Livros

do Antigo Testamento

 

Conteúdo:

Prefácio.

A Tora — Pentateuco.

O Livro do Gênesis. O Livro do Exodo. O Livro dos Números. O Livro do Levítico. O Livro do Deuterônomio.

Livros Históricos.

O Livro de Josué. O Livro dos Juízes. O Livro de Ruth. Os Livros de Samuel I E II. Os Livros dos Reis I e II. O Livro das Crônicas. Os Livros de Esdras e Neemias. O Livro de Esdras I. Os Livros de Tobias, Judite e Ester. O livro de Tobias. O Livro de Judite. O Livro de Ester. Os Livros dos Macabeus.

Livros Poéticos e Sapienciais.

O Livro de Jó. Uma Trama Histórica. A Eminente Superioridade de uma Obra-Prima. O Livro dos Salmos. A Experiência e os Sentimentos Religiosos de um Povo. O Livro dos Provérbios. O Livro do Eclesiastes. O Livro do Cântico dos Cânticos. O Livro da Sabedoria. O Livro do Eclesiastico.

Livros Proféticos do Antigo Testamento.

Profetas e Profecias no Antigo Testamento. Um Contrapeso ao Sacerdócio e À Realeza. Vocação e Missão dos Profetas Inspiração Profética. Conteúdo da Ação Profética. Formas de Ação Profética. Os Quatros Profetas Escritoes. Isaías. Jeremias. As Lamentações. A Carta de Jeremias. Baruque. Ezequel. Daniel.

O Livro dos Doze Profetas.

1. Oseias. 2. Amós. Miqueias. 3 Joel. 4 Abdias. 6. Jonas. 7. Nahum. 8. Habacuque. 9. Sofonias. 10. Ageu. 11. Zacarias. 12. Malaquias.

 

Prefácio.

Todos conhecemos o inquérito, mais jogo de salão do que qualquer outra coisa, em que se pergunta que livro ou livros alguém levaria com sigo se fosse viver numa ilha deserta. Habitualmente, a resposta inclui "a Bíblia". E por isso poderíamos facilmente deduzir o peso ou o prestigio que este livro tem para a humanidade, quanto mais não seja em termos de referencia cultural.

Mas, para nós, cristãos ortodoxos, a questão é toda outra: a Bíblia, ou melhor dizendo, a Sagrada Escritura, como preferimos chamar-lhe porque a Tradição assim o ensina, não é, não pode ser um simples "objeto cultural," um conjunto de livros a tomar como modelos literários, um repositório inesgotável de citações apropriadas para todas as ocasiões.

Se existe, como sabemos, uma educação do olhar, conseqüência de uma mutação espiritual, que nos ensina a ver um ícone com os olhos bem diferentes daquele que empregamos na vulgar leitura de outros livros. E isso é assim porque estamos diante de um conjunto de textos que são obra divino-humana, e não apenas fruto da criação humana.

Ou seja, textos propostos à nossa meditação como ponto de partida essencial para que, através da oração, se erga o edifício da Teologia.

A Sagrada Escritura é "o guia da razão" e "o critério da Verdade" — afirmou São Gregório de Nissa. E, como ele, todos os Padres da Igreja, nossos faróis no caminho da vida cristã, tomaram esses livros como marcos milhares que os não deixaram perder-se no labirinto das múltiplas bibliotecas que a civilização helênico-romana foi inventando. "A Sagrada Escritura é para nós a norma e a medida de todos os dogmas. Aprovamos apenas aquilo que pudermos harmonizar com a intenção destes escritos" (apenas aquilo que pudermos harmonizar com a intenção destes escritos" (São Gregório de Nissa, "De Anima et Ressurrectione").

Estas palavras de ontem são, obviamente, verdadeiras também para os tempos de hoje. Se possível, ainda mais verdadeiras. E, sobretudo, elas significam uma atitude fundamental para nós, numa época em que todos os dias surgem textos que procuram pôr tudo em causa e trazer, finalmente, a resposta certa às dúvidas e angústias do homem contemporâneo. Paradoxalmente, a "Galáxia Gutemberg" (a montanha imensa de livros saídos dos prelos desde que a Imprensa nasceu), criada por imitação do modelo "bíblico," afasta-se cada vez mais da sua origem e , à imagem do filho pródigo, alimenta-se das suas próprias mentiras e ilusões, depois de ter desprezado, orgulhosamente, os frutos da Verdade.

Mas então, se é assim, se a Escritura é realmente Sagrada, como acreditamos, torna-se impossível toma-la no seu todo como um aglomerado de textos que se dissecam, se torcem e distorcem à medida que isso convém ás nossas fantasias de "análise" literária ou histórica. Ainda que a Sagrada Escritura são seja apenas divina, e que as interpretações dos Evangelistas tenham sido inspiradas pelo Espírito Santo, mas coarctadas na sua expressão plena pelas limitações de cada um deles, também nada nos autoriza a tratar os autores do Antigo e do Novo Testamento como se fossem personalidades literárias mais ou menos reclináveis nos divãs dos psicanalistas...

Por outro lado, não podemos encarar a Sagrada Escritura como simples arquivos ou depósitos de informações históricas e culturais. Recordemos o que Santo Inácio de Antioquia escrevia aos Filadelfianos (VIII:2 e IX:1): "Para mim, os meus arquivos são Jesus Cristo, os meus arquivos invioláveis são a Sua Cruz e a Sua Ressurreição, e a Fé que d’Ele vem. Ele é a Porta do pai, pela qual entram Abraão, Isaac e Jacob, e os Profetas, e os Apóstolos e a Igreja."

E o comentário oportuno de Vladimir Lossky a esta passagem: "Se, pela Encarnação, as Escrituras não são arquivos de verdade, mas sim o seu corpo vivo, não se poderá possuir as Escrituras senão na Igreja que é o Corpo único de Cristo."

Para nós, cristãos ortodoxos, o Antigo e o Novo Testamento formam uma unidade — sabemos que é assim porque reconhecemos essa evidência pela Tradição, à luz do Espírito Santo comunicado a todos os membros da Igreja. Citemos novamente V. Lossky ("À l’Image et Ressemblance de Dieu," P.153):

"Os livros do Antigo Testamento, constituídos com o intervalo de vários séculos, escritos por autores diferentes que muitas vezes compilaram e fundiram tradições religiosas diferentes, só têm uma unidade acidental, mecânica, aos olhos de um historiador das religiões. A sua unidade com os escritos do Novo Testamento parecerá fictícia e artificial. Mas um filho da Igreja saberá reconhecer a unidade de inspiração e o único objeto da fé nestes escritos heteróclitos, tecidos pelo mesmo Espírito que, depois de ter falado pelos Profetas, precedeu o Verbo, tornando a Virgem Maria apta a servir de meio à Encarnação do Verbo."

Ou, como dizia São João Crisóstomo, o Antigo e o Novo Testamento são duas Alianças com o mesmo Legislador, devendo-se ver no Antigo Testamento a preparação e profecia do Novo Testamento.

Moisés surge aos olhos da Tradição como imagem, no Êxodo, de Cristo, só, incompreendido e rejeitado. E a lei é, então, um anúncio do Reino e como um Pedagogo que nos conduz a Cristo.

Ao contrário dos que querem ler o Pentateuco como uma narrativa das atormentadas relações entre Deus e o Povo Eleito, aqui se afirma claramente que "a Tora gira em torno de um ‘segredo de amor’ — Deus ama a humanidade — revela-o elegendo Israel, fazendo o convite a todos os homens a entrarem na corrente do Seu Amor contagioso."

Mas este segredo de Amor descobre-se através da oração, que Origens chamava "o mais necessário à inteligência das coisas divinas."

 

Arcipreste Atanásio

 

A Tora — Pentateuco.

A Tora (Pentateuco) deveria de ser lida inteiramente ao judeu pela festa dos Tabernáculos, de sete em sete anos (Deut. 31:10-13).

Os livros do Pentateuco têm os seguintes nomes em hebraico:

1 — Bereshit ("no princípio") — Gênesis

2 — Shemoth ("os nomes") — Êxodo

3 — Vaykra ("Ele chama") — Levítico

4 — Bemidbar ("no deserto") — Deuteronômio

 

O Livro do Gênesis.

Quando o povo hebraico põe à cabeça do Pentateuco este livro, por volta do século VI antes da nossa era, não está de forma alguma interessado no conteúdo deste livro em função do passado — narração da pré-história do homem — mas em função daquilo que é agora e no futuro, o povo de Deus, Aleph e Tav.

É porque Israel conhece o Deus vivo face a face, Lhe deve tudo, que Israel confessa YHVH (Yhavhé).

A Sagrada Escritura não parte de uma afirmação mais ou menos deísta mas fundamenta-se na Aliança com Deus para afirmar que a Criação não é nem um absurdo nem um acaso, mas uma Criação de Deus "ex Nihilo," coberta pela graça que a sustenta e informa.

Tomados os dois relatos da Criação (1 a 2:4a; 2:4b a 25) parece-nos haver entre eles uma certa contradição: ou Deus envia água a mais e origina o dilúvio; ou Deus não envia água alguma e o povo herda o deserto. Ou o homem é o coroamento de toda a obra e aparece no sexto dia, já prenuncio do Sabat; ou então ele aparece no principio de tudo, solitário e isolado e Deus vai-lhe dando, pouco a pouco, plantas e animais por companhia. Ou o homem e a mulher são criados juntos; ou há entre eles, entre Adão e Eva, a densidade de toda a Criação.

O autor não dá uma visão sobre estas contradições e nós também não iremos tomar posição; o que conta é o que a fé nos comunica. Não pode haver conflito entre a ciência e a fé. O que nós afirmamos é que: "No principio Deus fez..." A ciência vai tentar penetrar a Criação e dizer como aconteceu isto e aquilo. Todavia, não pode, porque não é o seu campo de ação, dizer quem fez; são dois planos diferentes.

O Gênesis não foi escrito para explicar as origens mas para pôr em relevo as relações entre o homem e o Deus Criador.

O seu clímax não é histórico, mas existencial; e eis que o homem aparece na sua fraqueza e na sua dependência destinado ao dialogo com Deus e com o outro seu alter ego (a mulher) 2-23; ambos comprometidos numa relação de igualdade num dialogo com Deus (o que era estranho e revolucionário para a época). Dotado de palavra, o homem é o ser que não pode viver sozinho (2-18); mas que é destinado ao encontro com o outro, responsável e dialogante com os outros e com Deus e que nada, nem ninguém, o pode libertar.

Nem fatalismo nem dualismo nestes textos: mas um Deus vivo e um homem livre; uma palavra criadora e uma palavra responsável. Em suma, uma relação vertical feita de escuta e oração; e uma relação horizontal feira de amor e de serviço comum.

No capitulo III descreve-se como o povo da Aliança decepciona sempre Deus, apesar da graça que Deus lhe confere — não é a origem do mal que aqui é descrita, mas a sua intervenção no mundo e, singularmente, no cetro da revelação de Deus e àqueles a quem Ele Se faz conhecer. Não podemos fazer uma leitura dualista desta passagem; o Tentador (a Serpente, a mentira, o ardil) não pode fugir, também ao poder de Deus — ele é também condenado.

O homem é a chave das relações entre Deus e o mundo. Todavia, quando o homem prefere à Palavra uma outra palavra, ele ergue-se deus contra Deus. Não contente em ser o que é, torna-se naquilo que não deveria de ser: rei; quer autonomia, autoridade e dominação; ele quer possuir em vez de dar; ele quer ter em vez de ser.

Desta forma, o homem torna-se o anti-tipo daquele que virá um dia e será designado como o segundo homem vindo dos céus (1 Cor. 15:47). Kierkegard compreendeu tudo isto muito bem, de forma que afirmou: "O contrario do pecado não é a virtude, mas a fé."

É paradoxal que seja o povo da Aliança que veja desta forma o homem, isto é, que se veja ele mesmo portador, vitima e cúmplice de um mal ao mesmo tempo individual e coletivo, instantâneo e histórico, afetando o seu coração e o centro da humanidade, devendo por isto lutar, para viver perdido num país hostil.

Quando Israel lê o capitulo III do Gênesis é ele mesmo que se reconhece nele.

A verdade de Deus, a Palavra anunciada e recebida na comunidade, revela a cada homem o seu verdadeiro rosto.

Eu sou! E é preciso que qualquer coisa cesse, deixe de ser, a fim de que a Palavra em mim tome lugar. Posso acreditar mas não posso senão suspirar ao mesmo tempo: "Senhor, eu creio, mas vem socorrer a minha incredulidade" (Mc. 9:24).

Colocando o cap. III na seqüência dos dois primeiros capítulos, o redator do Gênesis quis dar a todos os leitores um aviso solene para tudo o que se iria seguir: não há lugar entre os membros do povo, entre os "amantes" da Palavra, para gente que, se fazendo ilusões sobre eles mesmos, se confiem à sua própria justiça e crendo-se superiores aos outros se permitiriam despreza-los. O povo de Deus é uma comunidade de pecadores gratificados.

O fim do cap.III mostra parabolicamente como o mal cometido pelo homem e a desgraça do mundo estão secretamente ligados um ao outro: à solidariedade na incredulidade, à cumplicidade no mal pelo casal adâmico, sucedem a separação, a recusa de responsabilidade, a acusação recíproca; e as conseqüências da ruptura da Aliança serão a dor e a morte.

No cap. IV é o relato da historia dos dois irmãos, talvez gêmeos.

Caím, homem forte e orgulhoso, descobre que o Deus da Aliança ama o seu irmão mais pobre e mais fraco: Abel.

Para Deus, a eleição é outra coisa que para os homens. Israel, seu povo, é o mais pequeno, o mais pobre e o mais indefeso entre os grandes e poderosos Reinos do Oriente. Nada tinha de invejável aos olhos dos outros povos; todavia, ele era o povo de Deus. Tal é Abel, tal pe o Messias, desde o presépio de Belém até à Cruz no Gólgotha. Como diz Isaias do eleito de Deus: "Ele não tem nem beleza, nem brilho, nem nada que possa atrair o olhar de alguém. Objeto de desprezo e dejeto da humanidade..." (Is.5 3:23).

Caím não compreende a ação de Deus; do Deus que sonda os rins e o coração do homem. Só o poder, a força, a riqueza lhe são familiares.

Abel será imolado no altar da mediocridade humana, como os profetas e como o Cristo será.

Mas Caím aprenderá que, com a morte da testemunha da Aliança, seu irmão Abel, nada ganhou: a partir de então, privado do intermediário entre ele e Deus, ele só poderá viver confiante no Senhor que protegia o seu irmão.

Do cap.VI ao cap. IX desenrola-se o relato do julgamento da humanidade, que pela sua incredulidade é mergulhada no caos. Todavia, do Dilúvio destruidor um homem se agiganta: Noé.

Noé andava com Deus (6-9) e é símbolo do povo da Aliança que, enraizado na fé, atravessa todas as tempestades da Historia e é mantido pelo Deus vivo, assegurando, desta forma, a continuidade do testemunho e do serviço.

A Torre de Babel mostra como o orgulho e a idolatria nacionalista destroem a sociedade dos homens e atraem sobre eles a ruína e a divisão.

Se insistimos nos capítulos I a XI do Gênesis é porque eles constituem o que se poderia chamar a pré-história do povo da Aliança: eles são também o catecismo de toda a Sagrada Escritura; eles são o que Oscar Kulman chama e bem a Historia da Salvação.

O Gênesis continua e termina com a historia dos Patriarcas. Muito se disse, muito se escreveu e afirmou sobre esta parte do Gênesis. Apesar dos elementos míticos, sem importância relevante, Abraão existiu mesmo por volta do ano dois mil antes de Cristo; Judeus havia já implantados no delta do Nilo por volta de 1800 a.C.

Abraão é um descendente de Noé; originário de Ur, na Mesopotâmia, fixado em Haran, na Síria.

O que importa reter de Abraão é que ele era pagão e que o chamamento de Deus vai pô-lo em marcha; é a Palavra que constitui o povo contido em gérmen nesta Família patriarcal. De notar que, alem de ser pagão, Abraão não tem descendência — Sara, sua mulher, é infecunda.

A Palavra que se dirige a Abraão convida-o a um duplo ato de fé: pôr-se em marcha para um lugar somente de Deus conhecido; esperar um filho (12:1ss.).

A esta Palavra, totalmente desconhecida de Abraão, responde o Patriarca arriscando tudo na Fé; entre Deus e ele é estabelecida uma relação de justiça (15:6ss.).

A esta Palavra, totalmente desconhecida de Abraão, responde o Patriarca arriscando tudo na Fé; entre Deus e ele é estabelecida uma relação de justiça (15:6). Abraão está profundamente de acordo com o Deus vivo.

Em tudo Abraão corresponde àquilo que Deus dele espera.

A vida de Abraão pode ser considerada a Grande Aventura da fé: renuncia a toda a segurança para viver da única certeza que lhe dá a Palavra.

O sacrifício de Isaac (cap.22) aparece como o chamamento definitivo da Palavra, na certeza que a lei de Israel não pode ser conforto religioso e poder estável; é preciso que aquele que crê aprenda que Deus lhe basta e somente Deus.

A figura de Abraão atravessa todo o Antigo e Novo Testamento como convite a uma vida espiritual móvel, em marcha para Deus e não possessiva: a comunidade judaica não podia ser uma sociedade fechada, debruçada sobre ela mesma, vivendo de um perfeccionismo estéril. Os filhos de Abraão são homens cheios de vida, crendo no impossível, apostando no invisível, mendigos de mãos vazias que só a graça enche, despoja, acorda e concede alegria (Is. 51:2; Rom.4:1ss.; Hebr.11:8ss).

Depois, vem Isaac, cujo nome em hebreu quer dizer "Loucura" — quem não riria quando do anuncio da gravidez da velha Sara? Porem, a palavra não é nem plausível nem lógica; Ela só pode causar suspeita e duvida a quem não quer correr o risco da Fé.

Depois, vem Jacob, o "Enganador," vivendo apaixonadamente a "benção do Pai" e que aqui está para recordar a todos que não há nenhuma justa medida entre a virtude moral, a respeitabilidade humana e a Fé. Todavia, Jacob terminará a sua vida, quebrado pela luta com Deus (cap.32); tal como a esperteza, a força não se pode apoderar da graça; Jacob lutará com o Anjo (Rafael), perderá a luta e confessará: "É Deus o mais forte." E, porque finalmente se relacionou com Deus com humildade, ser-lhe-á dado o nome de Israel (32:28).

O livro do Gênesis termina pela espantosa historia de José (37-50) — história transparente, onde se vêem anunciadas já a paixão e a glorificação do "Cristos."

José é o filho amado de seu pai, tal como Abel, e por isso desperta a inveja dos outros; assim, os irmãos desembaraçam-se dele, vendendo-o. É considerado morto. Da cisterna para a escravatura, da escravatura para a prisão, José chega a Primeiro-Ministro do Faraó do Egito — o Escravo senta-se à direita do Rei!

À falta de trigo, o pai ordena aos irmãos que vão ao Egito. Os irmãos não o reconhecem; José reconhece os irmãos. Porem, não tem nenhuma atitude de vingança. Recebe-os, dá-lhes o que pedem e revela-se-lhes. O amor fraterno volta a instalar-se na casa de Israel.

Porque os Judeus participam, antecipadamente, na humilhação do Messias, os antepassados dos Judeus vivem já, também, na luz da Sua vitória, porque eles crêem na Palavra e empenham toda a sua vida, vivem na humildade e são no meio dos outros povos duma espantosa e fraterna proximidade.

O Gênesis não é o começo folclórico de uma historia nacional, mas sim o inicio espiritual de uma humanidade nova.

 

O Livro do Êxodo.

No gênesis falou-se dos Patriarcas; no Êxodo fala-se do povo.

A família de Jacob (Israel) tornou-se tão numerosa no Egito (onde fora ao encontro de José) que as rações anti-semitas não se fizeram esperar: "Eles são numerosos, são ricos, ameaçam a segurança da Nação..." (Ex.1-9).

Neste momento, o povo lembra-se que aquilo que é deve-o tão somente ao Senhor e só a Ele (Dt.6:21 ss) e é na saída do Egito que a Aliança com Deus vai ser concluída.

É normal que o plano do livro corresponde a estes dois acontecimentos: cap. 1-15: a libertação do povo; cap. 15-40: a promulgação da Aliança e a sua realização na construção de um Santuário que será, desde agora, o lugar de encontro entre Deus e o Seu Povo.

O tema principal do Êxodo é "a passagem do povo da servidão ao serviço."

Moises vai ser a personagem principal; todavia, é O Senhor, invisível, que é o coração da história e do livro.

Deus vai revelar através do Verbo, que Se revela na sarça ardente a Moises, pela primeira vez na historia, o Seu Nome: o Senhor, chama-Se YHVH (Yhavhé) — Nome inefável, Nome que exprime ao mesmo tempo que Ele Se dá a conhecer ao homem (pois atribui-Se a Si mesmo um Nome) e que permanece o "Todo Outro" — pois não se pode conter nem numa linguagem religiosa nem numa pratica cultual. A imanência de Deus através da revelação do Seu Nome deixa intacta a transcendência do Seu Ser.

Esta dinâmica perpassa em todo o livro; certo é: Deus conosco, Deus por nós, mas nunca Deus à medida da nossa humanidade.

YHVH é uma variante do verbo ser, em hebraico — o Nome de Deus é um apelo à vida: Ele É — Ele é, era e será, como nos diz o Apostolo João o Teólogo, no seu livro, o apocalipse (Apoc. 1:4-8).

"Eu Sou... enviou-me a vós" (Ex.1:14) — tal é a frase de passe que creditará Moises junto do Povo Eleito.

Sob a proteção do Nome de Deus (Eu Sou Aquele que É), por-se-á em movimento o povo e seguirá em frente triunfando dos seus inimigos. (Ex. 17:8-16).

Ser encontrado por YHVH é tornar-se Homem Livre; o Deus que É só pode conferir o Ser aos homens que O encontram (Gen.1 e 2).

Não há liberdade sem libertação; esta a mensagem do povo de Israel vivida no seu seio como uma certeza e transmitida a todos os outros povos. Quando toda a esperança humana está perdida — nada há a esperar dos homens — o Anjo exterminador do Senhor passa, fere de morte todos os primogênitos dos incréus do Egito, mas os que foram marcados com o sangue do cordeiro (porque esperaram confiantes na Palavra), serão salvos (Gen.12 a 14).

O sangue de um cordeiro imolado dará a vida a todos aqueles que com ele forem marcados.

Assim será também com os cristãos na Eucaristia — Sangue do Cordeiro que marca todos aqueles que acreditam em Cristo. Eucaristia, passagem da morte à Vida eterna.

A passagem do Mar Vermelho é para o povo de Israel como um batismo que sela a Aliança — verdadeira passagem das trevas para a Luz, da morte à Vida eterna.

Depois... Vem o deserto onde a fidelidade a Deus é posta á prova. O povo murmura, sente-se inseguro e duvida; o povo, no meio do deserto escaldante, prefere a segurança da escravatura ao risco inconfortável da liberdade. Nem a assistência de Deus a Seu povo através da doação do maná; nem a nuvem de fumo durante o dia, nem a coluna de fogo durante a noite, vão acalmar este povo que prefere as estatuas de madeira, de pedra, de bronze ou de ouro ao Deus invisível — YHVH. O povo, definitivamente, não quer esperar (Ex. 13:21-22).

Moisés dialoga com Deus na montanha; e o povo, inseguro e, de certa forma, arrependido por haver confiado no Invisível, faz um bezerro que adora — símbolo de fertilidade, de força e riqueza (Ex. 32).

A marcha no deserto, que começa com alegria, entusiasmo e esperança, pouco a pouco decai. O povo não consegue viver a espiritualidade do deserto: silencio, obediência e esperança - tendo como alimento único a Palavra de Deus (Ex. 15:1-21).

Apesar de Moisés ter instaurado um ministério colegial, não democrático (Ex.18:13-23) e rejeitado a impaciência e a idolatria de todo o povo, ele encontra-se sozinho, ponto de encontro entre a vontade de Deus e o povo; transportando aos seus ombros todos os desvios do povo que apresenta a Deus e transmitindo àquele a palavra do Invisível — Moises é a imagem de Cristo, só, incompreendido e rejeitado por todos aqueles para quem é, ao mesmo tempo, servo e mestre (Ex. 20:1 ss).

O Senhor, todavia, não ordenou nada a Israel enquanto esteve no Egito; agora que o Mar Vermelho já faz parte do passado, Ele confere a este povo livre uma Lei que quer ser principio de vida para todos, que liberta e não subjuga; esta Lei começa com o que se poderá chamar o Credo: "Escuta ò Israel, Eu Sou o Senhor teu Deus que te fez sair do país do Egito, da casa da servidão."

A Tora — Lei, é o coração da Aliança; e o coração da Aliança é a liberdade.

A Lei não é rígida e desumana; a Lei é fruto da Eleição gratuita do povo de Israel como povo de Deus e baseada na ação de graças que este povo dá a Deus que o libertou e quer ensinar a viver sempre livre.

O Povo Eleito não é chamado ao serviço de Deus (quatro mandamentos da primeira tabua da Lei) e ao serviço do próximo (seis mandamentos da segunda tabua da Lei) senão porque, antes, foi por Deus libertado.

A totalidade da Lei não é baseada no TU DEVES, mas sempre no TU PODES.

A Lei não pode ser vista como regra, simplesmente, para um comportamento atual, ainda que desejável, mas anuncia, sobretudo, o Reino onde, na plenitude dos tempos e da presença divina, o Senhor será tudo em todos e a Lei perfeitamente realizada.

O Decálogo é, ao mesmo tempo, convite para o presente e promessa escatológica.

Cristo aparece como o perfeito cumpridor de cada mandato e de todos "o Meu Alimento é fazer a vontade do Pai," tornando-Se por isto a Cabeça deste corpo que é o povo da Nova Aliança, assembléia de pecadores santificados pela total e absoluta fidelidade d’Aquele que no Batismo Se tornou para eles (os pecadores) em Caminho, Verdade e Vida.

A lei é um Pedagogo para nos levar a Cristo, como disse São Paulo (Gal. 3:24).

Enfim, o Êxodo conta como Deus instituiu no meio do Seu povo um Santuário: lugar vazio, pois só a presença invisível do Senhor o enchia na plenitude; e como "Sacramento" pediu que fosse feita a Arca da Aliança onde foram colocadas as Tabuas da Lei.

