Sola Sriptura

Na Vaidade de Suas Mentes

Uma Análise Ortodoxa

Deste Ensinamento Ortodoxo

por John Whiteford

Tradução de Rafael Resende Daher

Nota do Editor: John Whiteford formou-se na Associação de Pastores Nazarenos, e se converteu à Ortodoxia logos após o término de seu B.A sobre Religião na Universidade Nazarena, em Betânia, Oklahoma. Seu primeiro contato com a Ortodoxia ocorreu após seu envolvimento em um grupo Pro-Vida (Rescue) local, do qual o Padre Anthony Nelson fazia parte, junto com seus paroquianos. Após um ano de pesquisas da Escritura e dos ensinamentos da igreja Primitiva, e através do amor, paciência e orações do Padre Anthony e de seus paroquianos da igreja de São Bento, John Whiteford foi recebido na Santa Igreja Ortodoxa. [Quando escreveu este artigo, John servia como leitor na igreja de São Vladimir, Houston, Texas, e continuava seus estudos. Depois foi ordenado Diácono].

 

 

Conteúdo:

Introdução: Estão os Protestantes sem Esperança?

Por que Somente a Escritura?

Problemas com a Doutrina da Sola Scriptura

É uma doutrina baseada em muitas falsas suposições. 1Ί Falsa Suposição: A Doutrina da Sola Scriptura não é digna de seus próprios critérios. As tentativas das interpretações Protestantes não Funcionam.

A Proximidade da Ortodoxia com a Verdade.

Conclusão

 

 

 

Introdução:

Estão os Protestantes sem Esperança?

Desde minha conversão do Protestantismo Evangélico à Fé Ortodoxa, tenho notado um espanto geral entre os ortodoxos, sobre como um Protestante se converteu. Isto não ocorre por eles duvidarem da fé Ortodoxa, mas ficam espantados de como algo conseguiu vencer a velha teimosia Protestante de nunca estar errada! Pude entender que muitos Ortodoxos possuem uma visão confusa e limitada sobre o que é o Protestantismo, e de onde chegam seus adeptos. Assim, os fiéis Ortodoxos caminham longe dos Protestantes, pois embora usem as mesmas palavras, não se comunicam por não falarem a mesma linguagem teológica — em outras palavras, não possuem a mesma base teológica para discutir suas diferenças. Claro que quando a pessoa considera os mais de vinte mil grupos Protestantes existentes (que a única semelhança entre eles é a de que todos clamam que possuem o correto entendimento da Bíblia), alguém que simpatize com algum destes pode ficar um pouco confuso.

Apesar de todo este caminho, há definitivamente uma esperança aos Protestantes. Os Protestantes buscam um equilíbrio teológico, de verdadeira louvação, e a antiga Fé Cristã está praticamente batendo na porta das nossas Igrejas (para que não está prestando atenção, isto pode parecer estranho). Já não estão mais satisfeitos com as contradições e os escândalos do atual Protestantismo Americano, mas quando abrirmos a porta, deveremos estar preparados para responder suas perguntas! Muitos que perguntam são ministros Protestantes, ou até mesmo leigos bem informados, que procuram sinceramente a verdade, mas eles devem desaprender muitas coisas, e necessitam de informações dos Cristãos Ortodoxos para serem informados destes assuntos — Cristãos Ortodoxos que necessitam saber de onde eles chegam, e o mais importante, conhecer o que eles acreditam!

Ironicamente (ou providencialmente) surge um interesse sobre a Ortodoxia nos americanos de origem protestante, assim como quando foram abertas as portas do bloco-Comunista, quando povo Ortodoxo foi assaltado por uma quantidade sem precedentes de cultos e religiões.

Desta maneira, os evangélicos e carismáticos americanos vão tropeçando um no outro — cada um com suas seitas em busca de prestigio, igualando-se aos russos ateus! Assim, nós Ortodoxos devemos nos apresentar com ainda mais urgência — de um lado, há a tarefa missionária de apresentar a Fé aos protestantes do ocidente, e do outro, devemos combater a expansão das heresias entre os Ortodoxos, aqui e nos países tradicionalmente Ortodoxos. Em qualquer caso, a primeira tarefa é nos equiparmos do conhecimento e entendimento dos assuntos que nos confrontam.

Talvez a característica mais assustadora do Protestantismo — a característica que a deu uma reputação de teimosia, são as suas numerosas diferenças e contradições. Como o Hydra mítico, suas diversas cabeças se multiplicam, é uma tarefa árdua confrontar e entender estas heresias individualmente, mas esta não é a chave para sua derrota. Para entendermos as convicções de cada seita, precisamos de um conhecimento sobre a história e o desenvolvimento do Protestantismo, além de muita pesquisa em cada parte da teologia protestante, sobre sua generalidade, louvação, etc, assim como um estudo para entender algumas tendências cruciais que o influencia hoje em dia (como liberalismo, sentimentalismo). Até mesmo entendendo tudo isso, não conseguiremos acompanhar o ritmo de novos grupos que surgem quase diariamente. Ainda entre tantas diferenças, há uma suposição que une todos estes milhares grupos discrepantes na categoria geral de "protestante." Todo grupo protestante (com algumas qualificações secundárias) acredita que entende a Bíblia da maneira correta, entretanto, eles discordam sobre o que a Bíblia diz, e geralmente concordam que a pessoa que deve interpretar a Bíblia — por conta própria! — sem a Tradição da Igreja. Se qualquer pessoa pode entender esta crença, e o motivo dela estar errada, e como é a maneira correta de entender a Bíblia, então qualquer protestante pode entender a maneira correta. Até mesmo grupos tão diferentes como os Batistas e Testemunhas de Jeová não são tão diferentes neste ponto essencial — quando você tiver a oportunidade de ver um Batista e um Testemunha de Jeová discutindo a Bíblia, você notará que a análise final é sempre diferente uma da outra. Se eles estão igualados intelectualmente, eles não entrarão em discussões sobre esta aproximação da Bíblia, para que ninguém desconfie que esta aproximação mútua e dividida da Bíblia é o problema. Esta mentira é o coração deste Hydra de heresias — perfure seu coração e suas cabeças cairão imediatamente ao chão.

 

Por que Somente a Escritura?

Se nós desejamos entender o que os protestantes pensam, devemos primeiro saber em que eles acreditam. Na verdade, devemos nos colocar no lugar dos primeiros reformadores, como Martinho Lutero, para só assim termos uma avaliação correta das razões que o levaram a acreditar na Doutrina da Sola Scriptura (ou "Somente a Bíblia). Quando a pessoa considera a corrupção da Igreja Romana daquela época, e os ensinamentos degenerados que ela promoveu — além de que o Ocidente estava há vários séculos sem nenhum contato significativo com a herança Ortodoxa — é difícil imaginar como Lutero poderia ter conseguido resultados melhores dentro destas limitações. Como pôde Lutero apelar contra a tradição para lutar contra estes abusos, quando a tradição (como tudo em que o Ocidente romano acreditava) havia sido personificado pelo papado responsável por estes abusos. Para Lutero, era a tradição que havia errado, e para reformar a Igreja, ele deveria fazer um novo entendimento correto da Bíblia. Porém, Lutero nunca buscou eliminar totalmente a tradição, mas sim usar a Bíblia como a "única" verdade, para poder se libertar de parte das tradições romanas que eram corruptas. Infelizmente, sua retórica ficou distante de sua prática, e os reformadores mais radicais levaram a idéia da Sola Scriptura a uma conclusão lógica.

 

 

Problemas com

a Doutrina da Sola Scriptura

É uma doutrina baseada em muitas falsas suposições.

Uma suposição é algo que concebemos no início, normalmente sem consciência. Quando a suposição é válida, tudo acaba bem, mas uma suposição errada conduz inevitavelmente às falsas conclusões. A pessoa que tem esperança de chegar a uma conclusão utilizando uma suposição falsa, deve perguntar a si mesmo onde está o erro. Os protestantes que estão dispostos a avaliar o estado do atual mundo protestante de maneira honesta, devem perguntar se a Sola Scriptura, ensinamento fundamental do Protestantismo vêm de Deus, pois esta suposição resultou em mais de vinte mil grupos discrepantes que não concordam em assuntos básicos da Bíblia, ou o que significa ser um Cristão? Por que (se somente a Bíblia é suficiente, sem a Santa Tradição) batistas, testemunhas de Jeová e metodistas reivindicam que acreditam no que a Bíblia diz, mas nenhum deles concorda em o que a Bíblia diz? Obviamente, aqui está uma situação na qual os protestantes devem achar que estão errados. Infelizmente, a maioria dos protestantes estão dispostos a colocar a culpa deste problema em qualquer cosia — qualquer coisa menos no problema que é a raiz. A idéia da Sola Scriptura é fundamental para o Protestantismo tanto que para eles nega-la é questionar Deus, como disse Nosso Senhor: "Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos" (Mateus 7:17). Se julgarmos a Sola Scriptura pelos seus frutos, chegaremos a conclusão de que esta árvore deve ser cortada, e lançada ao fogo (Mateus 7:19)

 

1Ί Falsa Suposição:

A Bíblia deve ser entendida como última palavra sobre a fé, piedade e louvação.

a) É o ensinamento da Escritura "totalmente suficiente"?

