Excertos da

"Igreja Ortodoxa"

Pelo Bispo Kallistos Ware

Traduzido por Padre Pedro Oliveira

 

 

Conteúdo:

Parte I:

História

Introdução. Os Primórdios. Bizâncio:

A Igreja dos Sete Concílios.

Os primeiros seis concílios (325-681). Os santos ícones. Santos,monges e imperadores.

Bizâncio: O Grande Cisma.

A desavença entre a Cristandade Oriental e Ocidental.

Da desavença ao cisma: 858-1204.

Constantinopolitana civitas diu profana. Duas tentativas de reunião; A controvérsia hesicasta.

Conversão dos Eslavos.

Cirilo e Metódio. O Batismo da Rússia: O período de Kiev (988-1237).

A Igreja Sob o Islam.

Imperium in império.

Reforma e Contra-Reforma: Seus Duplos Impactos.

Moscou e Petersburgo.

Moscou, "a terceira Roma." O Cisma dos Velhos Crentes. O Período sinódico (1700-1791).

O Século Vinte.

Gregos e Árabes. Ortodoxia Ocidental. Missões.

Parte II.

Fé e Louvação.

Santa Tradição. A Fonte da Fé Ortodoxa.

O Significado intrínseco da tradição.

As formas exteriores.

1. A Sagrada Escritura. 2. Os Sete Concílios Ecumênicos: o Credo. 3. Concílios Posteriores. 4. Os Padres. 5. A Liturgia. 6. Lei Canônica. 7. Ícones.

Deus e o Homem.

Deus na Santíssima Trindade. Homem: sua criação, sua vocação, sua falha. Jesus Cristo. O Espírito Santo. Participantes da Natureza Divina.

A Igreja de Deus.

Deus e Sua Igreja. A Unidade e a Infalibilidade da Igreja. Bispos, Laicado, Concílios. Os Vivos e os Mortos: As últimas coisas.

Louvação Ortodoxa: O Céu na Terra.

Doutrina e louvação. O arranjo exterior dos Ofícios:

Louvação Ortodoxa: Os Sacramentos.

Batismo. Crisma. A Eucaristia. Arrependimento. Santas Ordens. Casamento. A unção dos enfermos.

Louvação Ortodoxa: Festas, jejuns e oração privada.

O ano Cristão. Oração Privada. Relações Ortodoxas com outras Comunhões Oportunidades e Problemas. Aprendendo uns com os outros.

Leituras Complementares.

 

 

 

 

Parte I:

História

 

Introdução.

A Ortodoxia não é um tipo de Catolicismo Romano sem o Papa, mas sim alguma coisa muito diferente de qualquer outro sistema religioso do ocidente. No entanto, aqueles que olharem mais de perto esse "mundo desconhecido," nele descobrirão muita coisa que, mesmo diferente, é, ao mesmo tempo, curiosamente familiar, "mas isto é aquilo no qual sempre acreditei!." Esta tem sido a reação de muitos ao aprender, mais profundamente, sobre a Igreja Ortodoxa e sobre o que ela ensina; e eles estão parcialmente certos. Por mais de novecentos anos, o Oriente Grego e o Ocidente Latino têm se desenvolvido firmemente separados cada um seguindo seu próprio caminho, tendo tido, no entanto, solo comum nos primeiros séculos da Cristandade. Atanásio e Basílio viveram, no oriente, mas eles pertencem, também, ao ocidente; e Ortodoxos que viveram na França, Bretanha ou Irlanda podem, por sua vez, olhar para os santos nacionais dessas terras — Albano e Patrick, Cuthbert e Bede, Geneviéve de Paris e Augustine de Canterbury — não como estranhos, mas como membros de sua própria Igreja. Toda a Europa foi um dia tão parte da Ortodoxia como a Grécia e a Rússia são hoje em dia.

Robert Curzon, viajando pelo Levante nos anos de 1830s à procura de manuscritos, que ele pudesse comprar por preço de barganha, ficou desconcertado ao descobrir que o Patriarca de Constantinopla nunca tinha ouvido falar do Arcebispo de Canterbury. As questões que se põe, certamente, mudaram, desde então. As viagens tornaram-se, incomparavelmente, mais fáceis; as barreiras físicas foram derrubadas. As viagens não são, sequer, necessárias atualmente: um cidadão na Europa Ocidental ou da América não precisa mais deixar seu país para observar a Igreja Ortodoxa em primeira mão. Gregos viajando para o leste por escolha ou necessidade econômica, e Eslavos dirigidos para leste por perseguições, trouxeram sua igreja consigo, estabelecendo, por toda a Europa e América, uma malha de Dioceses, paróquias, Colégios Teológicos e Mosteiros. Mais importante de tudo, em muitas comunidades diferentes, no século presente houve um crescimento de um desejo sem precedente e compelidor pela união visível de todos os Cristãos, e isso deu origem a um novo interesse pela Igreja Ortodoxa. A diáspora Grego-Russa espalhou-se pelo mundo no mesmo momento em que Cristãos Ocidentais, em sua preocupação pela reunião, estavam tornando-se conscientes da relevância da Ortodoxia, e ansiosos por conhecer mais sobre ela. Em discussões para reunião, a contribuição da Igreja Ortodoxa tem provado, inesperadamente, ser iluminadora: precisamente porque os Ortodoxos têm um passado diferente do que o dos ocidentais, eles têm sido capazes de abrir novas linhas de pensamento, e sugerir soluções de há muito esquecidas para velhas dificuldades.

Nunca faltaram ao Ocidente homens cuja concepção de Cristandade não era restrita a Canterbury, Genebra e Roma; porém, no passado, tais homens eram vozes que clamavam no deserto. Agora não é mais assim. Os efeitos de uma alienação que durou mais do que nove séculos, não podem ser refeitos em curto prazo, mas ao menos teve-se início.

O que se entende por "Igreja Ortodoxa"? As divisões que resultaram na fragmentação presente da Cristandade ocorreram em três estágios, a intervalos de grosseiramente quinhentos anos. O primeiro estágio da separação ocorreu no quinto e sexto séculos, quando as Igrejas Orientais "Menores" ou "Separadas" tornaram-se divididas do corpo principal dos Cristãos. Essas Igrejas caíram em dois grupos, a Igreja Nestoriana da Pérsia e as cinco Igrejas Monofisitas da Armênia, da Síria (assim chamada Igreja "jacobita"), no Egito (a Igreja Copta da Etiópia e da Índia). Os Nestorianos e Monofisitas estiveram fora da consciência ocidental ainda mais completamente, do que vieram a estar fora da consciência da Igreja Ortodoxa mais tarde. Quando Rabban Sauma, um monge Nestoriano de Pequim, visitou em 1288 (ele viajou até Bordeaux, onde deu comunhão para o Rei Eduardo I da Inglaterra), ele discutiu teologia com o Papa e com Cardeais em Roma, e parece que esses não se deram conta que de seu ponto de vista, tratava-se de um herético. Como resultado da primeira divisão, a Ortodoxia tornou-se restrita, em seu lado oriental, principalmente ao mundo de língua Grega. Ocorreu então a segunda separação, convencionalmente datada em 1054. O corpo principal dos Cristãos torna-se então dividido em duas comunhões: na Europa ocidental a Igreja Católica Romana, sob o Papa de Roma; no Império Bizantino, a Igreja Ortodoxa do Oriente. A Ortodoxia estava agora limitada no seu lado Ocidental também. A terceira separação, entre Roma e os Reformadores no século XVI, não é nossa preocupação direta aqui.

É interessante notar como coincidem as divisões culturais e eclesiásticas. O Cristianismo enquanto universal em sua missão, tendeu, na prática, a estar associado com três culturas: a Semítica, a Grega e a Latina. Como resultado da primeira separação, os Semíticos da Síria, com sua florescente escola de teólogos e escritores, foram cortados do resto da Cristandade. Seguiu-se a Segunda separação, que cavou uma cunha entre as tradições Gregas e Latinas no Cristianismo. No entanto, não deve-se concluir que a Igreja Ortodoxa é exclusivamente uma Igreja Grega e nada mais, tendo em vista que Padres Siríacos e Latinos também tem lugar na tradição Ortodoxa Completa.

Enquanto a Igreja Ortodoxa tornava-se limitada, geograficamente, primeiro no Oriente e a seguir no Ocidente, ela expandia-se para o Norte. Em 863, São Cirilo e São Metódio, os Apóstolos dos Eslavos, viajaram para o Norte para realizar trabalhos missionários, além das fronteiras do Império Bizantino, e seus esforços, eventualmente, conduziram à conversão da Bulgária, Sérvia e Rússia. Enquanto o Império Bizantino encolhia, essas novas Igrejas cresciam em importância, e na queda de Constantinopla para os Turcos em 1453 o principado de Moscou estava pronto para assumir o lugar de Bizâncio como protetor do mundo Ortodoxo. Durante os últimos 150 anos houve uma reversão parcial dessa situação. Apesar de Constantinopla ainda permanecer em mãos Turcas, uma pálida sombra de sua glória anterior, a Igreja da Grécia está novamente livre; mas a Rússia e outros povos Eslavônicos passaram, por sua vez, a viver sob as regras de um governo não-Cristão.

Estes são os principais estágios que determinaram o desenvolvimento externo da Igreja Ortodoxa. Geograficamente, sua área primaria de distribuição encontra-se na Europa Oriental, na Rússia e ao longo da costa oriental do Mediterrâneo. Ela é composta, no presente, pelas seguintes Igrejas Auto Governadas ou Autocéfalas:

Os quatro Patriarcados antigos: Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Apesar de muito reduzidos em tamanho, essas quatro Igrejas, por razões históricas, ocupam posição especial na Igreja Ortodoxa, e têm prioridade em honra. Os chefes dessas quatro Igrejas usam o título de Patriarca.

Outras dez Igrejas Autocéfalas: Rússia, Romênia, Sérvia, Bulgária, Geórgia, Chipre, Polônia, Albânia, Tchecoslováquia e Sinai.

Todas, exceto três dessas Igrejas — Tchecoslováquia, Polônia e Albânia — estão em países onde a população é inteiramente não Gregas; cinco das outras — Rússia, Sérvia, Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia — são Eslavônicas. Os chefes das Igrejas Russa, Romena, Sérvia e Bulgária são conhecidos pelo título de Patriarca. O chefe da Igreja da Geórgia é chamado Patriarca Católico; os chefes das outras Igrejas são chamados de Arcebispo ou Metropolita.

Existem, em adição, várias outras Igrejas que, apesar de auto-governadas, ainda não atingiram total independência. Elas são determinadas autônomas, mas não autocéfalas: Finlândia, Japão e China.

Existem províncias eclesiásticas na Europa Ocidental, nas Américas do Norte e do Sul, e na Austrália, que dependem de diferentes Patriarcados e de Igrejas Autocéfalas. Em algumas áreas, essa "diáspora" Ortodoxa está, lentamente, adquirindo auto-governança. Em particular, passos têm sido dados para formar uma Igreja Ortodoxa Autocéfala na América, mas isso ainda não foi, oficialmente, aceito pela maioria das outras Igrejas Ortodoxas.

A Igreja Ortodoxa é assim uma família de Igrejas auto-governadas. É mantida junto, não por uma organização centralizada, não por único Prelado exercendo poder absoluto sobre todo o corpo da Igreja, mas pela dupla ligação: unidade da fé e comunhão nos sacramentos. Cada Igreja, ainda que independente, está em completa concordância com as outras em todos temas de doutrina, e entre elas todas, existem uma completa comunhão sacramental. (Existem certas divisões entre os Russos Ortodoxos, mas nesse caso, a situação é, totalmente, excepcional e, espera-se, de caráter temporário). Não existe, na Ortodoxia, ninguém com uma posição equivalente ao do Papa na Igreja Católica Romana. O Patriarca de Constantinopla é conhecido com o Patriarca "Ecumênico" (ou universal), e desde o cisma entre Oriente e Ocidente desfruta de uma posição de honra entre todas as comunidades Ortodoxas; mas ele não tem o direito de interferir nos assuntos internos de outras Igrejas. Seu lugar assemelha-se ao do Arcebispo Canterbury, na comunidade Anglicana.

Esse sistema descentralizado de Igrejas locais independentes tem vantagem de ser altamente flexível, e é facilmente adaptado a condições mutáveis. Igrejas locais podem ser criadas, suprimidas e restauradas de novo, com muito pouca perturbação para a vida na Igreja como um todo. Muitas dessas Igrejas locais, são também Igrejas nacionais, pois durante o passado, em países Ortodoxos, Igreja e Estado estiveram, usualmente, firmemente ligados. Mas enquanto um Estado independente, freqüentemente, possui sua própria Igreja Autocéfala, as divisões eclesiásticas, não necessariamente, coincidem com os limites geográficos dos Estados. A Geórgia, por exemplo, fica dentro da União Soviética, mas não é parte da Igreja Russa, enquanto que os territórios dos quatro antigos Patriarcados estão, praticamente, em vários países diferentes. A Igreja Ortodoxa é uma Federação de Igrejas locais, que nem sempre são Igrejas nacionais. Ela não tem como sua base o princípio político da Igreja de Estado.

Entre as várias Igrejas existem, como pode ser visto, uma enorme variação em tamanho, com a Rússia em um extremo e Sinai no outro. As diferentes Igrejas também variam em idade, algumas datando desde os tempos Apostólicos, enquanto outros são mais novas que uma geração. A Igreja da Tchecoslováquia, por exemplo, só obteve sua autocefalia em 1951.

Essas são as Igrejas que fazem a comunhão Ortodoxa como ela é hoje. Elas são conhecidas, coletivamente, por vários títulos. Algumas vezes são chamadas de Gregas ou Grego-Russa; mas isso não é correto, pois existem milhares de Ortodoxos que não são nem Gregos, nem Russos. Os Ortodoxos, freqüentemente, chamam suas Igrejas de Igreja Ortodoxa Oriental, Igreja Católica Ortodoxa ou Igreja Católica Ortodoxa do Oriente, ou algo parecido. Esses títulos não devem ser mal entendidos, pois enquanto a Ortodoxia considera-se a verdadeira Igreja Católica, ela não é, no entanto, parte da Igreja Católica Romana; e apesar da Ortodoxia chamar-se de Oriental, não é algo limitado ao povo oriental. Outro nome muito empregado é Santa Igreja Ortodoxa. Talvez seja menos confuso e mais conveniente, usar-se o título mais curto: Igreja Ortodoxa.

A Ortodoxia clama ser universal — não alguma coisa exótica e oriental, mas simplesmente Cristianismo. Por conta das falhas humanas e dos acidentes da história, a Igreja Ortodoxa esteve no passado muito restrita a certas áreas geográficas. Ainda assim, para os próprios Ortodoxos, sua Igreja é algo mais que um grupo de corpos locais. A palavra "Ortodoxia" tem duplo significado de "crença correta" ou "glória correta" (ou "louvação correta"). Os Ortodoxos por isso, fazem algo que, a primeira vista, pode ser uma afirmação surpreendente: eles olham sua Igreja com a Igreja que guarda e ensina a verdadeira crença sobre Deus e que O glorifica com a correta louvação, isto é, nada menos do que a Igreja de Cristo na Terra. Como essa posição é entendida. e o que os Ortodoxos pensam sobre os outros Cristãos que não pertencem à sua Igreja, é parte do objetivo deste livro explicar.

 

 

Os Primórdios.

Na aldeia há uma capela escavada na terra, sua entrada cuidadosamente camuflada. Quando um padre visita a aldeia secretamente, é aí que ele celebra a Liturgia e outros serviços. Seus moradores acham, alguma vez, que estão a salvo da observação da polícia, toda a população da aldeia se reúne na capela, com exceção dos que ficam do lado de fora vigiando para dar o alerta se algum estranho aparecer. Outras vezes os serviços são realizados em turnos diferentes...

A cerimônia de Páscoa foi realizada num apartamento pertencente a uma instituição do governo. A entrada de alguém só era possível com um passe especial que eu obtive para mim e minha filha pequena. Havia cerca de trinta pessoas presentes, entre as quais algumas eram minhas conhecidas. Um velho padre celebrou a cerimônia — a qual jamais hei de esquecer. "Cristo ressuscitou!," cantamos baixinho, mas cheios de alegria. A alegria que senti naquela cerimônia na "Igreja da Catacumba" me dá forças para viver ainda hoje.

Essas são duas histórias da vida da Igreja na Rússia pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Com pequenas alterações, poderiam facilmente ter sido extraídas de descrições da fé cristã nos tempos de Nero ou Diocleciano. Elas ilustram o caminho no qual, ao longo de dezenove séculos, a história cristã percorreu um ciclo completo. Os cristãos de hoje encontram-se muito mais próximos da Igreja dos primeiros tempos do que seus avós estiveram. O cristianismo começou como a religião de uma pequena minoria dentro de uma sociedade predominantemente não cristã — o que está voltando a ser novamente. A Igreja em seus primórdios era distinta e separada do Estado; hoje, em vários países, um após outro, a aliança tradicional entre Igreja e Estado está chegando ao fim. O Cristianismo era, inicialmente, uma religio illicita, uma religião proibida e perseguida pelo governo; hoje, a perseguição não é mas uma realidade do passado apenas, não sendo de forma alguma impossível que nos trinta anos entre 1918 e 1948 tenham morrido mais cristãos por sua Fé do que nos trezentos anos que se seguiram à Crucificação de Cristo.

Membros da Igreja Ortodoxa em particular foram muito mais afetados por tais acontecimentos, uma vez que a grande maioria deles vive atualmente em países comunistas, sob governos anti—cristãos. O primeiro período da história cristã, indo do dia de Pentecostes à conversão de Constantino é de especial relevância para a Ortodoxia contemporânea.

"De repente veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceram-lhes então uma espécie de línguas de fogo, que se repartiram e repousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo" (At. 2, 2 — 4). Assim começa a história da Igreja de Cristo, com a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos em Jerusalém durante a festa de Pentecostes, o sétimo Domingo após a primeira Páscoa. Naquele mesmo dia, por causa da pregação de São Pedro, três mil homens e mulheres foram batizados e a primeira comunidade cristã em Jerusalém estava formada.

Pouco tempo depois os membros da Igreja de Jerusalém ficaram amedrontados pela perseguição que se seguiu ao apedrejamento de Santo Estevão. "Ide, pois," Cristo disse, "ensinai a todas as nações" (Mt. 28, 19). Obedientes a esta ordem eles pregavam aonde iam, primeiro para os judeus e, em seguida para os gentios também. Algumas histórias dessas viagens apostólicas são registradas por São Lucas no livro dos Atos; outras estão preservadas na tradição da Igreja. As lendas que cercam os apóstolos talvez não sejam sempre literalmente verdadeiras, mas é, de qualquer forma, certo que num tempo incrivelmente curto pequenas comunidades cristãs nasceram em todos os principais centros do Império Romano e mesmo em lugares além das fronteiras romanas.

O Império pelo qual esses primeiros missionários cristãos viajavam era, principalmente em sua parte oriental, um império de cidades. Isto determinou a estrutura administrativa da Igreja primitiva. A unidade básica era a comunidade de cada cidade, governada pelo seu próprio bispo; para assistir aos bispos haviam presbíteros ou padres e diáconos. A zona rural correspondente dependia da Igreja da cidade. Este modelo, com o ministério triplo de bispos, padres e diáconos, já era largamente empregado pelo final do primeiro século. Podemos ver isto nas sete breves cartas que Santo Inácio, bispo de Antioquia, escreveu por volta do ano 107 enquanto viajava para Roma para ser martirizado. Inácio dá ênfase a duas coisas em particular: o bispo e a Eucaristia; ele via a Igreja como hierárquica e sacramental. "O bispo em cada Igreja," ele escreveu, "preside no lugar de Deus. Que ninguém faça nada que diz respeito à Igreja sem o bispo... Onde quer que o bispo apareça, que esteja o povo como se Jesus Cristo lá estivesse. Lá está a Igreja Católica." E é a primeira e distinta tarefa do episcopado, celebrar a Eucaristia, "a medianeira da imortalidade."