Este Santuário (Tenda da Reunião) será o lugar de encontro entre Deus e o seu povo; não haverá mais para o homem necessidade de subir às montanhas para O encontrar. Deus abaixa-Se, desce dos Céus e habita no meio dos homens. Todavia, não é nem a Tenda nem a Arca que conta, que são importantes: elas são provisórias. Só a Palavra e a presença de Deus enchem tudo, são definitivamente tudo, presentes que devem de estar sempre em todos.

Cristo é a nova Tenda, é o novo Tabernáculo, não provisório, mas eterno: "A Palavra fez-Se Carne e habitou entre nós" (Jó. 1:14).

O Livro dos Números.

Como o Levítico, este Livro, reunindo preceitos e textos legislativos, não somente à entrada do povo na Palestina mas ainda ao exílio, é , todavia , situado pelo seu redator na estada feita por Israel no sopé do Monte Sinai.

O povo nômade dedica o seu Santuário e põe-se novamente em marcha.

Israel explora a Terra Prometida (cap.13) e, diante dos perigos que o esperam, canta de novo o velho refrão do medo incrédulo e da fé incomoda, lastimando a perda de segurança que tinha no Egito.

Consternado, Moisés intercede junto de YHVH a fim de que Este não destrua o Povo, o que seria mal visto aos olhos dos outros povos (cap.14). Então, o Senhor YHVH decide castigar os infiéis Israelitas, sem, todavia renunciar ao Seu Plano: eles não entrarão na Terra da Promessa; e uma geração morrerá no deserto antes que a Promessa se cumpra.

Desde agora o povo vai andar às voltas; conduzido pela graça e retido pelo julgamento, Israel será lançado às víboras vermelhas da areia (cap. 21), apresentadas como dragões maléficos, cuja mordedura mortal será unicamente curada pela elevação, no meio do campo, de um caduceu, sinal da vitória sobre o mal (símbolo da homeopatia) e no qual o Novo Testamento vê a prefiguração da Cruz de Cristo: "Como Moisés elevou a serpente no deserto, é necessário que o Filho do Homem seja elevado, a fim de que todos os que n’Ele crêem não morram mas tenham a Vida Eterna (1 Jó. 3:14-15).

Antes, porém, é narrada a admirável historia de Balaão, profeta sírio do Deus Vivo, que, enviado pelo rei de Moab para amaldiçoar Israel, acaba por se pôr ao caminho sobre a sua burra e, advertido por uma visão noturna, por uma predição da sua burra e pela palavra de um anjo, finda abençoando aqueles que deveria amaldiçoar.

Neste episodio está contido um precioso ensinamento sobre a liberdade do Povo de Deus em relação ao poder político (cap. 22-24).

Por fim, aprendemos que o sucessor de Moises é Josué, cujo nome é o mesmo que Jesus e que significa? "O Senhor Liberta."

 

O Livro do Levítico.

O Povo da Aliança atravessa os desertos da Historia em marcha que o leva à Terra Prometida — o Reino. Avança de etapa em etapa, em contato com as nações pagãs, em contato com as culturas estrangeiras, ao mesmo tempo em que é tentado por elas e pelos seus próprios demônios.

Este Povo necessita de uma estaca à qual se agarre, se fixe, para poder caminhar a direito; esta estaca, necessária, será o culto que o Levítico determina com algum realce e grande minúcia.

A Liturgia descrita no Levítico é uma Força do Deus que Se comunica ao Seu Povo para lhe dar a Vida; a santidade não é colocada acima ou à frente do povo, ela é dada ao povo.

Desta forma, o Deus Santo, comunicando a Sua Vida, dá-Se ao Seu Povo e nisto santifica-o; o Senhor não constitui diante d’Ele uma comunidade fechada, uma "ilhota santa," isolada no meio da grande massa da perdição humana.

O Povo é santificado para que, dando-se, comunique essa santidade. É na missão que se verifica a autenticidade de sua vida e operacionalidade do seu culto.

Não há razão alguma em organizar uma comunidade egoísta "de consumidores" diante do Deus Vivo, preocupados, em primeiro lugar, com o seu bem-estar religioso.

À imitação do seu Deus, Israel é santo para comunicar aos povos o melhor que d’Ele recebeu.

O Levítico gira em torno do Mistério litúrgico pelo qual o Povo é reunido com Deus para ser enviado.

O coração da Sagrada Liturgia é o Sacrifício, do qual todas as variantes são descritas neste livro: holocausto e oblação, pelo qual o Povo exprime o seu reconhecimento e a sua pertença ao Deus da Aliança.

A Liturgia para o Povo Hebraico é Sacrifício de Comunhão, Sacrifício de reparação para o pecado, cujo fim é restabelecer com Deus as relações destruídas pela infidelidade incrédula.

Uma Vitima santa e pura é imolada, cuja morte representa a que mereceria o Povo; e a Misericórdia de Deus, aceitando este Sacrifício, devolve ao Povo pecador, mas arrependido, a Sua santidade, restabelecendo o dialogo.

Todas as descrições da Sagrada Liturgia, no Levítico, são estranhas à nossa mentalidade atual; todavia, é nestas categorias que o Novo Testamento descreve a Morte de Cristo: não sendo nenhum sacrifício suficiente, Jesus oferece-Se ao pai como Vitima e Sumo Sacerdote — "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo. 1:29).

O centro de todo o Evangelho é a substituição do culpado pelo Inocente.

A Liturgia torna-se, para Israel, o centro privilegiado de toda a sua vida; o Levítico organiza o Sacerdócio na Tribo Levi, que será o intermediário entre Deus e o Povo; encarregado de falar a Deus da parte do Povo e chamado a falar a este da parte de Deus, comunicando-lhe a Sua vontade, o sacerdote tem uma função decisiva, ao mesmo tempo em que representa a ameaça permanente de um finalismo religioso, que os profetas combaterão, todos e sempre, com a maior energia!

O culto e o tabernáculo podem tornar-se armadilhas onde a fé desaparece no ritualismo, onde o Sagrado substitui o Dom da Vida, onde a palavra substitui o Verbo, onde a magia toma o lugar da graça.

É por isto que o Antigo Testamento põe constantemente em guarda o povo contra os sacerdotes que perderam o conhecimento da Verdade e se consideram adivinhos e notáveis (Os. 4:4-6).

Nada de mais perigoso que um clero que se olha a si mesmo como um "poder" e se torna numa casta dirigente que oprime mais o Povo que o liberta.

O povo tem de se lembrar, ao instituir sacerdotes, que ele foi "escolhido por Yhavhé como um Povo de sacerdotes" (Êx. 19:6) e guardar indefectivelmente a "esperança de um tempo onde todos os salvos serão chamados sacerdotes de Yhavhé e servos de Eloim" (Is. 61:6).

Desta forma, se precauções não forem tomadas, o sacerdote pode tornar-se numa armadilha para Israel, se ele fizer do Povo eleito uma comunidade ritualista em que a fé se esgota no cumprimento da cerimônia.

O sacerdote não cumpre a sua missão se não enviar constantemente todo o Povo.

Todas as prescrições levíticas que dizem respeito à santidade, à pureza de vida, às festas e aos anos sabáticos; mostram que o povo santo é feito à imagem de Deus, para ser um sinal de vida total, recapitulada no seio de todas as nações que, olhando Israel, o vêem marchando sobre a estrada justa, como um convite a todos entrarem na plenitude da vida da Aliança: tal é, em particular, o significado das espantosas leis sociais do capitulo 25Ί.

O Livro do Deuteronômio.

Este livro da Sagrada Escritura, o Deuteronômio, é uma composição do séc.VII a.C., dado como uma recapitulação da Lei. Este livro serviu de base às reformas do Rei Josias e foi o ponto de partida para a pregação do profeta Jeremias; também pode ser, a justo titulo, chamado "Livro de Recordação." É posta na boca de Moises, antes de morrer, esta frase que ele vai repetindo: "Liturgia de ação de graças" (vertente principal do povo de Deus), ela consente em fazer a Anamnese dos atos salutares e viver num estado de permanente louvor a Deus que seja como que o nervo de cada um dos atos da vida quotidiana do homem.

No âmbito das exortações gerais e da reformulação da Lei aparece o "Schema Israel": "Escuta, ò Israel, o Senhor nosso Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças" (6:4).

Assim, torna-se bem claro que a resposta do homem à obra libertadora de Deus não pode ser outra senão a de um Amor que envolve toda a Sua humanidade, duma forma tão perfeita e tão exclusiva que nada lhe pode escapar.

Dando ao texto tradicional do "Schema" o complemento necessário tirado do Levítico 19:18: "Tu amarás o teu próximo como a ti mesmo," a Igreja Apostólica manifesta já um espantoso conhecimento e uma profunda intuição do Antigo Testamento.

A Tora, esta parte da sagrada Escritura tão misteriosa e tão desconhecida, gira em torno deste "Segredo de Amor." Deus ama a humanidade — revela-o elegendo Israel, fazendo o convite a todos os homens a entrarem na corrente do Seu Amor contagioso.

As Leis que dizem respeito ao culto têm qualquer coisa contra a idolatria e manifestam a preocupação dos profetas em restabelecerem o culto na sua pureza primitiva — todavia, este trabalho vai-lhes ser dificultada pelos povos idolatras, vizinhos.

Dentre as passagens mais significativas é necessário salientar aquelas que dizem diretamente respeito a uma realeza que ainda não existe — cada Rei deverá copiar um exemplar da Lei ditado por um sacerdote (17:14-20), da mesma forma que este é posto de sobreaviso contra os "adivinhos" e os "encantadores," contra todos aqueles que invocam a morte e predizem o futuro e são eles próprios a negação dos profetas que Deus enviou (18:9-14). As prescrições sobre a crucifixão e a sua maldição serão lembradas quando da Crucifixão de Jesus (21:22-23; Gal. 3:13).

O estilo deste livro torna-se mais simples na medida em que nos aproximamos do seu fim.

A repetição constante das bênçãos serve de base à afirmação que a Lei não é impossível de cumprir (30:11) e quanto é bom para o homem escolher a Lei como regra de vida (30:15ss. 32:45ss).

Depois das exortações feitas a Josué e de um admirável cântico pronunciado por Moises (32), este livro termina pela Benção dada às doze Tribos de Israel (33) e pelo relato da morte do grande Profeta, apresentando-o como o maior que jamais Israel teve (34:10-12).

O livro encerra ainda a promessa de que um dia virá um outro Moisés.

A partir desta altura, deste momento histórico, toda a escatologia de Israel está ligada à espera desse "Novo Moisés." É por esta razão que o Evangelho de São João o Teólogo faz notar que, tendo "chegado os tempos," não hesita em fazer o paralelo: "A lei foi dada por Moises; a Graça e a Verdade vieram-nos por Jesus Cristo" (Jó. 1:17).

 

 

Livros Históricos.

Para além do Pentateuco, por sua vez narrativo e legislativo, o Antigo Testamento conta ainda 14 livros históricos: Josué, os Juízes, Ruth, Samuel I e II, OS Reis I e II, as Crônicas, Esdras e Neemias, Esdras I, Tobias, Judite, Éster e os três Macabeus.

Os quatro primeiros livros denominam-se na Sagrada Escritura Hebraica de Profetas Anteriores, por oposição aos Profetas Posteriores, a saber os Grandes e Pequenos profetas. Esta apelação justifica-se, se considera-se que os Hebreus designavam os seus autores pelo termo de "profetas, tomado no seu sentido geral, isto é, de "inspirados por Deus." Com efeito, como os seus livros o permitem comprovar, estes homens receberam o Espírito e a visão profética da historia.

O Livro de Josué.

O livro de Josué tem o nome da personagem central da historia que ele narra. Originário da tribo de Efraím, Josué, filho de Nun, teve um papel importantíssimo e primordial na historia do seu povo depois da saída do Egito.

Um dos principais auxiliares de Moisés é aquele que podemos considerar como o seu braço direito (Ex. 17 Num. 27:18) e aquele a quem Moisés tinha confiado a missão de conduzir o povo de Israel para a Terra Prometida por Deus a seus Pais: "Moisés, Meu servidor, morreu, diz Deus, é tempo de agir e passar o Jordão, tu e todo este povo, para o País que Eu dou aos filhos de Israel. Todo o lugar que a planta dos vossos pés pisar, Eu vo-lo dou, como o declarei a Moisés. Desde o deserto e o Líbano até ao grande rio, o Eufrates, e até ao grande mar, para o sol poente, tal será o vosso território..." (Jos. 1:2ss).

Neste livro segue-se a história da Revolução divina contida no Pentateuco, e a teocracia israelita, depois da morte de Moisés até aos primeiros dias que se seguem à morte de Josué. O autor de Moisés até aos primeiros dias que se seguem à morte de Josué. O autor expõe aqui, duma forma geral, a conquista da Terra Prometida levada a cabo sob a chefia de Josué graças ao socorro divino e após duros combates (1-12); segue-se a repartição do território entre as tribos de Israel (13-21). Em conclusão, são narradas as ultimas exortações de Josué, a renovação da Aliança de Deus com o Seu povo, a sepultura de Josué e a do Sumo-Sacerdote Eleazar (22-24).

O objetivo do livro é mostrar a fidelidade de Deus no cumprimento das promessas que Ele fez ao Seu povo, fidelidade à qual deve corresponder a de Israel para com o seu Deus. A tradição judaica, relatada no Talmude, atribui à personagem principal, central, da qual o livro tem o nome, a composição do mesmo livro, teólogos antigos, medievais e modernos sustentaram igualmente esta tese, à qual se opõem vários comentadores contemporâneos. O mais verossímil parece, pois, quedarmo-nos pelo meio termo, isto é, concentrarmo-nos na tese segundo a qual o livro tiraria a sua origem do próprio Josué, não tendo, contudo tomado a sua forma atual senão após algumas modificações (arranjos, consertos) na elaboração do texto e de novos adiantamentos. Diversos dados testemunham em favor desta tese: nalgumas partes do próprio livro respeitantes ao próprio Josué (24:1-26), o autor parece ser contemporâneo dos fatos que narra e neles provavelmente haver tomado parte (5:1-6; 15:4; 3:78), como nos detalhes que ele precisa o permitem supor. Alguns dos partidários da teoria das quatro fontes do Pentateuco pretendem que esta se verifica igualmente no livro de Josué. Esta tese fora, contudo, abandonada há pouco tempo após um exame filológico do livro que demonstrou a sua independência e sobretudo após Noth ter publicado os seus últimos trabalhos sobre esta questão. Por outro lado, um tal Hexateuco (o Pentateuco mais o livro de Josué) é ignorado pelos historiadores do texto dos Samaritanos, que receberam um Pentateuco e não um Hexateuco.

No que concerne à autenticidade deste livro, ela é confirmada por certas passagens através de recentes descobertas arqueológicas feitas no Egito e na Palestina (tabuas de Tell El Amarna no Egito Central, descobertas de Jericó e outras cidades da Palestina).

A personalidade de Josué é já posta em evidencia na "Sabedoria de Bem Sirac" (46:1-6). Paralelamente ao conteúdo histórico do livro, a Igreja primitiva procurou desde o principio significações tipológicas e proféticas escondidas, respeitantes ao novo Israel, significações de que a pessoa de Rahab fornece os indícios no próprio Novo Testamento. A Fé desta mulher é celebrada na Epistola aos Hebreus (11:31) e na de Tiago (2:25); ela torna-a digna de figurar na genealogia do Messias (Mt. 1:5). O próprio nome de Josué já foi considerado como a figura "tipológica" da Salvação trazida por Jesus Cristo, o Messias. A partir desta interpretação, foi justamente notado que Josué era mais honrado na Igreja primitiva do que na Sinagoga judaica. A Igreja viu na sua pessoa o símbolo do Salvador, bem como, na passagem miraculosa do Jordão sob a sua chefia, o símbolo do batismo cristão e do triunfo da Igreja.

O Livro dos Juízes.

O titulo deste livro traduz o termo hebreu "Shophetim" e reporta-se às personagens que aí têm o primeiro lugar. Esta palavra "Shophetim" indica aqui, não particularmente os homens que exercem o poder, como os "suffeten" administravam Cartago, mas antes as personagens carismáticas que aparecem periodicamente em Israel após a morte de Josué e que, reconhecidas por uma ou por várias tribos, por vezes mesmo por todo o povo, com todos os poderes militares na mão, salvam o País dos inimigos que o oprimem. Este livro faz menção de doze Juízes; é preciso juntar dois outros, os últimos Juízes que são citados no primeiro capitulo de Samuel I.

O livro dos Juizes compreende três partes. A primeira contém uma dupla introdução: uma, histórica (1:1-25), dá uma idéia do estabelecimento das tribos, após a morte de Josué; a outra, mais doutrinal (2:6-36), forma uma espécie de Teologia sumária da Historia, à luz da qual é examinada a Historia de Israel, o que constitui o objetivo do livro. O plano desta Teologia sumária, que é considerada a justo titulo como profética, compreende três fases: o afastamento de Yhavé, a conversão e a salvação graças ao socorro divino. A segunda parte, que representa o essencial do livro (3-7-16-31), contém as narrações de extensão desigual concernentes aos Doze Juizes e, sobretudo aos mais importantes: Otniel, Ehud, Débora e Braq, Abimelek, Jephté e Sansão. A terceira parte, que forma a conclusão (17-21), contém dois apêndices históricos descrevendo os incidentes ligados à anarquia que reinava durante o período dos Juízes. Cada um destes episódios termina por uma espécie de refrão, constatando a causa do mal: "Nesse tempo não havia Rei em Israel e cada um fazia o que lhe apetecia, o que lhe agradava" (XVII:6; XVIII:1; XIX:1; XXI:25). O autor indica indiretamente, por estas palavras, a necessidade da instituição da Realeza (Monarquia), que é descrita no inicio de Samuel I (8:1ss.).

O objetivo do livro é o de ensinar em primeiro lugar aos Israelitas que a apostasia dos seus pais é punida: inimigos estrangeiros vêm submeter o povo de Israel; depois que a sua libertação se operar pelos Juizes, instrumentos de Deus, eles fazem penitência e retornam ao seu culto.

Uma velha tradição judaica descrita no Talmude atribui a redação deste livro ao próprio Samuel. Esta tese é aceita por vários eruditos da primitiva Igreja e da Idade Media, e mesmo por alguns comentadores modernos. No entanto, a critica contemporânea, apesar de reconhecer a existência dum texto antigo na parte essencial do livro, Põe do lado esta tradição e esforça-se por estender a teoria das quatro fontes do Pentateuco igualmente a este livro. Ela procura também uma influência deuteronômica, contestada, alem do mais, pelos mais moderados. Reconhece-se, por outro lado (Pederson), que "a critica literária chegou a conclusões mais audaciosas do que aquelas que se poderia razoavelmente admitir. "em todo caso, um exame atento persuade-nos que será preciso fazer uma distinção entre a origem das diferentes narrações do livro e a sua composição sob a forma atual.

Narrações parciais existem que se distinguem, na sua maioria, por uma recordação muito viva de certos detalhes, por certas colorações locais e por arcaísmos contemporâneos, segundo parece, dos acontecimentos descritos. Estas narrações parciais são em seguida juntas por um autor profético e colocadas em livro, em vista a formar um todo único, conforme a um plano determinado e a um fim preciso. Um dos pedaços mais antigos do livro é o Hino de Débora (cap.5); considera-se que foi composto sob a impressão ainda fresca dos acontecimentos que o provocaram e, sobretudo, logo após uma vitória, ou seja, na segunda metade do séc.XII antes de Cristo; é um dos mais antigos monumentos escritos, inteiramente conservado, da filologia israelita. O apólogo de Yotam, no cap. 9:7-15, é também dos mais antigos.

Quanto ao valor histórico do livro, ele decorre da antiguidade fundamental das narrativas. Em seu favor, vem a observação seguinte de Albright: "A marcha dos acontecimentos foi mais conforme às tradições escriturísticas do que o admite a escola racionalista contemporânea." Muito importante igualmente é o valor religioso do livro que é posto em realce no A.T. e no N.T.; o autor da Epistola aos Hebreus reconhece os Juízes como "testemunhas" da Fé "... eles que, graças à Fé, submeteram reinos, exerceram a justiça, obtiveram o cumprimento das promessas, fecharam as bocas dos leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, tornaram-se vigorosos de doentes que eram, mostraram valentia na guerra e repeliram as invasões estrangeiras" (Hebr. 11:33-34).

 

O Livro de Ruth.

Este pequeno livro tendo o nome da sua heroína, testemunha dum vivo espírito religioso e de uma notável graciosidade idílica.

Ruth a Moabita, após a morte do seu marido, refugiado de Belém, consagra-se ao serviço da sua sogra; segue-a fielmente quando do seu regresso de Belém; por instigação sua e conforme com a lei mosaica, Ruth casa com Booz. Torna-se assim a bisavó do Rei David e uma dos antepassados do Messias. O objetivo da narrativa é por sua vez histórico — ele responde ao interesse conferido, durante o período real, à origem da dinastia de David — e didático: o autor propõe-se demonstrar que Deus recompensa abundantemente a Fé em Si e a dedicação duma mulher, mesmo se ela é estranha à tribo, onde entrou pelo casamento.

Quanto ao tempo da composição, a tradição judaica do Talmude adotada por muitos comentadores antigos e modernos, fá-la remontar a Samuel. Outros exegetas, principalmente entre os modernos, situam a data da sua composição nos tempos que se seguiram ao cativeiro. Razões sérias, relevando da crítica interna, confirmadas pelo arcaísmo do livro e por alguns pormenores da narração, pendem para a sua feitura antes do cativeiro.

A narrativa seria fundada sobre uma tradição oral familiar, conservada na Casa Real de David.

Para além do seu valor literário e didático, o livro de Ruth revela um significado particular do ponto de vista cristão. No Evangelho de São Mateus (I:5) a genealogia do Messias menciona David e a estrangeira Ruth, mostrando que "a carne e o sangue não são os que, em primeiro lugar, unem alguém ao povo de Deus e do Messias." A personagem e o papel de Ruth põem em relevo o fato de que um "Israel segundo o espírito" era conhecido desde a mais alta Antiguidade, bem como a idéia duma missão salvadora de Cristo unindo, abarcando todos os povos.

 

Os Livros de Samuel I e II.

Estes escritos formam uma só obra. Mas encontram-se separados em dois livros, pela primeira vez, na tradução grega dos Setenta. Esta distinção foi adotada não somente pela Vulgata, mas também pela Sagrada Escritura Hebraica, como nas traduções mais recentes. Contudo, na tradução grega do A.T. e depois dela, assim como na Vulgata, as narrativas em questão apresentam-se sob o titulo comum de "Realezas," e a justo titulo, uma vez que, da mesma forma, os livros seguintes apelidados de "Os Reis," segundo o texto hebraico, inspiram-se na Historia dos Reis de Israel.

O tema principal Samuel I e II, cuja historia nos aparece muito coerente, consiste na narração da instituição da Realeza em Israel segundo uma perspectiva teocrática, com o fim de legitimar e de consolidar a Casa de Davis. A narração começa com os últimos tempos do período dos Juizes, pré-Historia da Realeza, e estende-se até aos últimos dias de David, cuja morte nos é contada no inicio do I livro dos Reis. Mediante as principais personagens colocadas em cena, a narração distingue-se em três partes: I- historia de Elias e Samuel (1Sam.1-7); II- o estabelecimento da Realeza por Samuel e Saul e a perseguição de Saul contra David (1 Sam.8-31): III- a hegemonia de David, o seu pecado e a sua punição (2 Sam.1-34). Não se trata neste livro tão pouco duma historia completa e seguida, mas de narrações por meio das quais o escritor pensa demonstrar: a) a origem divina da Realeza de Israel ; b) a possessão legal desta Realeza por David, eleito de Deus; e c) as conseqüências para o povo e seus chefes desta submissão à vontade divina ou, ao contrário, do seu afastamento de Deus. Notar-se-á com uma atenção particular a relação que existe entre a personagem central do livro, o Rei David, e o Messias esperado que, na genealogia de Jesus Cristo e noutras partes do N.T. aparece como o descendente de David (1 Sam. 2:10; 2 Sam.7:2; cf. Is. 11:1; Mt. 1:1; Lc. 2:4; Jo. 7:12; Rom. 1:3; Hebr. 2:30; Apoc. 3:7).

Uma tradição judaica do Talmude atribui este livro, como os dois precedentes, ao profeta Samuel. Parece que esta tradição repousa, por um lado, sobre o conteúdo dos primeiros capítulos de Samuel I, onde este último surge como a personagem principal, e por outro lado, sobre o conteúdo dos primeiros capítulos de Samuel I, onde este último surge como a personagem principal, e por outro lado, sobre uma passagem de 1 Crôn. 29:29, onde é mencionada, além de outras fontes históricas, uma "historia de Samuel o vidente," isto é, o profeta. Uma analise atenta deste livro prova que o profeta-escritor, que nos permanece desconhecido e que teria vivido por volta do fim do séc. VIII antes de Cristo, utilizou diversas fontes antigas, orais e escritas (cf. 1Cron. 29:29). De seguida fizeram-se adições, algumas das quais não figuravam no texto da tradução grega dos Setenta. Em favor da autenticidade histórica do livro temos a antiguidade certa das fontes essenciais, os detalhes, a psicologia das situações, a imparcialidade que se encontra na historia de David, que apesar de tudo não está desprovida de pontos obscuros.

A arte historiográfica do autor, no que concerne às fontes do livro, foi justamente observada pelo historiador Ed.Meyer: "É extraordinário que um tal conhecimento histórico fosse então possível em Israel, conhecimento somente igualável ao da Grécia." O livro contém também partes de uma enorme beleza literária, como as narrativas de Samuel, Sobre Ana, sua Mãe (1), sobre o ministério dele no Templo (3), a nomeação de Saul como Rei de Israel (9-10), o combate de David e Golias (17), a lamentação de David depois da morte de Saul (25:1), etc. O valor religioso e ético do livro, cuja força edificante os Padres celebraram dando-lhe um lugar iminente entre os demais do A.T., é notável. Grandes lições se podem daí tirar, como as palavras de Samuel a Saul: "A obediência é melhor que o melhor Sacrifício" (1 Sam. 15:22), (cf. também Am. 5:21; Os. 6.6), ou como o anúncio dos perigos da Realeza e particularmente da sua laicização (1 Sam.17). O livro põe em evidencia a miséria humana, que se manifesta em quedas do Homem cheias de conseqüências, que são denunciadas e punidas. Apesar das suas fraquezas, David é considerado por Aquele que julga não mediante as aparências, mas segundo o coração dos homens, como o eleito de Deus. Nele, revelam-se estreitamente ligadas a profecia, a esperança e a espera messiânicas, presentes no A. e no N.T., onde o Messias é considerado como o descendente de David. Se as passagens obscuras da sua vida (de David) não são passadas sob silêncio, da mesma forma que as punições divinas, o arrependimento é exaltado, bem como o Perdão de Deus, de acordo com uma tradição que se tornara corrente nas espiritualidades judaica e cristã e que se exprime no Salmo 50(51).