A suposição mais óbvia pôr de trás da doutrina da Sola Scriptura, é a de que a bíblia possui tudo o que é preciso para a vida do Cristão — tudo o que é necessário para a verdadeira fé, prática, devoção e louvação. O trecho mais citado para apoiar esta suposição é:

"… e desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra" (II Timóteo 3:15-17).

Os que usam esta passagem para defender a Sola Scriptura, afirmam toda a "auto-suficiência" da Bíblia, porque "Somente a Bíblia Sagrada pode fazer o homem piedoso e perfeito... a perfeição pode ser atingida sem a necessidade da tradição." [1]

Mas o que pode ser realmente dito baseando-se nesta passagem? Para os iniciantes, devemos perguntar sobre o que o apóstolo Paulo está falando quando ele fala a Timóteo sobre ele conhecer a Bíblia desde criança. Devemos estar seguros de que Paulo não está falando sobre o Novo Testamento, pois o Novo Testamento ainda não havia sido escrito quando Timóteo ainda era uma criança — na realidade, ele ainda não estava pronto quando Paulo escreveu esta Epístola a Timóteo, e muitos menos o Cânon do Novo Testamento como o que conhecemos hoje. Obviamente, na maioria das referências da Bíblia encontrada no Novo Testamento, vemos que Paulo está falando do Velho Testamento, assim, se esta passagem for usada para fixar os limites da autoridade inspirada, não só a Tradição fica excluída, mas também todo o Novo Testamento.

Em segundo lugar, se Paulo pretendesse excluir a tradição por ser algo não benéfico, deveríamos saber por qual motivo Paulo utilizou no mesmo capítulo tradições orais que não estavam na Bíblia. Os nomes de Janes e Jambres não aparecem no Velho Testamento, contudo, em II Timóteo 3:8 Paulo os chama de adversários de Moisés. Paulo utiliza a tradição oral para falar o nome dos dois mágicos mais proeminentes do Egito, que aparecem durante o Êxodo (7:8). [2] E este não é a única fonte não-bíblica utilizada no Novo Testamento — outro exemplo mais conhecido aparece na Epístola de São Judas que cita o Livro de Enoque (Judas 14:15 c.f. Enoque 1:9).

Quando a Igreja canonizou os livros da Bíblia oficialmente, o principal propósito era estabelecer uma lista de livros autorizados, para proteger a Igreja dos livros espúrios que reivindicavam autoria apostólica, mas que eram na verdade, trabalhos de hereges (v.g. o Evangelho de Tomé). Os grupos heréticos não conseguiam basear seus ensinamentos na Santa Tradição, pois seus ensinamentos eram criados fora da Igreja, então a única maneira que possuíam para autorizar suas heresias era distorcendo o significado da Bíblia, além de forjar novos livros, apóstolos, ou santos do Velho Testamento. A Igreja sempre se defendeu contra os ensinamentos heréticos reivindicando as origens apostólicas da Santa Tradição (provando-as pela Sucessão Apostólica, c.f. o fato de que seus bispos e professores possuem uma descendência histórica e direta dos Apóstolos), e também reivindicando a universalidade da Fé Ortodoxa (c.f. o fato de que a Fé Ortodoxa é a mesma fé que os Cristãos Ortodoxos sempre aceitaram ao longo da história e do mundo). A Igreja se defendeu contra os livros espúrios e heréticos estabelecendo uma lista autorizada de Livros Sagrados, que foram recebidos pela Igreja como Divinamente inspirados, tanto os do Velho Testamento como os de origem apostólica.

Estabelecendo a lista canônica da Bíblia Sagrada, a Igreja não pretende insinuar que toda a Fé Cristã e toda a informação necessária para a louvação e regra da Igreja está contida apenas na Bíblia. [3] Uma coisa que está além dos debates sérios é sobre a questão de quando a Igreja conclui os Cânones dos Livros Sagrados em fé e louvação, assim como a discussão se a fé a louvação atual é a mesma da do período primitivo — isto é uma verdade histórica. Como na estrutura da autoridade da Igreja, os bispos Ortodoxos em vários Concílios resolveram a questão do Cânon — e na Igreja Ortodoxa é assim até hoje quando qualquer pergunta sobre a doutrina ou a disciplina deve ser resolvida.

b) Qual o propósito dos escritos do Novo Testamento?

É ensinado nos estudos bíblicos protestantes (e penso que neste caso eles ensinam corretamente) que quando você estuda a Bíblia, entre muitas outras considerações, você deve primeiro considerar o gênero (ou tipo literário) de literatura que você está lendo em uma passagem particular, pois gêneros diferentes possuem gêneros diferentes. Outra consideração a ser tomada é sobre qual o assunto ou o propósito do livro que está sendo estudado. No Novo Testamento temos quatro tipos de gêneros literários: evangelho, narração histórica (Atos), epístola e apocalíptica ou profética (Revelação). Os Evangelhos foram escritos para testemunhar a vida de Cristo, sua morte e ressurreição. As narrativas contam a história de pessoas e figuras significativas e mostra a magnífica providência Divina agindo em tudo. Diversas epístolas foram escritas para responder perguntas específicas que surgiram em várias Igrejas, assim, muitos problemas não foram relatados com detalhes. Assuntos doutrinais eram discutidos para resolver problemas doutrinais, [4] e assuntos sobre louvação só eram discutidos quando aparecia algum problema relacionado (c.f. Coríntios 11:14). Os escritos apocalípticos (Revelação) foram escritos para mostrar o triunfo de Deus na história.

Notamos que não há referências literárias à louvação no Novo Testamento, e nem detalhes de como era a louvação na Igreja. No Velho Testamento há detalhes (e até exaustivos) sobre a louvação do povo de Israel (v.g. Levítico e Salmos) — no Novo Testamento há apenas sugestões escassas sobre a louvação dos cristãos primitivos. Mas qual o motivo? Certamente que não foi por não existir ordem em seus serviços religiosos — os historiadores litúrgicos afirmam que os cristãos primitivos continuavam firmemente na mesma louvação judaica herdada dos Apóstolos. [5]

Porém, até mesmo as parcas referências do Novo Testamento em relação à louvação da Igreja primitiva, nos mostra que eles estavam bem longe dos selvagens grupos "Carismáticos," os cristãos do Novo Testamento possuíam as mesmas louvações litúrgicas de seus pais: observavam as horas de oração (Atos 3:1), louvavam no Templo (Atos 2:46; 3:1; 21:26), além da louvação nas Sinagogas (Atos 18:4).

Nós também precisamos notar que nenhum dos tipos presentes da literatura do Novo Testamento tem o propósito de dar uma instrução doutrinal inclusiva — não há um catecismo ou uma teologia sistemática. Se a Bíblia é tudo que precisamos como cristãos, por que não há nenhuma declaração doutrinária inclusiva nela? Imagine como todas as controvérsias pudessem ter sido resolvidas se a Bíblia responde-se todas estas perguntas doutrinais claramente. Isso seria muito conveniente, mas tais coisas não são encontradas nos livros da Bíblia.

Que ninguém entenda mal a observação feita aqui. Nada disso deprecia a importância da Bíblia Sagrada — Deus proíbe tal coisa! Na Igreja Ortodoxa, a Bíblia é tida como totalmente inspirada por Deus, inerrante e autoritária, mas o fato é que a Bíblia não contém o ensinamento para todo assunto importante da Igreja. Como já declaramos, o Novo Testamento dá apenas um breve detalhe sobre como louvar — e isto não é de pequena importância. Além de que, a mesma Igreja que nos passou a Bíblia Sagrada, é a mesma que preservou os padrões de louvação que recebemos. Se nós desconfiamos da fidelidade desta Igreja em preservar a adoração Apostólica, também temos que desconfiar de sua fidelidade em preservar a Bíblia. [6]

c) É a Bíblia, na prática, "totalmente suficiente" para os protestantes?