As pessoas hoje pensam na Igreja como uma organização mundial, na qual cada corpo local compõe uma parte de um todo maior e mais abrangente. Inácio não via a Igreja dessa forma. Para ele a comunidade local é a Igreja. Ele via a Igreja como uma sociedade Eucarística, que só realiza sua natureza verdadeira quando celebra a Santa Ceia, recebendo Seu Corpo e Seu Sangue no sacramento. Mas a Eucaristia é algo que só pode acontecer localmente — em cada comunidade particular reunida em torno de seu bispo; e, a cada celebração local da Eucaristia, é o Cristo inteiro quem está presente, não apenas parte d’Ele. Portanto, cada comunidade local, quando celebra a Eucaristia, a cada Domingo, é a Igreja em sua totalidade.

Os ensinamentos de Santo Inácio têm um lugar permanente na tradição Ortodoxa. A Ortodoxia ainda vê a Igreja como uma sociedade Eucarística, cuja organização externa, embora necessária, é secundaria em relação à sua vida interna, sacramental; e a Ortodoxia ainda enfatiza a importância fundamental da comunidade local na estrutura da Igreja. Para aqueles que assistem a uma Liturgia Pontifical Ortodoxa (A Liturgia: Este termo é normalmente usado por Ortodoxos em referência ao Ofício da Santa Comunhão, A Missa), quando o bispo se coloca, no meio da Igreja, cercado pelo seu rebanho, a imagem de Santo Inácio de Antioquia, do bispo como centro da unidade na comunidade local, vai aparecer com particular clareza.

Mas além da comunidade local, existe também a unidade maior da Igreja. Este segundo aspecto é desenvolvido nos escritos de um outro bispo mártir, São Cipriano de Cartago (morto em 258). Cipriano via todos os bispos como que compartilhando de um só episcopado, de tal forma que cada um possuía não uma parte, mas a totalidade dele. "O episcopado," escreveu, "é um todo único, do qual cada bispo participa plenamente. Assim a Igreja é um todo, embora ela se descobre em inumeráveis Igrejas, na medida em que se torna mais fértil." Existem muitas Igrejas mas uma só Igreja; muitos bispos mas só um episcopado.

Houve muitos outros nos primeiros três séculos da Igreja que, como Cipriano e Inácio, morreram martirizados. As perseguições, é verdade, tiveram freqüentemente um caráter local e duravam pouco tempo. Embora houvesse longos períodos em que as autoridades romanas tinham para com o Cristianismo medidas de tolerância, a ameaça de perseguição estava sempre presente e os cristãos sabiam que, de um momento para o outro, ela podia tornar-se realidade. A idéia do martírio ocupava um lugar central na espiritualidade dos primeiros cristãos. Eles viam sua Igreja como fundada sobre sangue — não apenas o Sangue de Cristo, mas o sangue daqueles "outros Cristos": os mártires. Nos séculos seguintes, quando a Igreja tornou-se "estabelecida" e não sofria mais perseguições, a idéia do martírio não desapareceu, mas tomou outras formas: a vida monástica, por exemplo, é freqüentemente vista pelos escritores gregos, como um equivalente do martírio. A mesma abordagem é encontrada também no ocidente: por exemplo no texto céltico — uma homilia irlandesa do século VII — no qual a vida ascética é comparada com o caminho do mártir:

Existem três formas de martírio que contam como uma Cruz para o homem: o martírio branco, o martírio verde e o martírio vermelho. O martírio branco consiste no homem abandonar tudo o que ele ama pelo amor de Deus... O martírio verde consiste em, por meio de jejum e trabalho, se libertar dos desejos perniciosos; ou passar por trabalhos árduos em penitência e arrependimento. O martírio vermelho consiste em suportar a Cruz ou a morte pelo amor de Cristo.

Em vários períodos na história da Ortodoxia, a perspectiva do martírio vermelho foi bastante remota e as formas verde e branca prevaleceram. Embora também tenha havido épocas, sobretudo no presente século, quando os Cristãos Ortodoxos foram novamente chamados para suportar o martírio vermelho de sangue.

Era então natural que os bispos, como Cipriano enfatizava, que compartilhavam de um episcopado, se reunissem em concílios para discutir seus problemas comuns. A Ortodoxia sempre deu grande importância à realização dos concílios na vida da Igreja. A Ortodoxia crê que o concílio é o principal órgão através do qual Deus guia Seu povo e considera-se a Igreja Católica como uma Igreja essencialmente conciliar. (De fato, em russo o adjetivo soborny tem o duplo significado de "católica" e "conciliar," enquanto o substantivo correspondente, sobor, significa "igreja" e "concílio"). Na Igreja não existe ditadura nem individualismo, mas harmonia e unanimidade; as pessoas permanecem livres mas não isoladas, uma vez que estão unidas no amor, na fé e na comunhão sacramental. Num concílio, essa idéia de harmonia e livre unanimidade pode ser vista realizada na prática. Num concílio verdadeiro nem um único membro impõe arbitrariamente sua vontade aos outros, mas cada um consulta os outros e, desta forma, todos livremente alcançam um "consenso." Um concílio é uma incorporação viva da natureza essencial da Igreja.

O primeiro concílio da história da Igreja é descrito nos Atos, 15. Com a presença dos Apóstolos, realizou-se em Jerusalém para decidir de que forma os gentios convertidos deveriam se submeter à Lei de Moisés. Os Apóstolos, quando finalmente chegaram a uma decisão, falaram com palavras que, em outras circunstâncias, poderiam parecer presunçosas: "Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós..." (Atos 15:28). Os concílios posteriores ousaram falar com a mesma confiança. Um indivíduo, isoladamente, hesitaria em dizer: "Pareceu bem ao Espírito Santo e a mim"; mas quando reunidos num concílio, os membros da Igreja podem juntos pretender uma autoridade que individualmente nenhum deles possui.

O concílio de Jerusalém, reunido com líderes de toda a Igreja, foi uma reunião excepcional, que não encontra paralelo até o Concílio de Nicéia em 325. Mas na época de Cipriano, tinha-se tornado comum a realização de concílios locais, dos quais participavam os bispos de uma determinada província do Império Romano. Um concílio local desse tipo era normalmente realizado na capital provincial, sob a presidência do bispo da capital, a quem era dado o título de Metropolita. Por ocasião do terceiro século, os concílios cresceram em amplitude e começaram a incluir bispos não só de uma, mas de várias províncias. Essas reuniões maiores tendiam a acontecer nas principais cidades do Império, como Alexandria ou Antioquia; e assim aconteceu que os bispos de certas cidades começaram a adquirir uma importância acima dos metropolitas provinciais. Mas naquele tempo nada ainda havia sido decidido sobre a situação exata dessas grandes sedes. Nem durante o terceiro século essa contínua expansão de concílios lhes conferiu um caráter definitivo. Até aquele momento (com exceção do Concílio Apostólico) havia ocorrido apenas concílios locais de maior ou menor extensão, mas nenhum concílio "geral," formado por bispos de todo o mundo cristão e pretendendo falar em nome de toda a Igreja.

Em 312 ocorreu um evento que transformou completamente a situação exterior da Igreja. Ao cavalgar através da França com seu exército, o Imperador Constantino olhou para o céu e viu uma cruz luminosa em frente ao sol. Na cruz havia uma inscrição: "Com este símbolo vencerá." Como resultado dessa visão, Constantino tornou-se o primeiro imperador romano a abraçar a fé cristã. Naquele dia na França iniciou-se uma série de acontecimentos que determinaram o fim do primeiro principal período da Igreja e levaram à criação do Império Cristão de Bizâncio.

 

 

Bizâncio:

A Igreja dos Sete Concílios.

"Tudo professa que existem sete Concílios Ecumênicos e santos, e estes são os sete pilares da fé do Verbo Divino nos quais Ele erigiu Sua Santa morada, a Igreja Ecumênica e Católica" (João II, Metropolita da Rússia, 1800-1889).

Constantino se coloca como um divisor na história da Igreja. Com sua conversão, o tempo dos martírios e das perseguições chegaram ao fim, e a Igreja das Catacumbas tornou — se a Igreja do Império. O primeiro grande efeito da visão de Constantino foi o assim chamado "Edito" de Milão, que ele e seu companheiro Imperador Licínio editaram em 313, proclamando a tolerância oficial à fé cristã. E, embora a princípio Constantino garantisse não mais do que tolerância, ele em breve deixou claro que tinha a intenção de favorecer o cristianismo sobre todas as outras religiões toleradas no Império Romano. Teodósio, no prazo de cinqüenta anos após a morte de Constantino, havia levado a cabo sua política: em sua legislação ele tornou o cristianismo não apenas a mais favorecida, mas a única religião reconhecida do Império. A Igreja agora estava estabelecida. "Vocês não estão autorizados a existir," as autoridades romanas disseram uma vez aos cristãos. Agora era a vez do paganismo ser suprimido.

A visão da cruz que teve Constantino, levou-o também durante sua existência, a tomar duas outras atitudes, igualmente oportunas para o posterior desenvolvimento do cristianismo. Primeiro, em 324 ele decidiu mudar a capital do Império Romano em direção ao Oriente, da Itália para as margens do Bósforo. Ali, no local da cidade grega de Bizâncio, ele construiu uma nova capital, a qual chamou "Constantinoupolis," seu nome. Os motivos dessa mudança foram em parte econômicos e políticos, mas foram também religiosos; a velha Roma estava muito impregnada com associações pagãs para ser o centro do Império Cristão que ele imaginava. Na Nova Roma, as coisas seriam diferentes após a solene inauguração da cidade em 330, ele decretou que em Constantinopla jamais seriam realizados ritos pagãos. A nova capital de Constantino exerceu uma influência decisiva no desenvolvimento da história Ortodoxa.

Em seguida Constantino reuniu o primeiro Concílio Geral ou Ecumênico da Igreja de Cristo em Nicéia em 325. Se era para o Império Romano ser um Império Cristão, Constantino desejava vê-lo firmemente estruturado na fé Ortodoxa. Este era o dever do Concílio de Nicéia, elaborar a essência de tal fé. Nada poderia haver simbolizado mais claramente a nova relação entre a Igreja e o Estado do que as aparentes circunstâncias dessa reunião em Nicéia. O próprio Imperador presidiu, "como um mensageiro celeste de Deus," como um dos presentes, Euzébio, Bispo de Cesaréia, o definiu. Ao término do Concílio os bispos jantaram com o Imperador. "As circunstâncias do banquete," escreveu. Euzébio (que tinha a tendência de se impressionar com tais coisas) "foram esplêndidas além de qualquer descrição. Guarnições da guarda pessoal e outras tropas rodeavam a entrada do palácio com as espadas desembainhadas e pelo meio destes, os homens de Deus entravam sem medo para os aposentos imperiais. Alguns faziam companhia ao Imperador à mesa, outros se reclinavam em divãs enfileirados em ambos os lados. Podia-se pensar tratar-se de uma pintura do reino de Cristo e de sonho em vez de realidade. As coisas certamente haviam mudado desde o tempo em que Nero usou cristãos como tochas vivas para iluminar seus jardins à noite. Nicéia foi o primeiro de sete Concílios Gerais; e este, assim como a cidade de Constantino, ocupa uma posição central na história da Ortodoxia."

Os três acontecimentos — o Edito de Milão, a fundação de Constantinopla e o Concílio de Nicéia — marcam a maioridade da Igreja.

 

Os primeiros seis concílios (325-681).

A vida da Igreja no período inicial bizantino é dominada pelos Sete Concílios Gerais. Estes Concílios preencheram uma tarefa dupla. Primeiro, eles esclareceram e articularam a organização visível da Igreja, tornando clara a posição das cinco grandes sés ou Patriarcados, como vieram a ser conhecidos. Segundo e mais importante, os Concílios definiram de vez por toda os ensinamentos da Igreja sobre as doutrinas fundamentais da fé cristã — a Trindade e a Encarnação. Todos os cristãos concordam em encarar tais coisas como "mistérios" os quais se encontram além da linguagem e compreensão humanas. Os bispos, quando redigiam definições nos Concílios, não intencionavam explicar o mistério, apenas procuravam eliminar certas maneiras erradas de falar e raciocinar sobre ele. Para impedir que os homens se desviassem em erro ou heresia, eles tão somente esclareciam o mistério.

As discussões nos Concílios às vezes parecem abstratas e remotas, embora tenham uma finalidade prática: a salvação do homem. O homem, como ensina o Novo Testamento, é separado de Deus pelo pecado, e não pode por seus próprios meios romper a barreira que o pecado criou. Deus portanto tomou a iniciativa: tornou-se homem, foi crucificado, e ressuscitou, libertando desta forma a humanidade da prisão do pecado e da morte. Esta é a mensagem central da fé cristã e é a mensagem de redenção que os Concílios estavam preocupados em salvaguardar. As heresias eram perigosas e exigiam condenação pois prejudicavam o ensinamento do Novo Testamento, criando uma barreira entre o homem e Deus e tornando, assim, impossível para o homem atingir a salvação total.

São Paulo exprimiu essa mensagem de redenção em termos de participação. Cristo participou de nossa pobreza para que pudéssemos participar das riquezas de Sua divindade: "Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico se fez pobre pelo amor de vós, para que pela sua pobreza vos tornásseis ricos" (2 Coríntios 8:9). No Evangelho de São João é encontrada a mesma idéia de modo ligeiramente diferente. Cristo declara que Ele deu a seus discípulos uma participação na divina glória e Ele ora para que possam alcançar a união com Deus: "Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado para que sejam um como nós o somos; eu neles e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que Tu me enviaste, e os amaste como também amaste a mim" (João 17:22-23). Os Padres Gregos tomaram este e outros textos similares em seu sentido literal e ousaram falar da "deificação" do homem (do grego theosis). Se é para o homem participar da glória de Deus, eles dizem, se é para que sejam "aperfeiçoados na unidade" com Deus, isto significa de fato que o homem precisa ser "deificado": ele é chamado para tornar-se pela graça o que Deus é por natureza. A este respeito, Santo Atanásio resumiu a finalidade da Encarnação com o seguinte: "Deus tornou-se homem para que possamos nos tornar Deus."

Assim, se este "tornar-se Deus esta theosis, é possível, Cristo o Salvador deve ser ambos, completamente homem e completamente Deus. Ninguém a não ser Deus pode salvar o homem; portanto se Cristo é que salva, Ele deve ser Deus. Mas apenas se Ele for verdadeiramente homem, como somos, podemos nós homens participar naquilo que ele fez por nós.É firmada uma ponte entre Deus e o homem pelo Cristo Encarnado que é ambos. "E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem" (João 1:51). Não apenas os anjos usam aquela escada mas toda a raça humana.

Cristo deve ser completamente Deus e completamente homem. Cada heresia a seu tempo nega alguma parte desta afirmação vital. Ou Cristo foi criado menos do que Deus (arianismo); ou Sua humanidade era tão afastada de sua divindade que Ele tornou-se duas pessoas em vez de uma (nestorianismo) ou Ele não era apresentado como verdadeiramente homem (monofisismo, monotelitismo). Cada Concílio defendia esta afirmação. Os dois primeiros, ocorridos no século IV, concentraram-se na primeira parte (de que Cristo deve ser completamente Deus) e formularam a doutrina da Trindade. Os quatro seguintes nos séculos V, VI e VII, concentraram-se na segunda parte (a plenitude da humanidade de Cristo) e também procuraram explicar como humanidade e divindade podiam ser unidas numa única pessoa. O sétimo Concílio, em defesa dos Santos Ícones, parece à primeira vista afastado da questão, mas como os primeiros seis, estava basicamente relacionado com a Encarnação e a salvação do homem.

A principal realização do Concílio de Nicéia em 325 foi a condenação do arianismo. Arius, um padre de Alexandria, sustentava que o Filho era inferior ao Pai e, ao traçar uma linha divisória entre Deus e a criação, ele colocou o Filho entre as coisas criadas: uma criatura superior é verdade, mas uma criatura. Sua intenção, sem dúvida, era proteger a unidade e transcendência de Deus, mas o efeito de seus ensinamentos, fazendo Cristo menos do que Deus tornava,a deificação do homem impossível. Apenas se Cristo for verdadeiramente Deus, o Concílio respondeu, poderá nos unir a Deus, pois ninguém além de Deus poderá abrir para o homem o caminho da união. Cristo é "um em essência" (homoousios) com o Pai. Ele não é um semideus ou uma criatura superior, mas Deus da mesma forma que o Pai é Deus: "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro," o Concílio Proclamou no Credo que redigiu, "gerado não criado, consubstancial ao Pai."

O Concílio de Nicéia tratou também da, organização visível da Igreja. Fazendo referência aos três grandes centros: Roma, Alexandria e Antioquia (Cânone VI). Ele também dispôs que à Sé de Jerusalém, mesmo permanecendo sujeita ao Metropolita de Cesaréia, deveria ser dado o próximo lugar de honra após essas três (Cânone VII). Constantinopla obviamente não foi mencionada, uma vez que ainda não havia sido oficialmente inaugurada como capital, o que somente aconteceu cinco anos depois; ela continuava sujeita como antes, ao Metropolita de Heraclea.

O trabalho de Nicéia foi retomado pelo segundo Concílio Ecumênico, realizado em Constantinopla em 381. Este Concílio aumentou e adaptou o Credo de Nicéia, desenvolvendo em particular os ensinamentos a respeito do Espírito Santo, de quem afirmava ser Deus da mesma forma que o Pai e o Filho são Deus: "que procede do Pai e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória." O Concílio alterou também o conteúdo do sexto Cânone de Nicéia. A posição de Constantinopla, agora capital do Império, não podia mais ser ignorada, e lhe foi designado o segundo lugar, após Roma e antes de Alexandria. "O Bispo de Constantinopla deve ter prerrogativas de honra após o Bispo de Roma, pois Constantinopla é a nova Roma" (Cânone III).

Atrás das definições do Concílio existia o trabalho de teólogos, que davam precisão às palavras que o Concílio empregava. Era a suprema realização de São Atanásio de Alexandria extrair todas as implicações das palavras chaves no Credo de Nicéia; homoousios, um na essência ou substância, consubstancial. Complementando seu trabalho havia o dos três Padres Capadócios, São Gregório de Nazianzo, conhecido na Igreja Ortodoxa como Gregório Teólogo (329-390), São Basílio o Grande (330-379) e seu irmão caçula São Gregório de Nissa (morto em 394). Enquanto Atanásio enfatizava a unidade de Deus — Pai e Filho são um em essência (ousia) — os capadócios enfatizavam a trindade divina — Pai, Filho e Espírito Santo são três pessoas (hypostaseis). Preservando um equilíbrio delicado entre a trindade e a unidade em Deus, eles deram significado total ao clássico sumário da doutrina Trinitária, três pessoas em uma essência. Nunca até então a Igreja havia possuído quatro teólogos de tal envergadura em uma única geração.

Após 381 o arianismo deixou rapidamente de ser uma questão empolgante, exceto em certas partes da Europa Oriental. O aspecto polêmico do trabalho do Concílio está no seu terceiro Cânone, do qual se ressentiram igualmente Roma e Alexandria. A Velha Roma se questionava aonde as pretensões da Nova Roma terminariam. Não poderia Constantinopla vir a reivindicar o primeiro lugar? Roma decidiu ignorar o Cânone ofensivo e somente no Concílio de Latrão (1215) o Papa reconheceu formalmente a reivindicação de Constantinopla de segundo lugar. (Constantinopla encontrava-se naquela época nas mãos dos Cruzados e sob a legislação de um Patriarca latino). Mas o Cânone era igualmente um desafio para Alexandria, que até então havia ocupado o primeiro lugar no Oriente. Os setenta anos seguintes testemunharam um agudo conflito entre Constantinopla e Alexandria e por um tempo a vitória foi para a última. O primeiro grande sucesso de Alexandria foi no Sínodo de Oak, quando Teófilo de Alexandria garantiu a deposição e o exílio do Bispo de Constantinopla, São João Crisóstomo, "João Boca de Ouro" (344-407). Um pregador fluente e eloqüente — seus sermões duravam freqüentemente uma hora ou mais.

