mas algo sem forma e vago. Os Cristãos gozam de todos os privilégios do Reino espiritual ao qual eles pertencem, mas não simplesmente como consumidores, mas como "cidadãos" ativos, cooperando para o bem comum.

As Santas Escrituras falam da Igreja como um Reino de Deus em várias passagens: Mateus 3:2, Mateus 4:17, Mateus 6:10, Mateus 6:33, Mateus 9:35, Mateus 18:3, Marcos 10:14-15, Lucas 12:32, Lucas 17:21, João 3:5, João 18:36, Romanos 14:17, 1 Corintios 4:20, Colossenses 1:12-22.

O Salvador, com freqüência começa a ensinar com as palavras, "O Reino de Deus é como..." "E percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas deles, e pregando o evangelho do reino," o que é a boa-nova de que o Reino de Deus está chegando (Mt. 9: 35). Isto mostra que as pessoas não serão salvas individua e solitariamente, mas conjuntamente, como uma família, fazendo uso dos meios graciosos que Ele implantou no Seu Reino.

As condições para se entrar no Reino: "Arrependei-vos, (literalmente mudar o modo de pensar), porque é chegado o reino do céu" (Mt. 4: 17). Esta entrada somente é possível através do Sacramento do Batismo, no qual o homem se torna renascido para a vida espiritual: "Na verdade, na verdade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo. 3: 5-6).

A Igreja tem em sua base o sacrifício expiatório de Cristo que nos permite, por fé e através de um novo nascimento, nos tornarmos partícipes da natureza divina (II Pe. 1:4). Eis porque a vida da Igreja é sobrenatural em essência, apesar dela fluir em circunstâncias muito naturais e em formas visíveis. Isto é também a explicação das palavras do Salvador (motivo de tanta confusão para os não-crentes) sobre a posição dos fiéis na vida mundana: "... e o mundo os aborreceu, porque não são do mundo, assim como Eu não sou do mundo" (Jo. 17:14). "Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece" (Jo. 15:19). Estas palavras mostram a incompatibilidade da vida justa com os costumes pecaminosos e fora-de-Igreja do mundo secular. "Meu Reino não é deste mundo" (Jo. 18:36).

Assim, a Igreja é uma unidade cheia de graça e sobrenatural das pessoas nascidas de novo, que formam o Corpo místico de Cristo, fundado por Cristo no Calvário, cheio do Espírito Santo, e encabeçado pelo próprio nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Atributos da Verdadeira Igreja.

O número crescente de "igrejas" e seitas torna muito difícil encontrar qual delas é a verdadeira Igreja, e se uma verdadeira Igreja existe mesmo nestes tempos. Alguns pensam que a Igreja Apostólica original deve ter de desintegrado gradualmente, e hoje em dia grupos de "igrejas" são simplesmente seus "estilhaços," mantendo certos fragmentos de sua anterior riqueza espiritual de graça e verdade.

Alguns dos que participam desta posição assumem que a Igreja pode ser restaurada das denominações Cristãs existentes, por meio de acordos e compromissos. Esta suposição está na base do movimento ecumenista moderno, que considera que nenhuma igreja é verdadeira. Outros pensam que a Igreja, provavelmente, nunca teve nada em comum com as igrejas oficiais, mas tem sido construída com crentes individuais que pertencem a diversos grupos de "igrejas." Esta última opinião se desenvolveu dos ensinamentos sobre a assim chamada "igreja invisível," promovidos por alguns teólogos protestantes. Finalmente, para muitos Cristãos não fica claro se se precisa da Igreja para alguma coisa, já que o homem deve ser justificado por sua própria fé.

Todas estas opiniões controversas e falsas sobre a Igreja resultam da falta de entendimento da verdade básica do ensinamento de Cristo — a salvação do homem. Através da leitura dos Evangelhos e das Epístolas Apostólicas se torna óbvio que, no plano do Salvador, as pessoas são chamadas para salvar suas almas não como individualidades separadas, mas conjuntamente, para o estabelecimento de um indivisível e cheio de graça Reino de Deus. Até mesmo o reino do mal, encabeçado pelo príncipe das trevas, está reunido para a guerra contra a Igreja. Cristo nos lembra disto dizendo, "E se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo; como subsistirá pois o seu reino?" (Mt. 12: 26).

Apesar de todas as opiniões modernas, misturadas sobre a Igreja, muitos Cristãos sensíveis concordam que na era apostólica existia uma Igreja de Cristo verdadeira, que era a comunidade unida dos salvos. O Livro dos Atos dos Apóstolos nos mostra como a Igreja começou em Jerusalém, quando, no quinqüagésimo dia depois da Ressurreição de Cristo, o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos como línguas de fogo. Deste dia em diante a fé Cristã começou a se espalhar pelo extensivo Império Romano. Ao se disseminar em aldeias e cidades, comunidades Cristãs, ou igrejas, brotavam. Por conta das tremendas distâncias, estas comunidades eram mais ou menos separadas no seu cotidiano. Mesmo assim elas se consideravam como partes orgânicas da Igreja Uma, Santa, Católica, Apostólica. Elas eram unidas por uma fé e uma fonte de santificação, obtida dos sacramentos cheios e graça (Batismo, Comunhão e Ordenação, ou Imposição de Mãos).

Inicialmente, os Santos Apóstolos realizaram estas ações sagradas. Mas logo eles começaram a precisar de assistentes, e os Apóstolos escolheram os dignos entre os membros das comunidades, e os ordenaram bispos, presbíteros e diáconos. (Por exemplo, o Apóstolo Paulo ordenou Timóteo e Tito para o grau de bispos. Os Apóstolos compeliram os bispos a observar a pureza do ensinamento Cristão, instruir os fiéis a uma vida justa e ordenar novos bispos, padres e diáconos como assistentes para si próprios. Fazendo assim, os próprios Apóstolos estabeleceram a hierarquia eclesiástica, que ainda existe hoje. Durante sua vida a Igreja, como uma árvore (Mc. 4: 31), cresceu e se espalhou permanentemente, ficando mais rica em experiência espiritual, literatura religiosa, orações e cantos dos divinos ofícios, e mais tarde em arquitetura e arte de igreja; e ela ainda preserva sua essência da Igreja da era Apostólica.

Os Evangelhos e Epístolas Evangélicas não apareceram todos ao mesmo tempo, nem todos no mesmo lugar. Durante décadas depois da Igreja ter sido criada, ela não foi instruída pelas Escrituras, mas sim pela pregação oral que os Apóstolos chamaram de tradição (1 Corintios 11:16 e 15:2; 2 Tessalonicenses 2:15 e 3:6; 1 Timóteo 6:20). A Tradição é um costume unificado de instrução na fé. Ao longo do tempo ela tem sido sempre decisiva, quando as pessoas precisam encontrar o que é certo e o que é errado. Quando alguma coisa estava inconsistente com a tradição apostólica, nos assuntos da fé, na condução dos sacramentos ou na administração, era considerada falsa e rejeitada. Alinhados com a Tradição apostólica, os bispos dos primeiros séculos conferiram todos os manuscritos Cristãos completamente e a fundo, e juntaram os trabalhos dos Apóstolos, Evangelhos e Epístolas, um após outro, num conjunto de livros. Nós conhecemos este conjunto como Novo Testamento, e junto com os livros do Velho Testamento, formam as Escrituras que nós lemos hoje. Este processo de reunir os livros foi finalizado no século III. Os livros controversos, que não se mostravam de acordo com tudo da tradição apostólica (ainda que deles fosse dito terem sido deixados pelos apóstolos), foram rejeitados como falsos, ou apócrifos. A Tradição Apostólica desempenhou papel decisivo na formação do Novo Testamento, o tesouro escrito da Igreja. Hoje Cristãos de todas as denominações usam o Novo Testamento, apesar de, com freqüência, voluntariamente, sem piedade e sem entendimento de que ele é propriedade da verdadeira Igreja, o tesouro que ela reuniu e manteve a salvo.

Nós estamos gratos a outros documentos, escritos pelos discípulos dos Santos Apóstolos e preservados até hoje, pelos muitos detalhes valiosos da vida e crença das Primeiras Comunidades Cristãs, que conhecemos hoje. A crença na existência da Igreja Uma, Santa, Católica e Apostólica foi então universal. Foi somente natural que a Igreja também tivesse seu lado visível então: as refeições agápicas (Liturgia) e outros ofícios, bispos e padres, orações e cantos da Igreja, cânones (Constituições Apostólicas) que governavam os costumes e relações da Igreja, e, em geral, todas as áreas da vida das comunidades Cristãs. É por isto que nós devemos concordar que a "igreja invisível" é uma inovação falsa.

Se nós concordamos que uma Igreja real existiu nos primeiros séculos do Cristianismo, então nós podemos encontrar o momento histórico no qual ela se fraturou, espalhou-se e deixou de existir? A resposta honesta é não. Desvios da clara Doutrina Apostólica, ou heresias, começaram a ocorrer ainda na era apostólica. Muito ativos eram os ensinamentos gnósticos então, que juntavam a crença Cristã com elementos de filosofia pagã. Os Apóstolos preveniram os Cristãos contra estes ensinamentos em suas epístolas, e colocaram claramente que aderentes a estas seitas tinham caído da fé. Os Apóstolos consideraram os heréticos como galhos secos partidos da árvore viva da Igreja. De maneira igual, os sucessores dos Apóstolos, bispos dos primeiros séculos, renunciaram aos desvios da fé Apostólica que surgiram em seu tempo, e excomungaram aderentes persistentes aos falsos ensinamentos, de acordo com as instruções apostólicas. "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema" (Ga. 1:8)

Assim, a unidade e unicidade da Igreja não era questionada nos primeiros séculos do Cristianismo: a Igreja é uma família espiritual, que vem mantendo a verdadeira doutrina, Sacramentos, e sucessão não-quebrada da graça, transferida de bispo para bispo desde a era Apostólica (sucessão Apostólica). Os sucessores dos Apóstolos nunca tiveram dúvidas sobre a Igreja ser absolutamente necessária para a salvação. Ela proclama e mantém o puro ensinamento de Cristo, ela santifica os fiéis e os conduz à salvação. Nós podemos usar as imagens das Escrituras e dizer que, nos primeiros séculos do Cristianismo, a Igreja foi vista como um aprisco cercado onde o Bom Pastor, Cristo, guarda suas ovelhas do lobo, o demônio. A Igreja foi comparada a uma vinha, na qual os fiéis, como galhos, da mesma raiz, recebem poderes espirituais para a vida Cristã e boas obras. A Igreja também foi vista como o Corpo de Cristo, no qual todo fiel é um membro que tem algum serviço para fazer, necessário para o todo. A Igreja também foi apresentada como a Arca de Noé a bordo da qual os fiéis cruzam o mar sempre tempestuoso da vida e alcançam a praia do Reino do Céu. A Igreja foi comparada a uma alta montanha, elevada acima das ilusões humanas e conduzindo os viajantes para o Céu, e para a comunhão com Deus, anjos e santos.

Nos primeiros séculos do Cristianismo, acreditar em Cristo foi acreditar que o que Ele tinha feito na terra, e os meios que Ele tinha dado para os fiéis para a salvação, não poderiam ser perdidos para os esforços dos inimigos da Igreja. Os profetas do Velho Testamento, o Senhor Jesus Cristo e os Apóstolos tinham definitivamente ensinado que a Igreja iria existir até os últimos tempos do mundo: "Mas, nos dias destes reis (pagãos), o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído; e este reino não passará a outro povo: esmiuçará e consumirá todos estes reinos, e será estabelecido para sempre. — predisse um Anjo para o profeta Daniel (Dan. 2:44). O Senhor fez uma promessa para o Apóstolo Pedro "e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt. 16:18).

Desta forma, basta que acreditemos na promessa do Salvador, para reconhecermos que Sua Igreja existe em nosso tempo e até o final do mundo. Nós ainda não indicamos onde ela está, mas colocamos uma questão principal: ela deve existir na sua santa e indivisível totalidade e real essência. Fraturada, prejudicada, evaporada, ela não é a Igreja.

Então, onde está ela? Quais são as marcas que ajudam a encontrá-la entre os muitos "ramos" Cristãos modernos?

Primeiro, a verdadeira Igreja deve manter a Doutrina Cristã, proclamada pelos Apóstolos, intacta e em sua pureza. O Filho de Deus veio ao mundo com o objetivo de trazer a verdade para as pessoas, como Ele disse antes do Seu sofrimento na Cruz, "Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz" (Jo. 18: 37). O Apóstolo Paulo, instruindo seu discípulo Timóteo em como preencher seu oficio de bispo, concluiu, "Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a firmeza do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade" (I Tm. 3:15).