Os protestantes freqüentemente reivindicam que "acreditam apenas na Bíblia," mas várias perguntas aparecem quando a pessoa tenta examinar o atual uso que eles fazem da Bíblia. Por exemplo, por que os protestantes escrevem tantos livros sobre doutrina e a vida Cristã, se eles necessitam apenas da Bíblia? Se a Bíblia fosse o suficiente para entendê-la, por que eles simplesmente não utilizam apenas a Bíblia? E se ela é "totalmente suficiente," por quê isto não produz resultados suficientes, por exemplo: por quê os protestantes não acreditam na mesma coisa? Por que há tantos estudos bíblicos protestantes, se eles precisam apenas da Bíblia? Por que eles buscam outras áreas e materiais? Por que eles ensinam a bíblia ao povo — ao invés de apenas ler as Escrituras para as pessoas? A resposta eles nunca admitirão, mas os protestantes sabem que a Bíblia não pode ser entendida por si só. E na verdade, toda seita protestante possui seu corpo de tradições, mas nunca admitem ou a chama disso. Não é por acaso que as Testemunhas de Jeová acreditam nas mesmas coisas que os Batistas do Sul, mas não é por acaso que eles não acreditam nas mesmas coisas enfaticamente. Os Testemunhas de Jeová e os Batistas do Sul não propõem individualmente cada uma de suas idéias sobre a Bíblia, mas ensinam a crença de um certo modo — com uma tradição. Então a questão não é em acreditar ou não na tradição — a pergunta correta é qual a tradição que devermos usar para interpretar a Bíblia? Em qual tradição podemos confiar, na Tradição Apostólica da Igreja Ortodoxa, ou na confusa e moderna tradição do Protestantismo, que não possui nenhuma raiz além do advento da Reforma Protestante?

2Ί Falsa Suposição:

A Bíblia era a base da Igreja primitiva, e que a Tradição é apenas uma "corrupção" humana muito posterior.

É especialmente entre Evangélicos e Carismáticos que a palavra "tradição" é considerada um termo depreciativo, a tradição é rotulada como algo "carnal," "espiritualmente morta," "destrutiva," "legalista." Para o protestante que lê o Novo Testamento, a Bíblia condena a tradição como algo oposto à Bíblia. A imagem que eles têm dos cristãos primitivos é de que eles eram como os Evangélicos ou Carismáticos do século XX! Para eles é inconcebível que os cristãos primitivos possuíam uma louvação litúrgica, ou que eles tinham adquirido qualquer tradição — acreditam que isso ocorreu somente após a Igreja ter sido "corrompida," é assim que imaginam que tais coisas entraram na Igreja. É um sopro de vida para estes protestantes (assim como para mim) quando eles estudam a Igreja primitiva e os escritos dos primeiros Padres, e começam a sentir algo diferente do que sempre imaginaram ou foram conduzidos a sentir. Por exemplo, os cristãos primitivos não levavam suas Bíblias para a Igreja em cada domingo de estudo da Bíblia, devido ao longo tempo para se fazer uma cópia, e poucos possuíam suas próprias cópias da Bíblia. Ao invés disso, as cópias da Bíblia eram mantidas por pessoas designadas pela Igreja, que ficavam num local da Igreja destinado à louvação. Além de que, os cristãos não possuíam cópias do Velho Testamento, e muito menos do Novo Testamento (que não foi terminado antes do final do Primeiro Século, e não em sua forma canônica até o Quarto Século). Isto não é o mesmo que dizer que os cristãos primitivos não estudavam a Bíblia — eles estudavam, mas como um grupo, e não individualmente. E em grande parte do Primeiro Século, os cristãos estavam limitados em estudar apenas o Velho Testamento. Assim, como eles sabiam dos Evangelhos, dos ensinamentos de Cristo, de como louvar, em que acreditar sobre a natureza de Cristo, etc? Eles possuíam apenas a Tradição Oral dos Apóstolos, ensinamentos dos Apóstolos, especialmente durante a virada do primeiro século. Depois as gerações futuras tiveram acesso às Escrituras dos Apóstolos pelo Novo Testamento, mas a Igreja primitiva foi totalmente dependente da Tradição Oral para ter conhecimento da Fé Cristã.

Esta dependência da Tradição é descrita em vários lugares do Novo Testamento. Por exemplo, quando São Paulo exorta os Tessalonicenses: "Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai as tradições que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa" (II Tessalonicenses 2:15).

A palavra traduzida como "tradição" é a palavra grega "paradosis" — que é traduzida de maneira diferente em algumas Bíblias protestantes, mas é a mesma palavra que os Ortodoxos Gregos usam para falar da Tradição, e poucos estudantes competentes da Bíblia discutiram seu significado. A própria palavra significa literalmente "meio por qual algo é transmitido," e é a mesma palavra utilizada negativamente para os falsos ensinamentos dos Fariseus (Marcos 7:3-8), e referida também para a autoridade de um Cristão para ensinar (I Coríntios 11:2. II Tessalonicenses 2:15). Qual a diferença entre a tradição dos Fariseus e a Tradição aprovada pela Igreja? A Fonte! Cristo deixou bem claro qual era a fonte das tradições dos Fariseus, quando a chamou de "tradição dos homens" (Marcos 7:8). São Paulo faz outras referências às tradições: "Eu vos felicito, porque em tudo vos lembrais de mim, e guardais as minhas tradições (paradoseis), tais como eu vo-las transmiti" (I Coríntios 11:2), mas onde ele adquiriu estas tradições anteriores? "Eu recebi do Senhor o que vos transmiti (paredoka): que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão" (I Coríntios 11:23). Assim a Igreja Ortodoxa recorre ao falar da Tradição Apostólica: "entregue (paradotheise) de uma vez para sempre aos santos" (Judas 3). Sua fonte é o Cristo, que a entregou diretamente aos Apóstolos, com tudo aquilo que Ele disse fez, como o que está escrito: "nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever" (João 21:25). Os Apóstolos entregaram este conhecimento para toda a Igreja, e a Igreja, tornou-se a "coluna e sustentáculo da verdade" (I Timóteo 3:15).

O testemunho do Novo Testamento é claro neste ponto: os cristãos primitivos receberam as Tradições escritas e orais pelos Apóstolos de Cristo. Da Tradição escrita eles possuíam apenas fragmentos — uma igreja local possuía uma Epístola, outra um Evangelho. Os escritos foram reunidos gradualmente, e colocados no livro que se tornou o Novo Testamento. E como os cristãos primitivos sabiam quais eram os livros autênticos e quais não eram — já que havia numerosas epístolas e evangelhos espúrios reivindicados por hereges como escritos dos Apóstolos? Foi a Tradição Apostólica oral que os ajudou a Igreja nesta tarefa.

Os protestantes reagem violentamente contra a idéia da Santa Tradição, pois o que encontram geralmente é o conceito de Tradição do Catolicismo Romano, como a personificada no Papado, que desenvolveu novos e desconhecidos dogmas para a igreja (como a infalibilidade Papal, justamente o exemplo mais odioso) — o Ortodoxo não acredita no crescimento ou na mudança da Tradição. Quando a Igreja enfrenta uma heresia, ela é forçada a definir a diferença entre a verdade e o erro, mas a Verdade não muda. Pode-se dizer a Tradição se expande na medida dos movimentos da Igreja pela história, mas não se esquece de suas experiências neste caminho, pois santos surgiram durante este percurso, e preservá-los é declarar a fé com precisão; "entregue de uma vez para sempre aos santos" (Judas 3).

Mas como podemos saber que a Igreja preservou a Tradição Apostólica em toda sua pureza? A resposta curta é de que Deus a preservou na Igreja pois Ele prometeu que faria isso. Cristo disse que Sua Igreja não seria vencida pelos portões do inferno (Mateus 16:18), e de que Cristo é a cabeça da Igreja (Efésios 4:16), e a Igreja é o Corpo de Cristo (Efésios 1:22-23). Se a Igreja perder a pura Tradição Apostólica, a Verdade deixa de ser a Verdade — pois a Igreja é a coluna e o sustentáculo da Verdade (I Timóteo 3:15). A crença protestante sobre a história da Igreja, de que a Igreja caiu em apostasia durante o período de Constantino até a Reforma, deixou estes e muitos outros trechos da Bíblia sem sentido. Se a Igreja deixa de existir, mesmo que por um dia, os portões do inferno a venceram naquele dia. Se o caso fosse este, Cristo teria descrito de maneira diferente a Igreja na parábola da semente de mostarda (Mateus 13:31-32), Ele deveria ter falado que no lugar da semente uma nova semente teria brotado mais tarde — mas ao invés disso, Ele usou a figura de uma semente de mostarda que começa pequena, mas cresce continuamente e se torna a maior planta do jardim.