Na Igreja Ortodoxa, a memória do Rei-Profeta David, enquanto antepassado de Cristo, é mencionada duas vezes nos dois domingos que precedem o Natal e uma terceira vez no primeiro domingo que se segue à natividade de Nosso Senhor, com aquela dos Santos e dos Justos, José e Tiago, Irmão de Cristo.

 

Os Livros dos Reis I e II.

Os dois livros dos Reis constituíam também, primitivamente, um só livro. Aparecem divididos pela primeira vez na tradução grega dos setenta. Esta divisão passou depois para a Vulgata, depois para a Sagrada Escritura Hebraica e para as traduções correntes, modernas. Estes livros, estreitamente ligados com Samuel I e II, expõem a Historia das duas Realezas desde os últimos dias de David e o reconhecimento por ele de Salomão como seu sucessor, até aos anos que se seguem à destruição do Estado do Sul (587). É pois a História de quatro séculos, aproximadamente, que aí se desenrola e principalmente a do Reino de Judá.

Distinguem-se três períodos nesta história: 1) a história do Estado israelita unido, desde os últimos dias de David e a entronização de Salomão até à morte deste (1 R. 1-11); 2) a história paralela dos dois Reinos (Norte e Sul) desde a sua separação sob Rubião, sucessor de Salomão, até à destruição do Reino do Norte (1 R.12 a R.17); 3) a historia do Reino do Sul (Judá) até a destruição e a graça, ao perdão concedido por Evil-Merodak (por volta do ano 562) ao Rei encarcerado, Joaquim ou Jeconias, isto é, até ao momento em que o povo se começa a restabelecer.

O objetivo deste livro é por sua vez didático e histórico; o autor quer nele demonstrar que toda a sorte do povo eleito depende da sua fidelidade a Yhavé, à Sua Lei, ao Seu culto legal em Jerusalém, de acordo com os ensinamentos do Deuteronômio. A Fé do autor na legitimidade da Casa de David e na conservação eterna da Realeza nesta descendência surge igualmente em filigrana nessas páginas. Uma tradição judaica do Talmude atribui a composição do livro ao profeta Jeremias. Vários comentadores modernos, apoiados em provas sérias, perfilham esta opinião, enquanto outros pensam que o autor pertence à escola de Jeremias. Sem duvida o autor é um profeta inspirado pelos princípios do Deuteronômio, apoiando-se por um lado sobre as tradições proféticas e por outro lado sobre fontes escritas. Faz apelo, explicitamente, aos "livros dos atos e Salomão," ao "livro dos anais dos Reis de Judá," ao "livro dos anais dos Reis de Israel" e ao "livro dos Cânticos"; deve também ter conhecido de perto as biografias dos profetas Elias e Eliseu. Em todo o caso, não menciona a destruição do Reino de Judá; o que permite supor que tenha escrito antes desta ter acontecido (587).

No que concerne à autenticidade do livro, para além do caráter vivo e pormenorizado da exposição, podemos estar seguros que o autor se serviu de fontes muito próximas dos acontecimentos narrados, às quais faz nítida e explicitamente apelo. Esta autenticidade é confirmada também por testemunhos arqueológicos e por epigrafes que as pesquisas recentes trouxeram à luz do dia. O valor religioso do livro ressalta do seu fim mesmo, mencionado mais acima, e do pragmatismo teocrático que o inspira, cujos princípios são enunciados na grande conclusão que sela a descrição da queda do Reino de Judá (do Sul; 2 JR. 17:7-41). Este valor manifesta-se também nas biografias dos profetas Elias e Eliseu e, sobretudo no elogio das esperanças messiânicas ligadas à Casa de David. O valor do livro é posto em evidê ncia, enfim, na descrição do fim lastimável do Reino do Sul e, com ele, da Casa de David, que conglomerava essas esperanças. Este fim do Reino do Sul e da Casa Real, devido à violação pelo povo eleito da Aliança concluída com o seu Deus, constitui uma preparação em vista à Nova Aliança, mais espiritual, que tinha anunciado o Profeta Jeremias, e uma orientação mais espiritual da esperança messiânica do povo, longe das concepções pagãs e terrestres. Um fato característico do espírito religioso do livro é a profunda ação de graças e a oração de Salomão no Templo, bem como a oração do Rei Ezequias (1 R. 8:15ss.; 2 R.20:2ss.).

O Livro das Crônicas.

Nas traduções dos Setenta e da Vulgata, o livro das Crônicas é assim chamado segundo um nome dado por são Jerônimo (Cronicon). Nas Sagradas Escrituras grega e latina, este livro tem o nome de "coisas omitidas" e é como que uma antologia, uma compilação do que os outros livros históricos do A.T. tinham deixado de lado.

Na Sagrada Escritura hebraica, o livro das Crônicas é chamado "Palavras dos dias" e está compreendido no número daqueles que se chamam "Hagiografias." Aí se encontra um resumo da história religiosa de Israel a partir de David e até ao cativeiro da Babilônia.

O autor contenta-se com catálogos genealógicos, com simples observações acerca da época compreendida entre Adão e Saul. A história do Reino de Israel (do Norte) não figura neste livro. Nesta obra, distinguem-se quatro partes: a primeira, que se refere à pré-história do Reino de Judá, enumera os catálogos genealógicos de Adão a David (1 Crôn. 1-9). A segunda parte retrata a história de David e as medidas tomadas com o fim de organizar o culto e a reconstrução do Templo (1 Crôn. 11-29); a terceira parte abrange a história de Salomão e em particular a reconstrução do Templo por ele (2 Crôn. 1-9); a quarta parte, narra a historia do Reino de Judá e principalmente a dos Reis mais piedosos (2 Crôn. 10-36). O livro acaba com uma ordem do Senhor relativa à reconstrução do Templo de Jerusalém e ao regresso a Israel daqueles que o entenderem.

O propósito do autor, que ora omite ora resume os fatos conhecidos pelos livros mais antigos é, por sua vez, de exortação e de edificação. Ele pretende demonstrar, uma vez mais, a estreita relação que existe entre a Felicidade do povo eleito e a sua fidelidade às prescrições divinas e, durante os tempos difíceis que se seguem ao cativeiro na Babilônia, propõe-se, invocando a recordação da grandiosidade da dinastia de David, insuflar no povo a esperança messiânica.

O objetivo do livro corresponde perfeitamente às necessidades da reorganização religiosa da comunidade judaica durante a ocupação persa. Graças, acima de tudo, às arvores genealógicas que aí se encontram, o autor tenta estabelecer a relação ideal que une as comunidades judaicas desde o cativeiro ao Israel dos temos gloriosos.

Este livro duma real unidade filosófica é obra dum autor pertencente à ordem sacerdotal que utilizou numerosas fontes escritas e talvez mesmo tradições orais. Parece que tradições posteriores se tenham juntado ao fundo primitivo, muito provavelmente durante a segunda parte do séc.v. o livro terá sido composto pelo Sacerdote e escriba Esdras. A favor deste ponto de vista, para além da tradição judaica, está também o fato das prisões de Esdras concordarem com o ideal expresso nas "Crônicas." Menos provável parece ser a opinião, muito propagada nestes últimos anos, que fixa o seu aparecimento no inicio da ocupação grega (300-250 a.C.). Ainda que o autor persiga objetivos precisos, um estudo atento e a comparação com descobertas arqueológicas bem recentes, demonstram a sua autenticidade histórica, mesmo o julgamento da escola crítica é favorável. Admite-se que o autor do livro tenha empregado fontes históricas dignas de fé, graças às quais se completa a imagem histórica deixada por outros autores. Reconhece-se ainda o valor religioso do livro, em particular nos discursos de David e de Salomão, ao seu povo, a Natan (1 Crôn. 22 ss., 28 e 29) e a Deus (1 Crôn. 17:10ss.) como naqueles de Josafat (2 Crôn. 20:15 ss.) e dos profetas (2 Crôn. 16:7; 25:7; 28:9; 34:22), bem como no elan da esperança messiânica e duma Realeza ideal. O caráter essencialmente religioso do livro é atestado igualmente pelo uso que dele faz o N.T. (Mt. 23:35) como pela influência de algumas das suas passagens sobre o culto da Igreja Romana e da Igreja Ortodoxa.

 

Os Livros de Esdras e Neemias.

À mesma categoria dos livros das crônicas pertencem os livros de "Esdras" e "Neemias," denominados assim devido ao lugar de proeminência que aí têm Esdras, sacerdote e escriba e Neemias, escanção do Rei persa. Não são outra coisa que o seguimento das Crônicas.

O propósito do livro, que não forma uma história continua, é a restauração da comunidade judaica durante os cem primeiros anos que se seguem ao retorno da Babilônia. O livro de Esdras começa por recordar o édito do Rei Cyro (538) e narra os acontecimentos que tiveram lugar de 538 a 536: o regresso dos exilados; a reconstrução do Templo sob a iniciativa do governador da Judéia Zorobabel, descendente de David, em colaboração com os profetas Ageu e Zacarias (1-6); o aparecimento e a ação de Esdras, por volta de 457 (7-10).

O livro de Neemias descreve a construção das muralhas de Jerusalém (1-7), a renovação da Aliança de Deus com o Seu povo pela intervenção de Neemias e de Esdras (8:1 a 13:3), a segunda estada de Neemias em Jerusalém e por fim a garantia dos direitos da nova comunidade judaica (13:4-31). A narração e a seriação cronológica dos acontecimentos são, não somente entrecortadas, mas também difíceis de verificar, sobretudo no que concerne à cronologia da ação dos chefes relativa à organização religiosa, econômica e social da comunidade judaica novamente restaurada.

O objetivo do autor é sempre o de demonstrar a fidelidade das promessas de Deus ao povo eleito pelo seu restabelecimento sobre a terra dos seus pais. Este livro deve ter sido redigido por volta do ano 400 e pelo mesmo autor do livro das "Crônicas." Vários críticos contemporâneos, contudo, opõem-se a esta teoria fazendo recuar a composição até ao ano 400, uma vez que situam a ação de Esdras por volta do ano 398.

As dificuldades cronológicas não diminuem o valor do livro. O reconhecimento nacional e religioso que ele descreve é duma importância significativa , não unicamente para esta época longínqua, mas para muitas outras épocas, em que situações análogas aconteceram. A autenticidade histórica das fontes privadas e sobretudo as duas importantes memórias de Esdras e Neemias não levantam duvida alguma aos historiadores mais celebres como Ed. Meyer, ou aos exegetas como Eissfeldt, Schader, Cazelles, etc.

O apêgo de povo judeu à Lei mosaica depois do seu regresso à Terra Natal, as grandes personalidades religiosas de Esdras e Neemias, de Zorobabel, marcam o valor espiritual deste texto.

 

O Livro de Esdras I.

O livro apócrifo de Esdras I na Sagrada Escritura dos Setenta confere uma particular importância à personalidade de Zorobabel. Este livro, sob o nome de Esdras III, é contado entre os livros deuterocanônicos na Vulgata, mas entra no cânone da Igreja Ortodoxa. É pois útil reservar-lhe algumas linhas. Esdras I, segundo os Setenta, ou Esdras III, segundo a Vulgata, apresenta um duplo interesse, histórico e filológico, por um lado, e por outro lado, ético e religioso. O primeiro deve-se ao fato da narração começar, não pelo edito de Cyro, mas sim pela reforma religiosa no tempo de Josué, acontecimento duma importância capital para a restauração religiosa e nacional do judaísmo após o retorno do exílio.

O seu interesse ético e religioso advém principalmente da personalidade de Zorobabel, guarda de corpo do Rei Dario. Tendo ganho a aposta que lhe havia sido proposta a si e a dois seus conterrâneos, pela famosa resposta: "Grande é a Verdade e ela predomina eternamente," fôra recompensado pelo Rei, que lhe dera a missão de ir, com cartas de recomendação, solicitar ajuda dos governadores da Síria, da Fenícia e do Líbano para a reconstrução do Templo.

Este livro seria uma tradução dum texto hebreu ou aramaico semelhante ao livro de Esdras-Neemias, ao qual corresponde perfeitamente a partir do capitulo 5.

 

Os Livros de Tobias, Judite e Ester.

Na tradução grega do Antigo Testamento estes três livros, dos quais os dois primeiros são apócrifos, contam-se freqüentemente entre os livros históricos, outras vezes entre os livros puramente didáticos. O terceiro existe igualmente na Sagrada Escritura hebraica, estando incluído entre os livros ditos de "Chetubim." Na nossa obra "Introdução ao A.T." caracterizamo-los como livros histórico-didáticos ou como uma narrativa edificante, respeitante a uma piedosa personagem histórica — é o caso de Tobias — ou concernente a um fato precioso: é o caso de Judite e Ester.

O Livro de Tobias

Este livro narra a vida, dirigida por Deus, duma família piedosa do reino de Israel (do Norte), fiel à Lei dos Anciãos, e de Tobias, conduzido para Nínive como prisioneiro por volta do ano 720. O principal propósito do autor é o de mostrar que Deus permite que os homens piedosos sejam postos à prova, jamais os abandonando e muitas vezes mesmo recompensando-os ainda neste mundo.

O livro enquadra-se num gênero literário de narrativa edificante alicerçado sobre uma tradição histórica bem precisa que remonta à época da personagem principal, mas que foi elaborado com fins morais. Dados geográficos e históricos corroboram esta tese, bem como a verdade psicológica da narração (cf. 12:20). Terá sido escrito, este livro, no tempo da diáspora, por volta dos séculos IV ou III. Outros exegetas não vêem neste livro senão uma falsa biografia que teria sofrido a influência do mito, largamente propagado no Oriente, do "morto reconhecido" e da "sabedoria d’Ahikar." Encontram-se traços deste mito nas fabulas de Esopo. Contudo, o mito do "morto reconhecido" está longe do contexto da narrativa de Tobias e a semelhança deste com a lenda de Ahikar explica-se não tanto por uma remota e larga difusão da lenda no Oriente, mas mais por uma base histórica real que não era provavelmente desconhecida do autor do livro de Tobias.

Quanto à língua, parece ter havido um original hebreu ou aramaico, no entanto perdeu-se. Talvez se descubram fragmentos em Qumran.

Se o livro de Tobias não figura na Sagrada Escritura hebraica, esta exclusão não significa que o seu conteúdo edificante não tenha sido apreciado pelos judeus; constatamo-lo através dos diversos textos semíticos ainda conservados. Na Igreja, Tobias é freqüentemente citado pelos Padres apostólicos; aparece em Roma nos frescos das catacumbas. A doutrina religiosa do livro anuncia um pouco o N.T. e o seu valor literário é tal que o podemos comprar aos mais belos livros, não só de Israel como do mundo inteiro.

O Livro de Judite.

Este livro surge também segundo o gênero literário das narrativas edificantes. Baseia-se num fato histórico e tem o nome da mulher que detém o primeiro lugar na historia exposta, contando como Deus salvou a sua pátria e o Seu povo penitente da ameaça estrangeira. O sentido profundo do texto revela-nos a invencibilidade de Israel, quando este recorre a Deus num espírito de Fé e de penitencia.

O caráter histórico da narração é atestado, pelo menos no essencial, por detalhes históricos e geográficos e por uma psicologia assaz justa. O problema reside em situar o acontecimento no quadro da Historia mundial. A opinião mais credível aproxima-o da expedição do Rei persa Artaxerxes III, mencionado por Diodoro de Sicília, logo, por volta do ano 350. Por carência de testemunhos suficientes, pode-se pensar que o livro tenha sido composto desde o inicio do século IV até ao fim do século III, sobre a base de uma tradição escrita ou oral.

A língua original parece ser o hebreu ou o aramaico, mediante semitismos contidos na tradução grega. É necessário referir que, desde a exclusão do livro do cânone judaico-palestiniano, perdeu-se o protótipo semítico. Mas o domínio de textos em grego foi constante. Na Igreja dos primeiros séculos, o livro de Judite é freqüentemente citado: por Clemente de Roma, por Orígenes, Tertuliano, Santo Atanásio, etc.

 

O Livro de Ester.

Este livro está unido na Sagrada Escritura hebraica aos livros chamados de "Chetubim," ao passo que nos Setenta e na Vulgata está inserido nos livros históricos. Do ponto de vista filológico, pertence aos livros histórico-didáticos ou às narrativas de historia edificante. Este livro faz parte também dos cinco Megilloth e lia-se durante a festa judaica "Purim," da qual narra a história. Conta, com uma grande qualidade literária, como Deus, pela intervenção de Ester a judia, mulher do Rei persa, salvou os judeus cativos na cilada do grande Vizir Aman e como, recordando este fato, fora instituída a festa "Purim" (14 e 15 do mês de Adar). O livro é um fato bem preciso da diáspora judaica da Pérsia. O seu caráter histórico é confirmado, não somente pela intenção do escritor de narrar os fatos históricos, mas igualmente pela simplicidade, precisão e verdade psicológica do que é exposto. Tudo isto é corroborado nos anais da Corte Persa (2:23; 6:1; 10:2). A correspondência do texto no que concerne aos palácios persas, com as pesquisas efetuadas em Soussa por sábios franco-judeus em finais do século XIX e a existência da festa "Purim," confirmam o caráter histórico do livro.

Segundo a opinião mais verossímil, o livro fôra escrito na Pérsia nos finais da dominação persa, ou ao menos no principio da dominação grega e muito provavelmente sobre a base dos monumentos escritos em Mardoqueia.

A contestação suscitada na Igreja dos primeiros séculos por Meliton Bispo de Sardes, Atanásio o Grande e Gregório de Nazianzo no que concerne ao caráter canônico do livro, está relacionada com a dos Rabinos, que consideravam o seu valor religioso de pouca relevância. O caráter religioso do livro foi posto em questão por Lutero, enquanto que Calvino e Zwinglio evitam menciona-lo. Karl Barth não o cita na sua Kirchliche Bibliche Dogmatik. Ainda que o ensinamento deste livro seja menos importante do que os demais livros do A.T., não lhe falta apesar de tudo valor religioso, sobretudo quando o lemos à luz do Evangelho. Estabelecer um paralelismo entre, por um lado, a saída do Egito sob a chefia de Moisés, a salvação dos judeus na Pérsia graças à ação de Ester, a festa do "Purim" e, por outro lado, a festa da Páscoa, não seria demasiado audacioso.

 

Os Livros dos Macabeus.

Os três livros dos Macabeus não são completamente estranhos à historia do livro de Ester. Estes livros foram inseridos na Sagrada Escritura grega do A.T., enquanto que a Vulgata se limita aos dois primeiros. Os dois primeiros livros dos Macabeus relatam os combates da resistência levados a cabo, com a benção de Deus, pela fração piedosa dos Judeus da Palestina, durante o século II antes de Cristo, contra o desejo de exterminação do Rei Antioco IV, denominado Epifânio. A palavra "Macabeu" tem aqui uma dupla significação: designa a família do fervoroso Sacerdote Matatias de Modin, da Judéia, que deu o sinal da insurreição, continuada depois pelo seu filho mais novo, Judas. Este foi pela primeira vez chamado "Macaabeu" , da palavra hebraica "Maccaba," martelo, porque ele era o instrumento que esmagava os inimigos. O vocábulo "Macabeu" designa ainda ouros zelosos chefes desta santa insurreição. Deve-se acrescentar aqui que o propósito de Antioco IV era o de helenizar a civilização e a religião judaicas, desenraizando, pela violência, os costumes locais dos quais a Lei mosaica era a alma.

O primeiro livro dos Macabeus narra o levantamento dos piedosos judeus contra as perseguições de Antioco IV Epifânio. É o Sacerdote Matatias que o desencadeia; seu filho mais novo continua a luta após a morte de seu pai; quando da morte de Judas, seus irmãos mais velhos, Jonatan e Simão sucedem-lhe. Graças aos duros combates travados pelos chefes e pelos insurrectos judeus, fieis à Lei do país, de 175 a 135, a liberdade religiosa e política triunfa. O sentido desta insurreição era duplo, como duplo era também o grande perigo que corria então o judaísmo metropolitano. Estava assediado pela ameaça de perder, não somente a sua especificidade religiosa, confrontado com a civilização helênica, que via com bons olhos uma importante fração do povo, mas igualmente a sua consciência nacional estreitamente ligada à sua consciência religiosa. Uma interdição de observar as prescrições litúrgicas da Lei mosaica, sob pena de morte, tinha sido promulgada. O livro fora composto em hebreu, no fim do séc. II a.C., sobre o modelo da historiografia antiga e sobretudo das crônicas. O original perdeu-se e é duma tradução grega que provêm as traduções latinas mais antigas.

O livro apresenta um grande interesse histórico, uma vez que descreve um período muito crítico da historia judaica, durante o qual o destino religioso e nacional do povo, e em conseqüência o papel de Israel na economia da Salvação, foram expostos a um perigo real e iminente. O livro põe além do mais em evidencia uma significação duma particular atualidade, ao manifestar a importância da liberdade religiosa como um direito humano digno do martírio, e denuncia os perigos que a religião corre quando há ingerência do poder político e dos interesses dinásticos.

O segundo livro dos Macabeus constitui, não a continuação, mas sim uma história paralela àquela do primeiro livro. Conduz-nos até à derrota do general grego Nikanor, pouco antes da morte de Judas Macabeu, em 161; a narração deste livro não cobre mais do que um período de 15 anos. O objetivo do livro era o de realçar a importância do Templo de Jerusalém, os combates pela Fé e as leis do país e, sobretudo, a intervenção admirável de Deus nos acontecimentos históricos. O livro fora escrito em grego, num estilo abundante de retórica, visando a edificação mais do que a historia, ao passo que o primeiro livro é de cariz mais histórico.

O segundo livro propõe-se do mesmo modo não fazer senão o resumo da historia escrita por Jason de Cycéne, em grego, no ano 161. Este "condenado" parece ser a obra dum judeu de Alexandria, que o teria redigido entre os anos 120 e 70 antes de Cristo.

Inferior ao primeiro livro do ponto de vista teológico: menciona, com efeito, a ressurreição dos mortos (7:9; 11:23), as orações pelos mortos (12:43-45), a intercessão dos Santos. A descrição do martírio dos Sete Irmãos e de sua Mãe é considerado pelos Padres da Igreja como um prelúdio e um símbolo do martírio cristão: "As mulheres recuperaram os seus mortos pela ressurreição. Alguns se deixaram torturar, recusando a libertação, a fim de obterem uma melhor ressurreição" (Hebr.11:35). Se estes dois livros foram excluídos do cânone judaico da Palestina, pelo judaísmo de Alexandria e principalmente por Fílon, foram postos em relevo e honrados em conformidade; também a Igreja primitiva agiu desta forma, celebrando desde o século III a festa dos Sete Irmãos. São Gregório de Nazianzo, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, o Bem-aventurado Agostinho e outros Padres da Igreja teceram grandes elogios aos Macabeus. Quanto a São João Damasceno, não somente qualifica o segundo livro de "escritura sagrada," mas ainda faz apelo a passagens desse mesmo livro para sustentar a sua tese "para os mortos!." A memória do martírio das Macabeus é celebrada na Igreja Romana a 2 de Maio e na Igreja Ortodoxa a 1 de Agosto.

O terceiro livro dos Macabeus: entre os livros apócrifos do A.T. a Igreja Ortodoxa conta também o livro impropriamente apelidado de terceiro livro dos Macabeus. A vida do judaísmo de Alexandria que aí se encontra exposta é anterior ao período dos Macabeus, uma vez que ela remonta a Ptolomeu IV Filopator (221-204). Este Rei do Egito para se vingar dos Judeus que o não haviam deixado entrar no Santo dos Santos do Templo, quis obter a sua apostasia, sob pena de exterminação. O seu desejo foi, contudo contrariado pela intervenção miraculosa de Deus. O título de Macabeus não pode pois ser devido senão ao lugar deste no A.T. após os dois outros Macabeus, lugar que se explica pela semelhança do assunto. Este livro não está compreendido no cânone da Igreja Católica Romana porque não era conhecido no Ocidente, alias como não era também no Oriente. Terá sido escrito por um judeu de Alexandria no primeiro século antes da nossa era.

 

Livros Poéticos

e Sapienciais.

Uma poesia é uma sabedoria refletindo todos os aspectos da vida popular penetrada pelo espírito religioso.

Os princípios da poesia são, segundo os Hebreus, tão antigos como o próprio povo. Neste povo, como em muitos outros, a poesia é a mais antiga manifestação duma literatura oral. Já no livro do Gênesis e noutros livros do Pentateuco e dos Juizes encontram-se exemplos caracterizados por uma imensa fecundidade poética. Nos outros livros históricos, como nos livros proféticos do A.T., descobrem-se, em grande número e duma admirável beleza, poemas líricos dispersos. Parece, através desses fragmentos, que a poesia popular não permaneceu completamente ausente desse povo essencialmente religioso; existem cânticos de banquete ou de luto, cânticos ocasionais, como, por exemplo, para a abertura dum poço, ou até mesmo, canções humorísticas sob a forma de adivinha.

Nos Livros históricos as mais importantes passagens poéticas conservadas não as Bênçãos de Jacob (Gen. 49:1-27), o admirável hino de ação de graças após a passagem do Mar Vermelho (Ex.15:1ss), o cântico do cisne de Moisés (Dt. 32:1-43), as Bênçãos de Moisés (Dt. 49:1-29), o cântico de Débora (Juizes 5:2-31), o cântico de Ana (Sam. 2:1-10), etc. Nos Livros proféticos podemos realçar os fragmentos poéticos como o Salmo de Naum (1:1), o cântico de Jonas (2:3), os de Isaias (5:1-5; 12:1-9) e muitos outros.

Foi, pois, a poesia religiosa a mais desenvolvida pelo povo hebraico, de acordo com o caráter do povo eleito tendo sido conservada. Esta poesia religiosa revestiu duas formas principais: a poesia lírica (hebr: cântico), que exprimiu diferentes sentimentos religiosos (as Lamentações de Jeremias, o Cântico dos Cânticos, certas partes de Jó e da Sabedoria de Sirac e dos Salmos, representantes excepcionais deste gênero literário); e a poesia didática (Mâshâl = parábola, comparação, sentença, etc.). Em relação com o seu conteúdo, chamamo-la sentencial, sapiencial e sofiológica, se tem como tema principal a sabedoria humana impregnada pela inspiração. A este gênero literário pertencem Jó, os Provérbios, o Eclesiástico, a Sabedoria de Sirac e a Sabedoria de Salomão.