É triste reconhecer significativas divergências em assuntos doutrinais entre os Cristãos modernos. Em principio nós temos que concordar que todos os ensinamentos não podem estar corretos. Se uma igreja ensina que, digamos, a Eucaristia é a carne e o sangue de Cristo, e a outra diz que não é assim, não pode ser que ambas estejam corretas. Se uma igreja acredita nos poderes espirituais do sinal da cruz, e a outra rejeita este poder, então, obviamente, uma das duas está em erro. A Igreja Verdadeira é aquela que não tem desvios doutrinais em relação à Igreja dos primeiros séculos do Cristianismo. Se compararmos imparcialmente os ensinamentos das igrejas Cristãs modernas, então (como veremos adiante) ele ou ela terá que concluir que somente a Igreja ortodoxa mantém intacta a fé da antiga Igreja dos Apóstolos.

Outra indicação da verdadeira Igreja é a graça e poder de Deus com os quais a Igreja santifica e reforça os fiéis. Apesar da graça ser invisível, existe uma condição visível que nos permite julgar se a graça está presente ou não: a sucessão apostólica. Desde a era apostólica a graça era dada para os fiéis através do Sacramento do Batismo, Comunhão, imposição de mãos (Crisma ou Querotonia, ou ordenação) e outros mistérios. Primeiro estes sacramentos eram realizados pelos Apóstolos (At. 8:14-17), e depois por bispos e presbíteros. Os presbíteros diferem dos bispos no que eles não têm o direito de ordenar. O direito de realizar estes Sacramentos poderia ser conferido exclusivamente na forma de sucessão: os Apóstolos ordenaram bispos, e ordenar outros bispos, padres ou diáconos, era permitido só a eles. A sucessão apostólica é similar ao santo fogo que acende muitas velas de uma. Tivesse o fogo morrido e a corrente da sucessão apostólica descontinuado, e não haveria mais o sacerdócio e os Sacramentos, e os meios de santificação dos fiéis estariam perdidos. Por isso, a continuidade da sucessão apostólica tem sido completamente observada desde o tempo dos Apóstolos: que um bispo seja ordenado somente por bispos genuínos e legítimos, com suas ordenações rastreadas até os Apóstolos. Se bispos caíssem em heresia ou levassem uma vida imoral, eles eram depostos e perdiam o direito de realizar sacramentos ou ordenar sucessores.

Hoje em dia existem muito poucas igrejas que possuem indiscutível sucessão apostólica: a Igreja ortodoxa, a Igreja Católica Romana e algumas não-ortodoxas igrejas orientais (que romperam com a pureza da doutrina Apostólica ainda nos tempos dos Concílios Ecumênicos). Denominações Cristãs, que principalmente negam a necessidade do sacerdócio e da sucessão apostólica, são significativamente diferentes da Igreja Primitiva devido a isto, e não podem ser verdadeiras.

Uma pessoa sensível espiritualmente não necessitará de nenhuma evidência externa das ações da graça de Deus quando ele ou ela sentir vividamente o seu calor e sopro pacificador nos sacramentos da Igreja ortodoxa. Um Cristão deveria distinguir entre a graça de Deus e o baixo nível, êxtase não-saudável dos sectários, como os Pentecostalistas, induzidos artificialmente durante seus encontros de oração. Indicações da graça genuína são paz da alma, amor por Deus e pelos próximos, gentileza, brandura, humildade e outras qualidades que tais, enumeradas por São Paulo em sua Epístola aos Gálatas (5:22-26).

Mais uma indicação da verdadeira Igreja é o seu sofrimento. Pode ser difícil para as pessoas reconhecer que Igreja é a verdadeira, mas o inimigo dela, o demônio compreende muito bem. Ele odeia a Igreja e tenta extingui-la. Quando estudamos a historia da Igreja nós vemos que ela é escrita com o sangue e lágrimas de seus mártires. Sumos sacerdotes e escribas judeus deram inicio à perseguições já no tempo dos Apóstolos. Então se seguiram três séculos de perseguições no Império Romano, forçadas pelos Imperadores romanos e por dirigentes regionais. Do segundo ao nono séculos, dirigentes persas, de tempos em tempos, perseguiram severamente os Cristãos. Em meados do século sete os árabes maometanos levantaram a espada contra a Igreja, seguidos pelos Cruzados vindos do Ocidente. Eles minaram tanto os poderes físicos de Bizâncio, que esta fortaleza da Fé Ortodoxa não suportou os turcos que fluíram nos séculos quatorze e quinze. E nos últimos tempos, os combatentes-contra-Deus comunistas, com toda brutalidade exterminaram mais Cristãos que seus predecessores, todos juntos, mataram. E aqui está a maravilha: o sangue dos mártires tornou-se a semente de novos Cristãos, e, como Cristo prometeu, as portas do inferno não prevaleceram contra a Igreja.

Finalmente, a investigação histórica provê um meio correto e relativamente fácil de se encontrar a Igreja de Cristo. A Verdadeira Igreja tem que ter uma sucessão contínua desde a era apostólica. O principio de investigação histórica não requer verificação dos detalhes do desenvolvimento e espalhamento do Cristianismo. Basta verificar quando esta ou aquela Igreja veio a existir. Se ela veio, digamos, no século dezesseis ou em qualquer outro século que não tenha sido na época dos Apóstolos, então esta igreja não pode ser genuína. Este principio é suficiente para denunciar as reivindicações de todas as denominações, inclusive as que vem de Lutero e seus advogados: nem Luteranos, nem Calvinistas, Presbiterianos, Mórmons, Batistas, Adventistas, Testemunhas de Jeová, Pentecostalistas e outras denominações similares, algumas aparecidas até depois, podem ser a Igreja de Cristo. Estas denominações não foram estabelecidas por Cristo e Seus Apóstolos, mas por falsos profetas—Lutero, Calvino, Henry, Smith e tantos outros inovadores.

 

A Igreja Ortodoxa.

A história do Cristianismo mostra que o estabelecimento da Igreja Ortodoxa ocorreu na época dos Apóstolos. A Igreja que foi inicialmente pequena, como uma semente de mostarda, de acordo com a expressão do Salvador, eventualmente cresceu como uma grande árvore, e seus ramos encheram o mundo (Mt. 13:31-32). Ainda no final do primeiro século, eram encontradas comunidades Cristãs em praticamente todas as cidades e vilas do Império Romano: na Terra Santa, Síria, Armênia, Ásia Menor, Hellas (antiga Grécia), Macedônia, Itália, Gália, Egito e África do Norte, Espanha e Britânia; e também além dos limites do Império: nas distantes Arábia, Índia e Citia. No fim do primeiro século, comunidades Cristãs de todas cidades mais ou menos importantes eram encabeçadas por bispos que eram os portadores da plenitude da graça apostólica. Bispos tinham autoridade sobre as comunidades das vizinhanças de menor importância. No século dois bispos das principais cidades (regionais) do Império Romano começaram a serem chamados de metropolitas, e suas metrópoles cobriam as sés dos bispos da proximidade. Os metropolitas eram obrigados a reunir regularmente os bispos em concílios para resolver assuntos correntes de religião e administração.

À parte das cidades principais, existiram dioceses imperiais no Império Romano. Estes centros mais importantes da administração do estado se tornaram o ponto-de-partida de áreas mais abrangentes da administração da Igreja, que posteriormente foram chamados de Patriarcados. O Quarto Concílio Ecumênico reunido em Calcedônia em 451 definiu os limites dos cinco Patriarcados: os de Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém (este com pequeno território no concernente à administração, mas tendo grande significado religioso).

Com o passar do tempo, os territórios dos Patriarcados cresceram ou encolheram por conta de diferentes eventos históricos. Sérias modificações ocorreram devido às invasões das tribos germânicas na Europa (fim do século quarto), opressão pelos persas e invasão pelos árabes nos distritos orientais do Império Bizantino (meados do século sete). Em meados do século nono ouve um movimento pela adoção da fé Cristã entre os povos eslavos. Os irmãos de Tessalônica, Santos Cirilo e Metódio trabalharam muito pela iluminação dos búlgaros e moravios. Da Bulgária a fé Cristã se espalhou pela Sérvia. Um grande mérito dos Santos Cirilo e Metódio é que eles criaram o alfabeto eslavônico e traduziram livros selecionados das Escrituras e divinos serviços da língua grega para o eslavônico. Seu trabalho preparou o terreno para o espalhamento do Cristianismo na Rússia.

Apesar de comunidades Cristãs existirem tão cedo quanto o fim do século primeiro nas praias do norte do Mar Negro, a conversão maciça ao Cristianismo das tribos eslavas, que habitavam a Rússia, começou somente no tempo Cristianizador da Rússia em 988, quando o Grande Príncipe Vladimir teve a população inteira de Kiev batizada no Rio Dnieper (ver folheto sobre São Vladimir e o Milênio do Cristianismo Russo). De Kiev a fé Ortodoxa se espalhou para outras partes da Rússia. Dos dados estatísticos que se seguem é possível julgar quão grande era a Rússia Ortodoxa antes da Revolução: existiam 1098 mosteiros na Rússia com o total de mais de 90.000 monges. À parte o Patriarcado de Moscou, existiam mais 6 Metropolitas, 136 Bispos, 48.000 padres e diáconos servindo em 60.000 igrejas e capelas. Quatro Academias, 57 seminários e 185 escolas provendo treinamento para o clero. Escrituras, obras teológicas e outras literaturas espirituais eram publicadas em grandes quantidades. Infelizmente, nós não avaliamos a riqueza que nos tínhamos e nos tornamos cativos de idéias ocidentais. A perseguição da Igreja por ateístas pós 1918, a exterminação de clero e fiéis e a destruição de templos, só podem ser explicadas à luz do Apocalipse, que prediz severa perseguição da fé em Cristo antes do fim do mundo.

De meados do século dezoito, através dos esforços de São Herman do Alasca e de outros missionários russos, a Ortodoxia fez seu caminho pelo Alasca, onde alguns poucos aleutas receberam batismo, dando inicio assim a disseminação da fé Ortodoxa na América do Norte. Hoje em dia, cerca de três milhões de Ortodoxos vivem nos Estados Unidos.

A Igreja Ortodoxa presentemente inclui as seguintes igrejas autocéfalas (regionais ou locais): Constantinopla (com várias paróquias na Europa, Américas do Norte e do Sul e Sé Patriarcal em Istambul na Turquia), Alexandria (Egito), Antioquia (com sua capital em Damasco, Síria), Jerusalém, Rússia, Geórgia, Sérvia, Bulgária, Chipre, Grécia, Albânia, Polônia, Checo, Eslováquia, Lituânia e a Igreja Ortodoxa na América. As Igrejas de Sinai, Finlândia e Japão são autônomas. Muitas paróquias Ortodoxas gregas e russas (Igreja Russa no Exterior) foram estabelecidas em quase todas as partes do mundo depois da Primeira e Segunda Guerras Mundiais. O número total de Cristãos Ortodoxos no mundo é de cerca de 160 milhões.

O termo Igreja Ortodoxa veio a uso na época das disputas religiosas dos séculos quarto a sexto, porque houve a necessidade de diferenciar entre a verdadeira Igreja e os grupos heréticos (Arianos, Nestorianos, etc.), que também se chamavam de Cristãos. A palavra Ortodoxo vem do grego оrthо-dоkео, que significa "pensamento correto." Outro termo da Igreja é Católico, que é traduzido do grego como universal, reunião-de-todos, inclusão-de-todos. O significado deste termo é que a Igreja chama todos para a salvação, independente se sua nacionalidade ou status social.

As Igrejas regionais, como a de Jerusalém, Russa, Sérvia e outras, às vezes são encabeçadas por Patriarcas, ou arcebispos, ou metropolitas. Para resolver problemas relativos a certas Igrejas, o cabeça desta igreja reúne uma assembléia (sínodo) de seus bispos. Os problemas que se referem a toda Igreja Ortodoxa, isto é, assuntos de fé (dogmas) ou leis da Igreja (cânones) deveriam ser discutidos em Sínodos Ecumênicos (ou Concílios Universais). Sínodos Ecumênicos são atendidos por bispos de todas as Igrejas Ortodoxas regionais e autônomas. Se necessário, representantes do clero e dos leigos são convidados. Assim, o governo da Igreja Ortodoxa não é nem soberano, nem democrático, mas sinodal.

O ensinamento da Igreja ortodoxa está concisamente formulado no Credo desenvolvido no Primeiro e Segundo Concílios Ecumênicos em 325 e 381 (em Nicéia e Constantinopla). Por sua vez, este Credo foi construído sobre credos mais antigos, originados na época dos Apóstolos. Resumindo a doutrina Ortodoxa, nós acreditamos em Um Só Deus — Pai, Filho e Espírito Santo — Que é a Trindade consubstancial indivisível. O Filho é gerado do Pai antes de todos os séculos. O Espírito Santo procede eternamente de Deus Pai. Nós acreditamos que Um Deus, adorado na Trindade, é eterno, onipotente, onipresente, e que Ele, por Sua vontade, do nada, criou tudo que existe: primeiro o mundo angélico invisível, depois o nosso mundo visível, material. Também Deus criou a nós pessoas, soprando alma imortal em nós, e inscreveu Sua lei moral em nossos corações. Deus nos criou para que nós nos melhoremos e alcancemos a felicidade sem fim em comunhão com Ele. Nós acreditamos que Deus é infinitamente justo e misericordioso. Ele controla todo o universo e a vida de todo ser humano, e nada pode acontecer sem a Sua vontade.