Sobre esta posição, deveria ter existido algum grupo verdadeiro de fiéis protestantes, que sobreviveram durante mil anos nas cavernas, mas onde está a evidência deles? Os Waldensianos, que são apontados como seus precursores por todas as seitas dos Pentecostais às Testemunhas de Jeová, não existiam antes do século

XII. Eles dizem que estes verdadeiros fiéis sofreram valentemente as ferozes perseguições dos romanos, e que se esconderam nas colinas até quando o Cristianismo tornou-se uma religião legal. E isso pode até parecer possível, quando comparada com a noção de que um grupo tenha sobrevivido por mil anos sem deixar nenhum rastro de evidência histórica sobre sua existência.

Até este ponto alguém pode dizer que houve pessoas na história da Igreja que foram contrários a seus ensinamentos, mas o que isso tem a ver com a Tradição Apostólica? Além do mais, caso surgisse uma prática corrupta, como ela poderia ser distinguida da Tradição Apostólica? Protestantes fazem estas perguntas porque na Igreja Católica Romana há "tradições" novas e corruptas, pois o Ocidente Latino corrompeu o entendimento da natureza da Tradição. O entendimento que prevaleceu no princípio da Igreja Latina foi preservado pela Igreja Ortodoxa, em sua essência e de maneira imutável, que conhecemos por sua universalidade ou catolicidade. A Verdadeira Tradição Apostólica é encontrada no consenso do ensinamento histórico da Igreja. Acreditamos no que a Igreja sempre acreditou ao longo da histórica, e em todos os lugares da Igreja você encontra a Verdade. Se qualquer crença não é encontrada na história da Igreja, ela é uma heresia. Porém, preste atenção: estamos falando da Igreja, e não de grupos cismáticos. Houve cismáticos e hereges que se afastaram da Igreja desde o período do Novo Testamento, e eles sempre aparecem, como diz o Apóstolo: "É necessário que entre vós haja hereges para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos" (I Coríntios 11:19)

3Ί Falsa Suposição:

Qualquer um pode interpretar a Bíblia sem a ajuda da Igreja.

Embora muitos protestantes discordem de como esta suposição é formulada, esta é a suposição essencial que prevaleceu quando os primeiros Reformadores defenderam a doutrina da Sola Scriptura. A principal linha de argumentação é de que a Bíblia é clara o bastante para ser entendida, e que ela pode ser entendida por si só, assim os protestantes rejeitam a idéia de que é necessária a ajuda da Igreja neste processo. Esta posição é claramente declarada pelos estudantes luteranos de Tubingen, durante a troca de cartas que tiveram com o Patriarca Jeremias II de Constantinopla, aproximadamente após 30 anos da morte de Lutero:

"Talvez, alguém dirá que por um lado, as Escrituras estão absolutamente livres do erro, e que por outro lado, há muita coisa escondida, de maneira que sem as interpretações dos Padres Portadores do Espírito elas não podem ser claramente entendidas... Apesar disso, há muitas verdades que foram declaradas de maneira pouco perceptível na Bíblia, mas que também foram declaradas de maneira explícita e clara em outro lugar, de um modo que até uma pessoa simples pode entender." [8]

Estes estudantes luteranos ainda reivindicavam o uso dos escritos dos Santos Padres, mas consideravam estes escritos desnecessários, e que suas opiniões pessoais prevaleciam sob os escritos dos Santos Padres. Portanto, suas opiniões pessoais sobre a Bíblia possuíam mais autoridade que os ensinamentos dos Santos Padres. Ao invés de ouvir o que os Santos Padres apresentam como correto, eles preferiam os raciocínios humanos individuais. E foi esta mesma razão humana que conduziu os estudiosos luteranos modernos a rejeitar quase todo o ensinamento da Bíblia (inclusive a divindade de Cristo, a Ressurreição, etc), e até mesmo a rejeição da inspiração da Bíblia — coisas em que os primeiros luteranos firmaram sua fé. Na resposta, o Patriarca Jeremias II expôs claramente o caráter do ensinamento protestante:

"Aceitamos então, a Tradição da Igreja com o coração sincero, e não com as múltiplas razões. "Deus criou o homem reto, mas é ele que procura os extravios" (Eclesiastes 7:29). Que não nos seja permitido aprender uma fé condenada pela Tradição dos Santos Padres. Assim disse o apóstolo inspirado por Deus: ‘se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!’ (Gálatas 1:9)" [9]

A Doutrina da Sola Scriptura não é digna de seus próprios critérios.

Você pode imaginar que o sistema de crenças Protestante tem como sua principal doutrina a teoria de que somente a Bíblia possui autoridade em assuntos de Fé, buscando provar que esta doutrina tem seus próprios critérios. A pessoa provavelmente espera que os protestantes mostrem diversos textos da Bíblia que prove esta doutrina — que é a base de toda a doutrina protestante. A pessoa espera dois ou três textos sólidos, que apresentam claramente esta doutrina — dizem eles da Bíblia: "Pelo depoimento de duas ou três testemunhas se resolve toda a questão" (II Coríntios 13:1). Contudo, como o menino da fábula que teve que mostrar que o Imperador estava nu, tenho que mostrar que não há um único verso na Bíblia em sua totalidade que comprove a doutrina da Sola Scriptura. Não há nada que comprove isso. Ah sim, há inúmeros lugares da Bíblia que falam de sua inspiração, autoridade e utilidade — mas não há um lugar da Bíblia que ensine que somente a Bíblia é autorizada a seus fiéis. Se tal ensinamento estivesse pelo menos implícito, os Pais da Igreja teriam seguramente ensinado esta doutrina, mas qual Santo Padre ensinou tal coisa? Por isso que o ensinamento fundamental do Protestantismo é autodestrutivo, contradiz a si mesmo. Mas a doutrina da Sola Scriptura não é apenas não ensinada pela Bíblia — ela contradiz a Bíblia especificamente (já discutimos isso), que ensina que a Santa Tradição também está ligada ao Cristianismo (II Tessalonicenses 2:15; I Coríntios 11:2).

As tentativas das interpretações Protestantes não Funcionam.

Desde os primeiros dias da Reforma, os Protestantes são forçados a lidar com o fato de que apenas a razão individual não é capaz de resolver diversas questões básicas da doutrina. Surgiram dezenas grupos com Martinho Lutero, todos clamando o "correto entendimento da Bíblia," mas nenhum deles concordava com sobre o quê a Bíblia dizia. Quando Lutero sustentou corajosamente a Dieta de Worms, e disse que havia sido persuadido pela Escritura, ou pela razão, ele não corrigiu mais nenhum de seus ensinamentos; enquanto os Anabatistas que discordavam dos luteranos em diversos pontos, acreditavam na mesma indulgência que os Luteranos haviam refutado diversas vezes — este é o problema da retórica do "direito de cada um ler as Escrituras por si só." Além dos óbvios e desgostosos problemas que dividiram o Protestantismo rapidamente após a apresentação da doutrina da Sola Scriptura, os protestantes não conseguiram derrotar o Papa, então eles concluíram que o problema estava nessas desavenças, em outras palavras, nenhuma das seitas estava lendo a Bíblia corretamente. Tentaram várias aproximações definitivas para solucionar este problema. Claro que estas aproximações poderiam acabar com os diversos e infinitos cismas, mas os protestantes procuram até hoje a "chave metodológica" que irá resolver seus problemas. Vamos examinar as aproximações mais populares que diversos grupos tentaram, e que ainda hoje é encontrada em alguns grupos.

Aproximação # 1.

Utilize a Bíblia literalmente — seu significado é claro.

Esta tentativa foi utilizada para aproximar os primeiros Reformadores, entretanto, logo eles perceberam que a solução de apenas este problema não seria suficiente para acabar com os problemas apresentados pela doutrina da Sola Scriptura. Embora este fracasso tenha ocorrido logo no começo, esta aproximação começa a ocorrer entre Fundamentalistas menos educados, como os Evangélicos e Carismáticos — "A Bíblia diz o que significa e significa o que diz," esta frase é ouvida freqüentemente. Mas quando os textos em que os protestantes geralmente não concordam, como quando Cristo deu poder para seus apóstolos perdoar os pecados (João 20:23), ou quando Ele disse sobre a Eucaristia "este é o meu corpo.... este é o meu sangue" (Mateus 26:26-28), ou quando Paulo ensinou que as mulheres devem cobrir a cabeça na Igreja (I Coríntios 11:1-6), a Bíblia passa a dizer o que não significa — "Pois estes versos são literais..."