João expressava de forma popular as idéias teológicas, formuladas por Atanásio e pelos Capadócios. Um homem de vida austera e meticulosa, inspirado por uma profunda, compaixão pelos pobres e por um ardoroso zelo por justiça social. De todos os Padres ele talvez seja o mais amado da Igreja Ortodoxa, e o que tem seus trabalhos mais lidos.

O segundo grande sucesso de Alexandria foi conseguido pelo sobrinho e sucessor de Teófilo, São Cirilo de Alexandria (morto em 444), que provocou a queda de outro Bispo de Constantinopla, Nestório, no Terceiro Concílio Ecumênico realizado em Efeso (431). Mas em Éfeso havia mais em jogo do que a rivalidade de duas Sés. Assuntos doutrinais, adormecidos desde 381 despertaram de novo, centralizados agora não mais na Trindade mas na Pessoa do Cristo. Cirilo e Nestório concordavam que Cristo era completamente Deus, um da Trindade, mas divergiam em suas descrições 'de Sua humanidade e em seus métodos de explicar' a união de Deus e homem numa única pessoa. Eles representavam diferentes tradições ou escolas de teologia. Nestório cresceu na escola de Antioquia, mantida a integridade da humanidade de Cristo, mas distinguia tão enfaticamente a humanidade e a divindade quê parecia correr o risco de terminar, não com uma pessoa, mas com duas coexistindo no mesmo corpo. Cirilo, o protagonista da tradição oposta de Alexandria, partia da unidade da pessoa do Cristo do que da diversidade de Sua humanidade e de sua divindade, mas falava da humanidade de Cristo com menos empolgação que o antioquense. Qualquer uma das teses, se pressionada com força, poderia tornar-se herética, e a Igreja necessitava de ambas para formar uma imagem equilibrada de todo o Cristo. Foi uma tragédia para o cristianismo que as duas escolas, em vez de se equilibrarem mutuamente, entraram em conflito.

Nestório precipitou a controvérsia se recusando chamar a Virgem Maria "Mãe de Deus" (Theotokos). Este titulo já era aceito na devoção popular, mas parecia a Nestório implicar uma confusão na humanidade de Cristo e Sua divindade. Maria, ele questionava, e aqui fica evidente seu "separatismo" antioquense — somente deve ser chamada "Mãe do Homem" ou no máximo "Mãe do Cristo," uma vez que ela é mãe apenas da humanidade de Cristo, não de Sua divindade. Cirilo, apoiado pelo Concílio respondeu com o texto "E o Verbo se fez carne" (S. João l:4): Maria é a mãe de Deus, pois "ela deu à luz o Verbo de Deus feito carne." A quem Maria deu a luz não era um homem vagamente unido à Deus, mas uma única e íntegra pessoa, que é Deus e homem ao mesmo tempo. O nome Theotokos salvaguarda da unidade da pessoa do Cristo: negar-lhe tal titulo significa separar o Cristo Encarnado em dois, rompendo a ponte entre Deus e o homem e erigindo na pessoa do Cristo um muro de separação. Assim podemos ver que não apenas títulos de devoção estavam envolvidos em Efeso, mas a própria mensagem de salvação. A mesma primazia que a palavra homoousios ocupa na doutrina da Trindade, a palavra Theotokos tem na doutrina da Encarnação.

Alexandria teve outra vitória no segundo Concílio realizado em Efeso em 449, contudo essa reunião, ao contrário de sua predecessora de 431, não foi aceita pela totalidade da Igreja. Sentiu-se que o partido de Alexandria havia ido dessa vez longe demais. Dióscoro e Eutiques, levando a extremos os ensinamentos de Cirilo, sustentavam que em Cristo havia não apenas uma unidade de personalidade mas uma única natureza — Monofisismo. Parecia a seus oponentes — embora os monofisitas negassem que se tratava de mera interpretação de seus pontos de vista — que tal modo de falar punha em perigo a totalidade da humanidade de Cristo, a qual no monofisismo tornou-se tão amalgamada com Sua divindade que poderia ser engolida como uma gota no oceano.

Apenas dois anos mais tarde, o Imperador convocou na Calcedônia uma nova reunião de bispos, que a Igreja de Bizâncio e o ocidente consideram como o quarto Concílio Geral. O pêndulo agora voltou em direção aos antioquinos. O Concílio reagiu tenazmente contra a terminologia monofisita e afirmou que embora Cristo seja uma pessoa, existe n'Ele, não uma, mas duas naturezas. Os bispos aclamaram o Livro de São Leão o Grande, Papa de Roma (morto em 461), no qual as duas naturezas estão claramente distinguidas. Em sua proclamação de fé eles afirmavam sua crença em "um e verdadeiro Filho, perfeito na divindade e perfeito na humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem ..., reconhecido em duas naturezas inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a diferença entre as naturezas não é de forma alguma removida por causa da união, ao contrário a propriedade peculiar de cada natureza é preservada e ambas combinam em uma pessoa e em uma hipostase." A Definição de Calcedônia, pode-se notar, não é dirigida apenas aos monofisitas ("em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis), mas também aos seguidores de Nestório ("um e verdadeiro Filho...indivisível, inseparável).

Mas Calcedônia foi mais do que uma derrota para a teologia de Alexandria: foi uma derrota para os apelos de Alexandria de governadora suprema no Oriente. O Cânone XXVIII de Calcedônia confirmou o Cânone III de Constantinopla, assegurando à Nova Roma o próximo lugar em honra logo após a Velha Roma. Leão repudiou este Cânone, mas o Oriente desde então reconheceu sua validade. O Concílio também emancipou Jerusalém da jurisdição de Cesaréia e lhe deu o quinto lugar entre as grandes sés. O sistema mais tarde conhecido entre os ortodoxos como Pentarquia agora estava completo, por meio do qual cinco grandes sés da Igreja eram mantidas em honra especial e uma dada ordem de precedência foi estabelecida entre elas: em ordem decrescente Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Todas as cinco reivindicavam fundação apostólica. As quatro primeiras eram as mais importantes cidades do Império Romano; a quinta foi anexada por tratar-se do lugar onde Cristo sofreu na cruz e levantou dos mortos. O bispo de cada uma dessas cidades recebia o título de Patriarca. Os cinco patriarcados dividiam entre eles em esferas de jurisdição todo o mundo conhecido, com exceção de Chipre, a quem foi garantido independência pelo Concílio de Éfeso e permaneceu independente desde então

Quando se fala da concepção ortodoxa de Pentarquia existem dois prováveis mal entendidos que devem ser evitados. Primeiro, o sistema de Patriarcas e Metropolitas é um assunto relativo à organização eclesiástica. Contudo, se olharmos a Igreja do ponto de vista não de ordem eclesiástica, mas de direito divino, então temos que dizer que todos os bispos são essencialmente iguais, por mais humilde ou nobre que seja a cidade que ele preside. Todos os bispos participam igualmente na sucessão apostólica, todos têm os mesmos poderes sacramentais e todos são divinamente indicados mestres da fé. Se surge uma disputa sobre doutrina, não é suficiente aos Patriarcas expressar sua opinião: todos os bispos das dioceses tem o direito de assistir ao Concílio Ecumênico, de falar e de votar. O sistema da Pentarquia não reduz a igualdade essencial de todos os bispos, nem priva cada comunidade local da importância que Inácio lhes havia assegurado.

Em segundo lugar, os ortodoxos acreditam que entre os cinco Patriarcas o Papa tem um lugar de destaque. A Igreja Ortodoxa não aceita a doutrina da autoridade papal, publicada nos decretos do Concilio Vaticano de 1870, e ensinada hoje na Igreja Católica Romana; mas ao mesmo tempo, a Ortodoxia não nega à Santa e Apostólica Sé de Roma, uma primazia de honra, junto com o direito (sob certas condições) de atender chamados de todas as partes da cristandade. Note que usamos a palavra "primazia," não "supremacia." Os ortodoxos consideram o Papa corno o Bispo "que preside no amor," para adaptar uma frase de Santo Inácio: o erro de Roma, assim crêem os ortodoxos — foi tornar essa primazia ou "presidência de amor" em supremacia de jurisdição e força externa.

Esta primazia que Roma goza tem sua origem em três fatores. Primeiro Roma foi a cidade onde São Pedro e São Paulo foram martirizados e onde Pedro foi bispo. A Igreja Ortodoxa reconhece Pedro como o primeiro entre os apóstolos: ela não esquece os célebres "textos Petrinos" nos Evangelhos (Mateus 16:8-19; Lucas 22:2; João 21:5-17) — embora os teólogos ortodoxos não entendam estes textos da mesma forma que os comentaristas católicos romanos modernos. E enquanto muitos teólogos ortodoxos diriam que não apenas o Bispo de Roma mas todos os bispos são sucessores de Pedro, muitos deles ao mesmo tempo admitem que o Bispo de Roma é sucessor de Pedro de uma forma especial. Em segundo, a sé de Roma também possuía sua primazia na posição ocupada pela cidade de Roma no Império: ela era a capital, a cidade principal do mundo antigo, e como tal em certa medida ela continuou a ser mesmo após a fundação de Constantinopla. Em terceiro embora houvesse ocasiões em que o Papa caía em heresia, de um modo geral durante os oito primeiros séculos da história da Igreja, a sé romana se destacava pela pureza de sua fé: outros patriarcados oscilavam durante as grandes disputas doutrinais, mas Roma geralmente permanecia firme. Quando bastante pressionada na batalha contra os heréticos, os homens sabiam que podiam confiar no Papa. Não apenas o Bispo de Roma, mas todo bispo é indicado por Deus para ser um mestre da fé; seja porque a sé de Roma havia na prática ensinado a fé com uma destacada lea1dade a verdade, era acima de tudo à Roma que os homens pediam orientação nos primeiros séculos, da Igreja.

Mas como com os Patriarcas, também com o Papa; a primazia assegurada por Roma não sobrepõe a igualdade essencial de todos os bispos. O Papa é o primeiro bispo na Igreja — mas ele é o primeiro entre iguais.

Éfeso e Calcedônia foram a base da Ortodoxia, mas formam também um marco de ofensas. Os arianos se reconciliaram gradualmente e não formaram um cisma duradouro. Mas até os dias de hoje existem cristãos nestorianos que não aceitam as decisões de Efeso e monofisitas que não aceitam as de Calcedônia. Os nestorianos em sua maioria ficaram fora do Império e se ouviu muito pouco a respeito deles na história bizantina. Contudo grande número dos monofisitas, particularmente no Egito e Síria, ficaram súditos do Imperador, e numerosos e mal sucedidos esforços foram feitos para trazê-los de volta à comunhão com a Igreja de Bizâncio. Como acontece com freqüência, diferenças teológicas tornam-se mais amargas por tensões nacionais e culturais. Egito e Síria, ambos predominantemente não gregos na língua e cultura, se ressentiam do poder da grega Constantinopla, tanto em questões religiosas como políticas. Assim, um cisma eclesiástico foi reforçado por separatismo político. Não fossem por tais fatores teológicos ambos os lados poderiam talvez ter alcançado uma compreensão teológica após Calcedônia. Estudiosos modernos estão inclinados a pensar que a diferença entre monofisitas e calcedônios foi basicamente de terminologia: os dois partidos usavam linguagem diferente, mas intimamente ambos estavam preocupados em manter as mesmas crenças.

A Definição de Calcedônia foi suplementada pelos dois concílios seguintes, ambos realizados em Constantinopla. O quinto Concílio Ecumênico (553) reinterpretou os decretos de Calcedônia de um ponto de vista alexandrino e procurou explicar em termos mais construtivos do que Calcedônia havia usado, como as duas naturezas de Cristo se uniram para formar uma única pessoa. O sexto Concílio Ecumênico (680-1) condenou a heresia monotelista, uma nova forma de monofisismo. Os monotelistas argumentavam que embora Cristo tenha duas naturezas e sendo Ele uma única pessoa, ele tem apenas uma vontade. O Concílio respondeu que se Ele tem duas naturezas, então Ele deve ter duas vontades. Os monotelistas como os monofisitas depreciavam a totalidade da humanidade de Cristo, uma vez que humanidade sem vontade humana seria incompleta, uma mera abstração. Uma vez que Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus, Ele deve ter uma vontade humana assim como uma divina.

Durante os cinqüenta anos antes do encontro do sexto concílio, Bizâncio confrontou um repentino e alarmante acontecimento: o surgimento do Islam. O fato mais surpreendente sobre a explosão do Islam é sua velocidade. Quando o Profeta morreu em 632, sua autoridade pouco se estendia além de Hejaz. Mas em quinze anos seus seguidores árabes haviam tomado a Síria, Palestina e Egito; nos próximos cinqüenta anos eles estavam nos muros de Constantinopla e quase capturaram a cidade; em cem anos haviam varrido o Norte da África, avançado através da Espanha, e forçado a Europa ocidental a lutar por sua vida na batalha de Poitiers. As invasões árabes foram chamadas "uma explosão centrífuga, dirigindo em todas as direções pequenos corpos de cavaleiros montados em guerra de comida, saque e conquista. Os antigos impérios não estavam em condições de resistir a eles. O cristianismo sobreviveu, mas com dificuldades. Os bizantinos perderam suas possessões orientais e os três Patriarcados de Alexandria, Antioquia e Jerusalém passaram para controle dos infiéis; com o Império Cristão do Oriente, o Patriarcado de Constantinopla estava agora sem rival. Desde então, Bizâncio nunca mais se viu livre dos ataques dos maometanos e embora tenha resistido mais oito séculos ao final ela sucumbiu.

 

Os santos ícones.

As disputas referentes à Pessoa do Cristo não cessaram com o Concílio de 681, mas foram expandidas de forma diferente nos séculos oitavo e nono: a luta centrada nos Santos Ícones, as pinturas de Cristo, da Mãe de Deus, e dos Santos, que eram mantidas e veneradas nas igrejas e nas casas. Os iconoclastas ou destruidores de ícones, desconfiados de qualquer arte religiosa que representasse seres humanos ou Deus, exigiam a destruição dos ícones; o partido oposto, os defensores ou veneradores de ícones, defendiam vigorosamente o lugar dos ícones na vida da Igreja. A luta não foi apenas um conflito entre duas concepções de arte cristã. Questões mais profundas estavam envolvidas aí, o caráter da natureza humana de Cristo, a atitude cristã em relação ao assunto, o significado verdadeiro da redenção cristã.

Os iconoclastas podem ter sido influenciados por conceitos dos judeus e islâmicos, e é significativo que três anos antes da primeira erupção do iconoclasmo no Império Bizantino, o califa maometano Yezid ordenou a remoção de todos os ícones de seus domínios, Mas o iconoclasmo não foi simplesmente importado de fora; mesmo no cristianismo sempre existiram posições "puritanas," que condenavam os ícones porque parecia haver nas imagens uma latente idolatria. Quando os imperadores isaurianos atacaram os ícones, eles encontravam bastante apoio dentro da Igreja. Exemplo típico dessa posição puritana é a atitude de São Epifânio de Salamis (315-403), que ao encontrar numa igreja do interior da Palestina uma cortina de pano com figura. de Cristo, rasgou-a com indignação. Esta atitude foi sempre violenta na Ásia Menor, e alguns afirmam que o movimento iconoclasta foi um protesto asiático contra a tradição grega. Mas há dificuldades em tal ponto de vista; a controvérsia foi realmente uma divisão dentro da tradição grega.

A controvérsia iconoclasta que durou por volta de 120 anos, se dá em duas fases. O primeiro período iniciou—se em 726 quando Leão III começou seu ataque aos ícones, e terminou em 780 quando a Imperatriz Irene suspendeu a perseguição. A posição dos defensores foi mantida pelo sétimo e último Concílio Ecumênico (787), que se reuniu (como o primeiro havia feito) em Nicéia. Ícones, o concílio proclamou, devem ser mantidos nas Igrejas e honrados com a mesma relativa veneração como outros símbolos materiais, como "a cruz preciosa e vivificante" e o Livro dos Evangelhos. Um novo ataque aos ícones, começou, com Leão V, o Armênio, em 815, e continuou até 843 quando os ícones foram novamente reintegrados, desta vez permanentemente por outra Imperatriz, Teodora. A vitória final das Santas Imagens em 843 é conhecida como "Triunfo da Ortodoxia," e é comemorada com o ofício especial celebrado no "Domingo da Ortodoxia," o primeiro domingo da Grande Quaresma. Durante este ofício a fé verdadeira — Ortodoxia — é proclamada, seus defensores são honrados e anátemas são declarados a todos os que atacam os Santos ícones ou os Concílios Ecumênicos:

A todos aqueles que rejeitam os Concílios dos Santos Padres e suas tradições as quais estão de acordo com a revelação divina as quais a Igreja Católica Ortodoxa piamente mantém, ANÁTEMA! ANÁTEMA! ANÁTEMA!

O maior defensor dos ícones no primeiro período foi São João Damasceno (675?-749), no segundo São Teodoro Estudita (759-826). João pode trabalhar mais livremente porque ele trabalhava em território islâmico, fora do alcance do governo bizantino. Não foi a última vez que o Islam agiu, sem intenção, como protetor da ortodoxia.

Uma das características mais distintas da ortodoxia é a posição que ela atribui aos ícones. Uma igreja ortodoxa de hoje é cheia deles: dividindo o santuário da nave existe uma parede, a iconostase totalmente coberta de ícones, enquanto outros ícones são colocados em sacrários em volta da igreja; e as paredes são cobertas por ícones às vezes em afresco ou mosaico. Um ortodoxo prostra-se em frente desses ícones, beija-os e acende velas na frente deles; eles são incensados pelo padre e levados em procissão. O que significam estes gestos e as atitudes? O que significam os ícones e porque João Damasceno e os outros os consideravam tão importantes?

Devemos considerar primeiro a carga de idolatria que os iconoclastas lançaram contra os defensores dos ícones; e então o valor positivo dos ícones como meio de instrução; e finalmente sua importância doutrinal.

A questão da idolatria. Quando um ortodoxo beija um ícone ou se prostra diante dele, ele não está cometendo idolatria. O ícone não é um ídolo, mas um símbolo; a veneração feita às imagens é direta, não dirigida à pedra, madeira e tinta, mas dirigida à pessoa retratada. Isto foi salientado por Leôncio de Nápoles (morto cerca de 650) algum tempo antes da controvérsia iconoclasta:

Não nos prostramos diante da natureza da madeira, mas reverenciamos e nos prostramos diante d'Ele que foi crucificado na Cruz.... Quando dois eixos da Cruz são postos juntos adoro a figura do Cristo que foi crucificado na Cruz, mas se os dois eixos são separados, jogo-os fora e os queimo.

Pelo fato dos ícones serem apenas símbolos, os ortodoxos não os adoram, mas os reverenciam e veneram. João Damasceno distinguiu cuidadosamente entre a honra relativa ou veneração dedicada aos símbolos materiais e a adoração devida somente a Deus.

Os ícones como parte dos ensinamentos da Igreja. Os ícones, dizia Leôncio, são "livros abertos a nos lembrarem de Deus": são um dos meios empregados pela Igreja para ensinar a fé. Aquele que se ressente de um aprendizado ou de tempo para estudar obras de teologia, basta entrar na igreja e ver desdobrados diante de si nas paredes os mistérios da religião Cristã. Se um pagão te pedir para lhe mostrar sua fé, diziam os defensores, leve-o a uma igreja e ponha-o diante dos ícones.

O significado doutrinal dos ícones. Chegamos agora ao ponto crucial da disputa iconoclasta. Consideremos que os ícones não são idolatrados; que são úteis para a instrução; mas são eles além de permitidos necessários também? É essencial ter ícones? Os defensores assim o afirmavam, pois os ícones salvaguardam uma doutrina total e adequada da Encarnação. Os iconoclastas e os defensores de ícones concordavam que Deus não pode ser representado em Sua natureza eterna: "ninguém jamais viu a Deus" (João l:18). Mas, os defensores continuavam, a Encarnação tornou possível uma arte religiosa representacional: Deus pode ser retratado porque Ele tornou-se homem e se fez carne. Imagens materiais, retrucava João Damasceno, podem ser feitas d'Ele que tomou um corpo material:

O velho Deus o incorpóreo e o infinito nunca foi retratado. Mas agora que Deus nasceu na carne e viveu entre os homens, faço uma imagem do Deus que pode ser visto. Não adoro a matéria, mas o Criador da matéria, que por minha causa tornou-se material e condescendeu habitar na matéria, que através da matéria realizou minha salvação. Não cessarei de venerar a matéria através da qual minha salvação foi realizada.