Quando as primeiras pessoas quebraram o comando de Deus, Ele não as rejeitou completamente, mas, através dos profetas, começou a preparar as pessoas para a salvação, e prometeu enviar o Messias, ou Cristo, para elas. Quando o mundo amadureceu o suficiente para aceitar a verdadeira fé, o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo veio para a terra para nos salvar, povo pecador. Ele ensinou como acreditar e como viver justamente. Para nossa salvação Ele morreu na Cruz e limpou nossos pecados com Seu sangue. No terceiro dia Ele ressuscitou dentre os mortos, e lançou o começo da nossa ressurreição e vida eterna no Paraíso. Nós acreditamos que no quinqüagésimo dia depois de Sua Ressurreição, o Senhor Jesus Cristo enviou o Espírito Santo para os Apóstolos, e desde então o Espírito santo tem estado na Igreja, instruindo-a na verdade. Nós acreditamos que a Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica não será superada pelos poderes do maligno até o completo final da existência do mundo. Nós acreditamos que nos Sacramentos do Batismo, Crisma, Confissão, Comunhão e outras ações dos ofícios divinos, o Espírito Santo purifica e santifica os fiéis e dá a eles poderes para viverem vidas Cristãs. Nós acreditamos que o Senhor Jesus Cristo virá de novo para a terra. Este será o tempo da ressurreição dos mortos, e do Juízo mundial e geral, onde cada um receberá de acordo com sua vida. Depois do Juízo, a vida eterna terá inicio: ela será uma bem-aventurança sem fim, em comunhão com Deus, para os justos, e uma tortura sem fim no fogo da Gehena para os malignos e pecadores.

Nós reconhecemos que somente a fé não é suficiente para conformar a vida com a crença. É por isso que nós reconhecemos a necessidade de cumprir os Dez mandamentos, dados por Deus ao profeta Moises (Ex., capítulo 20), e os Comandos Evangélicos, ou bênçãos, dados pelo Senhor Jesus Cristo (Mt. 5:3-12). A essência destes comandos é o amor por Deus e pelo próximo, e até mesmo pelos inimigos (Mt. 5:43-45). Estes comandos de amor colocam a fé Cristã acima de outras religiões no sentido moral, e do ponto-de-vista da razão humana eles podem ser avaliados como o único meio de se estabelecer paz, respeito mútuo e legalidade entre as pessoas. Sem genuíno amor pelo próximo e perdão-geral, guerras e extermínio mútuo serão inevitáveis. O Senhor Jesus Cristo nos ensina a perdoar a todos no Pai Nosso, quando se lê: "Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores" (Mt. 6:12). Em suas parábolas o Senhor nos ensina sobre as virtudes da fé, tolerância, paciência, constância, justiça e outras. Fora-de-série entre outras é a parábola dos talentos, que nos chama a desenvolver todas as habilidades e talentos que o Senhor Deus nos deu. A fé genuína deve inevitavelmente se manifestar no crescimento interno e no fazer-o-bem, porque "a fé sem obras é morta" (Tg. 2:20). Um Cristão não deve ser avarento, isto é, ele deve ser quieto sobre bem-estar material, e não pensar sobre seus caprichos, mas usar seus bens para suas necessidades e para ajudar os outros. Orgulho, oportunismo, arrogância e egoísmo são todas características desagradáveis aos olhos de Deus.

A Igreja Ortodoxa ensina que todos receberam livre arbítrio do Criador, e então, cada um é responsável por seus atos. O Senhor nos ama e Se apieda de nós. Ele nos ajuda em tudo que é bom e especialmente se nós pedirmos isto para Ele. Como Ele prometeu, "Pedi e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á" (Mt. 7:7). Uma oração fervorosa abre a mente, ajuda a superar tentações e a viver de acordo com os mandamentos de Deus. A oração nos ajuda a melhorar nossas capacidade espirituais, o que é o nosso objetivo principal na nossa vida na terra.

Quando um Cristão Ortodoxo sofre de doenças ou adversidades, ele ou ela não deveria resmungar para Deus e se esquecer que Deus permite que nós soframos, e que é para o nosso próprio benefício espiritual, para a purificação dos pecados e pelo reforço da nossa vontade de fazer o bem. Nos momentos difíceis de nossa vida nós devemos orar para o nosso Pai Celestial, "seja feita a Tua vontade, assim na terra como nos céus."

Nós, os Ortodoxos honramos os santos: a Santa Virgem Maria, profetas, Apóstolos, mártires, reverendos (monásticos) e outras santas pessoas que agradaram a Deus. Muitos santos não quebraram a sua comunhão conosco depois da morte, mas passaram para a parte celestial da Igreja, chamada de Igreja Triunfante. No Trono de Deus eles oram por nós, como por seus irmãos menores e nos ajudam a adquirir o Reino de Deus. Para nós russos é muito preciosa a memória da Santa Princesa Olga e do Príncipe Vladimir, dos santos Boris e Gleb, dos Reverendos Sérgio de Radonezh, Antonio e Teodósio de Pechersk, Serafim de Sarov, São João de Kronstadt e outros, inclusive dos recentemente glorificados Novos Mártires da Rússia.

Os divinos ofícios da Igreja ortodoxa seguem a ordem estabelecida há séculos. E o principal ato de veneração é a Liturgia (oficio de comunhão). A parte essencial da Liturgia é a Eucaristia, quando os fiéis recebem a própria Carne e Sangue de Cristo sob a forma de pão e vinho, e misteriosamente tem comunhão com Ele, como disse o Senhor, "Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia" (Jo. 6:54). Antes da Comunhão os fiéis confessam seus pecados.

Para ajudar os Cristãos a superar suas imperfeições, dias de jejum foram estabelecidos. Desde a época apostólica tem sido tradicional jejuar às quartas e sextas-feiras (como comemoração dos sofrimentos de nosso Salvador), e manter o jejum durante as quaresmas, especialmente durante a Grande Quaresma que antecede a Páscoa. Nos dias de jejum não é permitido comer produtos de origem animal e ter entretenimento, e deve-se orar mais e se ler mais literatura religiosa. A fé Ortodoxa chama por prover a família, cuidar dos idosos, doentes e pobres, e não recriminar ninguém: "Não julgueis, para que não sejais julgados" (Mt 7:1). O propósito de nossa vida é a contínua melhora moral: "Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Que está nos céus" (Mt. 5:48).

 

Porque Precisamos da Igreja?

Muitas verdades que formam a base da fé Cristã são incompreensíveis para a consciência humana. Quando a mente humana, orgulhosa mas limitada, tenta lidar com elas no plano de suas próprias noções, ela então distorce estas verdades reveladas-por-Deus, e aparece a heresia. Foi assim que a verdade sobre a Santíssima Trindade foi distorcida nos primeiros séculos do Cristianismo, e a doutrina do Salvador foi distorcida do terceiro ao sétimo século. A doutrina da Igreja está sendo distorcida até hoje.

"Basta acreditar e estará salvo!" — este é o lema das denominações Cristãs baseadas no Protestantismo. Mas nosso Senhor Jesus Cristo e Seus discípulos, os santos Apóstolos ensinaram que a salvação é um processo de renovação espiritual, onde a fé é somente o primeiro passo. A Sagrada Escritura trata do ensinamento sobre a salvação em uma conexão próxima, orgânica com o ensinamento sobre a Igreja, o Reino de Deus entre as pessoas, e é impossível separar uma coisa da outra. Esta é a razão pela qual as modernas concepções erradas sobre Igreja são, em sua essência, mal-entendidos sobre a doutrina Cristã da salvação do homem.

As modernas concepções erradas sobre a Igreja podem ser divididas em dois grupos. O primeiro grupo inclui os Cristãos que acham que a Igreja não é necessária para a salvação, que o homem é salvo só pela fé, com absolutamente nenhuma consideração pela igreja. Deste entendimento surge a doutrina da "igreja invisível," popular entre sectários. Ela diz que todos os que crêem, independente de suas confissões, são membros de uma igreja invisível. Por certo, se a igreja é invisível, e assim insensível e inativa, ela não pode ser um meio de salvação, e então ela é simplesmente o resultado da existência de fiéis. O segundo grupo inclui aqueles Cristãos que concordariam que a Igreja pode ser útil, mas, falhando em compreender sua natureza, eles acreditam que a igreja pode ser criada através de esforços, conspiração e compromissos humanos. Este grupo cobre os campeões do assim chamado movimento ecumenista. Ambos os grupos partilham da negativa da existência da verdadeira Igreja visível, apesar das claras palavras do Salvador, "... edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;" (Mt. 16:18).

Porque as opiniões erradas sobre a Igreja estão tão espalhadas, nós os Cristãos Ortodoxos devemos estabelecer em nossas mentes o correto entendimento da Igreja, sua significação e necessidade para a salvação de nossas almas.

O maligno, assim como o pecado é um poder desintegrador, destrutivo, embora neste mundo ele possa combater Deus em fileiras cerradas. Como oposta ao maligno, a Igreja é uma realização milagrosa da multi-unidade, na qual coisas Divinas, Espirituais e Celestes se juntam com coisas humanas, materiais e mundanas.

Unidade é a principal característica da Igreja. Ela é organicamente unida per si, apesar dela compreender muitas igrejas locais e incluir aspectos celestes e mundanos. Ela também é unida do exterior, e não há par para ela entre as confissões heterodoxas. Falando-se imaginativamente, ela é um vinhedo, um campo, uma árvore, um vinhedo, uma montanha, um edifício, um rebanho, uma família, um corpo. Jesus Cristo deu para a Igreja um ensinamento, um Batismo, uma Comunhão. A Igreja vive e é santificada por um Espírito de Deus, ela tem uma Cabeça, Cristo. A unidade da Igreja foi o assunto da oração do Sumo-Sacerdote, o nosso Salvador: "Para que todos sejam um, como Tu, ó Pai, o és em Mim, e Eu em Ti; que também eles sejam um em nós" (Jo. 17: 21).

Esta unidade da Igreja é a reprodução da tri-unidade de Pessoas na Santíssima Trindade e forma a Sua misteriosa natureza. Eis porque, quando falando sobre a Igreja, o Senhor Jesus Cristo freqüentemente usou parábolas, deu exemplos descritivos, para revelar gradualmente os diversos aspectos dela, e as propriedades desta miraculosa unidade em vários planos. Usaremos estas imagens do Evangelho para a discussão da natureza da Igreja.

A Igreja de Cristo embora exista neste mundo que está no maligno, não tem nada em comum com ele. Ela tem sua cerca, seus limites, que separam as ovelhas de Cristo das ovelhas mau-humoradas e dos lobos. Isto é contado na parábola do Bom Pastor.

"Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz; mas de modo algum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos... Eu sou a porta; se alguém entrar por Mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens... Assim como o Pai Me conhece a Mim, também Eu conheço o Pai, e dou a Minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também Me convém agregar estas, e elas ouvirão a Minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor" (Jo. 10:1-5, 9, 15, 16). Clareza do ensinamento Apostólico, legislação, linhagem da Sucessão Apostólica, e a ordem completa da vida da Igreja formam a óbvia cerca separando a Igreja dos vários grupos religiosos.

A porta da parábola é o Sacramento do Batismo, por meio do qual os fiéis tornam-se membros da Igreja. Mas há também uma porta para os pastores, que é a legítima eleição e ordenação. Usurpadores das funções de pastores, que "subiram por outra parte" como é dito na parábola, são ladrões e salteadores. A parábola do Bom Pastor enfatiza a idéia de obediência para as ovelhas e auto-sacrificio para os pastores. Obediência é expressa pela aceitação do ensinamento da Igreja, sem críticas e opiniões particulares, e viver vida Cristã sob a condução de bons pastores.

O pecado dos sectários é, antes de tudo, a sua desobediência à Igreja, sua insubordinação e amotinação. Protestantismo é um termo genérico muito característico para estes sectários.

A parábola da videira abre a misteriosa comunhão dos fiéis com o Senhor Jesus Cristo, a Fonte de dons da graça e de renovação espiritual.

"Eu sou a videira verdadeira, e Meu Pai é o lavrador... Estai em Mim, e Eu em vós: como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em Mim. Eu sou a videira, vós as varas: quem está em Mim, e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer" (Jo. 15:1, 4, 5).

Qualquer um que arrogantemente se aliena da Igreja, se torna similar a um ramo cortado: não só ele permanece sem fruto, como também, indubitavelmente, irá secar. A consciência da unidade com Cristo no Sacramento da Comunhão deveria nos encher com o sentido de completa gratidão. Nós obtemos nossas melhores intenções e poderes Dele. Ele é a fonte de nossa vida espiritual!