A Epopéia e o Drama não foram desenvolvidos, no seu sentido próprio, pelos Hebreus, ainda que alguns ensaios deste gênero não tenham faltado (Jó, Cântico, etc.). Estes gêneros literários não foram cultivados talvez por outras razões, seja pela ausência de posto pela imitação (Aristóteles, Poético, I), seja por motivos religiosos (Dt. 255). É necessário citar os livros chamados "Livros do Justo," ou "Livro das Guerras de Yhavhé," que têm um caráter dramático como o Livro das Guerras de Yhavé," que têm um caráter dramático como o Livro de Jó, e principalmente o Cântico.

Paralelismo e Métrica.

Entre os sinais distintivos da poesia relativamente à prosa, existem sinais interiores, como a elevação do pensamento, uma frase burilada, a utilização de imagens apropriadas e de figuras de retórica: outros sinais são exteriores, como o ritmo, a medida, as estrofes, as rimas, a aliteração, o acróstico, etc. A poesia hebraica não é desprovida nem de uns nem de outros.

O principal sinal distintivo, e certamente o mais seguro, da poesia bíblica, ainda que não seja por isso nem absoluto nem exclusivo, é o seu ritmo fundamental, que foi discernido desde a Antiguidade por Orígenes. O Bispo inglês Robert Lowdath ("De Sacra Poesi Hebraecorum," 1753) mostrou claramente o paralelismo dos ritmos e das idéias. Dois ou três membros dum mesmo versículo são habitualmente postos em paralelo entre eles mediante o seu conteúdo, isto é, segundo a sua significação, seja de maneira sinonímica (paralelismo), seja antipatética (paralelismo antipatético), seja sintética (paralelismo sintético). A estas formas acrescenta-se usualmente uma quarta, o paralelismo apelidado de escalonado ou progressivo; o sentido do primeiro membro de um versículo sendo completado no membro seguinte pela repetição de uma palavra ou de uma frase do membro precedente. É importante observar que fora demonstrado que o paralelismo dos membros não era desconhecido dos outros povos no antigo Oriente (Babilônios, Egípcios, Fenícios, até mesmo Gregos). Por conseguinte, em nenhuma outra literatura antiga o seu uso foi tão freqüente e artístico como na poesia bíblica. Um outro ritmo, chamado Kina, é também empregado (lamentação ou ritmo elegíaco), cujo sinal distintivo habitual consiste em ser composto de dois membros, sendo o primeiro mais breve que o segundo.

No que respeita aos números (medidas), os sábios, os antigos como os modernos, descobriram na poesia hebraica métrica variada, algumas das quais se encontram em literaturas não bíblicas, antigas ou modernas. Vários autores tentaram a todo o custo aplicar um sistema quantitativo, silábico ou tônico. Nenhuma dessas tentativas resolveu definitivamente o problema da métrica na poesia hebraica. Descobriram-se estrofes através de alguns especialistas do A.T., nos Salmos, em Jó, no Cântico, mesmo em livros proféticos. Mas a existência deste fenômeno poético na literatura hebraica foi posto em causa por certos críticos talvez sem razão bastante. Há incontestavelmente na S.E. muitos poemas, rimas, paranomases e aliterações. Serve-se também do acróstico alfabético, ou de letras iniciais de cada versículo ou grupo de versículos correspondendo à serie de letras do alfabeto hebraico, como por exemplo nos Salmos 25, 34, 145, nas Lamentações 1, 2, 3, 4, nos Provérbios 31:10-31, em Naum 1:8, etc.

Relação da Poesia Hebraica com a Poesia dos outros Povos Orientais.

As pesquisas arqueológicas no Próximo Oriente trouxeram à luz do dia numerosos textos da poesia religiosa, não somente de hinos mas também de poemas didáticos que são duplamente úteis para o estudo da Poesia hebraica. Primeiramente, a descoberta de poemas orientais mais antigos do que a S.E. veio restaurar o credito da tradição israelita, posta em duvida quanto à sua antiguidade e às suas origens. A comparação das obras fez aparecer semelhança morfológica entre os poemas bíblicos e os poemas análogos, babilonianos, egípcios, ougaraticos, semelhança devida a influencia espiritual desses povos sobre Israel e também devido a afinidades recíprocas. Por isso, a grande superioridade da poesia hebraica foi confirmada em alguns pontos, não somente em razão do seu conteúdo religioso e ético, mas muito freqüentemente também pela sua forma literária. Uma comparação mais atenta dos poemas bíblicos com pedaços análogos da literatura universal demonstra que existem, entre os poemas hebraicos, obras-primas duma elevação inacessível, como o são o Livro de Jó e certos Salmos. Em geral, pode-se admirar na poesia hebraica, do ponto de vista literário, a riqueza das imagens, das metáforas, das alegorias, das prosopopéias e das cores, às quais a alternância oportuna das diferentes formas de paralelismo unta um encanto peculiar.

A Poesia Sofiológica em Israel.

Os princípios e a origem deste gênero poético remontam em Israel ao seu Sábio coroado. Os períodos sucessivos da Historia judaica continuaram a cultiva-lo. Esta poesia dos Hebreus sofreu, desde o principio e no decorrer da sua evolução, influencias do Egito e de outras regiões; no entanto, estas influências limitaram-se mais à forma, como facilmente no-lo é dado deduzir através de documentos chegados até aos nossos dias. Segundo a tradição oficial de Israel conservada no A.T., o primeiro Sábio mencionado é o Rei Salomão, cuja sabedoria é cantada nos Provérbios como ultrapassando as fronteiras do seu país, "estendendo-se a todas as nações que o circundavam," "maior que a sabedoria de todos os filhos do Oriente, maior do que aquela de Ezrahite Etân, muito superior aos cânticos Hémãn, Kolkol e Darda" (1 R.5:11). A tradição atribui-lhe também a redação de 3.000 sentenças e de 1.005 cânticos ( 1 R.5:12). Em geral, Salomão representa por excelência, na consciência histórica de Israel, a sabedoria considerada como "Dom de Deus." A ela, como a um sábio coroado, é atribuída a maior parte da literatura sofiológica e didática, como os Provérbios, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos, a Sabedoria de Salomão e, para alguns, mesmo Jó. As afirmações da S.E. sobre a sabedoria de Salomão, "Dom de Deus aprimorado por ele" (1 R. 3:12; 2 Crôn. 1:7-8; Prov.2:6; Sab. 9:11), não se opõe à opinião segundo a este Rei, dotado de uma superabundante sabedoria e tendo posto o seu povo em relação cultural com outros povos civilizados contemporâneos, beneficiou também da influência de tesouros espirituais introduzidos do exterior, entre os quais salientamos principalmente a poesia sentencial do Egito (1 R.3:1ss; 10:29).

Elementos preciosos desta poesia sentencial egípcia foram descobertos nestes últimos anos, donde alguns, como as sentenças de Amenemopé, são por muitos, datadas da época de Salomão. Este gênero poético não somente cultivado por Salomão, mas igualmente por outros sábios de Israel, que constituíam provavelmente uma classe particular paralela à dos sacerdotes e à dos profetas (Jó. 8:8-18; Eclesiástico, Sab. De Sirac 37:19-26; 38:24ss); não foi sem razão que eles foram qualificados "os Humanistas de Israel."

Na realidade, a literatura hokmaica ou sofiológica de Israel apresenta um caráter geral humanista e mesmo universalmente humano, como certas literaturas orientais. É particularmente digno de atenção que em parte alguma se menciona formalmente a lei mosaica, ainda que a palavra Tora se encontre freqüentemente a lei mosaica, ainda que a palavra Tora se encontre freqüentemente nos Provérbios (13:14; 28:4-9), mas no sentido estrito e particular da palavra. Apesar disto e das influências externas inegáveis, esta literatura pressupõe a Fé em Deus e o temor de Deus, ostentando o selo da religião profética do A.T. cuja luz ilumina.

Seria arrojado e perigoso tentar, sobre a base de alguns textos proféticos imprecisos (por exemplo, de Isaias 5:21: "Ai dos que são sábios"), sustentar a opinião mediante a qual os profetas de Israel suspeitavam e rejeitavam a poesia sentencial, devido ao seu caráter e à sua afinidade com a sabedoria pagã. Com efeito, Deus é considerado na poesia bíblica sentencial como a fonte da sabedoria (Prov. 2:6), que preexiste ao mundo e que é personificada (Prov. 8:1) nas obras sofiológicas posteriores como "um reflexo da luz eterna, um espelho sem mácula da atividade de Deus, uma imagem da Sua excelência" (Sab. 7:26), "aquela que partilha o Trono de Deus."

É evidente que estas expressões e outras semelhantes constituem em preâmbulo do ensinamento relativo ao Verbo (Jó.1:1).

 

O Livro de Jó.

Este livro, que tem o nome da sua principal personagem, é um dos mais importantes, não só do A.T. como também da literatura universal, é certamente uma das obras bíblicas na qual, por diversas razões, se tem concentrado um estudo e pesquisa mais aprofundados nestes últimos decênios. O eterno problema da teodiceia, ou defesa do Bem, encontra-se exposto neste admirável livro quando dos sofrimentos do Homem Justo e da sua conciliação com a Justiça Divina. Diferentes respostas são dadas a este problema durante a discussão de Jó com os seus amigos: os sofrimentos são a conseqüência dos pecados, um meio de purificação ou de aperfeiçoamento. O caso particular de Jó permanece, todavia, inexplicado. A conclusão, colocada na boca do próprio Deus, não é outra senão aquela que afirma que os desígnios de Deus são insondáveis. Esta obra-prima literária, que uma prosa épica a uma poesia lírica e didática, é composta por um prólogo (1-2) em prosa, onde é narrada a passagem de Jó da felicidade perfeita à mais extrema miséria; de um dialogo em três partes, puramente poético: primeiro de Jó com os seus três amigos, depois com uma quarta pessoa e, finalmente, com o próprio Deus; de um epílogo, de novo em prosa, onde se encontra exposta a restauração de Jó numa felicidade muito maior à que anteriormente usufruiu, pela graça de Deus (42:7-17).

Uma Trama Histórica.

Ainda que o seu autor tenha a intenção, não de contar uma historia, mas de tratar um problema capital da vida humana e de transmitir um ensinamento, toda a urdidura da narrativa sobre a qual é tecida a discussão é, segundo a opinião geralmente propagada, um fato histórico que se apóia sobre uma tradição conhecida. A tradição judaica pressupõe a historicidade da pessoa de Jó (Ez.14:14-20); da mesma forma, uma adição final ao texto no A.T. grego e à Tradição cristã estão conformes com o acima dito (Tiago 5:11).

Jó era um rico nômade árabe vivendo, provavelmente, na época dos Patriarcas no país de Ur, que se encontra, seja na Traconitida, além do Jordão, seja, mediante uma tese mais verossímil, entre a Judéia e a Arábia, a SW do Mar Morto. Jó surge como um monoteísta e supõe-se que não seria Israelita, uma vez que chama Deus Eloah e nunca Yhavé, não revelando os seus discursos nenhum conhecimento da Lei mosaica nem da História de Israel. Devido à ausência de testemunhos externos sérios e de provas internas suficientes, no que concerne ao autor e à data da composição do livro, opiniões assaz numerosas e variadas, outrora e no presente, foram e são formuladas a respeito da sua origem. Podemos reduzi-las a dois grupos: as que situam a origem do livro antes do cativeiro (entre Moisés e Jeremias) e aquelas que a colocam depois do cativeiro (de Jeremias ao séc. II). Destas opiniões, a que contempla a origem do livro antes do cativeiro parece-nos a mais plausível; e, muito particularmente, a época que se estende entre Isaías e Jeremias, isto é, entre o fim do séc. VIII e a ruína de Jerusalém, época que supõe um florescimento espiritual e literário, pouco provável após o cativeiro.

A opinião segundo a qual o autor seria oriundo do Sul, ou antes, do Sul Oriental da Palestina, é considerada como crível. A unidade lingüística do livro foi posta em duvida por muitos críticos recentes. O prólogo e o epílogo são atribuídos a diferentes autores, assim como certas partes do livro, como os diálogos (28, etc.), os discursos de Yhavhé e, sobretudo, os discursos de Elihu (32-37). No entanto, nenhuma das objeções fica sem uma resposta séria, à exceção da opinião que considera o prólogo e o epílogo como um material mais antigo, utilizado pelo autor genial do livro, como o quadro ou a trama ao interior dos quais é tecido o seu admirável poema. No que respeita aos discursos de Elihu, ainda que pareçam desprovidos de ligação com o precedente dialogo e com a menção dos amigos que visitam Jó no prólogo (2:11), não são, contudo, totalmente estranhos ao conjunto. Podem mesmo ser vistos como o anúncio de aparição divina. Eles contribuem igualmente para a solução do problema, ao afirmarem que existem sofrimentos terríveis cujo fim é o de pôr à prova e de tornar perfeitos os homens justos (cf. principalmente 33:19-30).

A Eminente Superioridade de uma Obra-Prima.

Quanto ao valor literário da obra e à sua relação com a poesia extra-bíblica, impõe-se notar, antes de mais, que ainda que o tema do livro tenha preocupado muito os povos orientais antigos, entre os quais os Arcadianos, os Egípcios e mesmo os Gregos (Prometeu de Esquilo, Édipo de Sófocles), não se pode considerar como seriamente dependente duma outra obra literária. As últimas descobertas demonstram precisamente a eminente superioridade desta obra-prima, não somente do ponto de vista de fundo (Teologia e Filosofia), não se pode considerar como seriamente dependente duma outra obra literária. As ultimas descobertas demonstram precisamente a eminente superioridade desta obra-prima, não somente do ponto de vista de fundo (Teologia e Filosofia), mas também do ponto de vista literário. Basta sublinhar a sua influência sobre as obras-primas posteriores, como a "Divina Comedia" de Dante, o "Fausto de Goethe e o "Paraíso Perdido" de Milton.

Enfim, no que concerne ao valor religioso e teológico do livro, basta-nos salientar aqui que ele reside, antes de tudo, no exame aprofundado do problema eterno da Teodiceia, da defesa da Justiça divina e num conhecimento penetrante da alma humana. A sua importância é grande também para a demonologia (1-2) e para a doutrina da Sabedoria divina (12:13ss), para o conhecimento do pecado original (14:1-4), da vida após a morte e para a ressurreição dos mortos (7:9-10; 14:10; 19:25-29). Em relação com as tribulações do justo que sofre aqui nesta Terra e com o seu triunfo final, existe o fato da Igreja Primitiva, sobre a base da observação de São Tiago, irmão do Senhor, ter visto na pessoa de Jó o tipo por excelência de Jesus Cristo, o Justo que sofreu e triunfou, na pessoa do qual se resolve o problema do justo sofredor (Rom. 8:18; Col. 1:24, etc.). Por todas estas razoes, o prólogo e o epílogo do livro de Jó são lidos na Liturgia Ortodoxa, à semelhança da Antiga Igreja, desde a Segunda-Feira até à Quinta-Feira Santas. Podemos observar, a propósito do texto do livro, que ele apresenta alguma incerteza devido à sua gravidade e à sua profundidade, bem como às dificuldades de compreensão do seu conteúdo. Esta incerteza revela-se no estado atual do texto hebraico e nas suas diferenças em relação com o texto dos Setenta, que é, em geral, mais breve do que o hebreu; contém, com efeito, à volta de quatrocentos versículos a menos, mais algumas adições (2:9ss e 42:17ss). O comentário de G. Foher (1963) ao livro de Jó é o mais recente e o mais completo.

O Livro dos Salmos.

Este livro é intitulado, na Sagrada Escritura Hebraica, Séfer Tehellim, ou em resumo, Tillim (Hinos); no A.T. grego, chama-se Psalmoi, donde o título da Vulgata e das traduções mais recentes, Psalmi, Salmos. No codedex grego A’ é apelidado de psalterium (instrumento que acompanhava o canto dos Salmos e, em seguida, coleção de Salmos assim executados), conde provém o psalterium da Vulgata e o Psaltério das traduções modernas. Mas nem o título de "Hinos" da S.E. hebraica, nem o de "Salmos" da S.E. grega ou latina correspondem plenamente ao conteúdo do livro, na medida em que ele não se compõe unicamente de hinos e os poemas não eram todos, nem sempre, cantados e acompanhados por música.

A Experiência e os Sentimentos Religiosos de um Povo.

O livro é composto de 150 Salmos, distribuídos desde tempo remoto em cinco livros (1-4; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150), terminando cada um por uma doxologia: "Bendito seja Yhavhé o Deus de Israel, desde sempre e para sempre. Amém. Amém." A disposição dos Salmos em geral e em cada um dos livros não é feita sobre uma base de razões puramente intrínsecas. É fácil distinguir no psaltério grupos de Salmos unidos uns aos outros por um sinal distintivo comum (autor, melodia, uso litúrgico, mesma família, psalmistas, etc.). Há, no entanto, Salmos que se sucedem, entre os quais se observa uma conexão interna. O psaltério é, no seu conjunto, uma antologia de cânticos onde se encontra expressa principalmente a experiência e os sentimentos religiosos muito variados do povo israelita, tomado no seu todo, ou individualmente. Existem, apesar de tudo, alguns Salmos didáticos. Em geral, de acordo com os dados fornecidos pela pesquisa metodológica fundamentada sobre o estudo do caráter religioso e literário dos Salmos, o psaltério foi dividido durante os últimos anos, em hinos, suplicas comunitárias ou pessoais, ações de graça, lamentações e em salmos didáticos, reais, messiânicos e litúrgicos. Igualmente, segundo o exemplo da sinagoga antiga, distinguem-se os cânticos de peregrinação e os salmos de penitência, que adotou a primitiva Igreja. Muito se discutiu a seguinte questão: São os sentimentos exprimidos nos Salmos, os de indivíduos ou os da comunidade judaica? Como é habitual, os extremistas foram numa e noutra direção. A verdade é que há Salmos puramente pessoais e outros simplesmente coletivos. Mas se o psaltério for considerado na sua globalidade como o livro das orações da sinagoga, então ele exprime a experiência e os sentimentos religiosos do povo de Israel. Isto não significa, todavia, que todos os Salmos, ou a maior parte dentre eles, traduzam por eles mesmos as idéias e os sentimentos da comunidade, ou que o "eu" que fala nos Salmos não seja deste ou daquele poeta; mas é toda a comunidade judaica que ora no Templo. A maioria dos Salmos era por eles mesmos individuais, como as orações de Jeremias, de Tobias, de Sirac, tal como muitos salmos babilonianos e egípcios. Desde que foram incluídos no psaltério com fins litúrgicos, foram adaptados às necessidades litúrgicas da comunidade.

Uma sublime expressão da alma humana.

Todavia, os Salmos do A.T. não exprimem somente os sentimentos religiosos, individuais ou coletivos da comunidade de Israel; constituem, também, a expressão clássica dos sentimentos da alma religiosa, duma maneira absoluta, a tal ponto que o uso do psaltério foi aprovado pela Igreja primitiva como livro de base das orações de toda a Igreja Cristã, uso esse consagrado pelo próprio Salvador. A beleza literária de muitos Salmos é proporcional à admirável riqueza dos sentimentos, das idéias religiosas e, em geral, ao valor religioso e teológico do conteúdo da poesia bíblica, cuja sublimidade, deste ponto de vista, se aproxima da do N.T. Esta beleza literária aparece freqüentemente, inimitável e por vezes sem correspondência na literatura religiosa universal. À parte os hinos e os Salmos penitenciais, os Salmos cristológicos ou messiânicos apresentam uma particular importância quando olhados pelo prisma teológico, principalmente aqueles que foram reconhecidos como tal, no N.T.

Historicidade das inscrições.

A maioria dos Salmos tem inscrições que denominam quer o autor (por exemplo, David), quer o instrumento musical com o acompanhamento do qual eram executados (Salmo 41, com instrumento de cordas), quer o gênero de poema (salmos, cânticos), quer a circunstancia histórica da sua composição (quando David fugia diante de seu filho Absalão, etc), quer a melodia cujo ritmo servia para a execução; algumas inscrições são hoje incompreensíveis. Estas inscrições não formam uma parte em si mesma inseparável do Salmo, uma vez que não provêm todas dos autores do poema; elas são, muito provavelmente, a obra daqueles que verificaram e conferiram os Salmos. A sua autoridade não é, pois, absoluta; contudo, muitas dentre elas, sobretudo as que coincidem com os Setenta, são dignas de grande atenção.

Destas inscrições, no texto massorético, 73 têm o nome de David (os Setenta acrescentam 13); 2 o nome de Salomão, 1 o de Moisés, 12 o nome dos filhos de Asaph ou dos filhos de core, ao passo que 35 são anônimas. Nas inscrições de conteúdo histórico (autor, acontecimento), apesar das objeções da antiga crítica negativa, parece terem-se cristalizado antiqüíssimas tradições e pode-se afirmar, pelo menos até prova em contrario, que são dignas de credibilidade, uma vez que existe concordância entre o texto massorético, os Setenta e a Peshitto, como foi reconhecido não só pela Comissão Bíblica romana (1Ί Maio 1910), mas também por inúmeros exegetas protestantes.

A origem davidica dos Salmos.

Com base nas inscrições, à luz do conteúdo dos Salmos e seguindo os testemunhos do A.T. (2 Sam. 22:1; 1Cron. 16:7) e do N.T. (Mt. 22:43; At. 2:25, etc.), podemos afirmar que uma grande parte dos salmos provém de David. Os restantes são de autores, anteriores e posteriores ao cativeiro, alguns mesmo duma época anterior a David. A esta posição intermédia opõe-se duas teorias diametralmente opostas; a opinião largamente difundida na antiguidade judaica e cristã (o Talmude e numerosos Padres ou escritores eclesiásticos), mediante a qual todo o psaltério seria obra de David, de acordo com o próprio titulo; e a opinião vigente durante os últimos anos do século passado e já no inicio deste, que negava não somente a existência dos Salmos davídicos como também salmos anteriores ao cativeiro, fazendo crer que muitos desses textos eram do tempo dos Macabeus (II séc. a.C.). Esta opinião fora definitivamente abandonada nestes últimos anos, na medida em que era inconciliável, não apenas com os testemunhos bíblicos do A. e N.T., mas ainda com o fato da existência de poemas religiosos mais antigos, da Mesopotâmia e do Egito, descobertos nesses paises quando de pesquisas recentes e, principalmente, de textos fenícios ogaríticos, encontrados há bem pouco tempo.

A propósito da origem da antologia dos Salmos, salientamos que já no Psaltério identificamos traços de uma evolução histórica e da sua formação progressiva. A reunião da presente antologia, elaborada para fins litúrgicos, supõe-se ter tido inicio na época de David, tendo sido terminada no tempo de Neemias (2 Mac. 2:13). A tradução dos Setenta existia no século III a.C. e o psaltério, segundo se crê, foi um dos primeiros livros a ser traduzido após o Pentateuco.

As Traduções e a Utilização Litúrgica.

O texto: devemos sublinhar que o texto hebraico existente (Massorético) contém vários erros, anteriores à versão dos Setenta; esta, por sua vez, para os corrigir, cometeu outros. O psaltério atual, que se distingue pela sua conformidade escrupulosa com o protótipo apoiando-se sobre um protótipo hebraico mais antigo, hoje desaparecido, pode ser considerado, a meu ver, como uma das traduções mais estudadas dos Setenta. Destinado sobretudo, a colmatar as necessidades litúrgicas da sinagoga helenófona; fora também o do Apostolo Paulo e o das primeiras Igrejas entre os gentios; exerceu uma influência muitíssimo profunda sobre o N.T. e sobre a antiga Igreja. É oportuno mencionar que é sobre este texto grego que se baseia o mais antigo psaltério latino da Vetus Ítala, que sofreu uma dupla revisão por São Jerônimo. A primeira feita por ordem do Papa Damaso (383) destinada ao uso litúrgico da Igreja de Roma, é chamada de Psalterium Romanum; a segunda, elaborada ainda por São Jerônimo em Belém, em 390, apoiando-se sobre as Hexaples de Orígenes (ou seja, a revisão do texto dos Setenta) e que esteve em uso na Gália, é apelidada de Psalterium Gallicanum; foi incluída na Vulgata, que é a S.E. oficial na Igreja Latina. O uso do psaltério na Igreja, que era o livro de orações da sinagoga judaica, foi admitido, também, a exemplo de Cristo e dos Apóstolos, pela Igreja primitiva. Já no N.T., metade, aproximadamente, é inspirada no Psaltério. O seu emprego continua a ser freqüente no culto eclesiástico, tal como na literatura eclesiástica antiga do Oriente e do Ocidente.

No culto ortodoxo, o uso do psaltério é constante; é o principal livro litúrgico, exatamente como na primitiva Igreja. O livro é dividido em vinte Katismas, sendo lido integralmente em cada semana; durante a Grande Quaresma é lido duas vezes por semana. No ocidente, São Bento fixou a leitura hebdomadária do psaltério e o Papa Pio X repôs em vigor esta prática. Nas demais Igrejas a sua utilização litúrgica está também assaz difundida.

 

O Livro dos Provérbios.

Este livro é assim apelidado na S.E. hebraica, devido ao seu conteúdo e à inspiração do primeiro versículo, Mischle Schelomo, ou dito rapidamente, apenas Michle. Na S.E. grega é denominado Livro da Sabedoria de Salomão, ou simplesmente Sabedoria; na Bíblia latina é chamado de Líber Proverbiorum ou Proverbia e, nas traduções modernas, Provérbios. É bom acrescentar que a palavra hebraica mâshâl reveste-se de diferentes sentidos e significados, na origem dos quais se encontra uma comparação: o provérbio, a sentença ou a máxima do sábio, são também parábola, alegoria, enigma, oráculo. Este livro contém uma coleção de provérbios comuns (22:9; 26:11; etc.), de sabias sentenças, de parábolas e alguns poemas didáticos mais ou menos longos. Sem uma ordem sistemática, este livro exalta e ensina a verdadeira Sabedoria em vista à sua assimilação pelos homens, para a sua alegria. Esta Sabedoria à qual se opõe a demência, assim é qualificado o pecado, exalta a prudência (o bom senso) exercida na vida quotidiana. Segundo as aparências, Ela é apresentada como um produto da experiência humana; todavia, segundo a Sua essência, Ela remonta a Deus (8:22). O temor a Deus constitui precisamente "o principio da Sabedoria" (17:19). Aqui, o caráter religioso do livro torna-se manifesto. O uso neste livro de motivos endemonistas, paralelamente aos motivos mais espirituais, não é excepcional no A.T.; advém da necessidade de satisfazer interesses múltiplos e diversos.