Aproximação # 2.

O Espírito Santo fornece o entendimento correto.

Quando apresentamos os diversos grupos surgidos sob a bandeira da Reforma, que não concordam sobre suas interpretações da Bíblia, não há nenhuma dúvida de que a solução para este problema é a afirmação de que o Espírito Santo guia o protestante piedoso durante sua interpretação da Bíblia. Claro que qualquer um pode discordar da teoria de que todos estão sendo guiados pelo mesmo Espírito. O resultado é que todo grupo protestante é retirado do cristianismo devido às suas diferenças. Caso esta aproximação fosse válida, haveria apenas um grupo de protestantes interpretando a Bíblia corretamente. Mas qual é o verdadeiro entre tantas denominações? Claro que a resposta depende do protestante que você estiver falando. Podemos estar seguros de uma coisa — provavelmente ele pensa que o seu grupo é o correto.

Porém, hoje em dia (dependendo do nicho protestante que você está tendo contato), é comum você encontrar protestante relativizando a Verdade. Ou de que apenas sua seita ou grupo é a "correta." Como as diversas denominações existentes passaram a se corresponder com mais freqüência, diretamente, alguns chegaram ao acordo de que apenas alguns entendem a Bíblia corretamente, entretanto, ainda há alguns que o fazem. Isso fez crescer o número de grupos protestantes que minimizam as diferenças entre denominações, acreditando que "em nome do amor" estas diferenças "não são tão grandes." Talvez cada grupo possua "um pedaço da Verdade," mas não a plenitude da Verdade (e assim o raciocínio segue). Foi nesta panela de heresias que nasceu o movimento Ecumênico. Muitos "cristãos" param por aí seus esforços ecumênicos, e acreditam que apenas os grupos Cristãos possuem a verdade. Mas muitos acreditam que diversas religiões possuem "pedaços da Verdade." A conclusão óbvia é de que os protestantes modernos buscam derramar um pedaço da Verdade em cada grupo, para que estes "pedaços da Verdade" superem as "diferenças" nesta panela — a plenitude da Verdade será encontrada apenas no final!

Aproximação # 3.

Deixe as passagens claras interpretar as obscuras.

Esta deve ter sido a solução perfeita encontrada para o problema de como interpretar a Bíblia — deixe que as passagens de fácil entendimento "interpretar" as obscuras. A lógica disto é simples, quando uma passagem obscura revela uma verdade obscura, esta passagem é seguramente declarada de maneira clara em outra passagem da Bíblia. Use simplesmente estas "passagens claras" como chave, para destrancar o significado da "passagem obscura." Assim os estudantes luteranos de Tubingen discutiram em sua primeira carta com o Patriarca Jeremias II:

"Então, não há melhor maneira de interpretar a Bíblia do que utilizando a própria Bíblia para interpretá-la, ou seja, por ela mesma. Pois a Bíblia foi inspirada pelo mesmo Espírito, que entende seu próprio testamento e que pode declarar seu significado da melhor maneira."

A promessa que este método trouxe foi insuficiente para resolver o caos e as divisões entre os protestantes. O ponto de aproximação se desintegra em determinados trechos que estão "claros" e em outros que estão "obscuros." Os batistas acreditam que é impossível um Cristão perder sua salvação, pois a pessoa é "salva," e demonstram diversas passagens para provar a doutrina da "Salvação Eterna" — por exemplo: "Pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis" (Romanos 11:29) e "As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará de minha mão" (João 10:27-28). Mas quando os batistas encontram versos que demonstram que a salvação pode ser perdida, como "no dia em que o justo vier a pecar, a sua justiça não o salvará" (Ezequiel 33:12), eles usam as passagens que estão "claras" para explicar estas que estão "obscuras." Os Metodistas acreditam que a salvação pode ser perdida se a pessoa se voltar contra Deus, e não encontram nenhuma obscuridade nestas passagens, pelo contrário, utilizam estes textos para provar aos Batistas que estas passagens estão "claras." E assim Metodistas e Batistas lançam seus versos da Bíblia de um lado para o outro, cada um não entendendo como o outro não consegue "ver" o que é tão "claro."

 

 

 

 

 

Aproximação # 4. Exegese Crítica-Histórica

Afogados em um mar de opinião subjetiva e divisão, os protestantes começaram a agarrar em qualquer método intelectual com uma pequena parte de objetividade. Como o tempo passou e as divisões aumentaram, a ciência e a razão tornaram-se o padrão pelo qual os teólogos protestantes esperam provar a consistência de suas convicções bíblicas. Esta tentativa "científica" vem dominando as escolas Protestantes, e também começaram a predominar nas escolas Católicas Romanas, normalmente chamada de "Exegese Crítica-Histórica." Com a chegada da chamada era do "Iluminismo," a ciência é tida como capaz de resolver todos os problemas do mundo. As Universidades Protestantes começaram a aplicar metodologias filosóficas e científicas em sua teologia e até na Bíblia. Desde o Iluminismo, os estudantes protestantes analisam a Bíblia pelos seguintes aspectos: históricos, manuscritos, idiomas bíblicos, etc. Como se a Bíblia Sagrada fosse uma escavação arqueológica, estes estudantes buscam encontrar fragmentos para demonstrar com a ciência o que a Bíblia tem a oferecer. Para ser franco, devo declarar que muito conhecimento útil foi produzido por esta escola. Mas, infelizmente, sua metodologia é errada, fundamentalmente grave, mas é retratada como portadora de uma aura de objetividade científica que vêm surgindo neste período.

Como todas as outras aproximações utilizadas pelos protestantes, este método busca entender a Bíblia ignorando a Tradição da Igreja. Embora não exista nenhum método protestante singular de exegese, todos possuem a mesma meta em "deixar a Bíblia falar por si só." Claro que ninguém que se diz Cristão pode ser contra o que a Bíblia "diz" se ela realmente "fala por si só" através destes métodos. O problema é a língua que os protestantes utilizam como filtro para chegar às suas suposições. Enquanto se dizem objetivos, eles interpretam a Bíblia de acordo com suas próprias tradições e dogmas (sejam eles fundamentalistas ou racionalistas liberais). O que muitos estudantes protestantes fizeram (posso relembrar a linha de Albert Schweitzer) é buscar na história o significado da Bíblia. Escreveram diversos volumes sobre o assunto, mas infelizmente, só chegaram às suas próprias conclusões.

Os estudantes protestantes ("liberais" e "conservadores") erraram em sua metodologia empírica do estudo Bíblico. Eu utilizo o termo "empirismo" para descrever estes esforços. Faço uso deste termo amplo para demonstrar a visão do mundo racionalista que possui a mente Ocidental, que está se esparramando pelo mundo. Sistemas de pensamento Positivistas (do qual o Empirismo faz parte) buscar firmar seus egos em alguma base de conhecimento "certa." [11]

O Empirismo, no sentido exato, é a convicção de que todo conhecimento é baseado na experiência, e que as coisas só podem ser estabelecidas e conhecidas por meio da certeza da observação científica. De mãos dadas com os métodos da observação experimental, veio o princípio da dúvida metodológica, e o principal exemplo é a filosofia de René Descartes, que começou sua discussão filosófica demonstrando que no universo tudo pode ser colocado em dúvida, inclusive a própria existência da pessoa, e nisso ele firma toda a verdade ("penso, logo existo"), construindo este sistema de filosofia. No princípio, os Reformadores estavam contentes com a suposição de que a Bíblia é a base de toda a teologia, e que a filosofia poderia ser colocada de lado. Mas como o espírito humanista do Iluminismo prevaleceu, os estudantes protestantes passaram a utilizar os métodos racionalistas em seus estudos da Bíblia, para descobrir o que pode ser conhecido "com certeza." Os estudantes protestantes liberais já concluíram estes estudos, já "descascaram a cebola," e agora utilizam suas próprias opiniões e sentimentos como base para a fé.