 

Pastores e Doutores.

"E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef. 4:11-12).

"O Prado espiritual" é um livro que conta a história de um velho que vivia uma vida muito justa. Quando ele oferecia Liturgias, ele via anjos que ficavam na Mesa do Altar. Sendo ele de pouco conhecimento dogmático, este homem adotou a ordem de veneração dos heréticos e, em toda simplicidade e com boas intenções, durante os ofícios divinos ele repetia, que lhe haviam ensinado. Por Divina Providência, certa vez um diácono o visitou, e este conhecia a ordem correta de veneração. Ele notou o erro nas palavras do ancião e o corrigiu. O velho não acreditou no diácono e perguntou ao anjo, que estava na Mesa do Altar, qual era o jeito correto de dizer a oração. O anjo respondeu: "Tu deves ouvir a ele, ele diz a coisa correta." "Mas porque, então, não me corrigiste antes, nas vezes que orei errado?" O velho perguntou ao anjo. O anjo respondeu, "Deus fez com que pessoas corrigissem os erros de outras pessoas." Depois disto o velho rezou corretamente, e ficou grato a Deus e ao diácono.

Esta antiga história moralista ilustra um elemento importante da salvação: o plano de Deus é que as pessoas devem se ajudar umas às outras a fazer o bem!

Se nós olharmos para a organização do mundo e da vida humana, então nós veremos que o principio estabelecido por Deus de ajuda mútua, assistência e cooperação sublinha tudo. Cada coisa e cada ser vivo tem o seu propósito próprio, e uma criatura precisa da outra. Por exemplo, plantas são alimentos para os homens e animais, e também produzem oxigênio que é necessário para a respiração. Por sua vez, as plantas precisam de dióxido de carbono, exalado pelos animais, e de insetos para sua reprodução. Germes que habitam o estomago e intestinos dos animais, são nutridos com substâncias que os animais comem, e ao mesmo tempo eles facilitam a digestão e nutrição dos animais. As funções de macho e fêmea se somam umas às outras no processo de concepção e desenvolvimento de novas gerações. Com freqüência, na natureza, a morte de algumas criaturas é condição necessária para a existência de outras.

A necessidade de ajuda mútua é ainda mais evidente na vida da sociedade humana. Quando o homem vem para o mundo, ele é indefeso. Sua vida, crescimento, nutrição e desenvolvimento são completamente dependentes de seus pais. Hereditariedade, sucessão e comunicação formam as bases da cultura e progresso. Chegando na idade escolar, o homem apreende ciências e artes, o resultado do esforço e estudos de muitas gerações de cientistas, poetas e autores. A vida moderna toda com suas tecnologias e tremendas conquistas em medicina, ciência e artes é o fruto trazido por prévias gerações. É assim que o homem faz uso, constantemente, das conquistas daqueles que se foram há muito tempo. Ele não pode existir em um vácuo, separada e independentemente de outras pessoas. Até mesmo o Cristianismo necessitou do trabalho preparatório do período do Velho Testamento, precisou de suas Leis, seus Profetas, e da experiência espiritual das pessoas justas do Velho Testamento.

Em resumo, onde quer que se olhe na vida física animal ou humana, nós veremos uma universal e inquebrável lei de cooperação e interação por toda a parte. Sem esta lei, o progresso e a própria vida seriam impossíveis. Como interação e cooperação são tão inevitáveis na rotina diária, elas são ainda mais desejáveis na nossa vida espiritual, para o sucesso em virtudes. Foi para isto que Deus "deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos,(isto é, para o progresso espiritual dos Cristãos), para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo; Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Ef. 4:11-13). Não é o objetivo de nossa vida movermos mecanicamente a alma para o Paraíso; o objetivo principal é interior, renovação espiritual. Por sua vez, isto requer conhecimento, experiência, orientação, assistência, purificação e santificação. E para isto a Igreja é necessária, como a aliança espiritual dos fiéis.

O Santo Apóstolo Paulo que incitava os Cristãos a se ajudarem uns aos outros em virtudes com freqüência toma este pensamento. Ele toma o corpo humano, no qual cada parte tem sua função, e ensina:

Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo assim é Cristo também. Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito. Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será, por isso do corpo? Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Agora pois há muitos membros, mas um corpo. E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti: nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós. Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários. E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra. Porque os que em nós são mais honestos não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela; Para que não haja. divisão no corpo, mas antes tenham, os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado todos os membros se regozijam com ele. Ora vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular. E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas. Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? São todos operadores de milagres; Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas? Interpretam todos? (I Co. 12:12-30).

O pensamento chave dos Apóstolos é que dentro da Igreja todo membro, mesmo que aparentemente desimportante, ainda é necessário para o bem comum. Uma família Cristã, a "igreja doméstica," forma a primeira célula da Igreja universal. Os pais e os mais velhos cuidam dos menores e os guiam no bom caminho. Cuidando dos menores e dando assim um bom exemplo, os mais velhos ao mesmo tempo se aperfeiçoam nas virtudes. Num nível mais alto, famílias e membros da comunidade Cristã se tornam unidos em sua igreja paroquial. A reunião para oração comum, tomar parte na veneração, receber a Comunhão dos Santos Dons, partilhar de experiências espirituais. Aqui, através da vontade de Deus, os esforços e veneração e orientação estão atribuídos para os pastores, os presbíteros, que são responsáveis perante Deus por cada "ovelha." Num nível mais alto, as comunidades Cristãs se reúnem em dioceses e igrejas locais, onde bispos, "estes anjos da Igreja" (Apoc. 2:1), conduzem a vida espiritual dos Cristãos e cuidam da pureza da fé Cristã. Finalmente, as igrejas locais juntas com a Igreja Celestial formam o Corpo Uno de Cristo, doado com vida pelo Espírito Santo.

Numa família normal e saudável não deveria haver conflitos entre pais e filhos, entre os mais velhos e os mais novos; assim, também na Igreja, os ministros podem ser diferentes, mas todos eles são necessários para o bem comum. "Aos presbíteros que estão entre vós admoesto eu," escreve São Pedro, "... Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente: nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho.... Semelhantemente vós mancebos sede sujeitos aos anciãos" (I Pe. 5:1-5a).

Nós os Cristãos Ortodoxos devemos valorizar o nosso pertencer à Igreja. Ela é nosso tesouro espiritual, nossa guia nos assuntos de fé e vida, nossa purificação, santificação, fonte de poder moral e de alegria. Nós deveríamos tentar nos transformar em ramos vivos, verdes, do vinhedo de Cristo — partindo dos ramos secos e escassos de fruto que nós somos!

 

As Duas Esferas.

"Pai Nosso Que estás nos Céus...."

Quando as pessoas falam sobre a Igreja, elas geralmente pensam no seu aspecto secular, a Igreja Militante. Em vários países, e através da sua história, esta Igreja teve períodos de tranqüilidade e prosperidade, e períodos de perseguição e humilhação. Em tempos de provas difíceis, pessoas que estão assentadas nela começam a sentir medo pelo destino dela, e começam a perguntar se chegou o fim de sua existência e se o mundo atingiu seus últimos dias.

Nos tempos difíceis para a Igreja, é confortador levantar nossos olhos espirituais para o alto, e orar ao Senhor, Pai Nosso Que estas nos Céus..." Através desta devoção, nós entramos no misterioso companheirismo com o Deus Onipotente e com o mundo espiritual, e a existência da nossa Igreja em sua glória de fora deste mundo torna-se revelada para nossa visão. Então nós começamos a compreender e sentir claramente que a comunidade à qual nós pertencemos é de fato muito maior e mais forte do que ela parecia. Partes desta comunidade são a Santíssima Virgem Maria, os Apóstolos, profetas mártires, monges santos, loucos-em-Cristo, santos, inumeráveis justos de todos os tempos e nações, e finalmente, o infinito oceano de do mundo angélico, com sua glória e poder acima da compreensão. E esta grande multidão é conduzida pelo Chefe de nossa salvação, o Vitorioso sobre o maligno e Conquistador da morte, nosso Senhor Jesus Cristo!

O Santo Apóstolo Paulo confortou seus compatriotas, Cristãos judeus perseguidos pelos judeus incrédulos, lembrando-os sobre a glória genuína da Igreja celestre-terrestre, "Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos molhares de anjos; à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e ao espírito dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador duma Nova Aliança..." (Hb. 12:22-24a). E ainda em outro lugar, ele comparou a Igreja a um grande prédio e inspirou os fiéis com as seguintes palavras, "Assim que já não sois estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos Santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; na qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor" (Ef. 2:19-21).

Em relação a universal Igreja celeste-terrestre, nossas Igrejas locais, nacionais são somente pequenas células, como se fossem pedras na encosta de uma grande montanha, ou cabanas nos subúrbios de uma grande cidade; e as paróquias às quais pertencemos são simplesmente microscópicas.

Mas a aparente escassez e mesmo mediocridade não significa que nós fomos esquecidos pelos nossos glorificados irmãos e largados para os servos do príncipe das trevas. Pelo contrário, mais poderosos são os ataques das forças inimigas, mais próxima de nós é a ajuda da Igreja inteira. Se nós não permitimos que uma ameaça fira nosso pequeno irmão diante de nossos olhos, então, muito mais os santos, que atingiram a perfeição em caridade, e que estão sempre prontos para virem em nosso resgate. E de acordo com as palavras do Salvador, "... haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento" (Lc. 15:7).

Nosso mundo é como um campo de batalha, e talvez esteja no centro no qual Deus e Satan lutam por todos e cada um dos seres humanos. Na verdade, a fronteira desta guerra está muito além dos limites do nosso universo, e a Igreja Celeste toma ações vigorosas na luta contra o dragão e seus servos. Nós somos capazes de observar somente uma porção menor desta árdua, tensa guerra espiritual.

Para ver esta batalha em maior escala, ela deveria ser olhada através dos olhos do Santo Visionário, o Apóstolo João o Teólogo, o escritor do Livro do Apocalipse.

 

A Igreja Militante.

"Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef. 6:12).

O demônio odeia os bons e os persegue tentando torná-los livres do seu poder. Deus permite que o demônio tente as pessoas para o próprio benefício delas, pois a luta contra as tentações ajuda o homem a melhorar e a se reforçar espiritualmente. Um pensador antigo estava certo ao dizer: "Sem o demônio e as tentações, não haveriam santos."

Apesar do demônio, por malicia, com freqüência armar perseguições físicas para os fiéis, precisa ser lembrado que ele pode dominar e arruinar um homem somente através do pecado! Malvado e experimentado psicólogo, o demônio ajusta astuciosamente suas táticas de tentações à fraqueza individual do homem que ele quer inclinar para o pecado. Assim ele tenta pessoas lascivas principalmente com pecados carnais; pessoas ligadas a bens materiais — com amor pelo dinheiro; pessoas convencidas e vaidosas — com orgulho; pessoa pusilânimes e covardes — com medo de perseguições, e assim por diante. Quando o demônio consegue inclinar um homem ao pecado, então ele vence; quando o homem rejeita as tentações, então o homem é o vitorioso. Nossa vida inteira é tecida de vitórias e derrotas episódicas. O resultado final será verificado no fim da nossa vida.

As páginas da Santa Escritura, histórias seculares e de igreja, vidas de santos e de vidas comuns contêm, em bilhões de variações, reflexos dos detalhes visíveis da guerra espiritual entre o demônio e o homem. A este respeito, o mais expressivo e brilhante exemplo de escritos, descrevendo esta guerra, é o Livro do Apocalipse ou Revelação. Este livro foi escrito pelo Santo Evangelista João o Teólogo, na ilha de Patmos durante o seu exílio sob o Imperador Romano Domiciano. O livro é particularmente caro por descrever a luta espiritual entre os poderes do bem e do mal em sua máxima plenitude e compreensibilidade, e graças a ele uma pessoa fiel pode ver que lê ou ela luta com o demônio não sozinha, mas com a ajuda de Deus e da Igreja Celeste inteira. Este livro é particularmente valioso por revelar os resultados extremos da guerra em que, queiramos ou não, estamos todos envolvidos; a derrota final do demônio, sua punição e punição de todos os exércitos do demônio, e recompensa eterna para todos os que brigaram com ele e não se entregaram. O que pode ser mais confortador do que saber que o bem e a vida serão vitoriosos depois de tudo!

Antes de descrevermos alguns episódios dessa guerra, descritos no livro do Apocalipse, nós deveríamos dizer alguma coisa sobre o livro em si. Dentre os livros da Sagrada Escritura, o Apocalipse é o mais complicado para compreensão. É assim porque o livro é escrito na linguagem de símbolos e similaridades. Ele não descreve eventos diretamente, mas o faz através de imagens pitorescas. O livro não foi escrito assim para fazê-lo difícil de ser compreendido; seu objetivo foi demonstrar o cerne espiritual da história humana inteira, resumir as causas originais de todos os desastres acontecidos em qualquer tempo para a humanidade, e descrever vividamente a abominação do pecado e a beleza da justiça.