Os iconoclastas ao repudiarem todas as representações de Deus, falharam em considerar a Encarnação na sua essência. Caíram, como muitos puritanos já haviam feito, numa forma de dualismo. Considerando a matéria como algo sujo, queriam a religião livre de todo contato com o que é material; uma vez que achavam que o que é espiritual deve ser não — material. Contudo isto significa trair a Encarnação, não permitindo espaço para a humanidade de Cristo, para Seu corpo; significa esquecer que o corpo humano tal qual sua alma precisa ser salvo e transfigurado. A controvérsia iconoclasta é pois estritamente ligada às disputas iniciais a respeito da pessoa do Cristo. Não foi apenas uma controvérsia sobre arte religiosa, mas sobre a Encarnação e a salvação do homem.

Deus tomou um corpo material, provando desta forma que a matéria pode ser redimida: "O Verbo ao se tornar carne, deificou a carne," disse João Damasceno. Deus "deificou" a matéria, tornado-a "portadora do espírito"; e se a carne tornou-se um veículo do Espírito, então — pode ser pintada ainda que de maneira diferente. A doutrina ortodoxa dos ícones é ligada a crença ortodoxa de que toda criação de Deus, material e espiritual, será redimida e glorificada. Nas palavras de Nicholas Zernov (1898-1980) — o que ele diz dos russos é verdadeiro para todos os ortodoxos:

Os ícones eram para os russos não apenas pinturas. Eram manifestações dinâmicas da força espiritual do homem de redimir a criação por meio de beleza e arte. As cores e linhas dos [ícones] não pretendiam imitar a natureza; os artistas intensionavam demonstrar que homens, animais e plantas, e todo o cosmos, podiam ser salvos de seu atual estado de degradação e restituídos a sua verdadeira "imagem." Os [ícones] eram uma promessa da vitória vindoura da criação redimida sobre a decaída.... A perfeição artística de um ícone não era apenas um reflexo da glória celestial — era um exemplo concreto de matéria restituída à sua beleza e harmonia original, e servindo como um veículo do Espírito. Os ícones eram parte do cosmos transfigurado.

Como João Damasceno definiu:

O ícone é a canção do triunfo, é uma revelação, e um monumento permanente à vitória dos santos e à desgraça dos demônios.

A conclusão da disputa iconoclasta, o encontro do Sétimo Concílio Ecumênico, o Triunfo da Ortodoxia em 843 — marcam o final do segundo período na história ortodoxa, o período dos Sete Concílios. Estes Sete Concílios são de imensa importância para a Ortodoxia. Para os membros da Igreja Ortodoxa, seu interesse não é meramente histórico, mas contemporâneo; eles são considerados não apenas pelos estudiosos e pelo clero, mas por todos os fiéis. "Mesmo camponeses simples," disse Dean Stanley, "para quem, na sua correspondente classe social na Espanha ou na Itália os nomes de Constância ou Trento seriam provavelmente desconhecidos, estão bastante cônscios que sua igreja repousa sobre a base dos Sete Concílios, e tem esperança que viverão ainda para ver um oitavo Concílio Ecumênico, no qual os mal entendidos do tempo serão esclarecidos." Os ortodoxos freqüentemente se denominam "a Igreja dos Sete Concílios." Isto não significa que a igreja Ortodoxa tenha cessado de pensar criativamente deste 787. Mas vêem no período dos Concílios a grande era da teologia; e logo após a Bíblia, são os Sete Concílios que a Igreja Ortodoxa considera como sua referência e guia ao buscar soluções para os novos problemas que surgem a cada geração.

Santos,monges e imperadores.

Com muita propriedade, Bizâncio foi chamada "o ícone da Jerusalém celeste." A religião fazia parte de cada aspecto da vida bizantina, Os feriados bizantinos eram festas religiosas; as corridas realizadas no Circo começavam com o canto de hinos; seus contratos comerciais invocavam a Trindade e eram marcados com o sinal da Cruz. Hoje em dia, numa época não teológica, é impossível imaginar o entusiasmo que se tinha por questões religiosas em toda a sociedade, tanto os leigos como o clero, tanto os pobres e sem instrução, como a corte e os estudiosos. Gregório de Nissa descreve as intermináveis discussões teológicas em Constantinopla à época do segundo Concílio Ecumênico:

Toda a cidade está repleta, os quarteirões, as praças, as estradas, as alamedas, andarilhos, cambistas, feirantes: todos estão ocupados discutindo. Se você pede troco a alguém, ele filosofa a respeito do Criado e do Incriado; se você pergunta o preço do pão, obtém como resposta que o Pai é superior e o Filho inferior; se você pergunta "meu banho está pronto?" o criado responde que o Filho foi criado do nada.

Este relato curioso nos mostra a atmosfera na qual o Concílio se realizou. As paixões surgidas, eram por vezes tão violentas que as sessões não eram sempre contidas ou elegantes. "Sínodos e Concílios eu os saúdo a distância," notou secamente Gregório de Nazianzo, "pois sei como eles são problemáticos." "Nunca mais me sentarei naquelas reuniões de garças e gansos." Os Padres às vezes defendiam suas causas por meios questionáveis: Cirilo de Alexandria, por exemplo, em sua luta contra Nestório subornou pesadamente a Corte e aterrorizou a cidade de Efeso com uma guarnição privada de monges. Cirilo era temperamental nos seus métodos por causa de seu ardoroso desejo de ver o lado certo triunfar; e se os cristãos foram as vezes amargos, foi porque estavam preocupados com a fé cristã. Talvez a desordem seja melhor do que a apatia. A Ortodoxia reconhece que os Concílios foram realizados por homens imperfeitos, mas ela acredita que estes homens imperfeitos foram guiados pelo Espírito Santo.

O bispo bizantino não era apenas uma figura distante que participava dos Concílios; ele agia também em muitos casos como um verdadeiro pai para seu povo, um amigo e protetor em quem as pessoas confiavam quando tinham algum problema. A preocupação com os pobres e oprimidos que João Crisóstomo demonstrava é encontrada também em muitos outros. São João o "Doador de Esmolas," Patriarca de Alexandria (morto em 619), por exemplo, doou toda a riqueza de sua sé para ajudar aqueles a que ele chamava "meus irmãos, os pobres." Quando seus próprios recursos acabaram, ele pediu a outros: "Ele costumava dizer," um conceito contemporâneo, "que se, sem rancor, alguém tirar a camisa do rico para dar aos pobres, não estaria errado." "Aqueles que você chama pobres e pedintes," João dizia, "estes eu declaro meus mestres e ajudantes, pois apenas eles, podem realmente nos ajudar e nos conceder o reino do céu." A Igreja no Império bizantino não deixava de cuidar de suas obrigações sociais, e uma de suas funções principais era com obras de caridade.

O monasticismo teve um papel decisivo na vida religiosa de Bizâncio, da mesma forma que em todos os países ortodoxos. Tem-se dito corretamente que "o melhor modo de penetrar na espiritualidade ortodoxa é fazê-lo por meio do monasticismo." "Existe uma grande variedade de formas de vida espiritual a serem encontradas nos limites da ortodoxia, mas o monasticismo continua a ser a mais clássica de todas." A vida monástica, como instituição definitiva, surgiu primeiro no Egito, no inicio do século IV, e de lá espalhou-se rapidamente pela cristandade. Não é coincidência que o monasticismo tenha se desenvolvido imediatamente após a conversão de Constantino, no tempo que as perseguições cessaram e o cristianismo tornou-se moda. Os monges, com sua austeridade eram mártires numa época em que o martírio de sangue já não existia mais; formavam o contra — peso do cristianismo estabelecido. As pessoas na sociedade bizantina corriam o perigo de esquecer que Bizâncio era um ícone e um símbolo, não a realidade; corriam o risco de identificar o reino de Deus com um reino terrestre. Os monges com sua saída da sociedade para o deserto preenchiam um ministério profético e escatológico na vida de Igreja. Eles lembravam aos cristãos que o reino de Deus não é deste mundo.

O monasticismo tomou três formas principais, todas apareceram no Egito por volta de 350 DC, e todas subsistem até hoje na Igreja Ortodoxa. Existe primeiro os eremitas, homens vivendo uma vida solitária em cabanas ou cavernas, e mesmo em tumbas, troncos de árvores ou topo de colunas. O grande modelo de vida eremita é o próprio pai do monasticismo. Santo Antônio do Egito (251 — 356). Em segundo existe a vida comunitária, onde monges moram juntos sob um regulamento comum e num mosteiro constituído regularmente. Aqui o grande pioneiro foi São Pacomio do Egito (286 — 346), autor de um regulamento usado por São Benedito no ocidente. Basílio o Grande, cujos escritos ascéticos exerceram influência na formação do monasticismo ocidental, era um forte defensor da vida comunitária. Dando ênfase social ao monasticismo, ele recomendava com insistência que as casas religiosas deviam cuidar dos doentes e dos pobres, mantendo hospitais e orfanatos, e trabalhando diretamente para o benefício da sociedade de um modo geral. Mas em geral o monasticismo oriental tem sido muito menos voltado a um trabalho ativo do que o ocidental, na Ortodoxia a principal tarefa de um monge é orar e é através disso que ele ajuda os outros. O importante não é tanto o que o monge faz, mas o que ele é. Finalmente existe uma forma de vida monástica intermediária entre estas duas, a vida semi-eremita, um "meio termo" onde ao invés de uma única comunidade altamente organizada existe um grupo disperso em uma pequena colônia, cada colônia abriga de dois a seis irmãos morando juntos e sob a orientação de um mais velho. Os grandes centros de vida semi-eremita no Egito foram Nítria e Setis, que ao final do quarto século haviam produzido muitos monges ilustres — Ammon fundador de Nítria, Macário do Egito e Macário de Alexandria, Evagrio Pôntico e Arsênio o Grande. (Este sistema semi-eremita não é encontrado apenas no oriente, mas também no extremo ocidente, no monasticismo celta).

Por causa de seus mosteiros, o Egito no século IV era considerado a Segunda Terra Santa, e viajantes para Jerusalém achavam sua peregrinação incompleta se não incluíam as casas ascéticas do Nilo. Nos séculos V e VI a liderança dos movimentos monásticos transferiu-se para a Palestina, com São Eutímio o Grande (morto em 473) e seu discípulo São Sabbas (morto em 532). O mosteiro fundado por São Sabbas no vale do Jordão representa uma história ininterrupta até os dias de hoje; era a esta comunidade que João Damasceno pertencia. Quase tão antiga é uma outra casa importante com uma história ininterrupta até o presente, o mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, fundado pelo Imperador Justiniano (reinou de 527-565). Com a Palestina e o Sinai nas mãos dos árabes, a proeminência monástica no Império bizantino passou para o imenso mosteiro de Studium em Constantinopla, originalmente fundado em 463; São Teodoro foi abade lá e fez uma revisão do regulamento da comunidade.

Desde o século X o centro mais importante de monasticismo ortodoxo é Athos, uma península rochosa ao Norte da Grécia que se projeta no Mar Egeu e culminando com um pico de 2033 metros de altura. Conhecido como a "Montanha Santa," Athos abriga vinte mosteiros "regulares" e um grande número de casas menores, assim como eremitérios; toda a península é inteiramente cedida para estabelecimentos monásticos, e nos dias de sua maior expansão diz-se que contava com aproximadamente quarenta mil monges. Apenas um dos vinte mosteiros regulares, produziu sozinho 26 Patriarcas e 144 bispos; isto nos dá uma idéia da importância de Athos na história ortodoxa.

Não existem "Ordens" no monasticismo ortodoxo. No ocidente um monge pertence a Ordem cartusiana, cisteciana ou qualquer outra Ordem; no oriente ele é apenas um membro de uma grande irmandade que inclui todos os monges e monjas, embora, é claro, ele esteja ligado a um mosteiro particular. Escritores ocidentais às vezes referem-se aos monges ortodoxos como "monges Basílios" ou "monges da Ordem Basília," mas isto não é correto. São Basílio é uma figura importante no monasticismo ortodoxo, mas não fundou Ordem alguma, e embora duas de suas obras sejam conhecidas como Regras Maiores e Regras Menores, não são de forma alguma comparáveis às Regras de São Benedito.

Uma figura característica no monasticismo ortodoxo é o "ancião" ou "homem velho" (no grego geron; no russo staretz, no plural startsi). O ancião é um monge de discernimento espiritual e sabedoria, a quem os outros — monges ou pessoas de fora — adotam como seu guia e diretor espiritual. Ele é as vezes um padre, mas freqüentemente um monge leigo; ele não recebe ordenação especial ou indicação para o trabalho de presbítero, mas é dirigido a ele pela inspiração direta do Espirito. O ancião vê de um modo prático e concreto qual é o desejo de Deus em relação a cada pessoa que vem consultá-lo: este é o dom especial do ancião ou carisma. O mais antigo e mais celebrado dos startsi monásticos foi Santo Antônio. A primeira parte de sua vida, de dezoito aos cinqüenta e cinco anos, passou-a em retiro e na solidão; então, embora ainda vivendo no deserto, abandonou esta vida de clausura total e começou a receber visitantes. Um grupo de discípulos reuniu-se em torno dele, e além desses discípulos havia um grande círculo de pessoas que vinham freqüentemente de longa distância pedir seus conselhos; tão grande era o volume de visitas que, como escreveu Atanásio o biógrafo de Antônio, tornou-se o médico de todo o Egito. Antônio teve muitos sucessores, e na maioria deles encontra-se o mesmo modelo exterior de eventos — um retiro para retornar. Um monge deve primeiro retirar-se, e em silêncio deve aprender a verdade a seu respeito e a respeito de Deus. Então, após essa longa e rigorosa preparação na solidão, tendo recebido os dons do discernimento necessários a um ancião, ele pode abrir a porta de sua cela e receber o mundo do qual ele anteriormente fugiu.

No centro da política Cristã de Bizâncio existia a figura do Imperador, que não era um regente comum, mas o representante de Deus na terra. Se Bizâncio era um ícone da Jerusalém celeste, então a monarquia terrestre do imperador era uma imagem ou ícone da monarquia de Deus no céu; na igreja os homens prostravam-se diante do ícone de Cristo, e no palácio diante do ícone vivo de Deus — o Imperador. O palácio labiríntico, o elaborado cerimonial da corte, a sala do trono onde leões mecânicos rugiam e pássaros cantavam: tais coisas foram elaboradas para deixar claro o status de vice-regente de Deus do Imperador. "Por tais meios," escreveu o Imperador Constantino VII o Porfirogênito, "nós representamos o movimento harmonioso de Deus Criador em seu universo, enquanto o poder imperial é preservado em harmonia e ordem." O Imperador tinha um lugar especial no rito da Igreja: não podia é claro celebrar a eucaristia, mas recebia comunhão "como os padres," pregava sermões, em certas festas incensava o altar. As vestimentas que os bispos ortodoxos usam hoje em dia são as vestes usadas outrora pelo Imperador na igreja.

A vida em Bizâncio formava um todo uniforme, e não havia uma linha rígida de separação entre religiosos e seculares, entre Igreja e Estado: ambos eram vistos como partes de um mesmo organismo. Mesmo que fosse inevitável o Imperador ter uma participação ativa nos assuntos da Igreja. Ao mesmo tempo não é justo acusar Bizâncio de cesaropapismo, de subordinar a Igreja ao Estado. Embora Igreja e Estado formassem um mesmo organismo, dentro deste organismo único havia dois elementos distintos, o presbiterado (sacerdotium) e o poder imperial (imperium); e mesmo trabalhando em total cooperação, cada um desses elementos tinha sua esfera própria na qual era autônomo. Entre os dois havia "sinfonia" ou "harmonia," mas nenhum elemento exercia controle absoluto sobre o outro.

Esta é a doutrina explicada no grande código da lei bizantina redigida sob Justiniano (veja o sexto apêndice) e repetida em vários outros textos bizantinos. Tome por exemplo as palavras do Imperador João Tzimices: "Reconheço duas autoridades, clero e império; o Criador do mundo confiou ao primeiro a guarda das almas e ao segundo o controle dos corpos dos homens. Não permita que nenhuma autoridade seja atacada e o mundo gozará de prosperidade." Assim era tarefa do Imperador convocar concílios e fazer suas decisões serem cumpridas, mas estava além de seus poderes ditar o conteúdo de tais decretos; cabia aos bispos reunidos nos concílios a decisão do que significava a verdadeira fé. Os bispos foram indicados por Deus para ensinar a fé, enquanto o Imperador era o protetor da Ortodoxia, não seu expoente. Assim era a teoria, assim na maioria das vezes foi praticado. Devemos admitir que houve ocasiões nas quais o Imperador interferia injustificadamente em assuntos eclesiásticos; mas quando surgia uma questão de base, as autoridades da Igreja mostravam rapidamente que tinham vontade própria. O iconoclasmo, por exemplo, foi vigorosamente defendido por toda uma série de Imperadores, e, apesar disso, foi com sucesso rejeitado pela Igreja. Na história bizantina a Igreja e o Estado eram bastante interdependentes, mas nenhum era subordinado ao outro.

Existem muitos hoje em dia, não apenas fora mas também dentro da Ortodoxia, que criticam duramente o Império bizantino e o conceito de sociedade cristã que ele representava. Mas estavam os bizantinos totalmente errados? Eles acreditavam que Cristo, que havia vivido na terra como homem, havia redimido cada aspecto da existência humana, e sustentavam que isto havia portanto tornado possível batizar não apenas indivíduos, mas todo o espírito e organização da sociedade. Assim esforçaram-se para criar uma política inteiramente Cristã em seus princípios de governo e em suas vidas diárias. Bizâncio de fato não era nada além de uma tentativa de aceitar e de aplicar todas as implicações da Encarnação. Certamente esta tentativa tinha seus perigos: em particular os bizantinos sempre caíram no erro de identificar o reino terrestre de Bizâncio com o Reino de Deus, o povo grego com o povo de Deus. Certamente Bizâncio estava bastante aquém dos altos ideais em que se colocava, e suas falhas foram freqüentemente lamentáveis e desastrosas. As histórias da crueldade, violência e duplicidade de Bizâncio são bastante conhecidas para serem repetidas aqui. Elas são verdadeiras — mas são apenas parte da verdade. Pois atrás de todas as falhas de Bizâncio pode-se sempre discernir a grande visão na qual os bizantinos se inspiravam: fundar aqui na terra um ícone vivo do governo de Deus no céu.

 

Bizâncio:

O Grande Cisma.

"Não nos tornamos diferentes. Ainda somos os mesmos do Século VIII... Ah, se vocês pudessem concordar em ser uma outra vez o que já foram, quando éramos um na fé e na comunhão!" (Alexis Khomiakov).

 

A desavença entre a Cristandade Oriental e Ocidental.

Numa tarde de verão do ano de 1054, quando estava prestes a começar um ofício na Igreja de Santa Sophia, em Constantinopla, o Cardeal Humberto e outros dois enviados do Papa entraram na igreja e se encaminharam em direção ao santuário. Não tinham vindo orar. Puseram uma Bula de Excomunhão sobre o altar e, com passos decididos, saíram do santuário. Quando passaram pela porta oeste o Cardeal sacudiu a poeira de seus pés, enquanto proferia estas palavras: "Que Deus veja e julgue." Um diácono correu atrás dele desesperado e lhe implorou que levasse consigo a Bula. O Cardeal se recusou a fazê-lo e a Bula foi jogada na rua.

Convencionalmente considera-se que este incidente marcou o inicio do grande cisma entre o oriente ortodoxo e o ocidente romano. O cisma, no entanto, como reconhecem os historiadores de hoje, não é de fato, um acontecimento cujo começo possa ser estabelecido numa data exata.