Neste livro distinguem-se habitualmente três partes principais e cinco suplementares, donde duas são introduzidas entre a segunda e a terceira partes e as restantes acrescentadas à terceira. Na primeira parte (1-9) após a inscrição, encontra-se, por um lado, uma admirável apresentação da Sabedoria, não como simples sabedoria humana, mas como uma pessoa preexistente ao mundo (8:22-31); por outro lado, uma advertência em relação à demência. A segunda parte, cerce do livro (10:1 a 22:16) encerra a principal compilação das sentenças de Salomão, sob a inscrição "Provérbios de Salomão," sem que haja, portanto, um encadeamento rigoroso. A esta compilação estão juntas duas suplementares que contêm os provérbios dos sábios anônimos (22:17 a 24:22; 24:23-34). Finalmente, a terceira parte (25-29) refere também os apótemas de Salomão reunidos "pelos amigos do Rei Ezequias" (25:1). Acrescentam-se aqui as outras três partes suplementares, em particular:

As palavras de Agur (30)

As palavras da mãe do Rei Lemuel (31:1-9) e

Um acróstico alfabético com um elogio perfeito da boa Dona de casa, que constitui duma forma característica a conclusão de todo o livro (31:10-31).

Fundamentando-nos sobre a introdução (1:1-6) e sobre a freqüente invocação "Meu filho," poderíamos dizer que o livro era talvez destinado a um uso didático (isto é, escolar). É muito provável que o conjunto das diversas partes e a uniformidade do livro tendam a opor a Sabedoria inspirada de Israel à dos outros povos.

Os testemunhos internos e as inscrições não permitem afirmar a unicidade literária da obra. É uma compilação de antologias de provérbios oriundos de homens sábios e de máximas populares. A parte mais antiga e a mais importante vêm do próprio Rei Salomão, donde o livro tomou o nome, porque era um sábio corado, sendo o Sábio por excelência em Israel. Foi desta maneira que o psaltério tomou o nome do psalmista real, David, seu pai. Em que altura foi composta a coleção completa dos Provérbios na sua forma atual? Podemos afirmar apenas que remonta a um autor desconhecido, entre o tempo do Rei Ezequias (726-647) e a tradição dos Setenta (primeira metade do II séc. a.C.). Existem exegetas que colocam a origem do livro numa época muito mais tardia. Esta opinião fora abandonada nestes últimos anos, em razão, principalmente, da existência de obras similares em outros povos orientais, no Egito, sobretudo; obras anteriores ao próprio Rei Salomão. Muitos críticos, atualmente, atribuem a Salomão a origem do livro, a saber, os capítulos 10:1 22:16, sem no entanto lhe recusar a paternidade de outros provérbios mais antigos. Considera-se como muito provável, também, a origem salomiana da compilação contida em 25-29, reunida segundo a sua inscrição pelos "amigos do Rei Ezequias de Judá," que constituíam certamente como o Assurbanipal ou o Pisistrato dos Hebreus.

O texto do livro dos Provérbios foi conservado com alguns erros e o texto da S.E. grega difere em vários pontos, não essenciais, do texto hebreu atual; apresenta, igualmente, algumas concordâncias com a tradução oficial síria Peshitto.

Não obstante as objeções dos rabinos, escandalizados, no dizer do Talmude, pela contradição aparente de certos provérbios (por exemplo 26:3-5) e por uma descrição das cortesãs demasiado viva (7:6-22); este livro foi sempre reconhecido como canônico pela sinagoga judaica, que o colocou entre os Ketubim. A Igreja Cristã seguiu o seu exemplo, apoiando-se no uso freqüente que o N.T. faz deste livro (Rom. 3:15; Hebr. 12:5; Tiago 4:6; 1Ped. 2:17, 2Ped. 2:22), considerando-o como canônico. No V Concilio Ecumênico (553), à opinião de Theodoro de Mopsuéste fora condenada como estando totalmente errada, pois considerava este livro como sendo somente um produto da sabedoria humana. Pelo contrário, este livro é caracterizado pelos Padres da Igreja como "a Sabedoria plena de virtude." Na Liturgia Ortodoxa, que segue a antiga Igreja, este livro é lido em diferentes Vésperas de festas, especialmente durante a Grande Quaresma, período excepcionalmente de penitência e oração.

 

O Livro do Eclesiastes.

Este livro no texto hebraico é chamado de Qohélet, não só por começar por esta palavra, mas também porque freqüentemente o autor o denomina desta forma (Ecles. 1:1-12; 7:27, 12:8-10).

Dos múltiplos significados deste nome misterioso, o mais antigo, o mais provável, aquele que é aceite geralmente, é o que nos encontramos já na tradução dos Setenta e ao qual a Vulgata faz referência, bem como numerosas traduções modernas, a saber, o Eclesiastes. Esta palavra, derivada, sem dúvida, do vocábulo hebraico qahal, indica a ação de reunir e de reunião; este termo refere o convocador, isto é, aquele que convoca a assembléia religiosa, que a dirige e que nela fala. Subentende-se sob este nome o nome do filho de David, o do Rei Salomão, que é suposto ter a palavra nesta assembléia e que nós sabemos através do 1Ί livro dos Reis 8:1-55 "que ele convocou os anciãos de Israel em Jerusalém, falando à Assembléia de Israel, orando a Deus por ela e abençoando-a."

Pela sua forma literária e pelo seu conteúdo, o Eclesiastes apresenta-se como um dos livros mais singulares da S.E. No que concerne ao seu contexto literário, a opinião que nos parece ser mais justa é aquela que prima por um equilíbrio resultante da exclusão dos extremos. Segundo esta mesma opinião, este livro pertence, na sua maior parte, à poesia sentencial e didática; não é uma obra nem totalmente em prosa, nem totalmente poética. Este livro contém considerações, habitualmente sob a forma de sentenças ou aforismos, intercalados entre um prólogo (1:4-11) e um epílogo (12:9-14) e apresentados sem uma ordem sistemática rigorosa e sem encadeamento lógico. Eles incidem sobre o problema? "Qual é o valor dos bens desta vida e qual o melhor uso destes mesmos bens?" A ausência de uma ordem sistemática na exposição das considerações em questão e de um plano único, torna vã toda a tentativa de divisão do livro, tal como nas outras três fontes já referidas. O pensamento dominante, que ressume a resposta dada ao problema, é a seguinte: dada a vaidade de todas as coisas deste mundo, nelas (coisas) compreendida a sabedoria humana, o homem não tem senão que usufruir, que aproveitar a ocasião, tendo em conta os bens da vida presente (2:24ss; 3:1-15; 5:17, 6:97). Que o homem não esqueça Deus e os Seus mandamentos, nem o julgamento futuro (3:14; 4:17, 11:9-12). O tratado termina por uma conclusão característica, conseqüência de todo o estudo do autor sobre as coisas deste mundo: temei a Deus, observai os Seus mandamentos e o Seu justo julgamento (12:13). Neste tratado, o mais filosófico de todos os livros do A.T., encontramo-nos diante de um pessimismo à primeira vista cético e agnóstico, donde triunfa um otimismo inspirado pela Fé em Deus. Não há nenhuma razão decisiva que ponha em dúvida, com algumas críticas, a unidade literária ou a integridade do livro.

Na antiga Igreja e durante a Idade Media, a tradição judaica dominava a convicção, de acordo com a inscrição e com os testemunhos intrínsecos do livro (1:12-16; 2:6-9; 12:9; etc.) segundo a qual o Eclesiastes fora escrito por Salomão na sua velhice no entanto, esta opinião foi abandonada a partir de Lutero. As razões aduzidas são sérias, ainda que não sejam completamente irrefutáveis. As mais graves são de ordem lingüística; o livro contém, com efeito, numerosos aramaísmos. Assim, para a maioria dos críticos, este livro é considerado como a obra de um autor da época helênica que, Por um artifício literário, colocou os seus próprios pensamentos na boca de Salomão, o sábio coroado e ideal. Hoje, poucos exegetas continuam a sustentar a antiga tradição, que, no entanto, não é desprovida de fundamento e que é ainda reconhecida no meio oriental antigo.

No que concerne à doutrina do livro, podemos dizer que, da sua comparação atenta com paralelos babilonianos, egípcios e gregos, a convicção da sua independência sai reforçada. Quanto muito considerar-se-ia como provável o conhecimento pelo nosso autor, filosofo, de algumas idéias estranhas de filosofia prática, que aparecem provir do Oriente antigo. Já na época de Salomão existia uma certa circulação de idéias. Talvez não se trate senão de considerações humanas comuns, realçadas pelo autor. Os argumentos a favor da influência da filosofia helênica no Eclesiastes são criticados nos nossos dias, sendo considerados sem fundamento algum, principalmente pela ausência de terminologia correspondente (W. Hertzberg, Comentário, 1963, pp.56-63). Um estudo prolongado do Eclesiastes, à luz da teologia do A.T., demonstra que este livro é um dos mais originais e dos mais filosóficos de toda a Sagrada Escritura. O valor incomparável deste livro, felizmente caracterizado como "o Cântico dos Cânticos do temor de Deus" (Franz Delitzsch), torna mais sensível e mais evidente a necessidade da orientação do homem em ordem à sua submissão à vontade divina e à eternidade. Prepara, desta forma, a futura realização por Jesus Cristo da revelação divina contida no A.T., e, como oportunamente notou Hertzberg (Comentário, p.239), "o Eclesiastes constitui a mais desconcertante profecia messiânica."

Este livro, incluído no cânone do A.T., continua a usufruir entre os Judeus de uma grande autoridade, mesmo após duvidas emitidas a seu respeito por alguns rabinos. A estas hesitações, provocadas por uma interpretação discutível de certas passagens do livro, consideradas como contraditórias (cf. 2:2 e 7:8-29; 8:15 e 9:4), quer como inconciliáveis com o Psaltério e outros livros sagrados, quer como erradas, o Sínodo judaico reunido em Yabnêh, por volta do ano 90 da nossa era, deu uma resposta apropriada, classificando-o entre os Ketubim. Alem do mais, o Eclesiastes fora inserido nos cinco Megillôt e é lido na festa dos Tabernáculos, provavelmente por conservar uma parte da gravidade obrigatória nesta festa jubilosa. O livro está também inscrito no Cânone da Igreja Cristã, ainda que nenhuma das suas passagens seja citada no N.T. nem utilizada no culto cristão.

As duvidas do grande racionalista da antiga Igreja, Theodoro de Mopsuéste, no que concerne à sua inspiração — no livro estava expressa apenas uma sabedoria humana — foram retomadas e desenvolvidas por Lutero e por muitos teólogos protestantes. Contudo. Já haviam sido condenadas pelo V Concilio Ecumênico (553).

 

O Livro do Cântico dos Cânticos.

Este livro é assim apelidado em razão da sua inscrição preliminar. Na tradução oficial síria é chamado "Sabedoria de Sabedoria." A propósito do caráter literário do livro, notemos que já a sua apelação Shir (Cântico) salienta, por um lado, a sua vertente lírica e, por outro lado, a sua unidade. Mediante a opinião mais verossímil, trata-se de uma série de cânticos líricos ordenados entre si, constituindo um todo. Nestes cânticos alternados com dialogo é expresso, sob cores extremamente vivas, mas sempre contidas dentro dos limites da decência, o amor de duas pessoas de sexo diferente, amor que culmina com a sua união após a ultrapassagem de vários obstáculos. Das duas partes que dividem o poema, a primeira descreve o nascimento progressivo do amor (1:5 a 5:1), a segunda a maturação e a consumação deste amor (5:2 a 8:14).

Independentemente desta opinião sobre o caráter literário da obra, outras hipóteses foram formuladas. Uma sustenta que se trata de uma antologia de cânticos de amor ou de casamento, sem ligação entre si; a que se opõem a identidade das pessoas e de algumas leis circunstanciais, o tom e a forma geral do poema, a semelhança das imagens e a progressão do seguimento das idéias, que supõem um plano único. Outros críticos, partindo da unidade relativa do poema e do movimento que aí é observado, concebem-no como um drama ou um melodrama; contra esta teoria militam, sobretudo, a ausência duma ação dramática real e a dificuldade de isolar as cenas sem alterar o texto.

O problema mais importante do Cântico é o de saber o seu significado. Apresentam-se quatro formas de interpretação: a interpretação literal ou natural, a alegórica ou espiritual, a tipológica e a mitológica. Uma das mais antigas, a interpretação literal ou natural, foi adotada já por alguns rabinos judeus nos séculos I e II da nossa era e combatida duma maneira decisiva pelo grande mestre da lei judaica da época, o rabino Akiba, por quem fora definitivamente estabelecido o lugar do livro no cânone judaico. Esta interpretação, adotada também mais tarde pelo exegeta antioquenho, Theodoro de Mopsuéste, que via no Cântico, cânticos exaltando o casamento do Rei Salomão, foi rejeitado pelo V Concilio Ecumênico (553). Mais tarde, esta hipótese foi sustentada, em vários períodos, sobretudo na teologia protestante a partir do século XVIII, entre outros, por Herder. Via-se no Cântico dos Cânticos um hino seja ao amor natural entre os dois sexos, seja ao amor conjugal.

A interpretação alegórica ou espiritual é a mais antiga. Ela vê no Cântico a expressão do Amor de Yhavé pela Sinagoga judaica, o que explica o lugar do livro no cânone judaico. Os exegetas cristãos viram neste amor o Amor de Cristo pela Sua Igreja. Pela justaposição das interpretações literal e alegórica, formou-se a interpretação dita topológica, que vê no Cântico dos Cânticos o amor de Salomão ou o de qualquer outra personagem, mas um amor que significa, ao mesmo tempo, a união mística de Yhavhé com Israel e, por conseguinte, a união de Cristo com a Sua Igreja ou com a alma humana. A quarta forma de interpretação do Cântico é a interpretação de alguns historiadores de religiões; eles crêem descobrir no cântico dos Cânticos uma mitologia sagrada, elaborada sob a influência seja egípcia (Osíris e Isis), seja babilônica (Tamuz e Istar), seja cananéia; contudo, esta opinião não tem possibilidade de explicar a presença do livro no cânone judaico.

Como vimos, a mais antiga das interpretações, aquela que melhor se concilia com o lugar do livro no cânone e com a melhor e mais pura tradição judaica e cristã, aquela que corresponde mais com o caráter próprio do livro, é a interpretação alegórica. Para ela trata-se aqui entre outras, muitas analogias do A. e do N.T.

No A.T. faz-se muitas vezes uso da imagem da relação conjugal de Yhavé com Israel (Ex. 34:15ss; Levit. 17:7; 20:5, Deut. 31:6; Os. 1:3; Is. 1:21; Jer. 2:2; Ez. 16 e Sal. 45). A mesma imagem foi empregada no N.T., sob a influência do A.T., para representar a relação de Deus com a humanidade ou a de cristo com a Igreja (Mt. 9:15; 22:1ss; Jo. 3:29, 2:2; Apoc. 10:7; 21:9; Ef. 5:23-32). Os Orientais deleitaram-se, bem mais do que os Ocidentais (Europeus), no uso destas imagens e destas alegorias (ver os pássaros e as rãs de Aristófanes). Na Pérsia e na China, o símbolo do Amor divino pelo amor natural dos dois sexos não é coisa inaudita. Semelhante imagem apresenta-se tão espontaneamente que não resta lugar a que se admire que almas piedosas se deliciem na leitura do Cântico dos Cânticos, aí descobrindo os seus próprios sentimentos religiosos. Deste ponto de vista, o Cântico, depois das Homilias clássicas de Orígenes a este respeito, inspirou, através dos séculos, os impulsos místicos mais sublimes na literatura cristã do Oriente e do Ocidente (O. Rousseau, Orígenes, "Homilias sobre o Cântico," Sources Cherétiennes, Paris 1908; A. Nugrew, "Eros et Agapè," 1, 1944).

Segundo a inscrição preliminar do livro (1:1) onde se cristaliza uma tradição muito antiga, judeus e cristãos atribuíram o Cântico dos Cânticos a Salomão. Independentemente dos exegetas da Idade Media, os Ortodoxos, muitos católico-romanos e alguns protestantes adotaram também esta opinião. A nova escola crítica, principalmente apoiando-se sobre a base de razões lingüísticas, nega a autoridade desta tradição e situa o autor do livro no século II antes de Cristo.

No entanto, nestes últimos anos, a composição do livro é situada, mesmo pelos exegetas protestantes, entre os séculos II e V antes de Cristo, e não se exclui uma origem muito mais antiga, pelo menos no que concerne ao seu núcleo.

Introduzindo no cânone judaico do A.T., o Cântico continua a ser aí mantido depois de Cristo, mesmo após alguns rabinos terem levantado duvidas quanto à sua canonicidade foi definido pelo grande rabino do principio do século II da nossa era, Akiba, como "o Cântico mais santo" e a sua leitura foi reservada para a maior e mais sagrada festa judaica — a Páscoa.

As objeções de Theodoro de Mopsueste e as de alguns autores protestantes não conseguiram expulsa-lo do cânone cristão. A sua influência foi considerável sobre a literatura eclesiástica do Oriente e do Ocidente, ainda que não seja citado no N.T. na Liturgia Ortodoxa não há leituras de perícopas do Cântico dos Cânticos; todavia, a sua influência sobre a hinografia bizantina é fácil de se constatar, bem como a sua influência alegórica e mística sobre a antiga literatura eclesiástica, assim como na Teologia mística bizantina.

O Livro da Sabedoria.

A Sabedoria de Salomão, assim é chamado na S.E. grega o Líber Sapientiae da Vulgata, que a tradução oficial síria denomina Grande Sabedoria de Salomão. Este livro não está inserido no cânone judaico. E, no entanto, o mais importante dos apócrifos e um dos livros mais didáticos do A.T. É apelidado pelos Padres da Igreja "a Divina Sabedoria" e "virtuosíssima Sabedoria," como os Provérbios e a Sabedoria" de Sirac. O conteúdo do livro é uma exortação posta na boca de Salomão, o Sábio-Rei de Israel e dirigida ficticiamente aos Reis da Terra (1:1); na realidade ela é destinada aos Judeus da Diáspora helenística e, em parte, aos pagãos. Tem por tema a Sabedoria do mundo, como um dom de Deus e, sobretudo, como o fermento da Fé e da vida religiosa.

Este livro aproxima-se, pelo seu conteúdo, dos demais livros da literatura sofiológica, ultrapassando os ensinamentos destes pelo seu caráter teocrático puramente religioso. Difere dos outros livros sofiológicos pela sua contextura literária, uma vez que não é formado por sentenças isoladas ou agrupadas. A exortação desenvolve-se num discurso contínuo e de acordo com um modo retórico. Podemos dividi-lo em três partes. Na primeira, de caráter polêmico (1-5), a verdadeira Sabedoria é oposta à falsa e os justos aos homens ímpios. Na segunda, mais doutrinal (6-9), é recomendada a aquisição da verdadeira Sabedoria, cuja natureza é descrita e a dignidade enaltecida; enfim, na terceira parte, histórica (10-19), desenrola-se a História da Revolução Divina, desde Adão até Moisés, História essa que manifesta a Sabedoria de Deus, fazendo aparecer os frutos da verdadeira Sabedoria, em oposição com os resultados nefastos da loucura idólatra e, principalmente, da idolatria egípcia. O objetivo do autor é a defesa e a exaltação da Fé e da sabedoria ancestral. Este livro é de um grande valor religioso e doutrinal pelo seu ensinamento sobre a sabedoria, a imortalidade da alma e a vida futura. Explica-se desta forma o seu uso freqüente e a sua influência na literatura eclesiástica antiga e mesmo no N.T. (Rom. 1:19-22; 9:19-23; Col. 1:15; Hebr. 1:3; etc.).

A Sabedoria de Salomão, pelo menos na sua forma atual, e segundo sérias razões internas, não provém do Rei Salomão . É obra de um judeu helenizado, do Egito, muito instruído no A.T., possuindo uma formação helênica e escrevendo, provavelmente, em Alexandria, durante o século II antes de Cristo. Este livro é intitulado, por um artifício conhecido, Sabedoria de Salomão (ou livro de Salomão); Salomão é suposto aí falar (7:1; 8:10ss. 9:7), na medida em que o sábio coroado é, por antonomásia, o Sábio de Israel. Devido à sua origem, o livro não foi incluído no cânone palestiniano do A.T. Usufrui, apesar de tudo, de um grande credito, não somente entre os Judeus do Egito, como o podemos deduzir da sua introdução no cânone dito alexandrino e na tradução grega dos Setenta. Foi igualmente citado por São Paulo. É por estas razões que ele foi aceito pela Igreja antiga, como o provam a utilização abundante que dele fizeram os Padres da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente, a sua presença no cânone de Muratori (séc. II depois de Cristo) e os títulos honorabilíssimos que lhe foram atribuídos. No Oriente, o livro fora usado no culto e classificado por Santo Atanásio entre os livros correntemente lidos. No Ocidente, ainda que tivessem sido classificado como "apócrifo" por São Jerônimo, está, todavia, incluído no cânone do A.T. pelos Concílios de Trento e do Vaticano. Entre os protestantes, mesmo tendo sido inserido nos livros apócrifos, reconhece-se-lhe, a exemplo de Lutero, um grande valor didático.

O Livro do Eclesiástico.

Este livro, igualmente Deuterocanônico, é apelidado na S.E. grega "Sabedoria de Jesus, filho de Sirac," ou simplesmente "Sabedoria de Sirac." Na Bíblia latina impôs-se a denominação "Ecclediasticus liber," pelo menos a partir de São Cipriano de Cartago (século II). Era utilizado pela antiga Igreja, sobretudo para a instrução religiosa e moral dos catecúmenos. É também mencionado pelo Patriarca de Constantinopla, São Fócios. Este livro dos Provérbios constitui uma espécie de florilégio dos ensinamentos religiosos e morais do A.T., um "Enchiridion" da Moral. Não segue, no entanto, uma ordem sistemática. Exprime uma doutrina sentencial variada que se liga à sabedoria prática da Lei ancestral aplicada à vida quotidiana. De acordo com o prólogo da tradução grega e de todo o seu conteúdo, o propósito do autor é, no meio dos perigos múltiplos que circundam os Judeus, devido, sobretudo à influência grega, por um lado, de ajudar aqueles dentre eles que pretendem instruir-se em vista a reformar os seus costumes e a sabedoria" que foram adquiridas através de um longo estudo do A.T. e, por outro lado, de os manter na fé ancestral, exaltando as obras de Deus na natureza e na história da Divina Revelação.

O livro pode ser dividido em três partes principais duma extensão desigual. A primeira é uma antologia de sentenças e de resumos, relativos a numerosas questões da sabedoria prática (1:1 a 42:14). Na segunda, eleva-se um hino extenso e brilhante à grandeza de Deus revelada na natureza (42:15 a 43:33). Na terceira parte, intitulada "Louvor dos Antepassados," são postas em realce as figuras "dos homens ilustres" da história da Divina Revelação, desde Henok até ao Sumo-sacerdote Simão, filho de Onias, que atestam também a grandeza de Deus e a Sua Sabedoria (44-50). 0 conjunto do livro é selado por uma ação de graças do autor para com Deus (51). A forma literária do livro assemelha-se muito com a dos Provérbios, entre outros, porque também ele termina por um poema alfabético. Contem da mesma maneira certos poemas líricos que engrandecem o alcance didático (22:27 a 23:6; 24:1-22; 39:16-35; 42:15; 43:33; 44:15; 51:1-12).

O autor do livro, de acordo com a declaração formal do capitulo 50:27 e com o prólogo da tradução grega, é "Jesus, filho de Sirac, Eleazar, o herosalamitano." Como se pode deduzir do prólogo da tradução grega e de certos outros indícios (38:24; 39:1-11; 51:13-17), era um escriba hierosalamitano que tinha estudado com muito cuidado a S.E., tendo empreendido grandes viagens para complementar a sua formação. A opinião dominante é que, conforme com o prólogo muito instrutivo da tradução grega, este livro fora escrito por volta dos anos 190-180 antes de Cristo, em hebreu, e foi traduzido para o grego por um neto do autor, vindo ao Egito por volta do ano 132 antes de Cristo.

O protótipo hebraico, considerado durante vários séculos como perdido, foi descoberto (dois terços) nos extratos de cinco manuscritos dos séculos XI e XII. A descoberta teve lugar numa velha sinagoga do Cairo, entre 1896 e1930. Apesar disto, a tradução grega sobre a qual se apóiam a velha tradução latina elaborada antes de São Jerônimo, a Vulgata e, em parte, a tradução síria, desempenha o papel de protótipo e serve para corrigir utilmente o texto hebraico, freqüentemente alterado.

Os Judeus não inseriram este livro no seu cânone, ainda que ele tenha gozado de uma autoridade real na sinagoga antes e depois de Cristo. Foi citado na literatura rabínica antiga, em alguns apócrifos , em Filon e mesmo no N.T. (Tiago 1:13-14; Apoc. 14:13; etc.).

A sua autoridade canônica foi admitida pela Igreja antiga em virtude do seu conteúdo, suja elevação se aproxima por vezes do ensinamento do N.T. Foi sempre tratado com estima e freqüentemente citado pelos escritores clássicos, e já por Clemente de Roma.

 

 

Livros Proféticos

do Antigo Testamento.

Depois de um certo resumo geral sobre a profecia no A.T., estudaremos os profetas. A S.E. hebraica chama-os de "profetas posteriores"; ela distingue três "grandes" profetas; Isaías, Jeremias e Ezequiel, e doze "pequenos" profetas. A S.E. grega (dos Setenta) e a Bíblia latina reconhecem quatro "grandes" profetas, acrescentando Daniel, que é classificado na S.E. hebraica entre os Hagiógrafos, mantendo os doze "pequenos" profetas.

Profetas e Profecias no Antigo Testamento.

Tal como nos outros povos do Antigo Oriente, como até na própria Grécia, os homens "pneumatóforos" (portadores do Espírito Santo), não faltaram em Israel. Eles tinham consciência de serem iniciados nos desígnios habitualmente, no A.T., nebiim (no singular, nabi), de um verbo que significa chamar ou anunciar: aqueles que falam em lugar de outro (aqui, de Deus) do qual interpretam os desígnios. Que tal era o antigo significado da palavra hebraica nabi, sabem-no pelo livro do Êxodo; no capitulo 4:16 Yhavhé diz a Moisés, o gago, a propósito de Aarão: "Ele dirigirá a palavra ao povo em teu nome e será como se fosse a tua boca e tu fosses o Deus que a inspira." E no capitulo 7:1 Deus diz-lhe ainda: "Vê, Eu faço de ti um Deus para o Faraó e Aarão será o teu profeta."