Por isso o Apocalipse tem duas características particulares: 1) combinação de eventos homogêneos em uma visão, e 2) descrição repetitiva de eventos complicados partindo de várias perspectivas. Normalmente é ensinado que o Livro do Apocalipse somente prediz o que irá acontecer nos últimos dias do anticristo e no final do mundo. Na realidade, o livro inclui a história da humanidade, e a história da Igreja em sua totalidade. O final do mundo e o julgamento são descritos simplesmente como o término natural dos eventos passados. Eis porque o visionário forma uma única descrição apocalíptica para vários eventos, que podem estar separados por um espaço de séculos, mas que são muito próximos em sua essência. Por exemplo, combinadas em uma visão estão perseguições de Cristãos por Imperadores romanos nos primeiros séculos desta era, massacres de Cristãos pelos árabes do 7° ao 9° séculos e pelos turcos do 14° ao 18° séculos, perseguições de fiéis pelos ateístas em paises comunistas em nossos dias, e finalmente, perseguições sob o anticristo antes do final do mundo. Em outras palavras, uma única visão juntaria elementos de várias épocas históricas: Antióquio Epifânio, Nero e Deocleciano, Khozroi e Omar, Mohamed II e Murad III, Stalin, anticristo e outros semelhantes — todos estariam fundidos na imagem da assustadora besta de muitas cabeças. O valor de tal combinação de fatos em uma única visão é que ela permite mostrar a essência dos eventos; enquanto de uma descrição precisa de cada caso separado, nós receberíamos somente uma lista de detalhes superficiais mas não seríamos capazes de capturar a essência .

Combinações similares de diferentes episódios históricos em uma mesma visão podem ser encontradas em outros lugares da Sagrada Escritura. Num instante, na conversação Dele sobre o final do mundo, nosso Salvador sobrepõe este evento à devastação de Jerusalém sob Tito em 70 a.D. Ele fez isto porque o primeiro prognosticou o segundo.

Outro exemplo de tal combinação de eventos em uma única imagem é encontrado na descrição da visão da Mulher no capítulo 12 do Livro do Apocalipse.

"E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. Estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. E deu à luz um filho, um varão que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono. E a mulher fugiu para o deserto, onde tinha lugar preparado por Deus para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias. E houve batalha no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhava o dragão e os seus anjos; Mas não prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora chegada está a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite. E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte. Pelo que alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que tem pouco tempo. E, quando o dragão viu que fora lançado na terra perseguiu a mulher que dera à luz o varão. E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos e metade de um tempo, fora da vista da serpente. E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar. E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a sua boca e tragou o rio que o dragão lançara da sua boca. E o dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo." (Apocalipse 12:1-17).

A Mulher vestida de Sol é a Igreja. A lua, estrelas e o sol que a decoram simbolizam Sua beleza e glória espiritual. Trabalhos e dores de parto representam a austeridade dos Cristãos em seu caminho para seu renascimento espiritual. O dragão vermelho é o diabo com seus servos. Por certo, alguns detalhes desta descrição não estão claros para nós. Mas o sentido e o resultado da guerra espiritual estão óbvios. O dragão provou ser impotente para ferir a Mulher e destruir suas crianças. As duas asas da Mulher podem ser entendidas como jejum e oração, que espiritualmente enriquecem um homem e o levam para mais perto de Deus. A água como um rio que o dragão jogou atrás da Mulher pode ser vista como as tentações. E as tentações do dragão foram engolidas pela terra, que alguns Padres da Igreja entendem como humildade, porque nenhuma tentação pode atrair um homem humilde, comprometido com e completamente obediente a Deus. É digno de nota que os fiéis não sofram danos pelo dragão e que até mesmo o superem pelo sangue do Cordeiro, por receberem o Corpo e o Sangue de Cristo. O vôo para o deserto pode ser entendido tanto literal como figurativamente — quando os fiéis voluntária e completamente se separam completamente da sociedade pecaminosa e das vaidades dela, para submergirem inteiramente na vida espiritual. A menção ao arcanjo Miguel e outras hostes celestes que fazem o dragão cair, está obviamente relacionada com o tempo precedente à criação do nosso universo tangível, quando os anjos que foram fiéis a Deus, expeliram Lúcifer e seus anjos rebeldes do Paraíso. (Foi a primeira revolução).

Assim não há dúvida que a visão da Mulher é uma combinação de eventos de diferentes épocas. Ela também contém elementos da vida da Santa Virgem: nascimento de Cristo (o Primogênito da Igreja), e a fuga para o Egito, — e perseguições dos Cristãos em vários períodos. Nos capítulos 19 e 20 do Apocalipse, o Apóstolo João descreve a derrota conclusiva do anticristo, falso profeta e do antigo dragão, que serão jogados no lago de fogo — o lugar da tortura-sem-fim deles.

 

Um Cristão:

Guerreiro de Cristo.

"Ao que vencer lhe concederei que se assente Comigo no Meu trono; assim como Eu venci, e Me assentei com Meu Pai no Seu trono" (Apoc. 3:21).

A Sagrada Escritura interpreta as provas e sofrimentos da vida como uma oportunidade para se fazer esforço para se adquirir a suprema recompensa no Céu. Por exemplo, na Epístola do Apóstolo Pedro nós lemos, "Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo: para que também na revelação de Sua glória vos regozijeis e alegreis" (I Pe. 4:12).

Os feitos e sofrimentos dos justos podem ser voluntários ou involuntários. Feitos voluntários incluem orações fervorosas, jejum, pobreza voluntária, abstinência de casamento, pensamento em Deus, e várias obras de caridade, que conduzem à purificação do coração e ganham a graça de Deus. Desde os tempos antigos, pessoas que queriam dedicar suas vidas inteiras a Deus em tais esforços, foram recebedoras de votos monásticos. Este tipo de feito é chamado de reverência (prepodobnyie), e aqueles canonizados por isto são conhecidos como reverendos (prepodobnij). Feitos involuntários podem incluir suportar perseguições, dificuldades, torturas e morte violenta por conta da fé Cristã. Tais feitos são chamados de martírio. Estas duas formas de feitos — martírio e reverência — são rastreadas através da história inteira da Igreja, e cada Cristão realizaria um ou outro na extensão da habilidade e devoção dele ou dela.

No Livro da Revelação nós vemos representantes das duas formas de feitos: mártires nos capítulos 6 e 7 e, reverendos no capítulo 14. As visões relatadas nestes capítulos da Revelação nos mostram a implementação da promessa do Salvador, "Ao que vencer lhe concederei que se assente Comigo no Meu trono; assim como Eu venci, e Me assentei com Meu Pai no Seu trono" (Apoc. 3:21). A descrição do mundo Celeste começa com a visão de Deus Pai.

"E logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra jaspe e sardônica; e o arco celeste estava ao redor do trono, e parecia semelhante à esmeralda. E ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e vi assentados sobre os tronos vinte e quatro anciãos vestidos de vestidos brancos; e tinham sobre suas cabeças coroas de ouro. E do trono saíam relâmpagos, e trovões e vozes; e diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete Espíritos de Deus. E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás. E os quatro animais tinham, cada um de per si, seis asas, e ao redor, e por dentro, estavam cheios de olhos; e não descansam nem de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir. E, quando os animais davam glória, e honra, e ações de graças ao que estava assentado sobre o trono, ao que vive para todo o sempre, os vinte e quatro anciãos prostravam-se diante do que estava assentado sobre o trono, e adoravam o que vive para todo o sempre; e lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas" (Apoc. 4:2-6, 8-11).

O mar de cristal diante do trono é um símbolo da tranqüilidade e placidez do mundo celeste em oposição à perturbada vida mundana, que é como um mar revolto em uma tempestade de vãos infortúnios. E os vinte e quatro anciãos ao redor do trono são representantes do Velho Testamento e da Igreja do Novo Testamento, profetas e apóstolos.

Logo adiante, no capítulo 5, o visionário faz uma descrição mais elaborada do trono e daqueles que o cercam. Em primeiro lugar, ele descreve sua visão do Cordeiro de Deus, Que está no meio do trono que estava "como havendo sido morto," significando que Ele parecia como um cordeiro para o sacrificio da Páscoa judia. Sem dúvida, nós devemos interpretar o Cordeiro como o Filho de Deus porque São João Batista disse, "Eis o Cordeiro de Deus, Que tira o pecado do mundo" (Jo. 1:29). A remoção de selos de um misterioso livro deve significar a revelação da história da humanidade, que é conhecida somente por Deus até sua realização. Pulando as peculiaridades dos numerosos eventos aqui, nós vamos ver os resultados, revelados depois que o quinto selo é removido.

"E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? E foram dadas a cada um compridas vestes brancas e foi-lhes dito que repousassem ainda um pouco de tempo,até que também se completasse o número de seus conservos e seus irmãos, que haviam de ser mortos como eles foram" (Apoc. 6: 9-11).

É significativo que os habitantes do céu, que pré-conhecem as perseguições, não as impedem de acontecerem — porque através da perseguição os fiéis receberão a glória celestial e "completarão o número" de vencedores que atingirão o céu. Olhando a vida com visão espiritual, nós veríamos o sofrimento por Cristo como grande honra e oportunidade de participar na glória de Cristo, ao invés de necessidade. O Santo Apóstolo Paulo escreve, "Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer Nele, como também padecer por Ele" (Filip. 1:29). Tal sofrimento é simplesmente um teste superficial, exterior para os fiéis. Seu ser espiritual está absolutamente fora do alcance do diabo e dos seus servos, porque os fiéis estão cercados contra o mal com o misterioso selo de Deus, que deve ser entendido como a graça do Espírito Santo.

E vi outro anjo subir da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar, dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que hajamos assinalado nas suas testas os servos do nosso Deus. E ouvi o número dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel. Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro trajando vestidos brancos e com palmas nas suas mãos: e clamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro. E todos os anjos estavam ao redor do trono, e dos anciãos, e dos quatro animais: e prostraram-se diante do trono sobre seus rostos, e adoraram a Deus, dizendo: Amém. Louvor e glória, e sabedoria, e ação de graças, e honra, e poder, e força ao nosso Deus, para todo o sempre. Amém. E um dos anciãos me falou, dizendo: Estes que estão vestidos de vestidos brancos, quem são, e donde vieram? E eu disse-lhe: Senhor, Tu sabes. E ele disse-me: "Estes são os que vieram de grande tribulação, e lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro. Por isso estão diante do trono de Deus, e o servem de dia e de noite no Seu templo; e Aquele que está assentado sobre o trono os cobrirá com a Sua sombra. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará: e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima" (Apoc. 7:2-4, 9-17).

O número cento e quarenta e quatro mil — como outros números no Apocalipse — têm um significado simbólico, apesar de não ser necessário que se discuta isto aqui. Tendo falado sobre os mártires, o visionário segue descrevendo os esforços das pessoas reverendas e veneráveis, que voluntariamente decidiram viver em virgindade e rejeitaram ter qualquer propriedade. (principalmente monges e monjas).

"E OLHEI, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte de Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome dele e o de seu Pai. E ouvi uma voz do céu, como a voz de muitas águas, e como a voz de um grande trovão; e ouvi uma voz de harpistas, que tocavam com as suas harpas. E cantavam um como cântico novo diante do trono, e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. Estes são os que não estão contaminados com mulheres: porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vai. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro. E na sua boca não se achou engano; porque são irrepreensíveis diante do trono de Deus...Aqui está a paciência dos santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus. E ouvi uma voz do céu, que me dizia: escreve: bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam" (Apoc. 14:1-5, 12-13).

Harpas simbolizam a grande harmonia interna adquirida por virgens por seu feito de purificação do coração. Sua purificação moral faz com que eles sejam especialmente próximos e caros a Deus.

Muitas visões no Apocalipse falam da estreita relação espiritual da Igreja celeste-terrestre. Lendo este livro sagrado, nós vemos que os santos tomam uma parte muito ativa em todos os testes que seus irmãos inferiores têm que passar na terra, e os fortificam em tais testes através de suas orações. Essas orações são representadas simbolicamente como incenso oferecido do incensário sagrado, descrito no capítulo 8.

"E veio outro anjo, e pôs-se junto do altar, tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito incenso, para o por com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono. E o fumo do incenso subiu com as orações dos santos desde a mão do anjo até diante de Deus" (Apoc. 8:3-4).

Um homem, submerso na vaidade rotineira, esquece de seu lar celeste e de que os santos cuidam dele. Nossa Igreja Ortodoxa decorada com imagens de santos, e também com súplicas de santos durante os ofícios divinos, contém os lembretes da proximidade espiritual da celestial Igreja Triunfante de nós.