Foi algo que aconteceu gradativamente, como resultado de um processo longo e complicado, que começou muito antes do século XI e que só terminou um pouco depois daquela época. Influencias diversas contribuíram para tal. O cisma condicionou-se a fatores culturais, políticos, e econômicos. No entanto sua causa fundamental não foi secular, mas sim teológica. Em última analise, foi por causa de assuntos doutrinais que o oriente e o ocidente se desentenderam — dois deles em particular: a primazia do Papa e o filioque. Antes de considerarmos mais de perto estas duas diferenças principais ou verdadeiro curso que o cisma tomou, devemos dizer algo sobre o pano de fundo em que ele se desenrolou. Bem antes de haver um cisma claro e formal entre o oriente e o ocidente os dois lados haviam se tornado estranhos um ao outro. Ao tentarmos compreender porque a unidade da Cristandade foi rompida, devemos começar por este crescente afastamento.

Quando Paulo e outros apóstolos viajavam pelo mundo mediterrâneo, eles se deslocavam através de uma forte unidade política e cultural, o império romano. Este império era formado por muitos grupos étnicos diferentes, que freqüentemente tinham línguas e dialetos próprios. Todos eles, no entanto, eram governados pelo mesmo imperador. Havia uma extensa civilização grego-romana que era compartilhada pelas pessoas cultas em todas as regiões do império. Entendia-se ou o grego ou o latim em quase todo o império e muitos sabiam falar ambas as línguas. Tais fatos contribuíram muito para a Igreja primitiva em seu trabalho missionário.

Porém, nos séculos seguintes, a unidade do mundo mediterrâneo desapareceu gradativamente. A unidade política foi a primeira a desaparecer. A partir do final do século III o império, ainda que teoricamente uno, estava geralmente dividido em duas partes, o ocidente e o oriente. Constantino levou mais longe este processo de separação ao fundar uma segunda capital no oriente, ao lado da velha Roma na Itália. Depois vieram as invasões dos bárbaros no começo do século V. Com exceção da Itália, que em sua maior parte continuou a fazer parte do império por mais algum tempo, o ocidente foi dividido entre os chefes bárbaros. Os bizantinos jamais se esqueceram dos ideais de Roma sob os governos de Augusto e Trajano e ainda consideravam seu império universal, o que se dava apenas teoricamente. Justiniano foi, porém, o último imperador que se esforçou seriamente em acabar com a distância entre a teoria e os fatos. Suas conquistas no ocidente foram logo abandonadas. A unidade política entre o oriente grego e o ocidente romano foi destruída pelas invasões dos bárbaros e jamais foi plenamente restabelecida.

A separação foi levada a um estágio mais sério pela ascensão do Islã. O mediterrâneo, que outrora havia sido chamado de Mare Nostrum pelos romanos, passava agora, em grande parte, ao controle dos árabes. Os contatos culturais e econômicos entre o oeste e o leste do mediterrâneo nunca cessaram completamente, mas se tornaram bem mais difíceis.

Desligado de Bizâncio, o ocidente tratou de estabelecer o seu próprio Império "Romano." No dia de natal do ano de 800, o Papa coroou Carlos Magno, rei dos francos, imperador. Carlos Magno procurou, em vão, o reconhecimento do imperador de Bizâncio. Os bizantinos, que ainda acreditavam no princípio da unidade do império, viam Carlos Magno como um intruso e sua coroação feita pelo Papa, como um ato cismático dentro do império. A criação de um Império romano cristão no ocidente, ao invés de unir a Europa, serviu tão somente para separar ainda mais o oriente e o ocidente.

A unidade cultural ainda persistiu, mas de uma maneira bem mais atenuada. Tanto no oriente quanto no ocidente os homens cultos ainda viviam dentro da tradição clássica que a Igreja havia assumido e adotado. Com o passar do tempo, porém, começaram a interpretar esta tradição de maneira cada vez mais divergente. A situação se tornou ainda mais difícil por questões relacionadas a língua. Havia chegado ao fim a época em que as pessoas cultas eram bilíngües. No ano de 450 havia poucos na Europa que soubessem ler grego e depois de 600, embora Bizâncio ainda se intitulasse Império Romano, era raro um bizantino que falasse latim, a língua dos romanos. Photius, o maior erudito de Constantinopla no século IX não sabia ler latim e, em 864 um imperador "romano" de Bizâncio, Miguel III, chegou a chamar a língua na qual Virgílio escreveu, de "uma língua bárbara." Se os gregos queriam ler obras em latim ou os romanos em grego, eles só tinham acesso a traduções e geralmente não se preocupavam em ler nem mesmo estas. Psellus, um eminente erudito grego do século XI tinha uma noção tão precária da literatura latina que confundia César com Cícero. Isto porque não se inspiravam mais na mesma fonte nem liam os mesmos livros. O oriente grego e o ocidente romano se distanciavam cada vez mais.

Foi um precedente funesto porém significativo que a renascença cultural da corte de Carlos Magno tinha sido marcada desde o início por um forte preconceito contra a cultura grega. A hostilidade e a provocação da parte do império romano do ocidente em relação a Constantinopla se estendia para além do campo político atingindo o campo cultural. Os homens cultos da corte de Carlos Magno não tencionavam imitar Bizâncio, mas procuravam criar uma nova civilização cristã que fosse sua própria. Na Europa do século IV havia existido uma única civilização cristã. No século XIII havia duas. Talvez tenha sido no reinado de Carlos Magno que o cisma entre estas duas civilizações tenha primeiro se tornado claro.

De sua parte, os bizantinos ficaram fechados no seu próprio mundo e pouco fizeram para se aproximar do ocidente. Ao contrário do que acontecia no século IX e em séculos posteriores eles não levavam o conhecimento ocidental a sério como ele merecia. Eles simplesmente rejeitavam todos os "francos" como bárbaros.

Estes fatores culturais e políticos com certeza afetavam a vida da Igreja e tornavam mais difícil manter a unidade religiosa. O afastamento cultural e político pode facilmente levar a contendas de caráter eclesiástico, como podemos constatar no caso de Carlos Magno. Não tendo sido reconhecido na esfera política pelo imperador bizantino, logo retaliou com uma acusação de heresia contra a Igreja bizantina. Denunciou os gregos por não usarem o filioque no Credo (falaremos mais sobre isto em seguida) e recusou-se a aceitar as decisões do 7o Concílio Ecumênico; é verdade que Carlos Magno só soube destas decisões através de uma tradução mal feita que distorcia seriamente seu sentido verdadeiro. De qualquer modo, ele parece ter sido um semi-iconoclasta quanto às suas posturas.

A situação política distinta no leste e no oeste fez com que a Igreja assumisse formas externas diferentes, de modo que gradativamente passou-se a pensar na hierarquia da Igreja de maneira conflitante. Desde o começo tinha havido uma ênfase quanto a isto no oriente e no ocidente. No oriente havia muitas igrejas cuja base remontava aos apóstolos; havia um forte sentido de igualdade entre todos os bispos quanto a natureza conciliar e colegial da Igreja. O oriente reconhecia o Papa primeiro entre iguais. No ocidente, por outro lado, havia só uma grande sé que reivindicava para si a sucessão apostólica — Roma — donde passou a ser vista como a sé apostólica. O ocidente, mesmo aceitando as decisões dos Concílios Ecumênicos, não tinha um papel muito ativo nos mesmos. A Igreja era vista mais como uma monarquia — a do Papa — do que como um colegiado.

Esta diferença inicial de pontos de vista se tornou mais séria devido a acontecimentos políticos que se seguiram. Como era de se esperar, as invasões dos bárbaros e a conseqüente queda do império no ocidente serviram para tornar mais forte a estrutura autocrática da Igreja ocidental. No oriente havia um chefe secular muito poderoso — o imperador — para manter a ordem e fazer cumprir a lei. No ocidente, depois do advento dos bárbaros, havia um grande número de chefes guerreiros, todos eles, de um certo modo, usurpadores. Na maioria das vezes era o Papado sozinho que podia desempenhar o papel de centro de união, como um elemento de continuidade e estabilidade na vida política e espiritual da Europa ocidental. Por força das circunstâncias, o Papa assumiu um papel que os Patriarcas Gregos não foram chamados a fazer. Tornou-se um autocrata, um monarca absolutista, que se colocou acima da Igreja, expedindo ordens de um modo que poucos ou nenhum bispo do oriente jamais havia feito, não só quanto aos subordinados da Igreja mas também quanto as autoridades seculares. A Igreja no ocidente tornou-se centralizada a um ponto que era desconhecido em qualquer dos patriarcados no oriente (com exceção possivelmente no Egito). Monarquia no ocidente; no oriente um colegiado.

Não foi este também o único efeito que as invasões dos bárbaros tiveram na vida da Igreja. Em Bizâncio havia muitos leigos cultos que tinham um grande interesse em teologia. O teólogo leigo sempre foi uma figura aceita na Ortodoxia; alguns dos patriarcas bizantinos mais cultos — Photius, por exemplo — haviam sido leigos antes de serem escolhidos para o Patriarcado. No oeste, no entanto, a única educação efetiva que sobreviveu a "Idade das Trevas" era a que a Igreja dava ao clero. A teologia tornou-se privilégio dos padres, uma vez que a maior parte dos leigos era analfabeta, e não era capaz de entender as tecnicalidades de uma discussão teológica. A Ortodoxia, apesar de confiar ao episcopado a tarefa especial de educar, nunca conheceu uma divisão tão grande entre o clero e os leigos, como a que se deu na Idade Média no ocidente.

As relações entre os cristãos do leste e do oeste se tornaram ainda mais difíceis pela ausência de uma língua comum. Como os dois lados já não conseguiam se comunicar entre si com facilidade, ou ler o que o outro escrevera, apareceram freqüentes mal-entendidos em termos de teologia. Estes mal entendimentos pioravam ainda mais por causa das traduções mal feitas as quais se teme terem sido feitas deliberada e maliciosamente.

O leste e o oeste se tornavam estranhos um ao outro, o que era algo que provavelmente afetaria ambos os lados. Na Igreja primitiva tinha havido unidade na fé mas uma diversidade de escolas de teologia. Desde o início tanto o leste quanto o oeste haviam enfocado o mistério cristão cada um a sua maneira. O enfoque do ocidente era mais prático; o do leste mais especulativo. O pensamento romano foi influenciado por conceitos Jurídicos, pelos conceitos da lei romana, enquanto que os gregos viam a teologia, no contexto da adoração à luz da Liturgia Sagrada. Quando pensavam a Trindade os romanos o faziam pela unidade de Deus Pai, os gregos pela triunidade das Pessoas; quando refletiam sobre a crucificação, os romanos pensavam primordialmente no Cristo — vítima, os gregos, no Cristo — vencedor. Os romanos falavam mais da redenção; os gregos da deificação e assim por diante. Como aconteceu com as escolas de Antioquia e Alexandria no leste estes dois enfoques distintos não eram contraditórios em si; cada um serviu, como complemento do outro, e tinham seu próprio lugar na plenitude da tradição católica. Porém, agora que os dois lados estavam se tornando estranhos um ao outro — sem unidade política e com pouca unidade cultural, sem uma língua comum — havia o perigo de que cada lado seguisse seus pontos de vista isolados e que chegasse a extremos, esquecendo-se do valor que há em pontos de vista opostos.

Falamos dos diferentes enfoques dados à doutrina no leste e no oeste. Havia dois pontos doutrinais em relação aos quais os dois lados não se completavam mais, mas entravam em conflito direto — a primazia e a infalibilidade do Papa e o filioque. Dois fatores mencionados em parágrafos anteriores eram suficientes por si próprios para causar uma séria tensão quanto à unidade da cristandade. Apesar de tudo, a unidade da Igreja poderia ainda ter sido preservada se não tivessem havido duas outras questões difíceis. Devemos nos voltar para elas agora. Só na metade do século IX que o desentendimento em toda sua extensão veio à tona, mas as divergências entre os dois lados podem ser datadas bem mais cedo.

Já tivemos oportunidade de mencionar o Papado quando falamos das situações políticas distintas, no Oriente e no Ocidente; vimos como a estrutura centralizada e monárquica da Igreja do ocidente foi reforçada pelas invasões dos bárbaros. Porém, contanto que o Papa reivindicasse poder absoluto só no ocidente, Bizâncio não fazia qualquer objeção. Os bizantinos não se incomodavam que a Igreja do Ocidente fosse centralizada, contanto que o Papado não interferisse no leste. O Papa, no entanto, achava que sua jurisdição se estendia tanto até o Oriente quanto até o Ocidente. E logo que tentasse impor seu poder dentro dos Patriarcados do Oriente, problemas haveriam de surgir. Os ortodoxos deram ao Papa uma primazia de honra, mas não a primazia universal que ele achava que lhe era devida. O Papa considerava a infalibilidade uma prerrogativa sua; os ortodoxos diziam que em questões relacionadas a fé a decisão final cabia não ao Papa sozinho mas a um concilio representando todos os bispos da Igreja. Aqui temos duas concepções diferentes da organização externa da Igreja

Atitude ortodoxa quanto ao Papado é expressada admiravelmente por um escritor, do século XII, Nicetas, Arcebispo de Nicomédia:

"Amado irmão, nós não negamos à Igreja de Roma a primazia entre os cinco patriarcados irmãos; e reconhecemos seu direito ao mais honorável lugar num concílio ecumênico. Mas ela se separou de nós por seus próprios atos, quando, por orgulho, assumiu uma monarquia que não faz parte de seu ofício... Como haveremos de aceitar decretos seus que foram publicados sem sermos consultados ou mesmo sem termos conhecimento deles? Se o Pontífice romano, sentado no trono altivo de sua glória, deseja nos atacar, e, por assim dizer, das alturas "despejar" mandatos sobre nós, se deseja nos julgar ou nos governar e às nossas Igrejas, não se aconselhando conosco, mas por seu prazer arbitrário, que tipo de irmandade ou mesmo que tipo de parentesco pode haver? Seríamos os escravos e não os filhos de tal Igreja, e a Sé de Roma, não a mãe piedosa de seus filhos, mas uma rígida e imperiosa senhora de escravos."

Era assim que se sentia um ortodoxo no século XII quando toda a questão veio à tona. Em séculos anteriores a atitude dos orientais em relação ao Papado foi basicamente a mesma, embora tivesse sido ainda aguçada por controvérsias. Até o ano de 350 Roma e o Oriente evitaram um conflito aberto quanto a primazia e a infalibilidade do Papa. Mas a divergência do ponto de vista não era menos séria por estar parcialmente escondida.

A segunda grande dificuldade era o filioque . A disputa envolvia os termos sobre o Espírito Santo no Credo de Nicéia — Constantinopla. Originalmente o credo dizias "Eu creio no Espírito Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma gloria." Esta, que é a forma original, é recitada sem modificações no Oriente até hoje. Mas o ocidente acrescentou uma frase extra "e do Filho" (em latim "filioque") tanto que seu credo agora diz "que procede do Pai e do filho" Não é certo quando e onde este acréscimo foi feito primeiro, mas parece que se originou na Espanha, como uma defesa contra o arianismo. De qualquer modo a igreja espanhola inseriu o filioque no credo no terceiro Concílio de Toledo (589), se não antes. Da Espanha o filioque espalhou-se para a França, e dai para a Alemanha, onde foi bem recebido por Carlos Magno e adotado pelo concílio semi — iconoclasta de Frankfurth (794). Teriam sido escritores na corte de Carlos Magno que primeiro fizeram com que o filioque passasse a ser um assunto controvertido, acusando os bizantinos de heréticos por eles recitarem o credo em sua forma original. Mas Roma, com seu conservadorismo típico, continuou a usar o credo sem o filioque até o começo do século XI. Em 808 o Papa Leão III escreve numa carta para Carlos Magno, que embora ele mesmo achasse que o filioque procedia em termos doutrinais, ele considerava errado interferir nos termos do credo. Deliberadamente mandou inscrever o credo em placas de prata — sem o filioque — e as colocou na igreja de São Pedro. Até segunda ordem, Roma agiria como mediadora entre a Alemanha e Bizâncio.

Só depois de 850 que os bizantinos passaram a prestar atenção no filioque. Quando o fizeram sua reação foi muito crítica. A ortodoxia não concordou (e ainda não concorda) com este acréscimo no credo, por dois motivos. Primeiro, os concílios ecumênicos proibiram a introdução de quaisquer mudanças no credo; e no caso de qualquer acréscimo só um outro concílio ecumênico e ninguém mais tinha competência para fazê-lo. O Credo é propriedade de toda a Igreja, e uma parte dela não tem o direito de interferir nele. O ocidente, ao alterar arbitrariamente o credo, sem consultar o oriente é culpado contra a unidade da Igreja. Em segundo lugar, os ortodoxos acham o filioque teologicamente errado. Dizem que o Espírito procede somente do Pai e consideram uma heresia dizer que Ele também procede do Filho. Pode parecer a muitos que esta questão é tão obscura que chega a ser sem importância. Mas os ortodoxos diriam que uma vez que a doutrina sobre a Trindade é o cerne da fé cristã, uma pequena mudança de ênfase na teologia trinitária tem conseqüências enormes em muitos outros campos. O filioque não só destrói o equilíbrio entre as três pessoas da Trindade, mas também leva a uma falsa compreensão da ação do Espírito no mundo, estimulando a existência de uma doutrina falsa sobre a Igreja. (Dei aqui uma visão regular da ortodoxia sobre o filioque; Deve-se notar, no entanto, que certos teólogos ortodoxos consideram o filioque apenas um acréscimo não autorizado ao Credo, não necessariamente herético por si só.).

Além destas duas questões principais, as reivindicações do Papa e o filioque havia outros assuntos menos importantes quanto ao culto e à disciplina na Igreja que causaram problema entre o oeste e o leste — os Ortodoxos admitiam que o clero casasse, os romanos insistiam no celibato clerical; os dois lados tinham normas diferentes quanto ao jejum; os ortodoxos usavam pão fermentado na eucaristia, os romanos pão não fermentado ou "ázimo."

Or volta de 850 o leste e o oeste ainda se encontravam em total comunhão um com o outro e ainda formavam uma só Igreja. A divisão cultural e política haviam se juntado para causar um afastamento crescente, mas não havia um cisma claro. Os dois lados tinham uma concepção diferente da autoridade do Papa e confessavam o Credo de forma diferente, mas estas questões não haviam ainda sido trazidas à tona claramente.

Em 1190 Teodoro Balsamon, Patriarca de Antioquia e grande autoridade em direito canônico, tinha uma visão diferente dessas questões:

Há muitos anos (não diz quanto exatamente) a Igreja do Ocidente não comunga com os outros quatro patriarcados e tornou-se uma estranha para os ortodoxos. Portanto, nenhum católico romano deve receber a comunhão a não ser que primeiro declare que renega a doutrina e os costumes que o separam de nós e que se sujeitará aos cânones da Igreja, unido à Ortodoxia.

Aos olhos de Balsamon, a comunhão entre as igrejas havia sido afetada; havia um cisma claro entre o oriente e o ocidente. Os dois não formavam mais uma Igreja visível.

Nesta transição entre o período do afastamento entre o oriente e o ocidente até o cisma propriamente dito quatro incidentes tem importância especial; a disputa entre Photius e Nicolau I (geralmente conhecida como o cisma de Photius no ocidente; o oriente preferiria chama-lo do cisma de Nicolau); a questão dos dípticos em 1009; a tentativa de reconciliação em 1053 e suas conseqüências desastrosas; e as cruzadas.

 

Da desavença ao cisma: 858-1204.

Em 858, quinze anos depois do triunfo dos ícones com Theodora, o novo Patriarca de Constantinopla foi designado: Photius, conhecido na Igreja Ortodoxa como São Photius, o Grande, "o mais distinguido pensador, o mais conspícuo político, e o mais hábil diplomata que ocupou o cargo de Patriarca de Constantinopla" (G. Ostrogorsky, in History of the Byzantine State. p. 199). Logo depois de sua entronização envolveu-se numa disputa com o Papa Nicolau I (858-67). O Patriarca anterior, Santo Ignácio, fora exilado pelo Imperador e teve que renunciar sob pressão. Os partidários de Ignácio, recusando a validade desta renúncia, consideraram Photius um usurpador. Quando Photius enviou uma carta ao Papa anunciando sua ascensão ao trono, Nicolau decidiu que antes de reconhecê-lo ele investigaria melhor a querela entre o novo Patriarca e os seguidores de Ignácio. Em 861, ele enviou, para tanto, uma nunciatura a Constantinopla.