É digno de observação que a tradução grega dos Setenta traduz a palavra nabi não por adivinho, mas felizmente por profeta. Este vocábulo não designa unicamente os adivinhos, mas também os sacerdotes e os interpretes dos oráculos, por exemplo, o de Delfos. Por vezes, os poetas são também chamados profetas das Musas (Platão, Fedro 262 D). Os interpretes de Aristóteles recebem também o titulo de profetas de Aristóteles. Daí que Filon traduza a palavra profeta por intérprete. Um tal significado da palavra profeta não era desconhecido dos Padres gregos, como por exemplo de São João Damasceno, que caracteriza, por vezes, os profetas como interpretes da palavra de Deus (Homilia 36, sobre 1 Cor.14:28). Outras vezes, são apelidados de "videntes," denominação que se refere mais ao fato de receber a Revelação divina numa visão do que ao termo de profeta, que designa, sobretudo a transmissão da Revelação.

No que concerne à origem da profecia no A.T., contrariamente à argumentação da critica negativa, que atribuía a profecia de Israel a influências exteriores, quer do culto cananeu ou egípcio, quer dos oráculos baquicos da Ásia Menor espalhados de lá à Grécia, à Síria e à Mesopotâmia, a opinião seguinte parece mais justa e mais provável: a profecia foi uma instituição autóctone e original na religião israelita. Esta originalidade aparecia na vocação, na inspiração e na ação dos profetas, como na forma e, sobretudo, no conteúdo da pregação profética em Israel. Mediante a tradição oficial no A.T., a profecia é um carisma divino que remonta às origens da religião judaica. Abraão já é chamado profeta no AT. (Gen. 20:7); o mesmo se passa com os outros Patriarcas e, principalmente, com Moisés (Deut. 18:15; Sal. 105:15). O livro dos Números (11:25) diz também acerca dos Setenta homens que formavam uma espécie de conselho dos Anciãos em torno de Moisés e nos quais Deus insuflava o Espírito, mesmo repousando em Moisés, que eles profetizaram. Miriam, irmã de Moisés e de Aarão, foi também apelidada profetiza (Ex. 15:20), como mais tarde Débora (Juizes 4:4).

Um Contrapeso ao Sacerdócio e À Realeza.

Mas quando no fim do período dos Juizes nós ouvimos dizer que "nesse tempo era raro que Yhavhé falasse, as visões não eram freqüentes" (1 Sam.3:1), um novo profeta se levanta, Samuel.

A partir da época de Samuel e de Saul, os profetas apareceram mais freqüentemente, no principio, sobretudo no Norte do País, onde os perigos eram maiores para a Fé ancestral. Eles exerceram uma enorme influência, não só sobre a vida religiosa e social, mas também sobre a vida política do povo, na medida em que a profecia se torna um contrapeso ao sacerdócio e à realeza, que se inclinavam para uma concepção cada vez mais conforme com os demais povos e, por conseguinte, afastada das tradições da aliança.

Após ter atingido o apogeu da sua glória dos séculos IX ao V a.C., constituindo um fenômeno único na Historia das Religiões, o profetismo não desaparece completamente com Malaquias, o último profeta escritor. Mas num sentido mais amplo, no sentido de uma inspiração divina, ele continuou, com algumas intermitências, até Jesus Cristo, na pessoa de diferentes homens inspirados. João o precursor foi o ultimo profeta, unindo o A.T. ao N.T. (Lc 1:22-76; 2:21-36; cf. Joséphe, Contra Ap.1:8).

Vocação e Missão dos Profetas

O sinal essencial dos verdadeiros Profetas do A.T., aquele que os distingue dos falsos profetas, é a consciência clara e viva da sua vocação profética e a sua convicção inabalável de falar, não por eles próprios, mas sob o impulso do Espírito Divino, para interpretar os desígnios de Deus que lhes são revelados. Por outras palavras, eles eram como que as bocas de Deus, por oposição aos falsos profetas, "que falavam do seu próprio coração" (Ez.13:3). Esta convicção, que brota de toda a profecia, não é subjetiva. Ela descobre o seu fundamento sobre uma Revelação real de Deus e exprime-se por frases como: "O Senhor diz," "escutai a palavra que o Senhor disse para todos vós," "assim o Senhor me fez ver," "o Senhor disse-me," etc. os Profetas submetiam-se à divina inspiração por sua livre vontade, com uma esgotante confiança em Deus que os chamava, apesar das hesitações iniciais de alguns de entre eles (Ex. 3:11ss; Am.7:14; Is.6:8; Jos.1:6). Paralelamente aos verdadeiros, mantinham-se os falsos profetas, que enganavam o povo com vãs promessas e contra os quais tinham que lutar os autênticos Profetas, como Jeremias, Ezequiel e outros.

A realização das profecias é considerada no A.T. como a pedra de toque da verdadeira profecia (Dt. 18:21ss; Miq. 3:6). A vocação divina e a missão dos Profetas são freqüentemente atestadas por prodígios (Ex. 4:1ss; 1 Sam. 7:11; 1 R. 1:10; Mt. 7:15-20; Jo. 5:36).

Inspiração Profética.

O modo de ação do Espírito Divino sobre o espírito humano na inspiração profética permanece para sempre envolto em mistério para aqueles que não têm parte no carisma profético. Por conseguinte, sobre a base do nome de "videntes" dado aos Profetas e as revelações por eles recebidas, tal como as "visões" ou as "aparições," nós podemos afirmar que as verdades são como que mostradas aos Profetas, pelo Espírito Divino, por intermédio de uma iluminação divina (Is.1:1: "Visão que Isaías teve"; Am.7:1: "O Senhor Jeová assim me fez ver"). Isso acontecia da seguinte forma: mais raramente, por impressões exteriores (Ex.3:3ss; 1 Sam.3:4ss);

freqüentemente por sensações interiores, quer por uma imagem que aparecesse nas "visões" (Num. 12:6; Am.7:1; Is.6:1; Jer.1:11-13; Ez.1:1ss), quer através de uma ação sobre o espírito do profeta, que se apresentava de certa forma como a palavra de Deus, da qual era o intérprete (Am.1:1; Is.21:10); por vezes, em sonhos (Gen.28:12; 1 Sam.3:1-18; 28:6; 1R.3:5). Em alguns destes casos, trata-se de comunicar revelações divinas ao profeta, que se encontra num estado extático. Ele é como que transportado espiritualmente fora do espaço e do tempo, sob a ação do Espírito Divino, mas sem ser privado da sua consciência pessoal, nem da sua faculdade de conhecer, nem da sua livre vontade. Ele é tanto mais absorvido pela contemplação do que Deus lhe mostra, quanto mais as sensações exteriores forem abolidas, estando, pelo contrario, as faculdades espirituais despertas para favorecer a assimilação das verdades divinas. Em todos os casos, trata-se de um desenvolvimento real, mas sobrenatural, das faculdades espirituais do homem, que é capaz, por uma iluminação divina especial, de compreender mais profundamente os elementos já conhecidos por verdades naturais ou de ser iniciado nos secretos desígnios de Deus, a fim de que seja proclamado sem demora e com toda a sinceridade o que Deus deseja comunicar ao Seu Povo.

O conhecimento das verdades assim apreendidas tem os seus limites. Os defeitos do sujeito explicam em grande parte a obscuridade de muitas palavras proféticas. Mesmo nos casos em que a profecia se caracteriza como um êxtase, a inspiração é justamente distintiva essencial é o frenesi e a loucura, acompanhado de uma perda completa da consciência própria e da livre vontade. Na "Republica" de Platão (366a), os profetas são equiparados aos sacerdotes, como intérpretes e testemunhas dos pensamentos divinos. No "Timeu" (71 é-72b), eles são nitidamente distinguidos dos adivinhos: ."..foi à enfermidade do espírito humano que Deus concedeu a adivinhação.com efeito, nenhum homem no seu perfeito juízo alcança a adivinhação..."

Mas é necessário que a força do seu espírito seja estorvada pelo sono ou pela doença, ou então que ele a tenha desviado por qualquer crise de entusiasmo. Pelo contrario, é ao homem no seu perfeito juízo que cabe refletir nas palavras proferidas no estado de sono ou de vigília — após lhe terem sido lembradas — pelo poder adivinhatório ou pelo entusiasmo e, nas visões que então foram observadas, de as percorrer pelo raciocínio, tentando descortinar em que medida esses fenômenos tem um sentido e para que podem eles significar um bem ou um mal futuro, passado ou presente. Quanto àquele que está em estado de transe e aí permanece, não pode interpretar o que viu ou proferiu nesse estado. A Lei diz que somente à casta dos Profetas cabe a interpretação das exortações divinas. Alguns mesmo chegam a denominar esses profetas de adivinhos. Esses, contudo, desconhecem que os Profetas são os interpretes das palavras e dos sinais misteriosos, não podendo ser, jamais, apelidados de adivinhos. É esta a razão pela qual o seu verdadeiro nome deveria de ser: "profetas, intérpretes das coisas que a adivinhação revela." (Ver, neste sentido, São João Crisóstomo, Homilia 29, sobre 1 Cor.12:1). Esta observação deve de ser levada em linha de conta face à argumentação de certos exegetas modernos que interpretam de forma tendenciosa as passagens do A.T. (Num.24:13; 1Sam. 5,:5; 2R. 3:15; Jer. 29:26; Ez. 3:15ss), confundindo o êxtase profético, quer com o dos adivinhos, quer com a catalepsia. Invocam especialmente o caso e os propósitos de Ezequiel. Contudo, não se vislumbra neste exemplo a mínima sombra de uma perda provisória da consciência pessoal e tão pouco das faculdades espirituais. O verdadeiro caráter e a dignidade real da profecia e dos profetas do A.T. devem de ser julgados, sobretudo, pelo conteúdo do seu ensinamento e pela sua boa influência permanente. É a eles que é devida, em grande parte, a posição geralmente reconhecida como excepcional da religião de Israel.

Conteúdo da Ação Profética.

A principal missão dos profetas consistia — enquanto fossem dóceis instrumentos de Deus — em conduzir Israel no sentido da realização da sua grande missão no mundo. Eles deviam, por um lado, velar pela conservação e pela compreensão da aliança concluída por intermédio de Moisés e, por outro lado, esforçar-se por preparar o povo eleito de Deus e, por ele, toda a humanidade, a contrair "uma nova aliança" por intermédio do Messias. Israel não esgotava, portanto, o interesse e a atividade dos Profetas do A.T. as outras nações entravam também no seu campo de visão: eles proclamavam um Deus universal e a historia de Israel estava ligada à dos demais povos. As nações eram o objeto da cólera de Deus, mas igualmente da Sua misericórdia. Elas eram utilizadas como instrumentos da justiça divina (Dt. 32:21ss; Am.9,, 7; Jer.1ss). O anúncio do julgamento e da penitência estendia-se por isso até essas nações, tal como o anúncio da salvação, na qual os povos féis a Yhavhé deviam ter parte (Is. 13:1ss; Jonas 3:1ss; Nahum 1:3; Jer. 25:14-38).

Os Arautos da palavra divina, antes de tudo mais, os Profetas, eram também os guardas e os intérpretes da Lei. A sua ação não se limitava somente ao domínio religioso e moral. Estendia-se à situação social do povo, segundo uma intenção religiosa, afrontando a injustiça, pregando a equidade e a misericórdia. Os Profetas intervinham mesmo na vida política, devido ao estreito laço que existia entre a religião e a sociedade na teocracia de Israel. A vertente principal da pregação dos Profetas do A.T. permanece, no entanto, religiosa e moral. Na base desta pregação manifesta-se o caráter sem mescla e universal do monoteísmo, isto é, da Fé num só verdadeiro Deus, Deus Pessoal, Criador, Soberano, "providencia" do universo e de todos os homens, Santo, Bom, Sábio e Justo. O fim primeiro para o qual tendia e se elevava a pregação profética era a conversão e salvação, não unicamente de Israel, mas através do povo eleito e graças ao Messias Salvador que devia encarnar, a conversão a salvação e salvação do mundo inteiro.

 

Formas de Ação Profética.

A ação profética está ligada, segundo a opinião de certos exegetas destes últimos anos, ao culto de Yhavhé. Ela manifesta-se sob três formas dependentes da vontade divina:

  1. Habitualmente pela palavra;
  2. Por vezes por ações simbólicas, destinadas a produzir uma impressão mais viva e

mais profunda;

c) Através de escritos (obras redigidas). É esta última forma que se aperfeiçoa e se sistematiza sobretudo, segundo parece, a partir do século IX, e a que pertencem, na totalidade ou em parte, as obras proféticas recolhidas na S.E.

Os profetas do AT. Ocupam um dos lugares mais ilustres na literatura sagrada. Eles prestaram inapreciáveis serviços aos povos como guias religiosos e espirituais e como escritores. Para a Historia, estas personalidades excepcionais elevaram a religião ao cume do seu desenvolvimento, antes da vinda de Cristo. Na literatura universal, enquanto oradores e escritores da vinda de Cristo. Na literatura universal, enquanto oradores e escritores, enquanto adversários implacáveis da injustiça e brilhantes arautos da equidade e da misericórdia, eles ocupam um dos lugares mais notáveis. No desenvolvimento da Revelação divina, eles tiveram o cuidado agudizado de conservar a religião transmitida ao povo eleito de Deus pelos Patriarcas, em particular por Moisés, e aprofundaram o seu espírito. Precisaram consideravelmente a esperança messiânica e a idéia do reino de Deus e, para terminar, eles deram a maior contribuição para a preparação da obra da Salvação de Israel e, indiretamente, para a de todo o mundo pagão.

 

 

Os Quatro Profetas Escritores.

Isaías.

Nascendo por volta do ano765 antes de Cristo, Isaías pertencia a uma família aristocrática de Jerusalém, onde passara toda a sua vida. Chamado à dignidade de Profeta em 740, profetizou durante mais de quarenta anos, numa época muitíssimo critica para o povo israelita em geral, não só do ponto de vista político, mas também religioso. Às incursões dos reis assírios Teglat, Pholasar III e Salmanasar V (745-722 a.C.) juntava-se a ameaça crescente de um sincretismo religioso, perigoso para a Fé de Israel. Isaías exerceu a sua missão pela palavra e pela escrita com autoridade excepcional, com um total espírito de sacrifício. Admoestava o povo e os seus chefes, consolava os justos e anunciava não somente o castigo iminente do povo eleito que transgredia a Lei, mas também a Salvação futura. Descrevia com cores vivas a felicidade da Realeza messiânica. A sua influência sobre os seus contemporâneos, principalmente sobre o Rei Ezequias, era enorme, prolongando-se pelas gerações futuras. Olhando a vida política pelo prisma da teocracia, intervinha freqüentemente. Todavia, o seu cuidado primeiro consistia na perseverança de Israel na religião ancestral de Yhavé, em conformidade com a vontade divina.

Independentemente do seu caráter religioso e moral, Isaías distinguia-se pela sua sagacidade, agudeza, sutileza e pelo seu espírito de síntese, bem como pelas suas preocupações sociais agudizadíssimas. O livro que tem o seu nome testemunha abundantemente do seu rico talento poético e da sua habilidade de orador enfático. Assim sendo, mostrou-se ser um vaso digno da eleição de Deus e digno de transmitir as revelações mais importantes relativamente à natureza e às propriedades divinas e à obra da Salvação da humanidade pelo Messias, do qual predisse e descreveu o nascimento maravilhoso, a formação, tal como a Sua ação salvífica e a Sua morte propiciatória. Proclamou, igualmente, o Seu triunfo final e o da Sua missão com tanta precisão e de uma forma tão viva, que foi apelidado muito justamente pelos Padres da Igreja "a grande Voz" e "o profeta evangelista." Uma grande obra profética (66 capítulos) está incorporada no Cânone do A.T. sob o nome de Isaías, com a inscrição seguinte no principio do texto: "Visão de Isaias, filho de Amos, que ele teve em relação a Judá e a Jerusalém, no tempo de Ozias, de Yotam, de Acaz e de Ezequias, Reis de Judá" (Is. 1:1). "Visão de Isaias." A palavra "visão" reveste-se de um significado assaz amplo. A inscrição refere-se, com efeito, a todo o livro. Esta "visão" durou quatro reinados. O primeiro capítulo constitui, por sua vez, uma introdução e um resumo de toda a obra e acaba quase com os mesmos termos do último capitulo. Segundo a nossa opinião, a obra compõe-se de duas partes principais (1-35; 40-66), separadas uma da outra por duas passagens, servindo a primeira (36-37) de conclusão à primeira parte e a segunda (38-39) de introdução à segunda. Em geral, as profecias deste livro são dirigidas ao povo judeu (1:1), ainda que uma parte de entre elas se refira às nações e algumas a um e às outras. Não obstante a diversidade do seu conteúdo podemos dizer que a matéria do livro está condensada no primeiro capitulo e que o pensamento condutor está formulado de certa forma nos versículos 27-28: "Sião será perdoada com Juízo e os que voltam para com justiça. Mas os transgressores e os pecadores serão juntamente destruídos; e os que deixarem o Senhor serão consumidos."

Na primeira parte do livro dominam a repreensão, a ameaça do julgamento e a admoestação, sem que esteja ausente a consolação oriunda da perspectiva de um futuro mais favorável. Pelo contrário, na segunda parte a consolação domina, começando desde as primeiras palavras e brotando do anúncio da Salvação, estando, no entanto, também aqui, presentes às advertências mais severas. E o caráter particularmente acentuado da segunda parte que dá precisamente a Siracide (48:24) a ocasião de caracterizar o Profeta Isaías como o "Consolador": "Consolai, consolai o Meu povo, diz o vosso Deus" (Is. 40:1).

No que concerne à autenticidade do livro, uma antiqüíssima tradição judaica, de acordo com a inscrição que abre a primeira parte (1:1) e remontando pelo menos até ao século III, assim como os Setenta, que resumiram num livro todas as profecias, atribuem a Isaías este conjunto apresentado hoje sob o seu nome. A Tradição cristã adotou desde as origens esta posição, como o comprovamos no N.T., onde o Profeta Isaías é citado mais freqüentemente do que qualquer outro e de uma forma tal que dúvida alguma existe acerca da autenticidade do livro. A exegese e a Teologia perpetuaram esta dupla tradição até 1775, quando Döderlein, em primeiro lugar, e, em seguida, Fichhorn (1782), depois de uma série de outros exegetas protestantes, puseram em dúvida a autenticidade da segunda parte do livro e procuraram um segundo profeta Isaías, vivendo provavelmente por volta do século V, o qual seria o autor da terceira parte do livro (56-66). Enfim, pôs-se em dúvida a autenticidade de vários capítulos da primeira parte do livro (13-14; 24-27; 33-35).

Os argumentos principais referidos pelos adversários da unidade filológica do conjunto do livro são os seguintes:

a diferenças de perspectivas e de condições históricas entre a primeira, a segunda e a terceira partes;

as diferenças de língua e de estilo;

a diferença das idéias religiosas.

A crítica escriturística conservadora, sobretudo a crítica católico-romana, insurgiu-se contra esta argumentação. A Comissão Bíblica do Vaticano, pela sua decisão de 28 de Junho de 1908, declarou que os argumentos contra a unidade filológica do livro careciam de força demonstrativa. Além do mais, a critica bíblica conservadora, independente da tradição judaica, que remonta pelo menos até ao século III, e da tradição do N.T. (Mt. 12:17ss e Is. 42:1-4; Lc.4:17 e Is. 61:12; Jo. 12:38 e Is. 53:1 e 6:9ss), chamou a atenção para diferentes razões internas e, principalmente, para o emprego de imagens e expressões, que se encontram tanto na segunda e na terceira, como na primeira parte, como por exemplo, "O Santo de Israel," "diz o Senhor poderoso de Israel," "o forte e vigoroso de Jacob," etc. A importância do problema é reconhecida por ilustres representantes da crítica, como Eissfeldt. Como explicar a atribuição tradicional de todo o livro? Como teriam os autores da segunda e terceira parte permanecido desconhecidos? E quem eram eles?

Deve-se, portanto, observar o recuo de uma grande parte das críticas católico-romanas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, diante da argumentação protestante e o seu afastamento da opinião formulada pela Comissão Bíblica papal.

Além da crítica conservadora católica-romana, a perseverança na tradição de exegetas protestantes notáveis, que admitem um só autor do livro, é igualmente digna de atenção (W. Möhler, Cobb, Allis, Young, Engnell, etc.). com eles estão de acordo a maioria dos Ortodoxos e, em grande parte, os exegetas judeus contemporâneos, como A. Kaminka e muitos outros.

A propósito do valor religioso e teológico do livro, observemos que o Profeta Isaías é considerado, a justo titulo e unanimemente, como uma das grandes personalidades, não só do A.T., mas da História de todas as Religiões. A sublimidade e a profundidade das suas idéias religiosas aproxima-se das do N.T. Unicamente o profeta Jeremias e, numa medida decrescente, os Profetas Oséias e Amon, bem como alguns Salmistas e a Sabedoria de Salomão, lhe podem ser comparados. Muito especialmente, nenhum outro profeta do A.T. exaltou tanto quanto ele a importância da Fé, de uma Fé não fatalista, mas dinâmica. Foi com razão que fora apelidado "o profeta da Fé" (Is. 7:9; 28:16-17).

"Portanto assim diz o Senhor Jeová: Eis que Eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada: aquele que crer não se apresse. E regrarei o juízo pela linha e a justiça pelo prumo e a saraiva varrerá o refúgio da mentira, e as águas cobrirão o esconderijo." Nenhum outro profeta, como ele, compreendeu e glorificou a santidade de Deus, estigmatizou os falsos cultos, exaltou o valor do culto espiritual, a universalidade, a transcendência e onipotência de Deus, ou manifestou a orientação, o rumo que Deus imprime à História quando as vicissitudes de diferentes povos são consideradas as marcas da Sua justiça (5:26; 7:18-19): "Porque há de acontecer que naquele dia assobiará o Senhor às moscas que há no extremo dos rios do Egito, e às abelhas que andam na terra da Assíria; e virão, e pousarão todas nos vales desertos e nas fendas das rochas, e em todos os espinhos, e em todas as florestas" (Is 8:7; 9:10; 28:1-4): "Ai da coroa dos bêbados de Efraim, cujo glorioso ornamento é como a flor que cai, que está sobre a cabeça do fértil vale dos vencidos do vinho! Eis que o Senhor mandará um homem valente e poderoso; e como uma tempestade de impetuosas águas que transbordam violentamente a derribará por terra. A coroa de soberba dos bêbados de Efraim será pisada aos pés. E a flor saída do seu glorioso ornamento, que está sobre a cabeça do fértil vale..."). Também nenhum outro senão ele, com exceção de São João o precursor, penetrou mais intensamente nas profundezas dos séculos futuros e descreveu de forma mais grandiosa, mais clara e mais precisa, a natividade maravilhosa, a ação salvífica, a paixão propiciatória e o triunfo do Messias e da Sua Missão. Por todas estas razões, se explicam as abundantes citações deste livro no N.T., nos Padres da Igreja, no culto da antiga Igreja e na Igreja Ortodoxa, nas vésperas das Festas do Senhor e de Sua Mãe, como na Grande Quaresma, nas Liturgias de pré-Santificados e na Semana Santa.

Jeremias.

De todos os Profetas, a vida e a atividade de Jeremias é a que melhor se conhece, mercê de numerosos elementos biográficos contidos nos livros que têm o seu nome (15:10ss; 17:14ss; 18:18ss; 20:7; 34; 36; 37-45; 51). Segundo estas informações, o Profeta descendia de uma família sacerdotal de Anatote, próxima de Jerusalém. Fora predestinado como Profeta antes do seu nascimento: "antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saístes do seio de tua mãe te santifiquei: às nações te dei por profeta" 915). Jeremias começou em 625 uma atividade profética, que se desenrolaria, na sua maior parte, em Jerusalém, sob os Reis Josias, Joacaz, Joaquim, Joiakin e Sedecias, ou seja, na época mais crítica da Historia de Israel, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista religioso. Ele anunciou e viveu o fim trágico do Reino de Judá, de Jerusalém e do próprio Templo. Este intrépido arauto da verdadeira teocracia eleva a sua imponente estatura espiritual e moral diante do flagelo da catástrofe que ele prevê iminente e que se vai esforçar por conjurar. Age por uma pregação profética muito invocadora e por ações simbólicas impressionantes, afirmando sem cessar a vaidade das esperanças fundadas sobre as forças e os socorros humanos, as quais são todas, à partida, votadas ao fracasso e, como único meio de salvação, a confiança inabalável no socorro divino, numa penitência sincera e no regresso a Deus.

Através desta pregação profética, Jeremias preparou indiretamente a reforma religiosa do fiel Rei Josias. Por intermédio da leal política teocrática que ele opôs à política egiptófila dos últimos Reis e de um partido fortíssimo que se agitava em torno deles, que sustentava e protegia alguns falsos profetas, Jeremias provocou o ódio no mundo daqueles homens poderosos, ao passo que, pelo anúncio da ruína de Jerusalém e do próprio Templo, sublevou contra si todo o clero (levitas). A sua atitude desencadeou contra ele uma violenta perseguição, à qual o Profeta de coração terno fez face com uma perfeita integridade de caráter, com uma resignação e um sangue-frio admiráveis, alicerçados na sua união gravítica a Deus, na viva consciência que ele tinha da sua missão divina e na segurança recebida de Deus, quando teve a visão da sua vocação, na qual Deus lhe disse: "Porque, eis que te ponho hoje por cidade forte, e por coluna de ferro, e por muros de bronze contra os seus sacerdotes, e contra o povo da terra. E pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti; porque Eu sou contigo, diz o Senhor, para te livrar" (18-19).

A tomada de Jerusalém pelo Rei da Babilônia, Nabucodonosor, a ruína da Cidade Santa, a destruição do Templo e, como conseqüência, a deportação para a Babilônia do Rei Sedecias, com os olhos vazados, e de uma grande parte do povo (587), puseram fim à perseguição que contra ele havia sido instaurada. O Profeta verte então lágrimas sobre as ruínas da cidade conquistada e, tendo recebida permissão de escolher entre a Babilônia e a Judéia, prefere, em vez de viver no meio dos conquistadores, permanecer na sua pátria deserta, junto das suas recordações sagradas e ao lado dos seus irmãos abandonados, vivendo uma situação muitíssimo triste, para os consolar e, mais ainda, para os conduzir. Contudo, após o assassinato do governador da Judéia, ele é levado, juntamente com o seu fiel e inseparável discípulo Baruque, pelos seus compatriotas, que fugiram, não obstante as suas recomendações, para Tafanés no Egito (43). Aí continua o seu serviço profético junto do povo, censurando aqueles que se haviam deixado penetrar pela idolatria (44) e pré-anunciando a conquista do próprio Egito pelos Babilônios (43:8-13). Pensa-se que terá terminado aí a sua vida.