Se lêssemos as visões citadas do Apocalipse com mais atenção, nós notaríamos algumas agradáveis semelhanças com a ordem da Liturgia da Igreja. No céu, há um trono e o Cordeiro morto, anciãos em coroas douradas ao redor do trono, sete lamparinas, incensário com incenso e hostes de circunstantes. Quão similar é com o que acontece no altar durante a Divina Liturgia! Como no céu, temos um trono com o Cordeiro nos Santos Dons da Eucaristia, anciãos que são o clero colocados ao redor do altar, e um porta-lamparina de sete braços e incenso que sobe com uma doce fumaça. Durante a Liturgia, o clero, cantores e fiéis juntam-se em um só coro com anjos e santos no céu, e como com uma só boca glorificam o Criador, dizendo: "Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus Sabaoh. Os céus e a terra estão cheios de Sua glória."

Nenhuma outra fé tem ofícios tão próximos aos serviços divinos realizados no céu. Quão pobres e vazios são os encontros dos sectários, como vãos e inexpressivos são seus ambientes de oração quando postos em contraste com nossas belas e inspiradas Liturgias! Eis porque nós devemos entesourar as riquezas espirituais da nossa Igreja Ortodoxa, e sua ligação próxima com a Igreja Celeste.

 

O Tesouro da Verdade.

"Não tenho maior gozo do que este: o de ouvir que meus filhos andam na verdade" (3 Jo. 1:4).

Nosso Senhor Jesus Cristo definiu o propósito de Sua vinda ao mundo, dizendo, "Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz" (Jo. 18:37b).

Consciência — habilidade para apreender, pensar, contemplar e criar, é a mais preciosa faculdade que o Autor nos concedeu. Ele nos eleva acima das outras criaturas vivas e, em certa extensão, nos faz similar a Deus. A mais importante capacidade da consciência é reconhecer a verdade, isto é, adquirir a correta percepção de um objeto ou ocorrência. Sem esta habilidade, a consciência permaneceria num mundo de ilusão, e seria absolutamente inútil. Consciência que não é iluminada com a verdade, e como uma vela sem chama, um rio sem água.

Se o conhecimento do mundo e de suas leis físicas é desejável, então o conhecimento das verdades espirituais é de importância maior ainda. Elas nos provêem o correto entendimento de Deus e de Suas propriedades, causa e propósito da existência do universo e dos humanos, razão do mal entre as pessoas, natureza e determinação do homem, mundo espiritual, objetivo da vida temporária do homem, o Salvador e a salvação do homem, o que é bom e o que é mau, morte e Ressurreição, Julgamento e vida eterna, modos de superar as tentações, conseguir virtudes, adquirir perfeição e assim por diante.

Deus, que dotou os humanos com a honorável necessidade de estudar e apreender, ajuda-os a realizar esta vontade. Assim, nos tempos dos patriarcas do Velho Testamento, Deus revelou para Seus escolhidos o mais elementar conhecimento sobre Si mesmo e sobre o certo e o errado. Mais tarde — através de Moisés e de outros profetas — Deus concedeu mais detalhes da lei moral, e também que o Messias-Que-viria salvaria pessoas do pecado e da morte. Finalmente, no tempo do Novo Testamento, Deus revelou as verdades do mundo espiritual no grau mais completo e preciso. "Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo," escreveu o Evangelista João (Jo. 1:17).Em sua condição física atual, o homem não é capaz de perceber a verdade mais profunda exposta pelo Senhor Jesus Cristo para os Apóstolos. Isto não exclui a possibilidade de que, quando os horizontes espirituais do homem se expandirem na vida futura, ele seja capaz de uma visão mais profunda e completa da verdade. O Apóstolo Paulo fala sobre isto em I Corintios 13:12 "Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido [por Deus]."

Por certo, o Senhor Jesus Cristo fez as verdades conhecidas por Seus contemporâneos não exclusivamente para o proveito deles, mas também para todas as futuras gerações. Pelo cuidado Dele e pelo total poder do Espírito Santo a verdade que, em algum ponto do tempo foi aberta para os Santos Apóstolos, foi preservada na Igreja em sua pureza original, e lá permanecerá até o final dos tempos. Partindo dos Seus discípulos, Jesus condoeu-Se deles, lhes prometendo que logo o Espírito Santo desceria para reforçá-los na verdade. "E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre. O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber... Ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito... Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade; (Jo. 14:16-17, 26; 16:13). É digno de nota que Cristo chama o Espírito Santo de Espírito de verdade, fazendo-nos compreender que a revelação da verdade para os fiéis é primariamente uma ação da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade no assunto da salvação da humanidade. Em oposição ao Espírito de verdade, o demônio é chamado de espírito sedutor e de pai da mentira, porque a disseminação de idéias falsas é a arma principal que ele usa para arruinar pessoas.

Cristãos heterodoxos reduzem as verdades religiosas ao que está escrito na Sagrada Escritura e rejeitam a tradição apostólica preservada na Igreja, que é a experiência espiritual que Ela recolheu. Tal limitação de fontes de verdade é incorreta por duas razões. Primeira: os Apóstolos não escreveram as epístolas com o objetivo de fazer uma exposição coerente e exaustiva da doutrina Cristã. Em suas epístolas eles lançaram ou os ensinamentos básicos de Cristo, ou se referiram a problemas que uma ou outra comunidade Cristã estava enfrentando. "Com leite vos criei, e não com manjar, porque ainda não podíeis, nem tão pouco ainda agora podeis; porque ainda sois carnais..." escreveu o Apóstolo Paulo aos Corintios (I Co. 3:2-3a). Os Apóstolos normalmente preferiam ensinar oralmente. "Tinha muito que escrever, mas não quero escrever-te com tinta e pena. Espero, porém, ver-te brevemente, e falaremos de boca a boca (3 Jo. 13-14). Assim, a orientação do Apóstolo João e muitas de suas conversas não foram gravadas. Mas os Apóstolos expuseram a doutrina Cristã em sua plenitude e com todos os detalhes para os bispos que foram seus sucessores. O Apóstolo Paulo instruiu seu discípulo Timóteo: "Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido, na fé e amor que há em Cristo Jesus... E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros (II Tm. 1:13; 2:2).

Muito do que Paulo ensinou a Timóteo e a outros seus discípulos, e também o que os outros Apóstolos ensinaram, foi registrado pelos seus sucessores. Está incluso nos Escritos dos Padres Apostólicos (Policarpo de Smirna, Inácio de Antioquia e outros), nos antigos Credos, na ordem (regra) da Liturgia, Batismo, Crisma e outros atos sagrados. Fazendo-nos conhecedores destes documentos antigos da literatura Cristã, nós nos convencemos que a Igreja, mais do que as Escrituras contém a verdade completa.

Segunda: a Sagrada Escritura contém as palavras do Espírito Santo, verdades de esferas de existência supremas ou até mesmo divinas. Por isso, para o entendimento completo da Escritura, é necessária a assistência e orientação do Espírito Santo. A existência de um grande número de seitas prova que muitos daqueles que tomam a si interpretar a Sagrada Escritura, não a compreendem. E não é somente por conta da sua complexidade de linguagem — os Apóstolos pregavam para gente simples, iletrada. Isto significa que a causa do mal entendimento da Escritura está na inabilidade humana de aceitar as inspirações do Espírito Santo (I Co. 2:14). Tal mal entendimento pode ser consciente, mas mais freqüentemente inconsciente, causada pelo pecado, corporalidade, paixões e outras razões do homem. Os pregadores sectários com freqüência erram por "pinçar" um versículo da Escritura e interpretá-lo fora do contexto dos outros versículos relacionados. Eles escolhem exatamente um versículo que parece apoiar seu preconceito, e refutam outras citações que refutam tal preconceito.

O manuseio do Verbo de Deus pelos sectários resultou no ceticismo de muitas pessoas modernas para com a própria idéia da verdade. Pôncio Pilatos foi o primeiro a expressar a mentalidade destes céticos. Ouvindo Jesus falar sobre a verdade, ele ironicamente perguntou, "O que é a verdade?" — e mudou para outro tópico antes que Ele pudesse responder. Mas nós acreditamos que a verdade existe na Igreja, porque nela age o mesmo Espírito Santo Que guiou os Apóstolos.

A história mostrou que em assuntos de fé, a infalibilidade não pertence a bispos individuais, concílios, e em nenhum caso a qualquer dada nação. Infalibilidade em matéria de fé e de moral é concedida à Igreja em sua plenitude, na harmonia sinodal de seus bispos, clero e todos os fiéis Ortodoxos. A Igreja em sua totalidade constitui o corpo de Cristo, e o Senhor Jesus Cristo é a sua Cabeça. O Santo Apóstolo Paulo testemunha sobre a impecável pureza do ensinamento da Igreja: "... Cristo amou a Igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a Si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Efes. 5: 25-27). Eis porque a Igreja é chamada de "... a coluna e firmeza da verdade" (I Tm. 15b).

Às vezes, pregadores heterodoxos falam coisas certas. Neste caso eles produzem faíscas da luz, que brilha o máximo na Igreja. Como a luz física que ilumina a terra tem uma só fonte, o sol, assim todas as verdades religiosas, independente de quem as tenha proclamado, é uma partícula da mesma luz espiritual, que brilha completamente no ensinamento da Igreja. Mas o problema é que os sectários, que seduzem seguidores com estas partículas de luz emprestadas da Igreja, as misturam com partículas de suas próprias trevas — às vezes satânicas.

Assim, para compreender as palavras do Espírito Santo corretamente, deve-se pedir a Sua orientação e assistência. É também necessário que confiramos se as verdades que nós apreendemos estão em completa harmonia com o que a Igreja sempre ensinou. O Espírito Santo não pode Se contradizer.

A verdade permanece na Igreja não como um tesouro desalmado, herdado dos tempos antigos, mas sim como um poder doador-de-vida eterno. Épocas, culturas e condições de vida diferentes colocam problemas específicos para as pessoas. Guiada pelo Espírito de verdade, a Igreja encaminha estes problemas e dá as respostas corretas para seus filhos. Como uma grande árvore que pode mudar sua aparência enquanto cresce, tendo ainda a mesma natureza, o ensinamento da Igreja é sempre novo e fresco na forma visível de sua linguagem, mas permanece essencialmente não modificado.

O conhecimento da verdade em sua totalidade não vem com um ato da vontade, mas num processo, que ocorre simultaneamente com o desenvolvimento intelectual e espiritual de um individuo. O Evangelho proclamou a verdade não meramente para a iluminação da mente, mas para sua melhoria espiritual. "Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça" (Mt. 5:6) "...buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça..." ordena o Salvador (Mt. 6: 33).

O ensinamento de Cristo é extremamente rico em conteúdo é na verdade é inexaurível. É projetado para guiar os pensamentos e vontade de alguém em qualquer estágio do desenvolvimento espiritual. Pode ser aplicado para escravos ou homens livres, monges e pessoas casadas, acadêmicos e iletrados, trabalhadores e reis. Ele indica o caminho para a penitência e a correção para os pecadores; dirige e reforça aqueles que estão sobrecarregados e oprimidos com labutas; dá sabedoria e graça santificadora para aqueles que lutam para alcançar a perfeição. Sobre o propósito do aprendizado da verdade, o Senhor disse, "... Se vós permanecerdes na Minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo. 8: 31b-32). Estar livre das trevas da ilusão e da servidão das paixões — esta é a genuína liberdade concedida a todos que amam a verdade.

 

O Tesouro da Santidade.

"Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação" (I Tessal. 4:3)

Santidade é uma propriedade misteriosa de Deus. Nem o intelecto humano nem o angélico podem compreender a santidade de Deus. Quando nós falamos sobre santidade de pessoas, nós queremos dizer ausência de pecado, pureza, virgindade, justiça e perfeição moral em geral. No entanto, a santidade de Deus, tendo incluídas todas as virtudes, tem também uma essência que é incompreensível para nós. É a propriedade prevalente da Natureza de Deus. Vendo Sua santidade impregnável os anjos que estão próximos de Deus exclamam, "Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Sabaoh, os céus e a terra estão cheios da Sua glória" (Isaias cap. 6).

Tudo o que vem de Deus, ou tudo que Seu poder doador-de-graça toca, se torna santificado ou sagrado. Eis porque a Escritura é sagrada, pois ela é o Verbo de Deus, sagradas são as igrejas de Deus, sagradas são as orações, sacramentos e ofícios da Igreja. Santos são os anjos, profetas, apóstolos e outros portadores-da-graça de Deus. Pessoas e coisas que tocam objetos sagrados também se tornam santificados.

Neste sentido, a santidade de Deus pode ser comparada a algum ungüento de grande valor (Mt. 26:7) que dá sua própria fragrância doce para tudo em que toca. Deve ficar muito claro que não há santidade sem Deus. Uma certa virtude pode ser propriedade natural de alguém, ou pode ser conseguida através de algum esforço. Toda pessoa gentil e honesta, mesmo que seja pagã, pode ser vista como virtuosa. Mas somente alguém santificado por Deus pode ser santo. Por isto é que a santidade pode também ser assemelhada a luz, sem a qual até mesmo ouro seria preto como carvão. O grau da santidade de alguém é determinado pelo grau de participação na santidade de Deus.