Photius não desejava de modo algum iniciar uma disputa com o Papado. Tratou os núncios com grave deferência, convidando-os a presidir num Concílio em Constantinopla, o qual deveria dirimir as dúvidas entre ele e Ignácio. Os núncios concordaram, e juntamente com os demais reunidos naquele Concílio, declararam que Photius era o legítimo Patriarca. Porém, quando retornaram a Roma, Nicolau declarou que eles tinham excedido seus poderes, e revogou a decisão deles. Então, ele próprio prosseguiu com o caso a partir de Roma: um Concílio reunido sob sua presidência em 863 reconheceu Ignácio o Patriarca, e condenou Photius à deposição de toda a dignidade clerical. Os bizantinos não tomaram conhecimento desta condenação, e não deram qualquer resposta às cartas papais. Assim, uma ruptura existia abertamente entre as Igrejas de Roma e Constantinopla.

A disputa envolvia claramente a primazia papal. Nicolau foi um grande reformador, com uma idéia exaltada sobre as prerrogativas de sua cátedra, e já havia feito muito para estabelecer um poder absoluto sobre todos os Bispos do Ocidente. Acreditava que esse poder se estenderia também sobre o Oriente, conforme escreveu em 865: o Papa é revestido de autoridade "sobre toda a Terra, isto é, sobre toda a Igreja." Isto era justamente o que os bizantinos não estavam preparados para conceder. Confrontado com a disputa entre Ignácio e Photius, Nicolau pensou ver aí uma oportunidade de ouro para reforçar sua pretensão à jurisdição universal: ele faria ambas as facções submeterem-se ao seu arbítrio. Mas, percebeu que Photius submetera-se voluntariamente ao Inquérito feito pelos núncios, não servindo seu ato como um reconhecimento da primazia papal. Os bizantinos, por sua vez, admitiam apelos a Roma, mas apenas sob as condições especificadas no Cânone III do Concílio de Sardica (343). Este Cânone afirma que um Bispo, diante de uma sentença de condenação, pode apelar para Roma, e o Papa, se lhe achar ganho de causa, pode ordenar uma revisão do processo; esta, entretanto, não deve ser conduzida pelo próprio Papa de Roma, mas pelos Bispos das províncias adjacentes àquela do Bispo condenado. Nicolau, assim pensavam os bizantinos, ao depor seus delegados e ordenar um julgamento em Roma, estava indo muito além do prescrito nesse Cânone. Consideraram seu comportamento indefensável e uma interferência anti-canônica nas questões de outro Patriarcado.

Logo, não só a primazia papal mas também o filioque passou a ser envolvido na disputa. Bizâncio e o Ocidente (principalmente os germânicos) estavam promovendo grandes ofensivas missionárias entre os eslavos. As duas linhas de avanço missionário, a do Ocidente e a do Oriente, logo convergiram; e quando missionários gregos e germânicos encontraram-se trabalhando na mesma região, foi difícil evitar um conflito, já que as duas missões pregavam princípios largamente díspares. O choque naturalmente trouxe à tona a questão do filioque, empregado pelos germânicos no Credo, mas não pelos gregos. O foco principal dos problemas foi a Bulgária, um país que tanto Roma quanto Constantinopla estavam ansiosos por anexar às suas esferas de jurisdição. Inicialmente o Khan Boris inclinou-se ao batismo dos missionários germânicos: ameaçado, entretanto, por uma invasão bizantina, mudou sua política e por volta de 865 aceitou o Batismo do clero grego. Mas Boris queria que a igreja da Bulgária se tornasse independente, e quando Constantinopla recusou-se a conceder- lhe autonomia, ele voltou-se para o Ocidente em busca de melhores termos. Com passe-livre na Bulgária, os missionários latinos prontamente detonaram um vasto ataque aos gregos, destacando os pontos em que a prática bizantina diferia da deles: o casamento do clero, as regras dos jejuns, e sobretudo o filioque. Em Roma, propriamente, este ainda não estava em uso, mas Nicolau deu apoio total aos germânicos quando insistiram na sua inserção no Credo na Bulgária. O papado, que em 808 mediara entre os germânicos e os gregos, já não era neutro.

Photius ficou naturalmente abalado com a extensão da influência germânica nos Bálcãs, Justo às portas do Império Bizantino; mas ficou muito mais alarmado com a questão do filioque, que se lhe apresentava forçosamente. Em 867, pôs-se em campo. Escreveu uma Encíclica aos outros Patriarcas do Oriente denunciando o filioque por completo e inculpando aqueles que o usavam de heresia. Photius tem sido freqüentemente culpado por ter escrito esta carta, como, por exemplo, pelo historiador católico romano Francis Dvornik, que considerou o ato um "ataque fútil (...) com conseqüências fatais." Mas, devemos lembrar que Photius não foi o primeiro a fazer do filioque um ponto de controvérsia: setenta anos antes, Carlos Magno e seus doutores deram início à controvérsia; o Ocidente atacou primeiro, não o Oriente. Photius terminou sua carta com a convocação de um Concílio em Constantinopla, o qual declarou o Papa Nicolau excomungado, nomeando-o "um herético que dizima as vinhas do Senhor."

Neste ponto crítico da disputa, toda a situação mudou subitamente. Naquele mesmo ano de 867, Photius foi deposto do Patriarcado pelo Imperador. Ignácio tornou-se Patriarca mais uma vez e a comunhão com Roma foi restaurada. Em 869-70, outro Concílio teve lugar em Constantinopla, conhecido como Concílio Anti-Photico, que condenou e anatematizou Photius, revertendo a decisão de 867. Este Concílio, reconhecido no Ocidente como o VIII Concílio Ecumênico, abriu com o inexpressivo número de doze Bispos, mas nas sessões subsequentes este número tinha subido para 103.

Mas ainda haveriam de acontecer mudanças. O Concílio de 869-70 requisitou ao Imperador uma solução para a Igreja da Bulgária, e não foi surpresa ele tê-la inscrito no Patriarcado de Constantinopla. Compreendendo que Roma lhe permitiria menos independência que Bizâncio, Boris acatou essa decisão. A partir de 870 os germânicos foram expulsos e não mais se ouviu o filioque no Credo da Bulgária. Mas, isso não era tudo. Em Constantinopla, Ignácio e Photius se reconciliaram, e quando Ignácio morreu em 877, Photius sucedeu-o novamente como Patriarca. Era 879 ainda um outro Concílio reuniu-se em Constantinopla, com a participação de 383 Bispos — um contraste notável com o magro total do Concílio Anti-Photico de dez anos antes. O Concílio de 869 foi anatematizado e todas as condenações a Photius foram retiradas; essas decisões foram aceitas sem protestos em Roma. De modo que Photius saiu-se vitorioso, reconhecido por Roma e senhor eclesial da Bulgária. O Papa de então, João VIII (871-882), compreendera o quão seriamente a política de Nicolau havia comprometido a unidade da Cristandade.

Photius, sempre honrado no Oriente como um santo, um líder da Igreja, e um teólogo, no passado foi olhado pelo Ocidente com menos entusiasmo, como autor de um cisma e nada mais. Suas boas qualidades agora são mais amplamente apreciadas. "Se estou certo em minhas conclusões," assim conclui o Dr. Dvornik em seu monumental estudo, "nós poderemos reconhecer em Photius um grande homem de Igreja, um humanista erudito, e um cristão genuíno, generoso o bastante para perdoar seus inimigos, e para dar os primeiros passos em direção à reconciliação." (O Cisma Phótico. p. 432). Na recente reapreciação histórica do cisma, nunca a mudança do veredicto dos escritores sofreu tal mudança como no caso de São Photius.

No começo do sec.XI houve novos problemas em torno do filioque. O papado afinal adotava a sua inclusão: na coroação do Imperador Henrique II em Roma, em 1014, o Credo foi cantado nessa forma interpolada. Cinco anos mais cedo, em 1009, o recém-eleito Papa Sérgio IV enviara uma carta a Constantinopla a qual continha o filioque, embora disto não se tenha certeza. Qualquer que seja a razão, o Patriarca de Constantinopla, também chamado Sérgio, não incluiu o nome do novo Papa nos Dípticos: listas, mantidas por cada Patriarca, nas quais inclui os nomes dos outros Patriarcas, vivos e defuntos, os quais reconhece como ortodoxos. Os Dípticos são um nítido sinal da unidade da Igreja, e omitir-se deles deliberadamente o nome de um homem é equivalente a declarar que este não está em comunhão consigo. Depois de 1009 o nome do Papa não mais figurou nos Dípticos de Constantinopla; tecnicamente, por isso, as igrejas de Roma e Constantinopla não estavam em comunhão desde essa data. Mas seria imprudente levar esta tecnicalidade muito longe. Os dípticos freqüentemente são incompletos, de tal sorte que não podem se constituir num guia infalível das relações eclesiais.

Enquanto o século onze prosseguia, novos fatores levaram as relações entre o Papado e os Patriarcas Orientais a uma crise maior.O século precedente fora um período de grave instabilidade e confusão para a Sé de Roma, um século que o Cardeal Baronius, com justiça, chamou de idade de ferro e conduziu à história do papado. Mas Roma agora reformava-se, e sob o governo de homens como Hildebrando (Papa Gregório VII) ganhou uma posição de poder no Ocidente como jamais atingira. O Papado restaurado naturalmente reavivou a pretensão à primazia universal de Nicolau. Os bizantinos, por seu lado, haviam se acostumado a tratar com um papado que fora durante a maior parte do tempo fraco e desorganizado, e assim acharam difícil adaptarem-se à nova situação. Os problemas ficaram piores devido a fatores políticos, tais como a agressão militar dos Normandos na Bizâncio Italiana, e as agressões comerciais das cidades marinhas italianas no Mediterrâneo Oriental durante os séculos XI e XII.

Em 1054 houve uma disputa séria. Os Normandos vinham forçando os gregos da Itália bizantina a se porem de acordo com os costumes latinos; o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerularius, em contrapartida, pedia que as igrejas latinas de Constantinopla adotassem as práticas gregas, e em 1052, quando essas recusaram, ele as fechou. Dentre as práticas latinas contra a que Miguel mais se opunha era a do uso dos ázimos, ou pão não-fermentado, na Eucaristia, um tema que não havia aparecido na disputa no sec.IX. Em 1053, porém, Cerularius assumiu uma postura algo mais reconciliatória e escreveu ao Papa Leão X oferecendo-se para restituir o nome dele aos Dípticos. Em resposta, e para solver as questões entre práticas gregas e latinas, Leão enviou, em 1054, três núncios a Constantinopla, sendo o chefe deles Humberto, Bispo de Silva Cândida. A escolha do Cardeal Humberto foi infeliz, pois tanto quanto Cerularius ele era homem de temperamento rijo e intransigente; o encontro dos dois não promoveria boa vontade entre os cristãos. Os núncios, quando compareceram diante de Cerularius, não deram uma impressão favorável a Cerularius. Lançando-lhe uma carta do Papa, retiraram-se sem as costumeiras saudações; a carta mesma, embora assinada por Leão, tinha sido, de fato, rascunhada, por Humberto, e era francamente hostil. Depois disso, o Patriarca recusou-se a ter outros encontros com os núncios. Por fim, Humberto perdeu a paciência e lançou uma Bula de Excomunhão contra Cerularius no altar da Igreja de Santa Sofia: dentre outras acusações mal fundadas desse documento, Humberto acusava os gregos de omitirem o filioque do Credo! Humberto deixou Constantinopla prontamente sem maiores explicações, e de volta à Itália, pintou os acontecimentos como uma grande vitória para Roma. Cerularius e seu sínodo retaliaram anatematizando Humberto. A tentativa de reconciliação deixou as coisas piores do que antes.

Mas mesmo depois de 1054 relações amistosas entre oriente e ocidente continuaram. As duas partes da Cristandade não estavam conscientes do profundo golfo que as separava, e homens de ambos os lados nutriam esperanças de que os desentendimentos se esclareceriam sem muitas dificuldades. A disputa permaneceu algo de que os Cristãos comuns, no oriente e no ocidente, não tinham consciência. Foram as Cruzadas que tornaram o cisma definitivo: elas introduziram um novo espírito de ódio e acrimônia, envolvendo até o povo na discórdia.

Do ponto de vista militar, no entanto, as Cruzadas começaram com grande impacto. Antioquia foi capturada dos turcos em 1098, Jerusalem em 1099: a primeira Cruzada foi um sucesso brilhante ainda que sanguinário.Tanto em Antioquia como em Jerusalém, os Cruzados começaram por empossar Patriarcas latinos. Em Jerusalém, isto era razoável, já que a cátedra estava vaga na época; e embora, nos anos que se seguiram, tenha existido uma sucessão de Patriarcas gregos em Jerusalém, vivendo exilados em Chipre, na Palestina mesma toda a população, grega e latina, de início aceitou o Patriarca Latino como cabeça. Um peregrino russo em Jerusalém em 1106-7 Abade Daniel Tchernigov, encontrou gregos e latinos rezando juntos em harmonia nos Lugares Sagrados, apesar dele ter notado com satisfação que na cerimônia do Santo Fogo as lâmpadas gregas foram acesas miraculosamente enquanto que as latinas tiveram que ser acendidas nas gregas. Mas em Antioquia os Cruzados encontraram um Patriarca grego de fato residente: logo depois, é verdade, ele retirou-se para Constantinopla, mas a população grega local não estava propensa a aceitar o Patriarca latino que os Cruzados colocaram no seu lugar. Assim, desde 1100, houve em Antioquia um cisma local. Depois de 1187, quando Saladim capturou Jerusalém, a situação na Terra Santa deteriorou: dois rivais, da própria Palestina, agora dividiam a população cristã, um Patriarca latino em Agra, e outro grego em Jerusalém. Roma estava muito longe, e se Roma e Constantinopla contendiam, que diferença isso podia fazer na prática de um cristão comum da Síria ou da Palestina? Mas, quando dois Bispos rivais reclamavam o mesmo trono e duas congregações hostis existiam na mesma cidade, o cisma tornava-se uma realidade imediata na qual fiéis comuns eram diretamente envolvidos.

Mas o pior estava por vir em 1204, com a tomada de Constantinopla na Quarta Cruzada. Os cruzados estavam originalmente com destino ao Egito, mas foram persuadidos por Alexius, filho de Isaac Angelus, o Imperador deposto de Bizâncio, a voltarem-se contra Constantinopla, a fim de restaurá-lo, e a seu pai, no trono. Esta intervenção ocidental na política bizantina não foi muito feliz, porque os cruzados, perderam a paciência e saquearam a cidade. "Mesmo os sarracenos são misericordiosos e gentis," protestou Nicetas Choniates, "comparados a esses homens que levam a cruz de Cristo em seus ombros." O que chocou os gregos mais do que qualquer outra coisa, foi a devassidão e o sacrilégio sistemático dos cruzados. Como podiam aqueles homens dedicados aos serviços de Deus, tratar as coisas de Deus daquela maneira? Ao verem os cruzados quebrarem em pedaços o altar e a iconostase da Igreja de Santa Sofia e colocar prostitutas no trono do Patriarca, os bizantinos devem ter sentido que aqueles que faziam essas coisas não eram cristãos, não no mesmo sentido que eles.

Constantinopolitana civitas diu profana.

‘Cidade de Constantinopla, de há muito profana.’ Assim cantavam os cruzados franceses de Angers, voltando para casa, levando as relíquias que haviam roubado. Podemos nos surpreender que os gregos depois de 1204 também olhassem os latinos como profanos? Os cristãos ocidentais ainda não compreendem quão profunda é a repulsa e quão duradouro o horror com que os ortodoxos consideram atos como o saque de Constantinopla pelos cruzados.

"Os cruzados não trouxeram a paz, mas a espada; e esta era para ferir a Cristandade" (S.Runciman, The Eastern Schism, p.101). As desavenças doutrinais de há muito eram agora reforçadas do lado grego por um ódio nacional intenso, por um ressentimento e uma indignação contra a agressão e o sacrilégio ocidentais. Depois de 1204 não pode haver dúvidas de que o Oriente e o Ocidente cristãos estavam separados.

Ao recontar a história do cisma, historiadores recentes enfatizam com razão a importância dos fatores "não-teológicos." Mas temas dogmáticos vitais também estavam envolvidos. Mesmo quando é feita total concessão a todas as dificuldades culturais e políticas, ainda permanecem verdadeiras as diferenças de doutrina — o filioque e a supremacia papal — que fizeram a separação entre Roma e a Igreja Ortodoxa, assim como são as diferenças doutrinais o que ainda impede sua reconciliação. O Cisma foi para ambas as partes "um comprometimento espiritual, uma tomada de posição consciente em matéria de fé" (V.Lossky, in Mystical Theology of the Eastern Church. p. 13).

Tanto a Ortodoxia quanto Roma acreditam estarem certas e seu opositor errado sobre esses pontos de doutrina; de modo que Roma e a Ortodoxia têm desde o Cisma reivindicado o ser a verdadeira Igreja. Não obstante, cada qual, deve olhar o passado, enquanto acreditando nas suas próprias causas, com tristeza e arrependimento. Ambos os lados devem reconhecer honestamente que poderiam e deveriam ter feito mais para evitar o cisma. Ambos os lados foram culpados de erros a nível humano. Os ortodoxos, por exemplo, devem acusar-se de orgulho e desdém com o qual, durante o período bizantino, encararam o ocidente; devem acusar-se de incidentes como a revolta de 1182, quando muitos residentes latinos em Constantinopla foram massacrados pelo populacho bizantino. (Muito embora não haja qualquer ação por parte de Bizâncio comparável ao saque de 1204). E cada lado, ao proclamar-se a única verdadeira Igreja, deve admitir que ela foi empobrecida enormemente com a separação. O oriente grego e o ocidente latino precisavam e ainda precisam um do outro. Para ambos os lados o Grande Cisma provou ser uma grande tragédia.

Duas tentativas de reunião;

A controvérsia hesicasta.

Em 1204 os cruzados estabeleceram um curto reinado em Constantinopla, que chegou ao fim em 1261 quando os gregos retomaram sua capital. Bizâncio sobreviveu por dois séculos mais, e esses anos experimentaram um renascimento cultural, artístico e religioso. Mas política e economicamente o restaurado Império Bizantino estava em estado precário, e encontrava-se mais e mais sem auxílio frente os exércitos turcos que o pressionavam do leste.

Duas tentativas importantes foram feitas para manter a união Cristã entre oriente e ocidente, a primeira no XIIIº e a segunda no XVº século. O espírito por trás da primeira tentativa foi Miguel VIII (reinou 1259-82), o Imperador que recuperou Constantinopla. Enquanto sem dúvida ele desejava sinceramente a união Cristã em bases religiosas, seu motivo era tabém político: ameaçado pelos ataques de Charles D’Anjou, Soberano da Sicília, ele precisava desesperadamente do apoio e proteção do Papa. Para se firmar no poder, ele pensou em recorrer ao Papado, de tal modo que um Concilio pela Unificação foi convocado em Lyon em 1274. Os delegados ortodoxos que aí compareceram concordaram em reconhecer a primazia do Papa e a recitar o Credo com o filioque. Mas, em Bizâncio, e nas outras regiões ortodoxas como a Bulgária, a unificação não foi aceita e a reação a ela pode ser resumida nas palavras da irmã do Imperador Miguel VII: "Melhor que o Império de meu irmão pereça, do que a pureza da fé ortodoxa." O sucessor de Miguel repudiou as decisões de Lyon e o Imperador, julgado por "apostasia," não recebeu sepultamento cristão.

Enquanto isso, Bizâncio continuava a viver numa atmosfera patrística, empregando as idéias e a linguagem dos Padres Gregos do sec.IV; no Ocidente, a tradição dos padres era substituída pela Escolástica, essa grande síntese entre filosofia e teologia elaborada nos séc. XII e XIII. Os teólogos ocidentais empregaram a partir dai novas categorias de pensamento, um método teológico novo e uma nova terminologia que o oriente não compreendia Os dois lados, numa extensão cada vez mais vasta, estavam perdendo o "universo de discurso" comum.