Os Protestantes conservadores foram bem menos persistentes em suas tentativas racionalistas. Assim, eles preservaram uma maior reverência à Bíblia e uma maior convicção em sua inspiração. Não obstante, esta aproximação (e até mesmo entre Fundamentalistas mais obstinados) é arraigada no mesmo espírito racionalista dos Liberais. O principal exemplo é encontrado entre os chamados "Fundamentalistas da Dispensação," que acreditam na teoria de que Deus negociou com o homem durante várias fases da história, de acordo com "dispensações diferentes," como a dispensação de Adão, a dispensação de Noé, a dispensação de Davi e assim por diante. Pode-se ver um pouco de verdade nesta teoria, mas além da dispensação do Velho Testamento, estes protestantes ensinam que vivemos atualmente durante uma "dispensação diferente" da dos cristãos do primeiro século. Embora existissem milagres no "período do Novo Testamento," hoje eles não existem mais. Isto é muito curioso, pois (além de não ter qualquer base Bíblica) esta teoria permite que os Fundamentalistas utilizem o mesmo empirismo da vida moderna na Bíblia. Assim, a discussão em torno desta tentativa parece à primeira vista de ser apenas de interesse acadêmico, longe de ligar com a realidade do protestante comum, pois os "leigos protestantes conservadores" não foram afetados por este tipo de racionalismo.

A grande falácia desta teoria é a chamada "aproximação" científica da Bíblia, com a utilização de falsos estudos empíricos da história, da Bíblia e da teologia. Métodos empíricos trabalham bem quando utilizados corretamente nas ciências naturais, mas quando utilizados em áreas que não podem trabalhar, como em alguns momentos da história (que não podem ser repetidos para uma nova experiência), estes métodos não conseguem produzir resultados consistentes ou precisos [12].

Os cientistas precisam inventar um telescópio capaz de penetrar no espírito, e muitos estudantes protestantes afirmam que à luz da ciência deve-se rejeitar a existência dos demônios e do Diabo. Para o empirista, o Diabo deve aparecer vestindo uma roupa vermelha luminosa e segurar um garfo, somente assim sua existência será explicada por estes cientistas. Embora estes empiristas escondam o orgulho em suas franquezas, percebemos que eles estão cegos devido às suas suposições, e não conseguem mais ter nenhuma visão além das suas realidades. Se os métodos do empirismo fossem aplicados constantemente, todo o conhecimento seria posto em dúvida (até o próprio empirismo), mas o empirismo é inconsistente pois "sua mutilação cruel da experiência humana leva a uma severidade científica que prestigia seus próprios defeitos." [13]

As conexões entre as conclusões extremistas dos protestantes liberais e modernos apareceram, e os protestantes mais conservadores e Fundamentalistas ainda não parecem muito claros à maioria — estão claros apenas para os Fundamentalistas conservadores! Embora estes conservadores enxerguem uma oposição quase completa entre o liberalismo protestante, eles usam os mesmos métodos de estudo que os liberais, e é destes métodos que aparecem suas suposições filosóficas. Assim, a diferença entre "liberais" e "conservadores" não está é apenas uma diferença de suposições básicas, mas sim de o que os levaram às suas conclusões.

Se a exegese protestante fosse verdadeiramente "científica," como ela se apresenta, seus resultados mostrariam mais consistência. Se seus métodos fossem realmente "tecnológicos e imparciais" (como eles dizem), não haveria importância sobre quem os usou, pois eles trabalhariam da "mesma maneira, para todo mundo." Mas o que encontramos quando examinamos o atual estudo bíblico dos protestantes? Segundo seus "experts," a escola protestante de estudos bíblicos está em crise [14]. Na verdade, esta crise é melhor ilustrada pelo mais conhecido estudioso protestante, Gerhald Hasel (em sua pesquisa sobre a história e o atual estado da teologia do Velho Testamento; "Old) diz que durante os anos 70 foram produzidas cinco novas teologias protestantes, e nenhuma possuía uma aproximação com a outro e nem métodos comuns [15].

De fato, isto é incrível, considerando o alto-padrão que as escolas protestantes denominam seus estudos bíblicos, já que você pode perceber as ilimitadas conclusões das denominadas "boas escolas" que voltaram à tona. Em outras palavras, você pode encontrar conclusões pessoais sobre diversos assuntos, e até encontrar um P.H.D defendendo-as. Esta área não é uma ciência exata como a matemática ou a química! O que estamos defendendo, é que o que se apresenta como "ciência exata" na realidade é uma pseudociência, que esconde diversas perspectivas teológicas e filosóficas concorrentes. É uma pseudociência pois os cientistas desenvolvem instrumentos capazes de examinar e compreender Deus, pois a teologia científica exata ou este tipo de interpretação bíblica é impossível. Isto não significa que não há nada de útil nesta escola; mas queremos dizer que aspectos legítimos de aprendizagem de história e lingüística são camuflados pela névoa e pela parede da pseudociência, descobrimos então que os métodos de interpretação bíblica dos protestantes são produtos de suas suposições teológicas e filosóficas. [16]

Com uma subjetividade que ultrapassa a dos mais especulativos psicanalistas freudianos, os estudiosos protestantes escolhem os "fatos" e as "evidências" que fundamentam seus métodos de trabalho, para então prosseguir com suas suposições sobre a Bíblia Sagrada. Durante todo o tempo, os estudantes protestantes "liberais" e "conservadores" descreveram-se como cientistas "imparciais." [17] E desde quando as universidades modernas pararam de fornecer P.H.D.΄s aos que apenas não adulteram a Verdade, os estudiosos protestantes passaram propor teorias "novas" e "criativas." Esta é a mesma essência de toda heresia: novidade, uma arrogante opinião pessoal e auto-ilusão.

 

A Proximidade da Ortodoxia com a Verdade.

Quando, pela misericórdia Divina, encontrei a Fé Ortodoxa, não tive nenhum desejo em olhar para o Protestantismo e seus "métodos" de estudos Bíblicos com um novo olhar. Infelizmente, muitos destes métodos e suposições estão infectando até alguns círculos da Igreja Ortodoxa. A razão disso, é que como declarei acima, a tentativa protestante em retratar o estudo da Bíblia como "ciência." Alguns tentam introduzir estes erros e suposições em seminários e paróquias da Igreja Ortodoxa. Mas isto não é recente; a heresia sempre tenta enganar o fiel. Como disse São Irineu, quando as heresias começaram a atacar sua cidade:

Por meio de palavras especiais e plausíveis, sua perspicácia fascina o mais simples para o conhecimento de seu sistema; mas eles destroem desajeitadamente os outros, enquanto os inicia em suas opiniões blasfemas....

Na verdade, o erro nunca é colocado nu com todas suas deformidades, exposto, para ser descoberto imediatamente. Mas ele é enfeitado astuciosamente com uma veste atraente, para que com sua forma externa, ele possa parecer ao ingênuo (por mais ridícula que esta expressão possa parecer) como mais verdadeiro que a própria verdade. [18].

Para que não reste qualquer dúvida ou confusão, deixe-me esclarecer: a interpretação da Bíblia Sagrada feita pela Ortodoxia não é baseada em "pesquisas científicas" das Escrituras. A Igreja afirma que o entendimento da Bíblia não reside em dados arqueológicos, mas na relação inigualável com o Autor da Bíblia. A Igreja Ortodoxa é o Corpo de Cristo, coluna e sustentáculo da Verdade, é o meio pelo qual Deus escreveu a Bíblia (por seus membros) e o meio pelo qual Deus preservou a Bíblia. A Igreja Ortodoxa interpreta a Bíblia pois ela é herdeira de uma tradição viva que começou com Adão, e que se estendeu a todos seus membros atuais. Esta verdade não pode ser "provada" em um laboratório. A pessoa deve ser convencida pelo Espírito Santo e sentir a vida na Igreja de Deus.

Os protestantes perguntarão agora o que é e o que significa a Tradição Ortodoxa, e se ela é a Tradição correta, ou até mesmo se há uma tradição correta? Em primeiro lugar, os protestantes precisam estudar a história da Igreja. Eles encontrão a existência de apenas uma Igreja. O Credo Niceno faz esta observação claramente "Creio... na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica." Esta declaração, que toda denominação protestante aceita como verdadeira, nunca foi interpretada como uma Igreja "nebulosa," "pluralística" e "invisível," que não consegue concordar em nenhuma matéria doutrinária. Os Concílios que canonizaram o Credo (assim como a Bíblia) anatematizaram os que estavam fora da Igreja, tanto os hereges, como os Montanistas, e cismáticos como os Donatistas. Eles não disseram "bem, não concordamos com a doutrina dos Montanistas, mas eles fazem parte da mesma Igreja que nós." Eles foram excluídos da comunhão da Igreja, até que voltassem à Igreja, para serem recebidos pela Igreja através do Santo Batismo e da Crisma (no caso dos hereges) ou apenas pela Crisma (no caso dos Cismáticos) [Segundo Concílio Ecumênico, Cânon VII].