"A vontade de Deus, a vossa santificação," escreveu o Apóstolo Paulo em (I Tessal. 4:3). A santificação dos fiéis é feita na Igreja. "... também Cristo amou a Igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água (batismo), pela palavra, para a apresentar a Si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Efes. 5:25b-27). Assim, Deus da Igreja uma espécie de vaso especial que contém a preciosa unção da santidade de Deus.

A Igreja é santa devido à sua misteriosa unidade com Deus. O Filho de Deus encarnou para manter os fiéis unidos com Ele próprio. A unidade com Deus é realizada através da participação no Corpo e Sangue de Cristo. Juntando-se com Deus na Eucaristia, os fiéis ao mesmo tempo imergem numa misteriosa união — a Igreja. Esta união é tão poderosa e efetiva que todos os fiéis se tornam um único corpo misterioso com Jesus Cristo como sua Cabeça. A santificação dos fiéis na Igreja é completada pela graça do Espírito Santo.

O poder santificador de Deus age abundantemente na Igreja. Ele santifica tudo que ela engolfa com sua ação. A santificação do homem tem inicio com o Sacramento do Batismo, que lava qualquer impureza do pecado dele. O Batismo serve como porta de entrada para a Igreja, onde um fiel recém batizado recebe acesso a todos os Sacramentos cheios de graça dela. O poder santificador da Igreja alcança não só o Cristão que procura ativamente a perfeição moral, mas também a sua família. Nas palavras do Apóstolo, "... o marido descrente é santificado pela mulher... doutra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos" (I Co. 7:14). Membros da Igreja que são passivos ou indiferentes para com as virtudes, se tornam santificados assim que — deste modo ou de outro — entram em contato com os ofícios divinos e com os objetos eclesiásticos. A Igreja santifica a mente humana através da leitura das Palavras de Deus, do canto de hinos e orações, e através das imagens sagradas (ícones); ela santifica corpos, casas, comidas, colheitas e várias outras coisas com a aspersão de água benta. Ela limpa os pecados s cura as enfermidades pelo Sacramento da Confissão.

A graça santifica não somente o espírito, mas também o físico de alguém. A santificação visível torna-se efetiva imediatamente, e o ser interno faz uma viagem mais dura e mais longa porque ele depende da sensibilidade das pessoas. Como fragrância e brilho podem ter diferentes graus, assim também diferem os graus de santidade. Santidade pode ser comparada à escada misteriosa vista pelo patriarca Jacó (Gen. 28), que se apoiava no chão, mas alcançava o céu no seu topo. No processo de adquirir santidade, a psicologia e atitude de uma pessoa devem mudar. Deve haver um esforço da vontade, desejo, continuidade, para fazer as qualidades morais do homem chegarem mais perto das perfeitíssimas propriedades do Santíssimo Deus. É por esta razão que a santificação, com freqüência viaja por um caminho espinhoso e sinuoso. Raras são as pessoas que, como São Serafim de Sarov, ansiaram por Deus desde a infância, e ascenderam continuamente no caminho da justiça até idade avançada. A maioria experimenta períodos alternados de inspiração religiosa com apatia, escassez espiritual e até mesmo transgressões. Por esta razão, na vida real a Igreja não pode conter somente pessoas sem pecado. O Santo Evangelista João escreveu, "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós" (I Jo. 1:8).

Esta é exatamente a razão que fez o Senhor Jesus Cristo comparar a Igreja a um campo onde trigo e joio crescem juntos, ou porque na parábola das dez virgens ele menciona as cinco que eram loucas e cujas lâmpadas apagaram enquanto elas estavam dormindo. Nossa vida não é uma expectativa congelada, mas um processo, crescimento, que toma diferentes ritmos com pessoas diferentes. Com Sua graça Deus chama todo mundo para Si, sem qualquer violência, esperando pela própria vontade de cada um. Alguns se tornam mais puros e melhores com idade avançada, outros morrem sem arrependimento. Somente na vida que virá é que o mal será completamente separado do bem.

Falando sobre a santidade da Igreja, nós devemos lembrar que sua santidade não é resultado da santidade de seus membros. Deus, não as pessoas é a fonte da santidade. É por isto que os Apóstolos, em suas epístolas chamaram todos os Cristãos de santos, apesar do fato de que entre eles existirem pessoas imperfeitas e até mesmo pecadoras (At. 6:1; 1 Corintios 3:1-4; 1 Corintios 4:8; 1 Corintios 6:1-9; Gálatas 5:5; 2 Pedro 2:13). Não é certo pensar que a Igreja é constituída somente de pessoas moralmente perfeitas. O poder santificador da Igreja não é diminuído pela presença de membros indignos. Tudo que for pecaminoso e mundano que invadir o terreno da Igreja permanecerá estranho a ela, e estará destinado a ser descartado e eliminado como se fosse joio no campo. Com o passar do tempo a palavra "santo" passou a significar somente os mais perfeitos campeões da fé, por exemplo, mártires por Cristo e pessoas justas, glorificadas por Deus através de maravilhas e milagres.

Ainda hoje em dia muitos Ortodoxos amam chamar a si próprios de santos. Eles juntam ao seu este nome por conta de uma elevada opinião sobre suas próprias virtudes. Mas nós já dissemos que a santidade não é um mero resultado de virtudes: é participar na santidade de Deus. O nome de santo não pode ser aplicado para sectários porque eles se alienam do poder santificador da Igreja. Eles danificaram a pureza da fé em Cristo, negaram o sacerdócio estabelecido por Deus, rejeitaram sacramentos, e não tiveram comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo. Em resumo, eles cortaram todos os condutores de santidade que Deus havia fornecido.

O intelecto controla as ações do homem, e por isso a santificação começa pelo intelecto. Por esta razão Cristo orou pelos fiéis, pedindo ao Pai Celestial que iluminasse as suas mentes, "Santifica-os na verdade: a Tua palavra é a verdade" (Jo. 17:17). E para os Apóstolos que apreenderam a verdade, Ele disse, "Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado" (Jo. 15: 3). Isto faz com que seja muito importante estudar a Palavra de Deus regularmente. Sem iluminação do intelecto, a alma permanece nas trevas, e separada de Deus.

Na nossa Igreja, nós os Ortodoxos possuímos a totalidade da verdade de Cristo, todos os sacramentos santificadores e o tesouro espiritual inteiro dos dons do Espírito Santo. Nós devemos agradecer a Deus diariamente por nos ter honrado ao sermos membros da Sua Igreja. "Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes Daquele Que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz;," escreveu o Apóstolo Pedro (I Pe. 2:9) para dar segurança aos fiéis. Tentemos justificar esse honorável nome em nossas vidas!

 

O Monte do Senhor.

"Vinde, subamos ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine o que concerne aos Seus caminhos" (Isaias 2: 3b).

Sendo os filhos do Reino de Deus cheio-de-graça, nós fomos ensinados desde crianças a acreditar em uma Igreja Una Santa Católica e Apostólica. No entanto, poucos de nós provavelmente sabem que estas preciosas propriedades da Igreja foram reveladas e explicadas pelos profetas do Velho Testamento, muito antes da era Cristã. Durante um oficio divino, quando nós ouvimos, "Abençoa a Sião, segundo a Tua boa vontade; edifica os muros de Jerusalém"... "Luz que iluminará todas as nações e glória de Teu povo Israel"... "Que sejam confundidos todos aqueles que odeiam a Sião" e outras frases similares, nós sabemos que elas não são sobre a exaltação da nação judia, mas sobre a glória da Igreja à qual nós pertencemos. Porém, alguns estão desnorteados: porque "Sião," "Jerusalém," "Israel" e outros nomes que tais não podem ser substituídos pela palavra "Igreja"? A razão para se manter estes nomes arcaicos em nossos ofícios divinos, é que para pessoas dos mais antigos tempos eles se tornaram símbolos sagrados e caros do Reino de Deus. Como veremos, estes símbolos revelam para nós a natureza misteriosa da Igreja de Cristo, e ao mesmo tempo oferecem imagens da glória futura dela.

Muito antes do Cristianismo, os profetas do Velho Testamento prepararam solo espiritual, e fizeram a base religiosa do Reino de Deus entre as pessoas. Nesses tempos muito longínquos, quando outras nações deificavam vários objetos e elementos da natureza, o povo judeu adorava o verdadeiro Deus. Depois dos reis Davi e Salomão, a cidade de Jerusalém e o templo de Deus construído no Monte Sião, tornaram-se os únicos lugares do mundo a glorificar o Autor do Céu e da Terra. Com o tempo a realidade poderia ser diferente, mas o Templo do Velho Testamento, a cidade de Jerusalém e o Monte Sião tiveram que ser locais santos. Havia sido predito que o Messias, o Salvador da humanidade se manifestaria ali; seria ali que a expiação das pessoa e a descida do Espírito Santo teria lugar, e também o Reino de Deus começaria ali. Os israelitas foram chamados para ser a primeira nação a se juntar ao Reino de Deus, e na verdade, muitos deles foram os primeiros Cristãos e santos.

Foi somente natural que profetas falando da futura vinda do Reino de Deus, fizessem uso de nomes familiares e caros para seus contemporâneos—Sião, Jerusalém e outros—como símbolos do Reino de Deus que viria. O Rei Davi foi o primeiro de todos os profetas a chamar a chamar o Reino de Deus de "monte santo," "Sião" ou "Jerusalém." Predizendo o entronamento do Messias e a derrota dos Seus inimigos no Salmo 2, Davi escreveu: "Eu porém[diz Deus o Pai] ungi o Meu Rei [Deus o Filho] sobre o Meu santo monte de Sião." (Sl. 2:6). Depois de Davi os profetas, com freqüência, compararam o Reino de Deus com um MONTE. A majestade do monte representa a grandeza da Igreja, sua unidade e unicidade. O Rei Davi foi o primeiro a escrever sobre a santidade da Igreja. Depois de Davi, o profeta Isaias com freqüência escreveu sobre o Reino de Deus, o chamando de Monte de Sião ou de a Montanha da Casa de Deus. Por exemplo, nas profecias que se seguem ele falou sobre a futura glória do Reino Messiânico.

"E acontecerá nos últimos dias que se firmará o monte da casa do Senhor no cume dos montes e se exalçará por cima dos outeiros: e concorrerão a ele todas as nações. E virão muitos povos, e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine o que concerne aos seus caminhos, porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra do Senhor" (Isaias 2:2-3).

É digno de nota eu esta profecia fale claramente que muitas nações se juntarão à Igreja. Esta verdade foi freqüentemente repetida e reconfirmada por outros profetas (ver Salmo 22:28 e 72:10-17, Isaias 42:1-12, 49:6, 54:12-14, Daniel 7:13-14). Pouco depois, o profeta Isaias descreveu o renascimento moral, que ocorreria com os membros do Reino Messiânico cheio-de-graça, fazendo pessoas — mesmo cruéis e brutais como se fossem bestas selvagens — se tornassem mansas e gentis:

"E morará o lobo com o cordeiro... E brincará a criança de peito sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a sua mão na cova do basilisco. Na se fará mal nem dano algum em todo monte da minha santidade, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar. E acontecerá naquele dia que as nações perguntarão pela raiz de Jessé, posta por pendão dos povos," (Isaias 11:6-10; ver também Romanos 15-12).

Na Igreja de hoje tem lugar uma renovação interna do homem, mas segurança completa, paz tangível e bem-estar somente ocorrerão após o Juízo Final e renovação da natureza inteira. Os capítulos 25 a 27 do Livro de Isaias desenvolvem mais o tema principal das profecias anteriores, e descrevem a glória e bênção que triunfarão na montanha de Deus no final dos tempos.

"E o Senhor dos Exércitos dará neste monte a todos os povos uma festa com animais gordos, uma festa com vinhos puros, com tutanos gordos, e com vinhos puros, bem purificados. E destruirá neste monte a máscara do rosto, com que todos os povos andam cobertos, e o véu com que todas as nações se escondem. Aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará o opróbrio do Seu povo de toda a terra... Porque a mão do Senhor descansará neste monte... Abri as portas, para que entre nela a nação justa, que observa a verdade... Vai, pois povo meu, entra nos teus quartos, e fecha as tuas portas sobre ti... E será naquele dia que se tocará uma grande trombeta, e os que andavam perdidos pelas terras da Assíria, e os que foram desterrados para a terra do Egito tornarão a vir, e adorarão ao Senhor no monte santo em Jerusalém" (Isaias 25:6-8, 10; 26:2, 20; 27:13).