Bizâncio, por seu lado, também contribuiu para esse processo: aqui também houve desenvolvimento teológico em que o Ocidente não teve nem participação nem proveito, embora não houvesse nada tão radical quanto a revolução escolástica. Esse desenvolvimento teológico estava relacionado principalmente com a Controvérsia Hesicasta, uma disputa que despontou em Bizâncio no meio do séc.XIV, envolvendo a doutrina da natureza de Deus e os métodos de oração usados na Igreja Ortodoxa.

Para entender a Controvérsia Hesicasta nós precisamos recuar até a história remota da teologia mística do Oriente. As principais características dessa teologia mística foram elaboradas por Clemente (+253) e por Orígenes de Alexandria (+254), cujas idéias foram desenvolvidas pelos Capadócios do sec.XV, especialmente por Gregório de Nissa, e por Evágrio Pôntico (+399), um monge do deserto do Egito. Existem duas trilhas nessa teologia mística não exatamente opostas, mas certamente, à primeira vista, discrepantes: a "via da negação" e a "via da união." A primeira — teologia apofática como é chamada — fala de Deus em termos negativos. Deus não pode ser apreendido adequadamente pela razão humana; a linguagem humana, quando aplicada a Ele, é sempre inexata. Por conseguinte, é menos enganador empregar a linguagem da negação com relação a Deus do que a da afirmação — recusar dizer o que Deus é, e afirmar simplesmente o que Ele não é. É como Gregório de Nissa coloca: "O verdadeiro conhecimento e visão de Deus consiste nisto: em ver que Ele é invisível, porque o que buscamos está além de todo o conhecimento ficando inteiramente isolado pela escuridão da incompreensibilidade."

A teologia da negação alcança sua expressão clássica nos escritos de São Dinis, o Areopagita, convertido por Paulo em Atenas (atos, XVII, 34); mas na verdade os escritos são de um autor desconhecido que provavelmente viveu no final do século quinto e pertenceu a círculos simpáticos aos monofisitas. São Máximo, o Confessor (+662) compôs comentários aos seus escritos assegurando-lhes assim um lugar permanente na teologia ortodoxa. São Dinis teve também grande influência no Ocidente: calcula-se que foi citado 1760 vezes por São Tomás de Aquino na Suma Teológica, enquanto um cronista inglês do século quatorze registra que a Teologia Mística de São Dinis "corre pela Inglaterra como o cervo selvagem." A linguagem apofática de São Dinis foi repetida por muitos outros. "Deus é infinito e incompreensível," escreveu João Damasceno, "e tudo o que é compreensível sobre Ele é Sua infinitude e incompreensibilidade... Deus não pertence à classe das coisas existentes; não que Ele não tenha existência alguma, mas que Ele está acima de todas as coisas existentes — isto é, está mesmo acima da própria existência."

Essa ênfase na transcendência de Deus pareceria à primeira vista excluir qualquer experiência direta de Deus. Mas, na verdade, muitos daqueles que fazem amplo uso da teologia da negação — Gregório de Nissa, por exemplo ou Dinis, ou Máximo — também acreditavam na possibilidade de real união com a tradição dos místicos ou hesicastas (o nome hesicasta deriva da palavra grega hesychia, que significa silencioso. O hesicasta é aquele que em silêncio devota a sua vida ao recolhimento interior e à oração em segredo). Empregando a linguagem apofática da teologia da negação, esses autores pregavam a experiência imediata do Deus incognoscível, uma união pessoal com Ele que é inabordável. Como poderiam as duas vias se reconciliarem? Como pode ser Deus cognoscível e incognoscível a uma só vez?

Essa questão era pungente no século XIV, junto com a questão do papel do corpo na oração. Evágrio e Orígenes que emprestaram pesadamente do Platonismo, escreveram sobre a oração mais em termos intelectuais, sem admitir nenhum papel ao corpo do homem no processo de redenção e deificação.

Nas Homilias Macarias vemos, que o homem não é uma alma aprisionada num corpo, como no pensamento grego, mas um todo único e individualizado, alma e corpo juntos. Onde Evágrio fala de intelecto, Macário usa a idéia hebraica de coração, o que inclui o homem inteiro — não só o intelecto, mas vontade, emoção, e mesmo o corpo.

Empregando coração no sentido macárico, os ortodoxos freqüentemente falam de oração do coração. O que quer dizer esta expressão? Quando um homem começa a rezar, primeiro reza com os lábios, e tem que fazer um esforço intelectual consciente a fim de perceber o sentido do que está dizendo. Mas, se ele perseverar, orando continuamente com recolhimento, seu intelecto e seu coração se tornam unidos: ele "encontra o lugar do coração," seu espírito adquire o poder de "morar no coração," e assim sua oração se torna oração do coração." Ela se torna algo não apenas articulado pelos lábios, não apenas pensado pelo intelecto, mas oferecido espontaneamente por todo o ser do homem — lábios, intelecto, emoção, vontade e corpo. A oração preenche a consciência por completo, e não mais tem que ser empurrada para fora, mas ela própria se expressa a si mesma. Essa oração do coração não pode ser atingida pelos nossos próprios esforços, mas é um dom conferido pela graça de Deus.

Quando os escritores ortodoxos empregam o termo "oração do coração," eles geralmente têm em mente uma oração em particular, a oração de Jesus. Entre os escritores espirituais gregos, primeiro Diodocos da Fótica (meados do Séc. V) e depois São João Clímaco do Monte Sinai (579-649) recomendavam como uma forma especialmente válida de oração a repetição constante ou a lembrança do nome Jesus. Com o passar do tempo a Invocação cristalizou-se numa frase curta, conhecida como a oração de Jesus: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tem piedade de mim pecador" (Cf. oração do publicano, Lc. 18:13). Por volta do séc.XIII, senão antes, a recitação da oração de Jesus tornou-se ligada a certos exercícios físicos, elaborados para ajudar a concentração. A respiração era cuidadosamente regulada a tempo com a oração, e uma postura corporal particular era recomendada: cabeça inclinada, queixo repousado no peito, olhos fixos, no lugar do coração. Este é freqüentemente chamado "o método de oração hesicasta," mas não deve ser entendido que para os hesicastas esses exercícios físicos constituem a essência da oração. Eles eram encarados não como um fim em si mesmos, mas como uma ajuda na concentração — como um acessório útil para alguns, mas não obrigatório para todos. Os hesicastas sabiam que não pode haver nenhum método mecânico de adquirir a graça de Deus, e nenhuma técnica conduzindo automaticamente ao estado místico.

Para os hesicastas de Bizâncio, a culminância da experiência mística era a visão da Luz Divina e Incriada. Os trabalhos de São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022), o maior dos místicos bizantinos, estão repletos daquele "misticismo da Luz." Quando ele escreve sobre suas próprias experiências, ele a chama "fogo incriado e invisível, sem começo e imaterial." Os hesicastas acreditavam que essa luz que experimentavam era idêntica à Luz Incriada que os três discípulos viram ao redor de Jesus na Sua Transfiguração no Monte Tabor. Mas como seria a visão da Luz Divina reconciliada com a doutrina apofática de Deus, o transcendente e inabordável?

Já em pleno séc.XIV, Barlaão, o Calabrês, atacou os hesicastas dizendo que eles tinham uma visão por demais materialística da oração. A luz que os hesicastas contemplavam, em seu ponto de vista, não era a eterna luz da Divindade, mas uma luz criada e temporária.

A defesa dos hesicastas foi assumida por São Gregório Palamas (1296-1359), Arcebispo de Tessalônica. Ele sustentava uma doutrina do homem a qual permitia o uso dos exercícios físicos na oração, e argumentava, contra Barlaão, que os hesicastas de fato experenciavam a Luz Incriada e Divina do Tabor. Para explicar como isso era possível, Gregório desenvolveu a distinção entre a essência e as energias de Deus. Seus ensinamentos foram confirmados por dois Concílios reunidos em Constantinopla em 1341 e 1351.

Gregório começou por confirmar a doutrina bíblica do homem e da Encarnação. O homem é um todo único e individualizado; não apenas a mente do homem mas o homem inteiro foi criado à imagem de Deus. O corpo do homem não é um inimigo, mas um parceiro e um colaborador de sua alma. O Cristo, ao tomar um corpo humano pela Encarnação, fez "da carne uma fonte inexaurível de santificação." Aqui, Gregório retomou e desenvolveu as idéias implícitas em escritos anteriores, tais como as Homilias macarias; a mesma ênfase no corpo do homem, como vimos, está por trás da doutrina ortodoxa dos ícones. Gregório prosseguiu aplicando essa doutrina do homem aos métodos hesicastas de oração: os hesicastas, ele dizia, ao colocar tal ênfase no papel do corpo na oração, não são culpados de materialismo crasso, mas estão simplesmente mantendo-se fiéis à doutrina bíblica do homem como uma unidade. Cristo tomou carne humana e salvou o homem inteiro; por isso, é o homem inteiro — corpo e alma conjuntamente — que ora a Deus.

Daí, Gregório voltou-se para o problema principal: como combinar as duas assertivas, o homem conhece Deus e Deus é por natureza incognoscível? Gregório respondeu: nós conhecemos as energias de Deus mas não Sua essência. A distinção entre essência (ousia) e energia de Deus, remonta aos Padres Capadócios. "Nós conhecemos nosso Deus pelas Suas energias," escreveu São Basílio, "mas não alegamos que podemos chegar perto da Sua essência. Pois, Suas energias descem até nós, mas Sua essência permanece inabordável." Gregório aceitou essa distinção. Ele afirmava, tão enfaticamente como qualquer outro expoente da teologia da negação que Deus é em essência absolutamente incognoscível. "Deus não é uma natureza," escreveu, "pois Ele está acima de toda natureza; Ele não é um ser, pois está acima de todos os seres... nem uma única coisa dentre as que foram criadas terão jamais a menor comunhão com a suprema natureza, ou proximidade com ela." Mas, embora remoto em Sua essência, ainda assim, em Suas energias, Deus revelou-Se aos homens. Essas energias não são algo que existem em separado de Deus, nem um Dom que Deus confere aos homens: elas são o próprio Deus na Sua ação e revelação ao mundo. Deus existe completa e inteiramente em cada uma de Suas divinas energias. O mundo, como Gerard Manley Hopkins disse, é repleto da grandeza de Deus; toda a criação é uma gigantesca Sarça Ardente, permeada mas não consumida pelo inefável e assombroso fogo das energias de Deus.

É através dessas energias que Deus entra numa direta e imediata relação com a humanidade. Com relação ao homem, a energia divina não é de fato nada mais do que a graça de Deus; a graça não é só um ‘dom’ de Deus, não é só um objeto com que Deus reveste o homem, mas uma manifestação do próprio Deus vivo, uma confrontação pessoal entre criatura e Criador. "A Graça significa toda a abundância da natureza divina, na medida em que é comunicada ao homem." Quando dizemos que os santos foram transformados ou "deificados" pela graça de Deus, o que queremos dizer é que eles têm uma experiência direta do próprio Deus. Eles conhecem Deus — isto é, Deus em Suas energias, não na Sua essência.

Deus é Luz, e por isso a experiência das energias de Deus toma a forma de Luz. A visão que os hesicastas recebem é, conforme Palamas, não a visão de alguma luz criada, mas a própria Luz da divindade — mesma Luz da Divindade que envolveu Cristo no Monte Tabor. Essa Luz não é uma luz sensível ou material, mas pode ser vista com olhos físicos (tal como pelos discípulos na Transfiguração), já que quando um homem é deificado, suas faculdades corpóreas, assim como sua alma, são transformados. A visão dos hesicastas da Luz é, por isso, uma visão verdadeira de Deus em suas energias divinas; e eles estão corretos ao identificá-la com a Luz Incriada do Tabor.

Palamas, portanto, preservou a transcendência de Deus e evitou o panteísmo para o qual um misticismo sem reservas facilmente conduz; ainda, ele admitiu a imanência de Deus, Sua contínua presença no mundo. Deus permanece como o "Sagrado Outro," mas ainda assim, através das Suas energias (que são o próprio Deus) Ele entra em relação imediata com, o mundo. Deus é um Deus vivo, o Deus da história, o Deus da Bíblia, que se tornou Encarnado no Cristo.Barlaão, ao excluir todo conhecimento de Deus e afirmar que a Divina Luz é algo criado lançou um golfo muito largo entre Deus e o homem.A preocupação de Gregório ao opor-se a Barlaão era, portanto, a mesma de Atanásio e dos Concílios Gerais: salvaguardar a aproximação direta do homem a Deus sustentar a completa deificação do homem e sua inteira salvação. Aquela mesma doutrina presente nas disputas da Trindade, na Pessoa de Cristo, e nos santos Ícones, está também no coração da controvérsia Hesicasta.

‘No fechado mundo de Bizâncio,’ escreveu Dom Gregório Dix, ‘nenhum impulso surgiu depois do século sexto...o sono começou...no século nove, talvez ainda antes, no sexto’ As controvérsias bizantinas do século quatorze demonstram amplamente a falsidade de tal afirmação.Certamente, Gregório Palamas não era nenhum inovador revolucionário, mas firmemente enraizado nas tradições do passado; era também um teólogo criativo de primeira linha, e seu trabalho mostra que a teologia ortodoxa não cessou de estar ativa depois do sec.VIII e do Sétimo Concílio Ecumênico.

Entre os contemporâneos de Gregório Palamas houve o teólogo leigo Nicolau Cabasilas, que era simpático aos hesicastas, embora não intimamente envolvido na controvérsia. Cabasilas é o autor do Comentário sobre a Divina Liturgia. o qual se tornou o trabalho ortodoxo clássico sobre o assunto; ele também escreveu um tratado sobre os sacramentos entitulado A Vida em Jesus Cristo. Os escritos de Cabasilas são marcados por duas coisas em particular: um sentido vívido da pessoa do Cristo, "o Salvador," que, como ele coloca, "está mais perto de nós do que nossa própria alma"; e uma ênfase constante nos sacramentos. Para ele, a vida mística é essencialmente uma vida em Cristo e nos sacramentos. Há um perigo de que o misticismo se torne especulativo e individualista — divorciado da revelação histórica do Cristo e da vida corporativa da igreja com seus sacramentos; mas o misticismo de Cabasilas é sempre Cristocêntrico, sacramental, eclesial. Seus trabalhos mostram o quanto o misticismo e a vida sacramental estavam intimamente ligados na teologia bizantina. Palamas e o seu grupo não encaravam a oração mística como um meio de contornar a vida institucional normal da Igreja.

Um segundo Concílio para se tentar a reunificação das igrejas foi feito em Florença em 1438-1439, com a presença do próprio Imperador João VIII (reinou de 1425-1448) e do Patriarca de Constantinopla e uma grande delegação da Igreja Bizantina bem como representantes de outras Igrejas Ortodoxas. Houveram prolongadas discussões e um sério esforço de reunificação foi feito pelos dois lados para se atingir um verdadeiro acordo nos grandes pontos de disputa. Mas ao mesmo tempo era muito difícil para os gregos discutir teologia desapaixonadamente, pois eles sabiam que a situação política havia chegado ao ponto de desespero: a única esperança de derrotar os turcos residia na ajuda do ocidente. Eventualmente uma fórmula de união foi desenhada cobrindo o filioque, Purgatório, pão ázimo e questões papais; e isso foi assinado por todos os Ortodoxos presentes no Concílio exceto um- Marco, Arcebispo de Éfeso, mais tarde canonizado pela Igreja Ortodoxa. A União Florentina,se firmava em dois princípios básicos: unanimidade em questões de doutrina; respeito pelos ritos legítimos e pelas tradições peculiares a cada Igreja. De modo que os ortodoxos concordaram com a primazia papal ( apesar daqui o texto da fórmula de união ser vago e ambíguo), com o filioque, com os ensinamentos latinos sobre o Purgatório (a dissensão sobre este ponto só veio às claras no século XIII) e, quanto aos pães ázimos, não houve nenhuma exigência: os bizantinos poderiam continuar celebrando, com o pão fermentado.

Mas, a União de Florença, embora celebrada por toda a Europa ocidental, provou não ser mais real do que o acordo de Lyon. Mesmo João VIII e seu sucessor Constantino XI, não ousavam proclamar seu assentimento ao acordo. Muitos daqueles que assinaram o documento em Florença, ao chegarem em casa, revogaram suas assinaturas. Os decretos do Concílio nunca foram aceitos por mais do que uma fração mínima do povo e clero Bizantino O Grão-duque Lucas Notaras, ecoando as palavras da irmã do Imperador depois de Lyon, disse: "Eu preferia ver o turbante muçulmano no meio da cidade do que ver a mitra latina."

João e Constantino tinham esperado que a União de Florença asseguraria ajuda militar do ocidente, mas eles receberam uma ajuda muito pequena. Em 7 de abril de 1453 os turcos começaram a atacar Constantinopla por terra e por mar. Superados na proporção de mais de vinte por um os bizantinos mantiveram uma defesa brilhante mas inútil por sete longas semanas Nas primeiras horas da manhã do dia 29 de Maio o último ofício cristão era feito na catedral de Santa Sofia. Foi um serviço que uniu Ortodoxos e Católicos Romanos, pois nesse momento de crise os apoiadores e o oponentes da União Florentina esqueceram suas diferenças. O Imperador saiu depois de receber comunhão, e morreu lutando nas muralhas Mais tarde, no mesmo dia, a cidade caiu na mão dos turcos, e a mais gloriosa igreja da Cristandade tornou-se uma mesquita.

Era o fim do Império Bizantino. Mas, não era o fim do Patriarcado de Constantinopla, e muito menos o fim da Ortodoxia.

 

Conversão dos Eslavos.

"A religião da graça espalhou-se pela terra e finalmente atingiu o povo russo. O Deus gracioso que cuidou de todos os outros povos não mais nos negligenciou. É Seu desejo nos salvar e nos conduzir à razão" (Hilarião, Metropolita da Rússia, 1051-1054).

 

Cirilo e Metódio.

Para Constantinopla a metade do nono século foi um período de intensa atividade missioná-ria. A Igreja Bizantina, livre afinal da longa luta contra os iconoclastas, virou sua energia para a conversão dos Eslavos pagãos que estavam além das fronteiras do Império, ao norte e noroeste — morávios, búlgaros, sérvios e russos. Photius foi o primeiro Patriarca de Constantinopla a iniciar um trabalho missionário de larga escala entre os eslavos. Ele selecionou para a tarefa dois irmãos, gregos de Tessalônica, Constantino (826-869) e Metódio (815-885). Na Igreja Ortodoxa Constantino é usualmente chamado de Cirilo, nome que ele recebeu ao tornar-se monge. Conhecido na vida prévia como "Constantino o Filósofo," ele era o mais capaz entre os pupilos de Photius, e tinha familiaridade com uma grande linha de línguas, incluindo hebreu, árabe e até mesmo com o dialeto samaritano. Mas a qualificação especial que ele e seu irmão tinham era seu conhecimento de eslavônico: na infância eles aprenderam o dialeto dos eslavos nos entornos de Tessalônica, e eles podiam falar esse dialeto fluentemente.

A primeira jornada missionária de Cirilo e Metódio foi uma curta visita em torno de 860 aos Khazars, que viviam no norte da região do Cáucaso. Essa expedição não teve resultados permanentes, e alguns anos depois os khazars adotaram o judaísmo. O trabalho real dos irmãos começou em 863 quando eles foram para a Morávia (grosseiramente equivalente as atuais Tcheco e Eslováquia). Eles foram para lá atendendo ao apelo do Príncipe dessas terras, Rostislav, que pediu que missionários Cristãos fossem enviados, capazes de pregar para o povo em sua própria língua e de celebrar ofícios em eslavônico. Serviços em eslavônico requeriam as Sagradas Escrituras em eslavônico e livros de ofício em eslavônico. Antes que eles partissem para a Morávia os irmãos envolveram-se num enorme trabalho de tradução. Eles precisaram primeiro inventar um alfabeto eslavônico adequado. Em suas traduções os irmãos usavam a forma de eslavônico que lhes era familiar desde a infância, que era o dialeto macedônio falado pelos eslavos que viviam em torno da Tessalônica. Desse modo o dialeto dos eslavos macedônios tornou-se o Eslavônico da Igreja, que permanece até os dias de hoje a linguagem litúrgica da Igreja Russa e de algumas outras Igrejas Ortodoxas eslavônicas.