Unir-se em oração com os que estão fora da Igreja era proibido, e ainda é (Cânones dos Santos Apóstolos, XLV, XLVI). Ao contrário dos protestantes, aquele que se fazia herói separando-se do grupo para formar seu próprio, a Igreja primitiva condenava este pecado como um dos mais condenáveis. Como Santo Ignácio da Antioquia (discípulo do Apóstolo João) advertiu: "Não engane os irmãos, ninguém que segue um cisma herdará o Reino de Deus, ninguém que segue doutrinas heréticas está do lado da paixão" (Filadelfios 5:3).

São as mesmas razões que fizeram o movimento protestante romper contra os abusos Papais, mas antes do rompimento do Ocidente Romano com o Oriente Ortodoxo estes abusos não existiam. Muitos teólogos protestantes da atualidade começaram a olhar este primeiro milênio da Cristandade não-dividida, e começaram a perceber o grande tesouro que o Ocidente perdeu (e alguns estão se convertendo à Ortodoxia). [19]

Obviamente, uma destas três declarações é a verdadeira:

  1. não há nenhuma Tradição correta, e os portões do inferno prevaleceram contra a Igreja, portanto, os Evangelhos e o Credo Niceno estão errados; ou
  2. a verdadeira Fé está no Papismo, com seus dogmas mudados e definidos pelo vigário de Cristo; ou
  3. a Igreja Ortodoxa é a Igreja fundada por Cristo, e preservou fielmente a Tradição Apostólica. Estas são as escolhas do protestante: relativismo, Romanismo ou Ortodoxia.

A maioria dos protestantes, devido às suas bases teológicas da Sola Scriptura, que trazem desunião e discussões, desistiram há muito tempo da idéia da verdadeira unidade Cristã, considerando ridícula a hipótese da existência de apenas uma só Fé. Quando enfrentam tais afirmações relativas à unidade da Igreja citadas acima, os protestantes reagem com espanto, pois consideram estas atitudes contrárias ao amor Cristão. Sem a verdadeira unidade, eles se esforçam para a criação de uma falsa unidade, desenvolvendo a filosofia relativista do ecumenismo, na qual a convicção de que há apenas uma verdade é condenada. Porém, este não é o amor da Igreja histórica, mas um sentimento humanista. O Amor é a essência da Igreja. Cristo não veio estabelecer uma nova escola de pensamento, mas Ele veio construir sua Igreja, que jamais será vencida pelos portões do inferno (Mateus 16:17). Esta nova Igreja criou "uma unidade orgânica ao invés de uma unificação mecânica de pessoas divididas." [20] Esta unidade só é possível pela nova vida trazida pelo Espírito Santo, e vivenciada misticamente na vida da Igreja.

A Fé Cristã une o fiel a Cristo, compondo um corpo harmonioso de indivíduos separados. Cristo forma este corpo comunicando-se com cada membro e provendo a eles o Espírito da Graça de maneira eficaz, tangível... Se a união com o corpo da Igreja é cortada, a pessoa fica isolada em seu próprio egoísmo, sendo privada de influência benéfica e abundante do Espírito Santo que mora dentro da Igreja. [21]

A Igreja é Una porque ela é o Corpo de Cristo, e impossível que seu corpo seja dividido. A Igreja é uma, como Cristo e o Pai são um. Embora o conceito desta unidade pareça incrível, ela existe. Embora esta declaração pareça um pouco "dura" aos que não acreditam, esta é uma realidade da Igreja Ortodoxa, que exige de todos muita abnegação, humildade e amor. [22].

Nossa fé na unidade da Igreja tem dois aspectos, é uma unidade histórica e presente. Por exemplo, significa que quando os Apóstolos partiram desta vida, a unidade da Igreja não partiu com eles. Agora eles fazem mais parte da Igreja do quando estavam presentes em carne. Quando nós celebramos a Eucaristia em qualquer igreja local, nós não a celebramos sozinhos, mas com a Igreja inteira, a da terra e a do céu. Os santos do céu estão mais próximos de nós do que das pessoas que podemos ver e tocar. Assim, na Igreja Ortodoxa não somos ensinados apenas pelas pessoas de carne e osso que Deus designou para nos ensinar, mas também por todos estes professores da Igreja que estão no céu e na terra. Estamos hoje mais subordinados aos ensinamentos de São João Crisóstomo do que os do nosso próprio Bispo. O modo de como estamos próximos da Bíblia não pode ser interpretado de maneira individual (II Pedro 1:20), mas pela Igreja. Esta aproximação com a Bíblia é demonstrada em uma definição clássica de São Vicente de Lerins:

Aqui, talvez, alguém pode perguntar: Como o cânon da Bíblia está completo e mais do que suficiente, por que é necessário acrescentar a autoridade da interpretação eclesiástica? De fato, (devemos responder) que a Bíblia Sagrada, devido a sua profundidade, não é aceita universalmente aceita por todos da mesma maneira. O mesmo texto é interpretado de maneira diferente por pessoas diferentes, de uma maneira que a pessoa poderá encontrar diversos significados quando houver muitos homens... Esta é a causa da distorção causada pelos vários erros, então, é realmente necessário que a interpretação dos escritos apostólicos e proféticos seja feita conforme a regra do significado eclesiástico e católico.

Na própria Igreja Católica, todo cuidado deve ser tomado para que a mesma crença existe em todos os lugares, sempre, para todos. Isto é o verdadeiro e correto "católico," indicado pela própria etimologia da palavra que inclui algo verdadeiramente universal. Esta regra geral é aplicada se seguirmos os princípios da universalidade, antiguidade e consentimento. Fazemos assim em relação à universalidade, pois a fé que confessamos deve ser a mesma fé que a Igreja inteira confessa no mundo inteiro. (Fazemos assim) em relação à antiguidade pois não devemos divergir de nenhuma maneira das interpretações que nossos antepassados e pais declararam como invioláveis. (Fazemos assim) em relação ao consentimento pois, devido à antiguidade, nós adotamos as definições e proposições de todos, ou quase todos, os Bispos. [23]

Nesta aproximação com a Bíblia, o trabalho do indivíduo em busca de originalidade não conta nada, mas sim o entendimento sobre o que está presente nas tradições da Igreja. Somos obrigados a não ir além do limite fixado pelos Pais da Igreja, e para passar fielmente a Tradição que recebemos. Isto requer muito estudo e meditação, e para entender a Bíblia verdadeiramente, devemos entrar profundamente na vida mística da Igreja. Por isso que Santo Agostinho expõe sobre como que a pessoa deve interpretar a Bíblia (Em Doutrina Cristã, Livros I-IV) ele passa muito mais tempo falando sobre o tipo da pessoa que estuda a Escritura do que sobre os requisitos intelectuais que ela deve ter: [24]

  1. A pessoa deve amar a Deus de todo coração, e estar livre do orgulho,
  2. Deve estar motivada em buscar o conhecimento de Deus com fé e reverência, ao invés do orgulho e da ganância.
  3. Ter um coração subjugado por devoções, uma mente purificada, estar morta para o mundo;
  4. Buscar nada mais do que o conhecimento e a união com Cristo,
  5. Ser solícita e comprometida em trabalhos de misericórdia e amor.

Com um padrão tão alto quanto este, devemos seguir as orientações dos Santos Padres que tinham estas virtudes, para ficarmos livres da ilusão de que somos mais capazes e inteligentes do que eles ao interpretar a Sagrada Palavra de Deus.

Mas este trabalho foi feito pelos estudiosos protestantes? São estes degraus que nos ajudam a entender a história e seus significados obscuros, pois estes degraus estão de acordo com a Santa Tradição e devem ser usados.

Como São Gregório Nazianzeno disse sobre a literatura pagã: "Assim como fazemos antídotos contra o veneno de certos répteis, devemos também fazer o mesmo contra a literatura secular de que recebemos princípios de dúvida e especulação, rejeitando assim sua idolatria..." [25] Há muito tempo que impedimos a adoração dos falsos deuses do Individualismo, Modernismo, Vanglória Acadêmica, e há muito que reconhecemos os trabalhos que buscam levar luz à história e à lingüística da Bíblia, para que possamos entender a tradição perfeitamente. Mas os protestantes levam suas especulações além da dos textos canônicos, projetando idéias estranhas à Bíblia — quanto eles discordam da Santa Tradição, a Fé de sempre e todo lugar da Igreja, é claro que estão errados.