Egito e Assíria são aqui símbolos do reino do mal, como é a Babilônia em outras profecias. O profeta Daniel que viveu cerca de trezentos anos depois de Isaias, retorno para o símbolo do monte em uma das visões que ele descreveu. A seguir as passagens chave desta visão;

"... uma pedra foi cortada, sem mão, a qual feriu a estatua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a pragana das eiras no estio, e o vento os levou, e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra que feriu a estatua, se fez um grande monte, e encheu toda a terra..." O profeta Daniel deu a seguinte explicação para esta visão: "Mas, nos dias destes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído; e este reino não passará a outro povo: esmiuçará e consumirá todos estes reinos, e será estabelecido para sempre" (Daniel 2:34-35, 44).

Nesta visão, bem como em outras passagens da Escritura, a pedra é um símbolo do Messias. A imagem esmiuçada (quebrada) pela Pedra implica nos reinos pagãos. A montanha, isto é, a Igreja, se espalhará por toda a terra. Ela prolongará todos os reinos da terra, e existirá para sempre. Esta visão é muito parecida com a prédica que Jesus Cristo fez para o Apóstolo Pedro, "...sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt. 16:18). Deve-se notar que nas profecias do Velho Testamento sobre o Reino de Deus — apesar do uso intensivo dos nomes como Sião e Jerusalém—não há nelas absolutamente nenhum nacionalismo de mente estreita, doença que se tornou comum entre os judeus no tempo da dominação romana. As profecias do Velho Testamento enfatizam constantemente a universalidade e a inclusão-de-todos da Igreja.

Depois que o Messias, nosso Senhor Jesus Cristo, veio para a terra e o Reino de Deus se espalhou entre várias nações do Império Romano, os símbolos do Velho Testamento sobre a Igreja não perderam seu significado. Ao contrário, os Apóstolos e a seguir os santos e compiladores das orações para os ofícios divinos, usaram estes símbolos largamente ao falarem do Reino de Deus. Por exemplo, em sua Epístola aos Hebreus o Santo Apóstolo Paulo usa a imagem de uma montanha, bem conhecida pelos Cristãos, para falar da majestade e universalidade da Igreja:

"Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e Igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança" (Hb. 22-24a).

No Livro do Apocalipse, o Apóstolo descreve a visão da Igreja triunfante, de novo com a imagem da Montanha Santa: "... e eis que estava o Cordeiro sobre o monte de Sião, e com Ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome Dele e de Seu Pai" (Apocalipse 14:1; 144 mil, é, sem dúvida, um número simbólico, ou seja, 12 vezes 12 vezes 1000, significando uma grande multidão a ser salva). A antiga imagem da Igreja como o Santo Monte Sião deixou uma marca tão profunda que é reproduzida no hino Pascal, "Resplandece, resplandece, ó Nova Jerusalém, pios a glória do Senhor brilhou sobre ti. Dança de alegria e rejubila ó Sião..." (conf. Isaias 60: 1). Vemos assim que, os símbolos do Santo Monte Sião e de Jerusalém estão enfiados em quase todo Velho e Novo Testamentos. Eles falam pela unidade, santidade e catolicidade da Igreja. Além destas há nas Sagradas Escrituras outras imagens do Reino de Deus: vinha, árvore, campo, aprisco e outras mais. No entanto, o símbolo de uma montanha — mais do que qualquer outro — enfatiza o principal propósito da Igreja, que é conduzir pessoas para cima, para Deus. Como uma montanha tem sua base no solo mas toca o céu com seu topo, assim a Igreja existe e opera no mundo para guiar pessoas e aproximá-las de Deus.

O mundo, de certo modo, fica no pé da montanha de Deus. Pessoas individuais e nações inteiras vêm para esta montanha e, tendo adotado a fé Cristã, iniciam a subida — ou crescimento espiritual. Quando as pessoas se aproximam de Deus, eles se tornam mais próximas entre si ao mesmo tempo: suas diferenças culturais e de nação retiram-se para posições secundárias, enquanto a sua fé e graça vêm para frente. Eis porque, como diz o Apóstolo, na Igreja, "... não há grego nem judeu, circuncisão, nem incircunsisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos" (Col. 3:11).

Colocando abruptamente, somente a fé Ortodoxa, de fato, conduz o homem para cima. Somente esta fé possui o grande tesouro da experiência espiritual dos santos. Somente esta fé pode revitalizar o homem através dos sacramentos cheios-de-graça dela, transformando-o em uma "nova criatura." O mundo heterodoxo rejeitou os sacramentos e a experiência espiritual dos santos, e assim fazendo fechou o caminho para seu próprio renascimento espiritual. Apesar da correção de algumas pregações heterodoxas e da sua atividade humanitária às vezes bem ampla, não há ascensão real para Deus, e é como se os Cristãos heterodoxos ficassem andando em círculos ao redor do pé da santa montanha.

 

Não nômades, mas cidadãos.

"Quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho..."

A "plenitude dos tempos" deve ser entendida como o tempo ajustado, estabelecido por Deus para o amadurecimento da humanidade para a aceitação das idéias que fundamentam o Reino de Deus entre as pessoas. Como sabemos, nosso Senhor Jesus Cristo em Suas conversas e especialmente nas parábolas chamou Sua Igreja de o Reino de Deus. Os Santos Evangelistas alternadamente usam termos similares: "Reino do Céu" e "Reino de Deus." O Reino de Deus se relaciona com a Igreja na terra, Igreja Militante, e o Reino do Céu implica principalmente na celestial Igreja Triunfante. De fato, estas duas esferas constituem uma Igreja de Cristo, um Reino de Deus.

Referir-se à Igreja como um Reino é um uso mais tardio nas Escrituras. Este termo não existiu dois mil ou mil e quinhentos anos antes da natividade de Cristo, quando tribos tinham acabado de iniciar seu ajuntamento em estados. No entanto, no tempo da aparição do Salvador, a forma das comunidades de pessoas havia maturado. Isto é especialmente verdade para o Império Romano com sua sofisticada estrutura de estado. O Imperador era o cabeça do estado; havia um corpo legislativo, Senado, e um elaborado sistema judiciário com leis circunspectas. De fato a lei de Roma lançou as bases da legislação da Europa Ocidental e da Rússia. O Império era dividido em províncias, também chamadas de pró-consulados. Estes erma governados por pró-cônsules, governadores e às vezes "reis" locais (como o rei Herodes da Judéia). Um exército bem treinado, organizado em legiões, dirigidas por generais, capitães-chefe e centuriões, guardavam o vasto império.

Quando Jesus Cristo usava a palavra Reino, Sua audiência poderia entender que Ele significava uma certa sociedade com uma estrutura bem definida. Deveria ser óbvio que Jesus chamava a sociedade que Ele estava criando, um Reino, porque Ele pretendia provê-la com uma certa estrutura que teria algumas características em comum com os reinos dos homens.

Estas características comuns são abertas nas seguintes comparações. Um reino regular sempre tem um governante, e todas as esferas da vida do estado são subordinadas a ele. Da mesma forma, o Senhor Jesus Cristo é um Rei e Cabeça da Igreja. Cada reino deve ter suas leis e costumes que guiam e regulam a sua vida. È assumido que alguém viva em seu reino, e se por qualquer razão não gostar, estaria livre para se mudar para outro reino. No entanto, enquanto vivendo em um certo reino, ele é obrigado a obedecer suas leis e costumes. Do mesmo modo, qualquer um é livre para se tornar um Cristão e um membro da Igreja; ninguém é forçado a fazer isto. Mas, para ser um membro da Igreja, se deve cumprir com seus ensinamentos e agir de acordo com os mandamentos de Deus. Ninguém pode dizer que concorda com alguns mandamentos e discorda de outros, que algumas coisas combinam com ele, outras não.

Cidadãos, obedientes às leis dos seus reinos, têm acesso a uma variedade de privilégios concedidos por seus reinos. Por exemplo, um objetivo de todo estado é proteger seus cidadãos, dar imunidade para suas propriedades e reputação, cuidar do bem estar, das crianças, velhos, e a membros limitados da sociedade em geral. De maneira similar, a Igreja cuida de seus membros, isto é, dos fiéis. E em primeiro lugar, o próprio Senhor Jesus Cristo toma conta e dá proteção para os fiéis: "Eu sou o bom pastor... nem um homem as arrebatará de Minhas mãos...." Para trazer fiéis para a verdadeira fé, e conduzi-los à salvação, o Senhor Jesus Cristo instituiu profetas, apóstolos, bispos e pastores, como está escrito: "E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e noutros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos [Cristãos], para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Efes. 4:11-15).

Em estados regulares, todo cidadão corporalmente capacitado terá certas responsabilidades para com a sociedade, de acordo com seu título e posição, e todos contribuirão com sua parcela de trabalho para melhorar a vida em seu estado. Assim é na Igreja, cada membro deve ser não só um "consumidor," mas deve tentar ser útil para os outros.

 

Conclusão.

Assim Jesus Cristo quis que os fiéis não vivessem separadamente, e sim que se juntassem em uma comunidade, uma família espiritual — a Igreja, com seus membros ligados em uma fé, e com amor mútuo. Ele providenciou a Igreja com uma estrutura apropriada e com sacramentos cheios-de-graça para que cada fiel, guiado por membros mais experientes da Igreja e reforçados pela graça do Espírito Santo, atingisse o Reino do Céu de maneira mais fácil e mais direta.

No principio, quando a Igreja tinha acabado de vir à existência, os Cristãos de Jerusalém viviam como uma família amorosa como se fossem um coração e uma mente (At. 4:32). Os ricos davam suas propriedades para os apóstolos que as usavam em auxilio aos necessitados. Os fiéis se reuniam para orar, ouviam os ensinamentos dos santos apóstolos, e recebiam comunhão dos Santos Dons quase que diariamente.

Quando a Igreja de Jerusalém começou a se espalhar para outras partes, os apóstolos instalaram comunidades de fiéis, pequenas igrejas, em todas as cidades e vilas onde lês pregavam. Estas igrejas sempre tinham salas para orações comuns, para a leitura da Palavra de Deus e para a comunhão dos Santos Dons. Uma característica distintiva destas comunidades era que seus fiéis tomavam conta de seus doentes, idosos e órfãos. Juntas estas comunidades faziam uma Igreja Católica.

Para o governo de diferentes igrejas, instrução dos fiéis e celebração dos ofícios divinos os apóstolos ordenaram bispos e diáconos.

Pouco a pouco, devido à comunicação entre as comunidades separadas, a ordem dos ofícios divinos se tornou definida, costumes eclesiásticos uniformes e regulamentos foram estabelecidos. Dias e períodos de jejum foram marcados, o sinal da Cruz entrou em uso, foram introduzidas vestimentas de Igreja segundo um certo modelo, hinos foram compilados para uso na Igreja. Alinhadas com isto, as primeiras composições para defesa e explicação da fé foram escritas, e foram feitos concílios de bispos para discutir e resolver alguns assuntos de Igreja.

Tendo sofrido brutais perseguições pelos judeus e pagãos durante os três primeiros séculos de sua existência. A Igreja de Cristo de todos os séculos subseqüentes—até meados do século nove — manteve uma severa luta interna com várias heresias, que ameaçavam distorcer o ensinamento apostólico radicalmente. A Igreja defendeu a pureza do ensinamento de Cristo durante Concílios Ecumênicos, e em meados do século nove atingiu a perfeita e completa beleza de uma doutrina equilibrada, ordem elaborada de ofícios divinos, rico acervo de orações, hinos e rituais. Eis como — gradualmente, através do esforço de gerações e gerações — a vida da Igreja tomou a forma que hoje nós temos na Igreja Ortodoxa.

A plenitude das revelações divinas está contida nas Sagradas Escrituras e na Tradição da Igreja. Conjuntamente elas levam uma e imutável tradição doutrinal. Um meio poderoso para a melhoria na vida espiritual é o Sacramento da Comunhão, pelo qual um fiel participa do Salvador. A Eucaristia é o verdadeiro Corpo e Sangue do Filho de Deus encarnado.

Os maiores tesouros da Igreja são a verdade e a graça do Espírito Santo. Jesus Cristo prometeu que a Igreja seria uma fortaleza que não poderia ser conquistada. "... edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt. 16: 18b).

Um homem, procurando salvar sua alma, precisa pertencer à Igreja de Cristo — este infinito colégio de fiéis, encabeçados pelo Senhor Jesus Cristo, que contém uma multidão de pessoas santas que agradam a Deus, apóstolos, mártires, santos confessores, pessoas veneráveis e santas, de todos os tempos. Ele precisa apreender a fé Ortodoxa e entender claramente suas vantagens sobre doutrinas não-Ortodoxas. Ele também deve ajudar outros buscadores da verdade a encontrá-la na fé Ortodoxa. Quando explicando a fé para alguém, um fiel deve evitar disputas e debates que resultem em animosidade. O amor a Deus e ao próximo é a coisa mais importante na vida Cristã.

 

Folheto Missionário número P83

Copyright © 2005 Holy Trinity Orthodox Mission

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Redator: Bispo Alexandre Mileant

(kingdom_God_p.doc, 03-23-2005)