Sob o nome de Jeremias, existe um livro contendo, por um lado, os seus discursos proféticos seguindo uma ordem que não é nem estritamente cronológica nem sistemática, de uma forma freqüentemente poética e metafórica e, por outro lado, a narração de ações simbólicas e de acontecimentos que constituem o quadro histórico dos discursos, e que servem para explicar ou para confirmar a sua justeza e exatidão. O livro apresenta-se sob duas formas: o texto massorético distingue quatro partes: a) os capítulos 1-25, que encerram, sobretudo, profecias contra o povo eleito, embelezadas por confissões do Profeta, dirigidas a Deus e cortadas por monólogos, por exemplo em 11, 12, 15, 17-18, 19:20; b) os capítulos 26-45 dão principalmente informações a respeito do Profeta; c) os capítulos 46-51 narram profecias contra diferentes povos; d) o capitulo 52 constitui um apêndice histórico, relembrando 2R.24, 18-20; 25:1-21; 27-30.

O livro fornece dados bastante números sobre a origem e a vida do Profeta, onde se refletem as peripécias agitadas da época. Sabemos, pelo capitulo 36, que, depois de uns vinte anos de atividade profética, por volta do ano 605, o Profeta, tendo recebido do Senhor a ordem para escrever num rolo todas as profecias com o intuito de ajudar à conversão do povo, tê-las-á ditado a Baruque, que as copiou e as leu publicamente no Templo. No entanto, o rolo fora queimado pelo Rei e Jeremias viu-se obrigado a ditá-las novamente, completando desta vez o rolo. Daqui surge uma das principais questões da crítica cientifica da obra de Jeremias: qual é a sua relação com o rolo de Baruque? Uma outra questão importante se coloca à crítica a propósito do livro do Profeta: como é que se explica a diferença de forma sob a qual ele aparece, por um lado, na S.E. hebraica, por outro lado, na S.E. dos Setenta, onde o texto contem 2.700 palavras a menos, sendo disposto segundo uma ordem diferente? Entre os exegetas, alguns dão a preferência ao texto massorético, outros ao dos Setenta, que representa provavelmente a tradição mais antiga e mais autentica.

A pregação de Jeremias tem um enorme valor do ponto de vista religioso e moral, sobretudo porque aí são exaltadas as obrigações morais e a responsabilidade do "personalismo" religioso, bem como a preponderância do pensamento interior face ao culto exterior. Ele sublinha a importância do coração como sé da religião, a gravidade da união com Deus, por oposição à confiança nos homens. Insiste sobre a necessidade de contrair "uma nova Aliança" com Deus e anuncia-a. É particularmente notável que esta mensagem, edificante e precisa do Profeta, permaneça quase incompreendida e sem efeito algum nos seus contemporâneos. Ela foi, portanto, recebida como uma herança preciosíssima pelo povo judeu, sacudido e abalado pelo cativeiro e exerceu uma influência muitíssimo benéfica sobre a evolução religiosa, como também sobre a progressão de idéia do Reino de Deus sobre a terra. Assim, o que durante a vida de Jeremias não fora alcançado pela pregação oral, foi coroado de sucesso após a sua morte, graças ao seu livro. As suas palavras foram veneradas pelo povo judeu e a sua memória continua a ser sagrada para este mesmo povo como "o profeta de Deus, amigo dos irmãos, que muito ora pelo povo e pela cidade santa" (2 Mac. 15:14), o qual deverá voltar nos últimos dias (Mt.16:14).

Precisamente devido às analogias da sua vida com a do Salvador, Jeremias é considerado como o Seu modelo na antiga Igreja. As suas profecias messiânicas são lidas várias vezes durante a Grande Semana Santa, quer na antiga Igreja, quer, hoje, na Igreja Ortodoxa. Resta, por fim, salientar o grande valor literário do livro e Jeremias, especialmente as confissões a Deus e os monólogos passionais, onde se reflete o coração terno e trágico (1 a 10) do Profeta.

As Lamentações.

Este livro, que não tem titulo algum é apelidado na S.E. hebraica, onde é classificado entre os Ketubim, pela primeira palavra das odes 1, 2 e 3, tal como nos Setenta, onde é contado entre os livros de Jeremias; a tradução latina denomina-o, em razão do seu conteúdo: "Threni Sive Lamentationes."

Esta pequena obra, uma das mais trágicas do A.T., compõe-se de cinco odes elegíacas independentes, de um grande valor literário, principalmente a segunda e a quarta, onde são deploradas a sorte da metrópole judaica destruída por Nabucodonosor e a infelicidade indescritível do povo eleito. Os traços distintivos da prosódia das Lamentações são o metro plangente particular kina e o acróstico alfabético.

A redação do livro é atribuída ao próprio profeta Jeremias por uma antiqüíssima tradição judaica, cristalizada na inscrição interior dos Setenta, citada em nota a Primeira Lamentação. Esta tradição é também mencionada na tradução oficial siríaca Peshitto e na Vulgata, pelo Talmude, por José e pelo Targum e adotada pela tradição cristã. A favor desta tradição, cujo testemunho do Segundo livro das Crônicas (35:25) não nos parece ser independente — Jeremias é aí citado como o autor das Lamentações — podemos invocar as seguintes razões: estas lamentações supõem um poeta contemporâneo do deplorável desastre, mais ainda, um homem de um coração extremamente sensível, que sofreu pessoalmente e que se encontrava sob a influência de impressões recentes; a imagem de Jeremias tal como ela nos é dada pelas Lamentações, corresponde perfeitamente à do Profeta escritor.

A composição do livro por Jeremias é, no entanto, posta em causa por vários exegetas modernos, que não contestam, por outro lado, que o autor tenha sido contemporâneo do desastre descrito. Convém realçar que este livro, classificado entre os Ketubim, é lido no dia 9 do 12Ί mês, aniversário da destruição de Jerusalém pelos Babilônios.

A Carta de Jeremias.

Encontramos nos Setenta, depois das Lamentações, "uma carta deuterocanônica de Jeremias aos Judeus" que iam ser levados para o cativeiro na Babilônia, destinada a relembrar-lhes as recomendações que Deus lhe tinha confiado. Na Vulgara esta carta forma o ultimo capitulo do livro de Baruque, também ele deuterocanônico. Através desta carta, de uma forma que faz lembrar o livro de Jeremias 10:1-16 e 43:8-19, o Salmo 135 e a Sabedoria de Salomão 13, o Profeta procura desviar os Judeus prisioneiros da Idolatria em vigor na Babilônia, que ele descreve de uma maneira figurada, metafórica, com um tom sarcástico, tentando manter o povo na Fé e na Lei dos seus Pais. Como podemos deduzir de inúmeros hebraísmos do texto grego, esta carta fora escrita originalmente em hebraico. O seu conteúdo corresponde à tradição judaica tal como ela é formulada na introdução da carta. A tradição cristã e os Setenta adotaram este ponto de vista.

Esta carta usufrui de uma certa autoridade entre os Judeus, como nos é dado ver na sua referência ao Segundo Livro dos Macabeus (2:1-13) e também pelo fato dela estar classificada entre as obras de Jeremias pelos Judeus contemporâneos de Orígenes. São Jerônimo, "ainda que a considere escrita sob um pseudônimo," de acordo com a opinião dos Judeus do seu tempo, englobou-a, apesar de tudo, na sua tradução latina como o capitulo 6Ί do livro de Baruque. A critica católica-romana recente, em oposição com os exegetas católicos mais antigos, partilha esta opinião de São Jerônimo, recuando a composição da carta até ao século II, ou mesmo I, antes de Cristo. Mas, mesmo no caso em que, nem esta Carta nem as Lamentações fossem consideradas obras de Jeremias, como igualmente a sua enorme influê ncia nas duas obras, tal como no livro de Baruque.

Baruque.

Sob este nome figura, no A.T. grego (Setenta), imediatamente após o livro de Jeremias, do qual ele é um apêndice e, na Vulgata após as Lamentações, um pequeno livro independente que não se encontra no cânone hebraico atual. O livro informa-nos que o autor, ainda que pertencesse a uma família próxima da corte de Jerusalém, fora também o companheiro inseparável e o colaborador do Profeta Jeremias. Foi sob a sua ordem que ele copiou as suas profecias sobre um rolo (Jer. 32:12ss; 36). Foi perseguido juntamente com ele. Serviu-o quando o Profeta se encontrava na prisão e seguiu-o, não somente a Hiçpa após a queda de Jerusalém, mas também ao Egito, onde fora conduzido pelos seus compatriotas (Jer. 43:1-7). O prólogo do livro deuterocanônico de Baruque diz-nos que o Profeta, no quinto ano que se seguiu à ruína de Jerusalém pelos Caldeus, consignou num livro os discursos que pronunciara diante do Rei Jekonias e de todo o povo em lágrimas. Foi, em seguida, enviado a Jerusalém com o dinheiro para o oferecimento dos sacrifícios e das orações a favor de Nabucodonosor e dos prisioneiros (1:1-14). O livro narra também uma confissão dos pecados cometidos pelos prisioneiros contra Deus, com um pedido de perdão (1:15; 3:8); segue-se um hino à Sabedoria, identificada com a Lei (3:9 a 4:4; cf; também Jó 28), as palavras proféticas e consoladoras, intercaladas por clarões de esperanças messiânica (4:5 a 5:9). É, entre outros traços, característico, que Deus aí seja chamado o Eterno.

Mediante o testemunho do livro, o autor é o próprio Baruque (1:1) e o estilo bizantino da tradução grega concorda com este testemunho. Com esta opinião coincide também a autoridade atribuída ao livro pelos Hebreus, que conferiram a Baruque as honras devidas a um profeta (Megilla 5:1). Esta opinião é igualmente confirmada pelo fato do livro ter sido incluído na S.E. Alexandrina dos Setenta e haver sido traduzido por Theodotion no século II depois de Cristo. A autenticidade deste livro foi, apesar de tudo, posta em dúvida por muitos protestantes e, mais tarde, por católico-romanos, quer na sua globalidade, quer na sua maior parte. Já São Jerônimo, perfilhando a opinião dos Judeus da sua época, o excluía do Cânone. No entanto, a mais antiga tradição eclesiástica garantia o seu lugar no Cânone, ainda que hoje não seja considerado senão como livro deuterocanônico.

Ezequiel.

Ezequiel era sacerdote (1:3) e a influência do seu estado sacerdotal está latente em toda a sua obra. Desempenhou um importante papel junto dos seus compatriotas, como o podemos constatar quando do fato de ter sido levado como prisioneiro pelos Babilônios, em 597, com o Rei Jekonias e outras individualidades, tendo sido instalado em Tell Abib (1:1; 3:15). Residindo aí, não longe do rio Kebar, um afluente do Eufrates, perto de Nippur, foi chamado ao ministério profético na altura em que teve uma visão, no quinto ano do cativeiro, com a idade aproximada de trinta anos (1:1). Exerceu a sua função profética pelo menos até ao 27Ί. ano do cativeiro, ou seja, até 570 (29:17). Ezequiel usufruía de uma grande autoridade entre os prisioneiros, sendo pelos anciãos muitas vezes consultado (8:1; 20:1). Também ele, tal como Jeremias, repreende severamente os falsos profetas (13:1). No 9Ί ano do seu cativeiro vira-se privado da sua mulher

 

(24:15). A S.E. guarda silêncio sobre a sua morte; segundo tradições posteriores, ainda que Ezequiel tenha sido o defensor dos direitos do povo e o seu benfeitor, foi, contudo morto pelos da sua raça, porque ele condenava as transgressões à Lei ancestral.

Este Profeta teve uma dupla missão, muitíssimo difícil, a cumprir. Antes da ruína de Jerusalém e do Templo, que parecia inconcebível e indigna para o povo cego, ele teve de anunciar o julgamento de Deus, temível e iminente, mas justo é exortar os pecadores à penitência. Depois da destruição da cidade, teve que consolar o povo, alimentando as esperanças da libertação e da restauração pelo Messias, um Chefe davídico; no entanto, esta esperança exigia uma necessária purificação. Podemos, pois, distinguir duas etapas na sua ação; antes e depois da ruína de Jerusalém.

Embora possa parecer que Ezequiel não obtém uma reforma radical dos costumes, exerceu não obstante uma grande influência e contribuiu, direta ou indiretamente, para que o povo judeu, ao regressar do cativeiro, viesse a (como de fato sucedeu) estar unido a Yhavhé e à Lei ancestral. É notável que este Profeta, tal como Jeremias, tenha exaltado a dignidade do homem e a responsabilidade pessoal de cada um (3:16ss; 14:12ss; 33:1ss). Não o devemos, contudo, considerar como o principal introdutor do "personalismo" em Israel, na medida em que não só Jeremias, como Profetas anteriores, o precederam nesta via. Por outro lado, a idéia da comunidade nacional ergue-se igualmente como um elemento principal da sua pregação e, sobretudo das suas esperanças.

Ezequiel é considerado por muitos exegetas do A.T. como "o pai do Judaísmo," devido ao seu apego à Lei de Moisés e, principalmente, como o precursor do código sacerdotal, do qual talvez tenha ele próprio sido o redator. O perfil essencialmente moral da sua obra (cf. cap.28 e 33), bem como o seu fervor religioso, devem ser realçados. Ezequiel revela-se um digno continuador da obra dos Profetas Amós, Oséias, Isaías, Jeremias e, de uma forma peculiar, como o arauto da penitência, como o guia religioso e moralista do povo. Exalta com singularidade, à maneira dos seus predecessores ilustres, a santidade, a majestade, a justiça e a onipotência de Deus. Se este Profeta parece atribuir uma extrema importância à lei ritual (40-48), esta disposição é devida ao caráter sacerdotal de Ezequiel sem dúvida, mas também à necessidade de utilizar a Lei para salvaguardar a conjuntura nacional e religiosa de Israel no meio dos povos que o circundam, particularmente numa época crítica como aquela em que o Profeta viveu. Ele não é de forma alguma responsável pelos desvios do judaísmo pós-exílio, tal como este fora moldado pelos escribas e pelos fariseus, como também não é de forma alguma responsável da sua adesão à letra da Lei mosaica em detrimento do seu espírito. É um sinal distintivo da pregação profética de Ezequiel a abundancia das visões com as quais foi agraciado. Fora muitíssimo amado pelo seu talento poético e qualificado de "pai da literatura apocalíptica judaica," talvez se tenha, neste ponto, exagerado um pouco, visto que a escatologia apocalíptica era uma característica da vida religiosa de Israel desde a mais alta Antiguidade. Encontramos profecias escatológicas em todos os Profetas que precederam o exílio, aos quais Ezequiel se refere (38:17).

Alguns gestos simbólicos do Profeta Ezequiel são também referidos (4:1; 5:4; 12:3-7; 21:11ss; 24:3ss; 37:15ss). Em razão do seu fim didático a respeito do povo, devem ser considerados como tendo realmente tido lugar, muito especialmente se tomarmos em consideração a atração dos povos orientais pelas pantomimas, as quais eram olhadas como confirmações da palavra profética (1 Sam. 2:7ss; 1 R.11:30; 22:11 Jer. 27). Se em algumas partes do livro se faz menção de condições físicas anormais, o Profeta teria sofrido de catalepsia e histeria. Esta teoria é perfeitamente inadmissível, porquanto estes mesmos fenômenos registram-se em todos os demais profetas de Israel, durante os quais os profetas conservam a sua consciência religiosa e moral sobre o povo, como aquelas que podemos retirar da Historia da pregação de Ezequiel.

O livro que tem o nome de Ezequiel no Cânone do A.T. contém os discursos dirigidos por este Profeta aos Judeus presos com ele na Babilônia, para onde havia sido levado por volta do ano 597. São classificados, na sua maior parte, segundo uma ordem cronológica, mais metódica do que em qualquer livro profético. O livro compõe-se de três partes principais, contendo as primeiras os discursos do Profeta pronunciados antes da queda de Jerusalém e a terceira os discursos posteriores à tomada da cidade que sobreveio em Junho-Julho do ano 587.

Na primeira parte, Ezequiel descreve a visão da sua vocação (1:1 a 3:21) e pronuncia discursos ameaçadores contra Judá e contra Jerusalém (3:22 a 24:27). A segunda parte encerra discursos cominatórios contra as nações vizinhas (25-32) e a terceira contém palavras de consolação para com Judá, evocando a sua futura ressurreição para uma vida gloriosa e, principalmente, para uma nova teocracia sob um Bom Pastor da descendência de David, com um novo templo e um novo culto (33-38).

Um exame atento do seu conteúdo (detalhes, surgimento das descrições do Profeta, uso da primeira pessoa, forma do livro,- plano unificado, língua e estilo, etc.) persuade-nos que o Profeta Ezequiel é, essencialmente, não só o autor das diferentes profecias, como também o redator de todo o livro. Era esta a opinião largamente propalada pela tradição, quer pelos Judeus quer pelos sábios Cristãos, até finais do século passado, não obstante o testemunho do Talmude, para quem o livro foi redigido por homens da "Grande Sinagoga," apesar de se reconhecer uma alteração do texto. É de salientar que as primeiras dúvidas a respeito da autenticidade do livro tenham sido formuladas pelos Judeus (Spinoza, Seinicke, Geiger, Zuna e outros). Desde o inicio do século XX, um exame mais minucioso da critica esclareceu, pelo menos no que concerne à sua origem, a integridade e a autenticidade do livro. Duma maneira geral, resultaria das últimas pesquisas que o livro seria o produto de uma longa evolução. Reconhecer-se-lhe-ia uma base devida ao Profeta Ezequiel; no entanto, a extensão desta enorme base varia mediante os críticos, que se mostram mais ou menos moderados. A tentativa absolutamente radical de Torrey para apresentar o livro como um apócrifo do século III foi inaceitável, quase unanimemente, como não tendo o mínimo fundamento. Pelo contrário, segundo a opinião dos melhores interpretes contemporâneos do livro (Herrmann, Cooke, A. Iods, Fohrer), ele é, na sua maior parte, obra do Profeta Ezequiel, tendo sofrido alguns arranjos ulteriores.

No que toca à sua canonicidade, temos de salientar que, devido à obscuridade de inúmeras passagens, muito particularmente nos primeiros capítulos, a leitura de Ezequiel estava interditada aos Judeus que ainda não tivessem atingido a idade de trinta anos. Pela mesma razão e, sobretudo por causa de diferenças observadas entre os últimos capítulos do livro e o Pentateuco, o livro de Ezequiel desencadeou a desconfiança de alguns rabinos, que puseram em dúvida a sua canonicidade. Permaneceu, apesar de tudo, no Cânone. Seja como for, o grande valor religioso e teológico do livro é reconhecido e salientam-se, em particular, as concepções de Ezequiel sobre a dignidade do Homem e a sua responsabilidade pessoal. O seu ensinamento sobre a penitência e a conversão dos pecadores, sobre o Messias e o Bom Pastor, sobre o espírito novo a instaurar, no futuro, no seio do povo eleito e sobre o coração novo a adquirir, valem ao Profeta uma imensa fama.

Ezequiel exerceu, acima de tudo através das suas alegorias, uma influência notória sobre os Profetas do N.T., sobre os Padres da Igreja, assim como sobre a hinografia bizantina. Descobriu-se, especialmente na visão do Templo novo, uma imagem da Igreja, um símbolo da Virgem Maria sob a imagem da porta fechada pela qual entrara o Eterno, o Deus de Israel (44:1). Na visão dos ossos dessecados (37), vislumbra-se a imagem, quer da restauração do povo judeu, quer da ressurreição de Cristo. É a perícopa que é lida no "Orthros" de Sábado Santo na Liturgia Ortodoxa. Ela influenciou consideravelmente a hinografia deste oficio solene, da mesma forma que o Hino Nacional helênico, de Denis Solomos.

Daniel.

No A.T. grego e latino, Daniel é classificado entre os "grandes" Profetas e na S.E. hebraica o livro que tem o seu nome encontra-se entre os Ketubim. Este livro é a principal fonte bíblica de informações sobre a personalidade do Profeta. Segundo estes dados, Daniel, oriundo de uma ilustre família judaica, foi conduzido como prisioneiro para a Babilônia juntamente com outros Judeus nobres. Já na Babilônia, devido aos seus atributos físicos e espirituais, é por ordem real escolhido, beneficiando de três anos de formação na Corte babilônica com outros jovens da sua raça. Recebera o nome de Baltazar, permanecendo, contudo, fiel à lei religiosa dos seus antepassados. Às suas qualidades naturais e adquiridas, juntou-se o carisma divino da interpretação dos sonhos, mercê do qual conseguira obter as boas graças de Nabucodonosor e a reputação de uma imensa sabedoria. O nome do Profeta Daniel foi relacionado com o de Daniel, do qual se fala no livro de Ezequiel (Ez.14:20; 28:3), relação essa que não se nos afigura de forma alguma improvável. Nada sabemos sobre a morte de Daniel, tão-pouco sobre a morte de todos os outros Profetas.

O livro que tem o nome de Daniel fora-nos transmitido sob três formas:

a do texto massorético;

a dos Setenta;

e a de uma outra tradução grega, obra de Theodotion. Faltam quatro fragmentos no texto massorético. O texto dito de protocanônico de Daniel compõe-se de duas partes, uma histórica, a outra apocalíptica. A primeira contém informações sobre o Profeta Daniel, sobre os seus três companheiros e, através dos seus exemplos, exalta a grandeza do Verdadeiro Deus entre os pagãos (1-6); estas passagens, em certa medida, lembram aquelas referentes a Isaías (Is.36-39), Elias e Eliseu (1 e 2R.). a segunda parte comporta quatro visões relativas às perseguições, que se desencadearão num futuro distante, contra o povo eleito, da parte dos pagãos e ao triunfo final do Reino de Deus contra eles, por intermédio do Messias (7-12).

A visão das quatro bestas que são destruídas e da transmissão do poder ao "Filho do Homem";

A visão de um carneiro vencido por um bode, dos chifres do qual se levantam outros quatro chifres, devastando um a Terra Santa (8);

A visão da revelação das setenta semanas, dada pelo Arcanjo Gabriel a Daniel, em oração (9);

A visão da revelação das futuras guerras do Egito e da Síria, até ao reinado de Antioco IV Epifânio, perseguidor dos Judeus, visão esta que se refere aos últimos tempos (10-11); enfim, o ensinamento escatológico dado a Daniel (12). Os apêndices deuterocanônicos do livro contêm, de uma forma complementar, episódios tirados da vida do Profeta e da dos seus três companheiros, especialmente:

a historia da salvação da piedosa judia Suzana, devida à retidão do julgamento de

Daniel;

a oração de Azarias;

o hino dos três companheiros de Daniel na fornalha;

a destruição do ídolo de Bel e da serpente, Daniel na cova dos leões.

O objetivo primeiro do livro é o de mostrar que Deus dirige o mundo, conduzindo-o ao triunfo final do Seu Reino e do "Filho do Homem." O seu sinal distintivo é a transmissão das revelações divinas por meio de sonhos e de visões. O caráter construtivo e revelador do livro é evidente. Comporta um valor histórico, teológico e escatológico, porque nele, mais do que em qualquer outra parte do A.T., o plano de Deus surge claramente. Sob a sua direção, a Historia universal acaba com o triunfo do Reino de Deus.

A questão da autenticidade do livro provocou, já na antiga Igreja, inúmeras discussões. Fora posta em causa, no século III depois de Cristo, pelo filosofo neoplatônico Porfírio, na sua grande obra "Contra os Cristãos," tendo sido alguns fragmentos conservados por São Jerônimo no seu comentário sobre Daniel. Porfírio negava a composição do livro por Daniel e atribuía-a a um judeu contemporâneo da perseguição de Antíoco IV Epifânio. Esta opinião — já antes de São Jerônimo — combatida por Metódio, Eusébio, Apolinário e, depois por Teodoreto, fôra retomada numa época mais recente e, principalmente, na teologia protestante, que se apoiava nas razões internas que se seguem: a falta de unidade, uma língua e uma teologia tardias, a não inscrição do livro ente as obras proféticas na S.E. judaica atual, os desacordos aparentes com fatos históricos conhecidos por outras vias e, sobretudo, as profecias detalhadas da parte apocalíptica do livro (7-12).

Pelo contrario, a exegese ortodoxa, protestante conservadora e católica persiste (pelo menos uma minoria) em atribuir o livro ao Profeta Daniel, no século VI a.C. Fundamentamo-nos sobre a constante tradição judaica e profana (1 Mac.1:54; 2:60; José, Contra Ap:1:8, Antiguidades Judaicas I:11; XI) e, particularmente, também sobre o testemunho do N.T. (Mt. 24m15 e Dan. 9:27; 12m11).

Em seguida vem o testemunho do próprio livro, na segunda parte, onde o Profeta fala na primeira pessoa, a não ser que se suponha que se trata de uma pessoa fictícia. O uso da língua hebraica e mesmo aramaica favorece a autenticidade, pelo menos substancial do livro. Há, igualmente, várias tentativas conciliadoras que admitem uma origem, anterior aos Macabeus, da maior parte do livro. Nestes últimos anos, também a questão da autenticidade do livro começou por ser levantada pela exegese católica-romana, que coloca algumas dúvidas. No entanto, a sua autenticidade substancial continua a ser sustentada por exegetas protestantes como Ed. Young e R. Wilson. Seja como for, o fato de se pôr em duvida a origem danieliana do livro não põe em causa, quer o seu lugar entre os livros inspirados do A.T, defendido por citações do N.T., e na Igreja cristã, quer o seu caráter profético, bem como a importância da sua teologia da história, da sua Cristologia (Filho do Homem, Reino Celeste, etc.), da sua Angelologia e da sua escatologia, sem as quais não se pode compreender o N.T. O mais recente e interessante comentário sobre Daniel é o do professor Otto Plöger (1965) na série dos "Kommentar Zum Alten Testament."

A influência de Daniel sobre a literatura eclesiástica foi considerável, desde os primeiros séculos, sobretudo na hinografia da Igreja Ortodoxa. No oficio do Grande Sábado Santo, lê-se o terceiro capitulo, com os hinos deuterocanônicos de Azarias e dos três companheiros. Não são unicamente estes hinos que desde o principio eram familiares à antiga Igreja: continua-se, também, a invocar cenas das narrativas deuterocanônicas, como a libertação de Suzana por Daniel, os três meninos na fornalha, Daniel na cova dos leões, cujas representações ornamentavam já os muros das mais antigas catacumbas.