Se os protestantes pensam que isto é arrogante ou infantil, devemos considerar que eles pensam que são qualificados para cancelar (e normalmente, ignorar completamente) dois mil anos de ensinamento Cristão. Eles pensam que a aquisição de um título de P.H.D é capaz de dar mais perspicácia em relação aos mistérios de Deus, do que a sabedoria dos milhares de fiéis, Pais e Mães de Igreja, que serviam a Deus suportando torturas e martírios terríveis, e também zombarias e prisões devido à Fé? A arrogância está em suas mentes, pois eles não buscam aprender o que é realmente a Santa Tradição, e eles mesmos decidem o que é melhor, e agora todos acreditam que entendem a Bíblia realmente.

 

Conclusão

Talvez a Bíblia Sagrada seja o ápice da Santa Tradição da Igreja, mas a grandiosidade da elevada altura em que a Bíblia subiu depende da grande montanha em que ela está firmada. Retirada de seu contexto, da Santa Tradição, a pedra sólida da Bíblia torna-se uma mera bola de barro, que pode ser moldada facilmente por qualquer modelador que assim desejar. Não é nada honroso distorcer e abusar da Bíblia, mesmo que isso seja feito em nome de sua autoridade. Nós devemos ler a Bíblia; a Sagrada Palavra de Deus. Mas devemos entender sua mensagem com humildade, para sentarmos aos pés dos santos que foram "cumpridores da palavra e não apenas ouvintes" (Tiago 1:22), e que provaram durante suas vidas que mereciam interpretar a Bíblia. Permita-nos seguir àqueles que conheceram os Apóstolos, como Santo Ignácio da Antioquia e São Policarpo, quando tivermos alguma dúvida sobre os escritos dos Apóstolos. Permita-nos perguntar à Igreja, e não à nossa arrogância e auto-ilusão.

*** *** ***

Notas de Rodapé.

  1. George Mastrantonis, trans., Augsburg e Constantinopla: Correspondência entre os Teólogos de Tubingen e o Patriarca Jeremias II de Constantinopla sobre a Confissão de Fé de Augsburg (Brookline, Mass.: Holy Cross Orthodox Press, 1982), 114.
  2. "The Illustrated Bible Dictionary," vol. 2 (Wheaton: Tyndale House Publishers, 1980), "Jannes and Jambres," de A. F. Walls, 733 -734.
  3. Realmente, esta lista nem sempre foi a que a Igreja preservou desde a Antiguidade e que considerou como maior parte da Tradição. Por exemplo, o livro de Enoque, citado entre os livros canônicos, não fazia parte do cânon. Não pretendo saber por que isso ocorreu, mas por alguma razão, a Igreja resolveu preservar este livro, e ainda não o designou para a leitura na Igreja ou no cânon dos livros canônicos.
  4. Por exemplo, não havia espaços para perguntas detalhadas sobre a inerrância da Bíblia, pois este não era um assunto debatido. Com o crescimento do ceticismo religioso, este assunto é muito comum nos nossos dias, e se as epístolas tivessem sido escritas hoje em dia, é claro que haveria algum tipo de discussão em relação a este ponto. Seria tolice concluir que este assunto não deve ser discutido especialmente porque os Cristãos primitivos não pensavam ou não acreditavam nele.
  5. Alexander Schmemann, Introduction to Liturgical Theology (Crestwood NY: St Vladimir’s Seminary Press, 1986), 51 ff.
  6. E na verdade, toda escola protestante faz isso. Embora o protestantismo foi fundado segundo a crença de que a Bíblia é a única norma de fé e prática, as universidades protestantes modernas estão dominadas por modernistas que não acreditam mais na inspiração ou na inerrância da Bíblia. Eles se levantam contra a Bíblia, e escolhem apenas as partes de seus interesses, descartando o resto como "mitologia e lenda primitiva." As únicas autoridades para eles é eles próprios.
  7. O Waldensianismo foi uma seita fundada no século XII por Pedro Valdo, e que antecipou a Reforma Protestante de alguma maneira. Devido às perseguições da Igreja Católica Romana, esta seita sobreviveu nas regiões montanhosas do noroeste da Itália. Com a chegada da Reforma Protestante, os Waldensianos viram suas influências no movimento da Reforma e juntaram suas forças com ele. Muitos historiadores protestantes reivindicam que os Waldensianos eram os "verdadeiros" Cristãos que existiam antes de Constantino. Embora nenhum historiador sério tenha feito tal reivindicação insubstanciada, muitos fundamentalistas como os Testemunhas de Jeová continuam reivindicando a uma descendência da Igreja primitiva pelos Waldensianos — apesar do fato de que os Waldensianos ainda nem existirem nesta época, e eles certamente não se apresentavam como Testemunhas de Jeová.
  8. Mastrantonis, 115.
  9. Ibid., 198.
  10. Ibid., 115.
  11. A palavra "positivismo" vem do francês "positif," que significa "seguro, certo." Este termo foi utilizado primeiramente por Augusto Comte. Este sistema constituí-se na suposição de que o fato e a instituição é a última base do conhecimento — na filosofia de Comte, a experiência ou a percepção constitui a base, sendo assim o precursor do Empirismo Moderno [c.f. Encyclopaedia of Religion and Ethics, 1914 ed., s.v. "Positivism," by S.H. Swinny; and Wolfhart Pannenburg, Theology and Philosophy of Science, trans. Francis McDonagh (Philadelphia: Westminster Press, 1976), p. 29].
  12. Por exemplo, um método para determinar a realidade dos eventos passados, os estudiosos empiristas utilizam o princípio da analogia. Desde que o conhecimento está baseado na experiência, o modo da pessoa entender está relacionado ao que é familiar. Sob o disfarce da análise histórica, eles julgam que um evento do suposto do passado (por exemplo, a ressurreição de Jesus) deve ser baseado em o que nós sabemos pela nossa experiência. E desde que estes historiadores passaram a observam tais coisas, os eventos milagrosos da Bíblia passaram a ser descritos como mitos ou lendas. Assim, para um Empirista, um "milagre" requer a violação da lei natural, então não existe milagre (por definição), pois as leis naturais são determinadas pela observação do que experimentamos, para o Empirista confrontado com a moderna analogia do milagre, o milagre não é mais um milagre, por constituir uma violação à lei natural. Portanto, os empiristas não produzem resultados que falsificam a realidade transcendente, ou os milagres, mas suas suposições negam desde o início a existência de tais coisas. [c.f. G. E. Michalson, Jr., "Pannenburg on the Resurrection and Historical Method," Scottish Journal of Theology 33 (April 1980): 345-359.]
  13. Rev. Robert T. Osborn, "Faith as Personal Knowledge," Scottish Journal of Theology 28 (February 1975): 101-126.
  14. Gerhard Hasel, Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate (Grand Rapids: Eerdman’s Publishing Company, 1982), p. 9.
  15. Ibid., p. 7.
  16. I have discussed Liberal Protestantism only to demonstrate the fallacies of "Historical" exegesis.
  17. Para uma crítica maior sobre o Método Crítico Histórico, veja Thomas Oden, Agenda for Theology: After Modernity What? (Grand Rapids: Zondervan, 1990) pp 103-147.
  18. A Cleveland Coxe, trans., Ante-Nicene Fathers, vol. i, The Apostolic Fathers with Justin Martyr and Irenaeus (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1989), p 315.
  19. Na verdade, um dos mais recentes volumes dos três da teologia sistemática, de Thomas Oden, está baseado na premissa de que o "consenso ecumênico" do primeiro milênio deve ser a norma para a teologia. [c.f. see, The Living God: Systematic Theology Volume One, (New York: Harper & Row, 1987), pp ix — xiv.]. Se Oden seguir sua metodologia corretamente, ele deve se converter à Ortodoxia.
  20. The Holy New Martyr Archbishop Ilarion (Troitsky), Christianity or the Church? (Jordanville: Holy Trinity Monastery, 1985), p. 11.
  21. Ibid., p. 16.
  22. Ibid., p. 40.
  23. São Vicente de Lerins, The Fathers of the Church vol.7, (Washington D.C.: Catholic University of America Press, 1949), pp. 269-271.
  24. Santo Agostinho, "Em Doutrina Cristã" A Selected Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers. series 1, vol. ii, eds. Henry Wace and Philip Schaff, (New York: Christian, 1887-1900), pp. 534-537.
  25. São Gregório Nazianzeno, ""Oration 43, Panegyric on Saint Basil," A Selected Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, series 2, vol. vii, eds. Henry Wace and Philip Schaff (New York: Christian, 18871900), p. 398f."

 

 

Folheto Missionário número P106

Copyright © 2005 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

(sola_scriptura_john_whiteford_p.doc, 04-29-2005)