 

O Livro dos Doze Profetas.

Tanto na S.E. hebraica como na latina e grega, os Doze Profetas formam uma coleção particular, reunida gradualmente. É esta coleção que na Igreja Grega é habitualmente apelidada de "Dodecaprofeton" — "os doze profetas" e, na Igreja Latina, seguindo o exemplo de Agostinho de Hipona, "Profetae Minores" — "Profetas Menores." Esta coleção é muito antiga, sendo já nitidamente referida pela Sabedoria de Bem Sirac (49:10) e, em seguida, por José (Contra Ap.1:8) o qual, tal como o texto massorético, a considera como um livro único. Dá-se usualmente como razão para o agrupamento desta coleção o medo de perder estes livros, em virtude da sua brevidade. Quanto à sua classificação, para o primeiro grupo de seis, ela é idêntica tanto no texto massorético como na Vulgata (Oséias, Joel, Abdias, Jonas, Miquéias), diferindo do texto dos Setenta (Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas); procurou-se, acima de tudo, a ordem cronológica, no entanto, esta varia mediante a opinião dos colecionadores; o mesmo sucede com os três últimos profetas. De qualquer maneira, a diferença de classificação destes trai somente a existência de dois ensaios de coleção destes livros. Seguimos aqui a ordem dos Setenta.

1. Oseias.

Este Profeta era Israelita do Norte e contemporâneo de Amós. Isto é confirmado pela Tradição; podemos, igualmente, presumir que assim seja, uma vez que ele se dirige principalmente aos habitantes do Reino israelita do Norte, que o Profeta chama de Efraím, ao passo que não fala de Judá senão de passagem (4:15; 6:4; 8:14;12:1), tal como a familiaridade e o amor que inspiram as suas palavras a respeito dos Israelitas do Norte, apelidando este país "a terra," sem mencionar Jerusalém. De acordo com a inscrição do livro (1:1), Oséias profetizara "no tempo de Osias, de Yotam, de Acaz e de Ezequias, reis de Judá e no tempo de Jeroboão, filho de Joas, rei de Israel," logo, de 750 a 722. Precedera, pois, Isaías de, pelo menos, vinte anos. Exercera a sua atividade numa época de sincretismo religioso e de desleixo, de lassidão moral e social, como também de dissolução política para o Reino do Norte. O Profeta sobreviveu, apesar de tudo, à catástrofe do Reino.

O tema principal da pregação extremamente delicada de Oséias, que abrange os catorze capítulos do seu livro, é a apostasia de Israel, a ingratidão do povo eleito e o amor infinito de Deus para com o Seu povo. Este amor assegurará a salvação dos fiéis israelitas, que se devem converter. Este tema é esclarecido por uma feliz imagem representando as relações de Yhavhé com Israel sob os traços do amor conjugal. A experiência pessoal de Oséias aclara este símbolo: ele desposara, com efeito, uma mulher adúltera e este casamento exerceu uma influencia muitíssimo forte sobre a sua profecia. A narração do Profeta no que concerne ao seu casamento com a prostituta Gomer, a infidelidade desta, o seu abandono e reconciliação (1-3), reteve a atenção dos exegetas desde os primeiros tempos da Igreja. Eles viam nesta narrativa, não uma história real, mas uma alegoria. Esta opinião fora recusada pela maioria dos exegetas, os quais sustentam que se aplicava às relações de Yhavhé com o Seu povo.

O livro de Oséias, independente do seu valor literário, distingue-se pelo seu sublime conteúdo e, acima de tudo, pelo eminente lugar deste Profeta no A.T., considerado como "o Chantre do Amor divino" (3:1; 11:1-9) e "da caridade humana" (4:2ss). Chegaram mesmo a chamar-lhe "o evangelista São João do A.T.."

Oséias revela-se como o iniciado mais penetrante da Aliança de Yhavhé com Israel e do seu monotelismo moral. Graças a esta doutrina, distinta e elevada, Oséias exerceu uma influência importante não só sobre alguns Profetas, em particular sobre Isaías, Jeremias e Ezequiel, mas também sobre o próprio N.T., como o podemos comprovar pelo numero de textos ou citações que aí são utilizadas e pela aplicação analógica da imagem da relação de Deus com Israel, a relação de Cristo com a Igreja. O nosso próprio Deus e Salvador Jesus Cristo interpretou o celebre texto: "É a misericórdia que Eu quero e não o sacrifício" (Mt.12:7), aludindo também a essa analogia.

 

2. Amós.

Este Profeta é oriundo da vila de Téqoa, na Judéia, a Sudeste de Jerusalém. Era pastor de muitos rebanhos e cultivava sicômoros. Foi deste oficio que ele foi por Deus diretamente chamado a exercer o ministério profético (8:14-15).

Amós levou a cabo a sua missão, principalmente no Reino do Norte, e, particularmente, na cidade santa de Béthel, provavelmente também na Samaria, cuja vida social ele conhece perfeitamente (3:9ss; 5:11; 6:1ss). A sua atividade profética tem lugar um pouco antes da de Isaías, no tempo do Rei Ozias da Judéia (1:1) e o conteúdo do livro, no qual se reflete claramente a esta indicação. Era, a um tempo, ainda, um período de segurança política, material e moral, mas também já de decadência religiosa e moral, de decomposição social e de injustiça (2:6; 39ss; 4:1; 5:11; 6:6).

O livro que tem o nome de Amós contém advertências dirigidas a Israel, com vários anúncios do julgamento futuro e do cativeiro, contendo simultaneamente, profecias relativas à Salvação e à restauração da casa de David (5:27; 9:8-15). O objetivo de Amós, chamado por excelência "o profeta do julgamento e da penitência," é manifestar a relação existente entre o julgamento de Deus e a penitência dos pecadores. Todavia, a consolação não está ausente das suas profecias. A qualificação de Yhavhé como Deus Sabaot encontra-se na sua mensagem. A sentença conhecida pelo povo, "o dia de Yhavhé... será de trevas e não de luz" (5:18), para caracterizar o julgamento futuro, é também familiar ao profeta.

Do ponto de vista literário, a língua poética é característica, cheia de imagens extraídas da vida pastoral. Ela pleiteia a favor da autenticidade do livro. É notável que, não obstante a humilde origem do Profeta e a sua carência de formação, e apesar do julgamento de São Jerônimo, este livro se distinga pela sua originalidade, simplicidade, pela força da linguagem e principalmente, por numerosas imagens de uma inefável beleza. No plano religioso e teológico, Amós singulariza-se pela sua pregação sobre Deus, Criador do Universo, Único, Santo e Justo; ele representa as relações morais entre Deus e Israel, como o modelo mediante o qual se devem pautar as relações mutuas dos homens.

3. Miqueias.

Este Profeta foi denominado Morasthita devido ao fato de ser originário de Moréshet, cidade da Judéia, a Sudoeste de Jerusalém, próxima do Mediterrâneo, para se distinguir de um profeta mais antigo que tinha o mesmo nome (1 R.22:8). Exerceu a sua missão profética no Reino do Sul, sob os reinados de Yotam, Acaz e Ezequias, do qual sofreu influência. Explica-se, desta forma, a afinidade da mensagem profética destes dois homens. Através do seu livro nada mais conhecemos a seu respeito. A sua obra não contém profecias sobre Samaria e sobre Jerusalém; a linguagem é plena de vida e de movimento dramático.

O livro divide-se em três partes, dispostas, provavelmente, segundo uma ordem cronológica. Na primeira, com o fim de induzir o povo à penitência, é anunciado o julgamento que espera Samaria e Jerusalém (1-3); a segunda contém, principalmente oráculos de consolação a respeito da Salvação futura pelo Messias, cujo nascimento é anunciado para Belém, a cidade de David (4-5; cf.Mt. 2:6); na terceira parte, a infidelidade do povo para com Yhavhé, a sua ingratidão e a sua corrupção, são censuradas e deploradas, mas, ao mesmo tempo, é exprimida uma esperança na misericórdia de Deus e na salvação dos fiéis que se realizará pelo Messias (6-7). Para este Profeta a essência da religião reside, não nas oferendas "dos holocaustos e nas libações de óleo," tão pouco "na oferenda do meu primogênito como preço da minha perversidade... pelo meu próprio pecado," mas sim no "cumprimento da justiça e do amor, caminhando humildemente com o teu Deus" (6:6-8). A profecia messiânica, apresentada como um contrapeso ao julgamento divino ameaçador (5:1-3), é uma das mais caras ao mundo cristão, sobretudo em razão da sua correspondência com os dados da Historia evangélica (Mr. 2:6; Jo 7:42).

4. Joel.

Nada sabemos deste Profeta, senão que era filho de Petuel (1:1). Através do estudo atento do livro conhecido sob o seu nome, a única coisa segura que podemos deduzir do seu interesse exclusivo por Judá e ou Jerusalém (3:5; 4:1ss), da freqüente menção de Sião, do Templo e dos Sacerdotes (1:9, 13:14; 2:1-23), é que o autor pertencia à tribo de Judá, exercendo a sua atividade em Jerusalém.

Neste livro, composto de quatro partes, segundo os Setenta, e de três partes, segundo a vulgata, o Profeta aproveita o terrível flagelo de gafanhotos que assolava o país, ao mesmo tempo em que anuncia uma temível seca lembrando "o dia terrível de Yhavhé," isto é, o julgamento futuro, para convidar o povo a fazer penitência (1:13 a 3:17). A resposta de yhavhé, diz o profeta, consistirá na cessação da calamidade e na abundancia de bens materiais (2:18-27), na chegada de uma nova época, caracterizada pela efusão abundante de bens espirituais "sobre toda a carne" (3:1-5), pela punição das nações (4:1-17) e pela restauração de Israel (4:18-21).

A importância teológica do livro reside, sobretudo, no seu ensinamento escatológico e, acima de tudo, na descrição "do dia do Senhor" e da liberal "efusão" do Espírito Santo. Desta maneira são feitas citações, quer por São Paulo (Rom.10:13). Do ponto de vista literário, a sua cadencia clássica é apreciável, tal como a força e a paixão do seu estilo, e admira-se principalmente a descrição da invasão dos gafanhotos (1). É bom salientar que um grupo de exegetas pretendeu ver nesta praga uma imagem de cariz apocalíptico. Todavia, mediante uma opinião mais provável e mais conforme com a intensidade da descrição, trata-se de um flagelo autentico, que, por sua vez, se reveste de um significado simbólico, podendo evocar uma invasão estrangeira. Enfim, existe uma grande variedade de opiniões quanto à data da composição do livro; esta data oscilaria entre o fim do século IX e o fim do século IV. Esta incerteza tão ampla é devida à obscuridade do livro e muitos críticos tendem a dividi-lo em duas partes sensivelmente iguais. É difícil formular uma preferência entre tantas opiniões e certamente não parecerá injustificado reservarmo-nos acerca destra questão, fazendo silêncio.

5. Abdias.

De Abdias só conhecemos o nome, quer por intermédio do seu livro, quer através de todo o resto do A.T. Podemos, contudo, inferir do conteúdo da sua profecia que ele era oriundo do Reino do Sul, exercendo aí a sua missão. Talvez seja um dos mais antigos entre os Doze Profetas, se não mesmo o mais antigo, e terá vivido, provavelmente, em meados do século IX.

O conteúdo do seu livro é formado unicamente por 21 versículos, sendo caracterizado como uma visão que se divide em duas partes. Na primeira, está anunciada a ruína da orgulhosa Edom, a terra de Esaú (Indumeia), por meio de uma invasão inimiga. A sua inimizade contra os filhos de Judá, manifestada quando da conquista de Jerusalém por estrangeiros. É indicada como a causa da cólera divina contra ela (1-4). Na segunda parte, é anunciada que uma sorte semelhante ameaçará todos os povos inimigos de Deus, "no dia do Senhor," ao passo que, pelo contrário, a Salvação e o triunfo do Reino de Deus serão assegurados à Casa de Jacob (16-21).

Determinar a data da composição da profecia constitui o principal problema crítico e depende,manifestamente, da resposta a duas questões:

sobre as relações entre a língua de Abdias e a de Jeremias;

sobre a tomada de Jerusalém pelos estrangeiros, na medida em que existiram varias: antes da conquista de Nabucodonosor (586), tiveram lugar as conquistas pelo Faraó Sheshonq, sob o reinado de Roboão, por volta de 932 (1 R.14:25ss); pelos Filisteus e Árabes, no reinado de Joram, por volta do ano 847 (2 Cron.21:16), em conexão com a defecção do próprio Rei de Edom (2 R.8:20ss). Segundo críticos católico-romanos, "os Edomitas aproveitaram a destruição de Jerusalém para invadir a Judéia meridional. Em 312, o país de Edom foi conquistado pelos Nabacianos. A profecia de Abdias situa-se entre estas duas datas, algures no século V. Não podemos ter, apesar de tudo, uma certeza absoluta em relação ao acima mencionado."

6. Jonas.

À exceção do episodio bem conhecido da tempestade, de Jonas nada sabemos senão pelo seu livro, a não ser que ele era filho de Amittai (1:1). Uma vez que é feita menção, no Segundo livro dos reis (14:25) de um profeta do Norte de Israel, Jonas, precisamente filho de Amittai, anunciando a Jeroboão II, Rei de Israel (783-743) a extensão das fronteiras do Reino, parece-nos possível identifica-lo com esse profeta.

Esta identificação parece razoável, na medida em que o conteúdo presente do livro concorda com a breve indicação do Segundo livro dos Reis no que concerne a Jonas e o mesmo se passa com o seu lugar entre os mais antigos profetas escritores do cânone do A.T.

Muitas asserções se ergueram desde os primeiros séculos de vida da Igreja (São Gregório de Nazianzo, São Jerônimo) a respeito do caráter deste livro. Nos tempos modernos consideraram-se as conjecturas mais diversas. É por todos reconhecido que este livro difere dos demais pela sua estrutura literária. Contém, não a mensagem tirada do Profeta Jonas, mas a narração didática de um episódio da sua vida. A narrativa é a um tempo histórica e profética. Constitui uma profecia sob uma forma original e nisto encerra o seu peculiar valor. Por um lado opor-se ao sectarismo e à intolerância dos Israelitas, ensinando de uma forma admirável a universalidade de Deus, o seu Amor infinito por todos os homens e até mesmo pelos animais; por outro lado dá a entender que a Salvação das nações realizar-se-á por intermédio de Israel e, principalmente, através de um Homem proveniente do povo eleito, o qual suportará todo o sofrimento (Jó 4:22). Entrelaçam-se, assim, na narrativa de Jonas a história e a profecia.

O caráter profético do livro perpassa através do todo o texto. É confirmado, também, pela antiga tradição judaica e pelo próprio Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo. A tradição judaica classifica o livro entre as obras essencialmente proféticas. Jesus Cristo compara a permanência simbólica de Jonas no ventre da baleia, durante três dias, à Sua própria sepultura durante três dias e à Sua Ressurreição Mt 12:39-40. A favor do caráter histórico desta demonstração erguem-se, independentemente da tradição judaica (José, Antiguidades judaicas, IX 10:2) e do testemunho do Senhor (Mt 12:39-40), o tom natural e o acento peculiar da narração, a sua verdade psicológica. A aversão de Jonas contra Nínive está de acordo com os dados históricos da época. As indicações sobre as distancias até Nínive foram confirmadas por descobertas proporcionadas por recentes pesquisas. O luto imposto aos homens e aos animais (3:7) é um traço que se reencontra, igualmente, nos testemunhos extra-bíblicos antigos (Heródoto; Diodoro de Sicília). No que respeita aos milagres narrados, será oportuno relembrar as palavras do Bem-aventurado Agostinho, Bispo de Hipona: "ou rejeitamos todos os milagres, ou então não há razão para rejeitarmos estes."

Quanto à questão do autor, consideramos como muito provável a composição do livro pelo próprio Profeta, se não por um dos seus discípulos ou um seu contemporâneo. Esta opinião baseia-se, em particular, sobre a vivacidade e sobre os detalhes da descrição.

A memória do Profeta Jonas é celebrada, na Igreja Ortodoxa, no dia 21 de Setembro e o seu livro é lido integralmente durante Vésperas do Grande Sábado Santo. A sua influência foi grande, sobretudo a do seu hino (2:3-10), que é um dos mais antigos hinos eclesiásticos.

7. Nahum.

A inscrição inicial do livro diz-nos que este Profeta (1:1) era originário da aldeia de Elqosh, situada possivelmente na Galileia (São Jerônimo) pouco distante de Nínive; segundo uma outra opinião (Santo Epifânio) seria oriundo da Judéia. Do conjunto do livro podemos inferir que Naum terá vivido no Reino de Judá, em meados do século VII, sendo a sua profecia escrita porco antes da destruição de Nínive (613). O livro, que do ponto de vista literário é uma obra-prima (sobretudo 2:4ss e 3:2ss) compõe-se de três capítulos e é brevemente caracterizado pelas palavras do inicio: "Oráculo contra Nínive" (1:1). A destruição desta cidade é descrita com uma vivacidade dramática e um poder de expressão inigualável.

De acordo com a opinião dominante, o que se afigura mais crível, mediante o parecer dos exegetas, é que se trata de uma profecia real a respeito da destruição de Nínive, a grande capital do Império Assírio, profecia que comporta também uma vertente escatológica. Não há razão alguma séria para que admitamos a opinião segundo a qual se trataria de um serviço de ação de graças cantado a Jerusalém, ou para que recusemos a unidade filológica do livro e a composição por Naum do Salmo alfabético colocado no cabeçalho do livro (1:2-10). Uma das suas características é o seu ardente patriotismo, sustentado por uma indignação sagrada diante do ultraje do insaciável monarca assírio e do seu desprezo pela ordem moral do mundo.

 

 

8. Habacuque.

Segundo a inscrição no principio do livro, o seu autor é qualificado de Profeta (1:1). Do seu conteúdo podemos concluir que Habacuc terá exercido a sua ação profética na Judéia, em meados do século VII, no tempo de Naum, certamente antes de 586. o lugar ocupado por este pequeno livro composto por duas partes, divididas, por sua vez, em três capítulos, é de um grande valor literário e teológico (3 e principalmente 2:4); é igualmente de difícil compreensão. Na primeira parte (1 a 2:4) encontram-se anunciados o julgamento contra o reino corrompido de Judá, a intervenção dos presunçosos Caldeus e o castigo dos invasores. A segunda parte, que se apresenta como uma oração, é um hino cheio de nobreza, no qual o Profeta invoca Deus para que, no momento da Sua aparição como Juiz, Ele Se lembre da Sua misericórdia para com Israel (3:1-15).

Uma expressão desta profecia tornou-se particularmente celebre: "O justo viverá da Fé" (2:4); esta expressão foi freqüentemente usada por São Paulo na sua doutrina sobre a Fé (Rom. 1:17; Gal. 3:11; Hebr.10:38). O hino de Habacuc tomou lugar como quarta ode entre aquelas que foram prescritas pela antiga Igreja para um uso quotidiano no oficio divino das Nove Odes (Orthros). É interessante acrescentar que, entre as recentes descobertas de Qumrân, se encontrou um comentário sobre Habacuc.

 

9. Sofonias.

Este Profeta viveu no tempo do Rei Josias de Judá (640-609), (1:1). Da sua luta contra a idolatria (1:4ss) deduz-se habitualmente que profetizou em Jerusalém, antes da reforma religiosa empreendida por este Rei, em 622-621 (2:13). Fora quase contemporâneo de Jeremias e parece que contribuira, como este, — pelo menos indiretamente — para a realização desta reforma religiosa.

O seu livro compreende três discursos ardentes que formam três capítulos. No primeiro é anunciado o julgamento de toda a terra, mas especialmente de Judá por causa da sua impiedade, julgamento este que é descrito como "o dia do Senhor ..., dia de cólera Será esse dia" ("dies irae dies illa") (1:14-18), frase que repete o hino dos mortos bem conhecido na Igreja Latina (Sm.5:18; Is.2:6ss). O segundo discurso comporta uma exortação à conversão e à salvação do povo. No terceiro discurso, o Profeta, voltado para Jerusalém, admoesta severamente os seus chefes espirituais e chama o povo à penitência; simultaneamente, anuncia a Salvação após o julgamento e a conversão dos pagãos. Uma perícopa deste livro "canta alegremente ò filha de Sião" (3:14ss), tal como o versículo de Zacarias (9:9ss), são lidos na Igreja Ortodoxa — como o eram na antiga Igreja — em vésperas de Domingo de Ramos e influenciaram profundamente a sua hinografia.

10. Ageu.

Sabemos pelo livro de Esdras (5:1; 6:14) que o Profeta Ageu, ao mesmo tempo que o Profeta Zacarias, no segundo ano do Reino de Dário o Histáspo (520) galvanizou com sucesso o povo a prosseguir com a reconstrução do Templo de Jerusalém, a qual havia sido interrompida devido às calúnias dos Samaritanos; a reconstrução terminou em 515. o livro de Ageu está perfeitamente de acordo com estas informações. Para além de alguns dados históricos e compreende quatro discursos, bastante concisos. O Profeta tinha em vista, por um lado, a restauração do templo e do culto hebraico legal e, por outro, a renovação da promessa messiânica dada à Casa de David.

Destes discursos, o quarto (2:20-23), que tem um caráter universal e escatológico, reporta-se diretamente a Zorobabel, descendente da Casa Real de David.

A favor da autenticidade do livro temos a data extremamente precisa dos discursos, a vivacidade e a coloração natural do seu estilo.

11. Zacarias.

Segundo o seu próprio livro, este Profeta, filho de Rerékya (1:1), é oriundo de uma família sacerdotal (Neemias 12:16). Juntamente com Ageu, encoraja Zorobabel e o povo (Esdr. 5:1; 6:14) a prosseguir a obra interrompida da reconstrução do Templo de Jerusalém. No entanto, a sua mais premente preocupação fora a organização religiosa e a restauração da comunidade judaica vinda do exílio (1:3; 7:1-4).

O livro que tem o seu nome encontra-se entre os mais difíceis de interpretar do A.T., devido principalmente à vertente simbólica e velada dos discursos, dividindo-se em duas partes principais. Distingue-se quer pelo número de visões que encerra, quer pelas suas mensagens cristológicas. A primeira parte (1-8) abrange a introdução e uma narrativa de oito visões noturnas, assaz misteriosas, reportando-se à reconstrução do Templo, à teocracia e ao triunfo futuro do Reino Messiânico. Uma digressão histórica serve de ligação entre a primeira e a segunda parte.

Esta obra reúne discursos anônimos e obscuros, referindo-se diretamente à punição dos povos vizinhos, da Síria, da Fenícia e da Filistéia; depois menciona Israel e, sobretudo, o seu triunfo, tal como o do Reino de Deus. Jerusalém, após varias provações motivadas pelas invasões estrangeiras, será salva no "dia do Senhor" e triunfará juntamente com o Reino de Deus, depois de ter em primeiro lugar chorado com as tribos de Israel o Messias por elas mesmo "traspassado," altura em que olharão para o Senhor (12:10; cf. Jo.19:37; Apoc.1:7; Jo.3:14).

No que concerne à questão do autor, em oposição com as tradições judaica e cristã que admitiam um único profeta Zacarias como autor de todo o livro, o qual tem o seu próprio nome, está desde o século XVIII a crítica moderna, que habitualmente rejeita a sua unidade, atribuindo unanimemente só a primeira parte ao Profeta Zacarias, pressupondo a existência de um segundo Zacarias, posterior ao cativeiro.

Zacarias é festejado na Igreja Ortodoxa no dia 8 de Fevereiro.

 

12. Malaquias.

Este Profeta, cujo nome e pessoa deixam os antigos exegetas hesitantes, parece ter vivido algum tempo depois dos Profetas Ageu e Zacarias, tendo sido contemporâneo ou precursor de Esdras (por volta de 470).

É-nos licito inferir o que acabamos de afirmar, tanto pelo ultimo lugar que ele ocupa na coleção dos livros verdadeiramente proféticos do A.T., quer através da pressuposição neste livro da existência do Templo. O zelo da comunidade judaica chegada do exílio encontra-se num estado lânguido e a situação assemelha-se àquela que se vivia no tempo de Esdras e de Neemias, o que corresponde às datas indicadas. Convém realçar que o fim deste livro já é utilizado na Sabedoria de Bem Sirac (Sir. 48:10). Podemos ainda comprovar que, na inscrição do livro, o nome Malaki significa "Meu Anjo" (1:1); é assim que o traduziram os Setenta e o Talmud hierosolamitano. Semelhante nome não mais se vislumbra em todo o A.T. Também, exegetas, tanto antigos como modernos, pensaram que não se trataria aqui de um Profeta denominado Malaquias, mas que sob este nome se esconderia Esdras, Neemias, Zorobabel ou um outro Profeta. Todavia, muitos são os críticos que admitem tratar-se, sem duvida alguma, do próprio nome do autor.

Segundo os Setenta e a Vulgata, o livro é formado por quatro capítulos e mediante o texto massorético tem somente três .

Sob a forma de um dialogo de Yhavhé com o Seu povo, este é repreendido e admoestado pelos seus pecados e pelos erros dos seus sacerdotes. No entanto, a segurança do Amor de Deus pelo Seu povo é renovada e o julgamento futuro anunciado.

Este livro, pouco extenso mas importante, cujo autor se encontra muito próximo do Deuteronômio e dos três primeiros Profetas, notabiliza-se pela espiritualidade da sua mensagem. Esta mensagem culmina no anuncio do "Sacrifício puro" e da futura glória universal do Nome de Yhavhé (1:6 a 2:9). A mensagem acaba mencionando o justo julgamento de Deus, que será iminente e que o Profeta Elias precederá, a titulo de precursor (3:1; 3:23). Na pessoa deste último, Jesus Cristo e a Igreja antiga viram São João o Precursor (Mt. 11:10; Mc. 1:2; Lc. 1:17). No que respeita ao "Sacrifício puro" de extensão universal (Mal. 1:11), a Teologia cristã reconhece desde sempre o Sacramento da divina e Sagrada Eucaristia. Por todas estas razões, considera-se este último livro, puramente profético, como a digna conclusão da divina Revolução do A.T. e como o ponto que conduz deste ao "começo do Evangelho." Fora assim que já o sentira o Evangelista São Marcos (1:1). A memória do Profeta Malaquias é celebrada no dia 3 de Janeiro, três dias antes da Teofania.

 

Folheto Missionário número P11

Copyright © 2001Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

(old_testament_p.doc, 10-25-2002)

 

 

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