Não se consegue superavaliar a importância, para o futuro da Ortodoxia, das traduções para o eslavônico que Cirilo e Metódio levaram consigo quando deixaram Bizâncio para o norte desconhecido. Poucos eventos foram tão importantes na história missionária da Igreja. Desde o início os Cristãos eslavos gozaram de um precioso privilégio, que nenhum dos povos da Europa ocidental teve nessa época: eles ouviram o evangelho e os serviços numa língua que eles podiam entender. Diferentemente da Igreja de Roma no oeste com sua insistência no latim, a Igreja Ortodoxa nuca foi rígida em matéria de língua; sua política normal é celebrar os ofícios na língua do povo.

Na Morávia, assim como na Bulgária, a missão grega logo chocou-se com missionários alemães trabalhando na mesma área. As duas missões não só dependiam de Patriarcados diferentes, mas também trabalhavam com diferentes princípios. Cirilo e Metódio usavam eslavônico em seus ofícios, os alemães, latim, Cirilo e Metódio recitavam o Credo em sua forma original, os alemães introduziram o filioque. Para livrar sua missão da interferência alemã, Cirilo decidiu coloca-la sob a proteção imediata do Papa. A ação de Cirilo apelando a Roma mostra que ele não levava muito a sério a disputa entre Photius e Nicolau; para ele leste e oeste ainda estavam unidos como uma única Igreja, e não era uma questão de primária importância se ele dependia de Constantinopla ou de Roma, desde que ele pudesse continuar a usar o eslavônico nos ofícios da Igreja. Os irmãos viajaram para Roma em 868 e tiveram pleno sucesso em seu apelo. Adriano II, sucessor de Nicolau I, recebeu-os favoravelmente e deu total suporte para a missão grega, confirmando o eslavônico como a língua litúrgica da Morávia. Ele aprovou as traduções dos irmãos, e colocou cópias dos livros de ofícios em eslavônico nos altares das principais Igrejas da cidade.

Cirilo morreu em Roma (869), mas Metódio retornou à Morávia. É triste dizer isto, os alemães ignoraram a decisão do Papa e obstruíram Metódio de toda a forma possível, até colocando-o na prisão por mais de um ano. Quando Metódio morreu em 885, os alemães expeliram seus seguidores da Morávia, vendendo numerosos como escravos. Traços da missão eslavônica permaneceram na Morávia por mais dois séculos, mas foram finalmente erradicados; e o Cristianismo na sua forma ocidental, com cultura latina e língua latina (e lógico o filioque), implantou-se. A tentativa de fundar uma Igreja eslavônica nacional na Morávia resultou em nada. O trabalho de Cirilo e Metódio, então pareceu ter terminado em fracasso.

No entanto, de fato, não foi assim. Outros povos, para os quais os irmãos não pregaram pessoalmente, beneficiaram-se do trabalho deles, mais notavelmente búlgaros, sérvios e russos. Bóris, Khan da Bulgária, como já vimos, oscilou algum tempo entre o leste e o oeste, mas finalmente aceitou a jurisdição de Constantinopla. Os missionários bizantinos na Bulgária, no entanto, não tendo a visão de Cirilo e Metódio, de início usaram grego nos ofícios da Igreja, uma língua tão ininteligível como latim para o búlgaro comum. Mas depois de sua expulsão da Morávia, os discípulos de Metódio foram naturalmente para a Bulgária, e ali introduziram os princípios empregados na missão morávia. Grego foi substituído pelo eslavônico, e a cultura Cristã de Bizâncio foi apresentada aos búlgaros em forma eslavônica que eles podiam assimilar. A Igreja búlgara cresceu rapidamente. Em torno de 926, durante o reinado do Tsar Simeão o Grande (reinou 823-927), um Patriarcado Búlgaro independente foi criado, e foi reconhecido pelo Patriarcado de Constantinopla em 927. O sonho de Bóris — uma Igreja autocéfala própria — tornou-se realidade antes de meio século depois de sua morte.

Missionários bizantinos foram também para a Sérvia, que aceitou o Cristianismo na segunda metade do século nono, entre 867-874. A Sérvia também oscilou entre o Cristianismo do leste e o do oeste, mas depois de um período de incerteza segui o exemplo da Bulgária e não da Morávia, e aceitou a jurisdição. Também na Sérvia os livros de ofícios em eslavônico foram introduzidos e desenvolveu-se uma cultura eslavônica-bizantina. A Igreja Sérvia ganhou uma independência parcial sob São Savas (1176-1235), o maior dos santos nacionais sérvios, que em 1219 foi consagrado em Nicéia como Arcebispo da Sérvia. Em 1346 foi criado um Patriarcado Sérvio, que foi reconhecido pela Igreja de Constantinopla em 1375.

A conversão da Rússia também é devida ainda que indiretamente ao trabalho de Cirilo e Metódio, mas isso falaremos na próxima seção do livro. Com búlgaros, sérvios e russos como suas "crianças espirituais," os dois gregos inquestionavelmente merecem seu título, "Apóstolos dos Eslavos."

Outra nação Ortodoxa nos Balcãs, Romênia, tem uma história mais complexa. Os romenos, ainda que influenciados pelos seus vizinhos eslavos, são primariamente latinos em língua e caráter étnico. A Dácia, correspondendo a parte da moderna Romênia, foi uma província romana entre 106-271; mas as comunidades Cristãs ali fundadas nesse período parecem ter desaparecido depois da retirada romana. Parte do povo romeno aparentemente foi convertido ao Cristianismo pelos búlgaros no final do século nono ou começo do décimo século, mas a conversão completa dos dois principados romenos de Walaquia e Moldávia, só ocorreu no século catorze. Aqueles que pensam que a ortodoxia como sendo exclusivamente "do leste," com caráter grego e eslavo, deveriam prestar atenção no fato de que a Igreja Romena, a segunda maior Igreja Ortodoxa hoje em dia, é predominantemente latina.

Bizâncio conferiu dois presentes aos eslavos: um sistema completamente articulado de doutrina Cristã e uma civilização Cristã completamente desenvolvida. Quando a conversão dos eslavos começou no século nono, o grande período de controvérsias doutrinais, a era dos Sete Concílios, chegarem ao fim; as principais linha da fé — as doutrinas da Trindade e da Encarnação -já haviam sido trabalhadas, e foram entregues aos eslavos na sua forma definitiva. Talvez seja por isso que as Igrejas eslavônicas produziram poucos teólogos originais, sendo que as disputas religiosas que surgiram nas terras eslavônicas usualmente não foram de caráter dogmático. Mas essa fé na Trindade e na Encarnação não existiu num vácuo; com ela ia toda uma cultura e civilização, e isso também os missionários gregos trouxeram com eles de Bizâncio. Os eslavos foram Cristianizados e civilizados ao mesmo tempo.

Os gregos comunicaram essa fé e essa civilização não com uma roupagem estrangeira, mas sim com uma roupagem eslava (aqui as traduções de Cirilo e Metódio foram de capital importância); o que os eslavos tomavam emprestado de Bizâncio, a seguir eles eram capazes de fazer por si próprios. A cultura bizantina e a fé Ortodoxa se de início ficaram limitadas às classes dirigentes, com o tempo tornaram-se parte integral da vida diária do povos eslavônicos como um todo. A ligação entre a Igreja e o povo foi tornada ainda mais firme pelo sistema de se criar Igrejas nacionais independentes.

Certamente essa forte identificação da Ortodoxia com a vida do povo, e em particular o sistema de Igrejas nacionais, tiveram conseqüências desafortunadas. Porque Igreja e nação estiveram tão fortemente associados, os Ortodoxos eslavos freqüentemente confundiram as duas coisas e fizeram a Igreja servir aos fins de políticas nacionais; eles algumas vezes tenderam a pensar em sua fé como primariamente sérvia, russa, ou búlgara, e esqueceram que ela era primariamente Ortodoxa e Católica. Nacionalismo tem sido o veneno da Ortodoxia pelos últimos dez séculos. Apesar disso, a integração da Igreja e do povo provou no fim ser imensamente benéfica. O Cristianismo entre os eslavos tornou-se na verdade a religião de todo povo, uma religião popular no verdadeiro sentido. Em 1949 os comunistas da Bulgária editaram uma lei que definiu: "A Igreja Ortodoxa búlgara é na forma, na substância e no espírito uma Igreja Democrática Popular." Tire-se as palavras de suas associações políticas, e por trás delas está uma importante verdade.

 

O Batismo da Rússia: O período de Kiev (988-1237).

Photius fez também planos de converter os eslavos da Rússia. Em torno de 864 ele enviou um bispo paras a Rússia, mas essa primeira fundação Cristã foi exterminada por Oleg, que assumiu o poder em Kiev (a cidade mais importante da Rússia na época) em 878. A Rússia continuou no entanto a sofrer uma firme infiltração de Bizâncio, Bulgária e Escandinávia, e existiu certamente uma Igreja em Kiev em 945. A Princesa Russa Olga tornou-se Cristã em 955, mas seu filho Svyatoslav recusou-se a seguir seu exemplo, dizendo que sua comitiva riria dele se ele recebesse o batismo Cristão. Mas em 988 o neto da Princesa Olga, Vladimir (reinou 980-1015) converteu-se ao Cristianismo e casou com Ana, a irmã do Imperador Bizantino. A Ortodoxia tornou-se a religião de Estado da Rússia, e assim permaneceu até 1917. Vladimir pôs-se a Cristianizar seu reino com determinação: padres, relíquias, vasos sagrados, e ícones foram importados; batismos em massa eram feitos nos rios; Igrejas foram construídas e dízimos eclesiásticos foram instituídos. O grande ídolo do deus Perun, com sua cabeça de prata e seus bigodes de ouro, foi rolado ignominiosamente pela colina abaixo em Kiev. "As trombetas dos Anjos e os trovões dos Evangelhos soaram por todas as cidades. O ar estava santificado com incenso que ascendia para Deus. Mosteiros mostravam-se nas montanhas. Homens e mulheres, pequenos e grandes, todo povo enchia as santas igrejas" (citado de G. P. Fedorov, The Russian Religious Mind, p. 410). Assim o Metropolita Hilarião descreveu o evento sessenta anos depois, sem dúvida idealizando um pouco, pois a Rússia de Kiev não foi completamente convertida de uma vez ao Cristianismo, e a Igreja esteve no começo restrita principalmente as cidades, enquanto a maior parte do campo permaneceu pagã até os séculos catorze e quinze.

Vladimir colocou a mesma ênfase nas implicações sociais do Cristianismo como João o Misericordioso tinha feito. Qualquer comemoração na sua corte, tinha a seguir distribuição de comida para os pobres e doentes; em nenhum outro lugar da Europa medieval existiu tão altamente organizados tais "serviços sociais" como na Kiev do décimo século. Outros dirigentes da Rússia de Kiev seguiram o exemplo de Vladimir. O Príncipe Vladimir Monomachos (reinou 1113-1125) escreveu em seu Testamento para seus filhos: "Acima de todas as coisas não se esqueçam dos pobres, e suportemos até a extensão de vossos meios. Dêem para os órfãos, protejam as viúvas, e não permitam aos poderosos destruir ninguém" (citado em G. Vernadsky, Kievan Rússia, New Haven, 1948, p. 195). Vladimir estava também profundamente consciente da lei Cristã da misericórdia, e quando ele introduziu o código de leis bizantino em Kiev, ele insistiu em mitigar seus aspectos mais selvagens e brutais. Não existia pena de morte na Rússia de Kiev, mutilação, nem tortura; punição corporal era muito pouco (em Bizâncio a pena de morte existia, mas dificilmente era aplicada; a punição por mutilação, no entanto era empregada com freqüência aflitiva).

A mesma gentileza pode ser vista na história dos filhos de Wladimir, Boris e Gleb. Na morte de Wladimir, em 1015, o filho mais velho Svyatopolk tentou tomar os territórios dos irmãos mais novos Boris e Gleb. Obedecendo literalmente os mandamentos dos Evangelhos, eles não ofereceram resistência, apesar de que poderiam tê-lo feito facilmente; e cada um na sua vez foi morto pelos emissários de Svyatopolk. Se qualquer sangue tivesse que ser derramado, Boris e Gleb preferiram que fosse o deles próprio. Apesar deles não serem mártires pela fé, mas vítimas de uma disputa política, foram ambos canonizados, tendo recebido título especial de "suportadores da paixão." Foi sentido que pelo seu sofrimento voluntário e inocente eles partilharam da Paixão de Cristo. Os russos sempre deram ênfase para questões que resultavam sofrimento para aqueles que perseguiam a vida cristã.

Na Rússia de Kiev, em Bizâncio e no Oeste medieval, os mosteiros tiveram um papel importante. O mais influente de todos eles foi o de Petchersky Lavra, o Mosteiro das Grutas, em Kiev. Fundado por volta de 1051 por Santo Antonio, um russo que vivera no Monte Athos, ele foi reorganizado pelo seu sucessor São Teodosius (morto em 1074), que introduziu ali as regras do Mosteiro de Studium, em Constantinopla. Como Wladimir, Teodosius estava consciente das conseqüências sociais do Cristianismo e a isso aplicou-se de maneira radical, identificando-se fortemente com os pobres, muito como São Francisco de Assis no oeste. Boris e Gleb seguiram Cristo em sua morte sacrificial; Teodosius seguiu Cristo em sua vida de pobreza e "esvaziando-se" voluntariamente. De nascimento nobre, ele escolheu desde criança usar roupas grosseiras e remendadas e trabalhar nos campos com os escravos. "Nosso Senhor Jesus Cristo," ele dizia, "tornou-se pobre e humilhou-Se, oferecendo a Si próprio como um exemplo; portanto devemos nos humilhar em Seu nome. Ele sofreu insultos, cuspiram n’Ele, bateram n’Ele, para nossa salvação; sendo justo então que soframos para ganhar Cristo" (Nestor, "Life of Saint Theodosius," In G.P. Fedotov, A Treasury of Russian Spirituality, p 27). Mesmo usando roupas simples e rejeitando todos os sinais externos de autoridade, ele era honorável amigo e conselheiro de nobres e príncipes. O mesmo ideal de humildade é visto em outros, por exemplo o Bispo Lucas de Wladimir (morto em 1185) que, nas palavras de Vladimir Chronicle "carregou sobre si a humilhação de Cristo, não tendo uma cidade aqui, mas procurando uma cidade futura." É um ideal encontrado freqüentemente no folclore russo e em escritores como Tolstoi e Dostoyevsky.

Wladimir, Boris e Gleb e Teodosius foram intensamente preocupados com as implicações práticas dos Evangelhos: Wladimir preocupava-se com a justiça social e era seu desejo que os criminosos fossem tratados com misericórdia; Boris e Gleb preocupavam-se em seguir Cristo em seu sofrimento e morte voluntários; Teodosius identificava-se com os humildes. Esses quatro santos incorporam alguns dos mais atrativos aspectos do Cristianismo de Kiev.

A Igreja Russa, durante o período de Kiev, era submetida a Constantinopla e até 1237 os Metropolitas da Rússia eram usualmente gregos. Em memória dos dias quando o Metropolita vinha de Bizâncio, a Igreja Russa continua a cantar em grego a saudação solene a um bispo, eis polla eti, deposta (muitos anos, ó Mestre). Mas cerca de metade dos bispos eram russos nativos em Kiev nesse período, tendo entre eles, inclusive, um judeu convertido e um sírio.

Kiev gozava de boas relações não só com Bizâncio, mas também com a Europa Ocidental e certos aspectos na organização do começo da Igreja Russa, como os dízimos eclesiásticos, não eram bizantinos mas sim ocidentais. Muitos santos ocidentais que não aparecem no calendário bizantino eram venerados em Kiev. Numa oração para a Santíssima Trindade, composta na Rússia no século onze, lista santos ingleses como Albano e Botolfo, e um santo francês, São Martinho de Tours. Alguns escritores até mesmo argüiram que até 1054 a Cristandade Russa era tão latina quanto grega, mas isso é um grande exagero. A Rússia esteve mais perto do ocidente no período de Kiev do que em qualquer outro período, até o reinado de Pedro, o Grande. Mas a Rússia deve imensamente mais para a cultura bizantina do que para a cultura latina. Napoleão estava historicamente correto quando ele chamou o Imperador da Rússia, Alexandre I, de "um grego do Baixo Império."

É dito que o maior infortúnio da Rússia foi ela ter tido muito pouco tempo para assimilar a total herança espiritual de Bizâncio. Em 1237, a Rússia de Kiev foi levada para um súbito e violento fim pelas invasões mongóis; Kiev foi saqueada e a Rússia toda foi ocupada, exceto o extremo norte em torno da Noruega. Um visitante da corte mongol, em 1246, relata que ele não viu no território russo nem cidade nem vila, mas só ruínas e incontáveis caveiras humanas. Mas se Kiev foi destruída, o Cristianismo de Kiev permaneceu uma memória viva.

A Rússia de Kiev, como os dias dourados da infância, nunca foi apagada da memória da nação russa. Em seus escritos, que são trabalhados literários que transmitem de forma pura a religião ortodoxa, qualquer um pode (se desejar) matar sua sede religiosa; em seus veneráveis autores pode-se encontrar um guia para atravessar as complexidades do mundo moderno. A Cristandade de Kiev tem o mesmo valor para a mente religiosa russa como Pushkin para o senso artístico russo: aquele de um padrão, uma medida dourada, um caminho real (G. Iedotov, The Russian Religious Mind, pág. 412).

 

A Igreja Sob o Islam.

"A estável perseverança nesses nossos dias da Igreja Grega ... não obstante a opressão e o desprezo postos sobre ela pelos turcos e as atrações e prazeres desse mundo, é uma confirmação não menos convincente que os milagres e poder que estiveram presentes em seu começo, pois na verdade é admirável ver e considerar com que constância resolução e simplicidade homens pobres e ignorantes mantém sua fé" (Sir Paul Rycaut, The Present State of the Greek and Armenian Churches, 1679).

Imperium in império.

"É completamente antinatural ver-se o crescente exaltado por toda parte onde a Cruz esteve triunfante por longo tempo," assim escreveu Edward Browne, em 1677, logo após sua chegada como Capelão da Embaixada Inglesa em Constantinopla. Para os gregos em 1453 deve ter sido também completamente antinatural. Por mais de mil anos os homens consideraram o Império Cristão de Bizâncio garantido como um elemento permanente da economia providencial de Deus para o mundo. Agora a "cidade protegida por Deus" caiu, e os gregos estavam sob o comando dos infiéis.

Não foi uma transição fácil; mas ela foi facilitada pelos próprios turcos que trataram dos assuntos cristãos com notável generosidade. Os maometanos do século quinze eram muito mais tolerantes com o cristianismo do que os cristãos ocidentais eram uns com os outros durante a reforma e no século dezessete o Islam vê a Bíblia como um livro santo e Jesus Cristo como um profeta; aos olhos dos muçulmanos, portanto, a religião cristã é incompleta mas não completamente falsa, e cristãos sendo "Povo do Livro," não deveriam ser tratados no mesmo nível que os meros pagãos. De acordo com os ensinamentos maometanos, os cristãos não deveriam sofrer perseguição, mas deveriam continuar sem interferência na observância de sua fé, contanto que eles se submetessem mansamente ao poder temporal do Islam.

Esses foram os princípios que guiaram o conquistador de Constantinopla, o Sultão Mohamed II. Antes da queda da cidade, os gregos o chamavam "O Precursor do AntiCristo e o segundo Senaqueribe," mas eles acabaram descobrindo que na prática o domínio do Sultão tinha um caráter muito diferente. Ouvindo que o cargo de Patriarca estava vago, Mohamed convocou o monge Genadio e instalou-o no trono patriarcal. Genadio (1450 — 1472), conhecido como George Scolarios, antes de se tornar monge era um escritor prolífico e o líder dos teólogos gregos de seu tempo. Ele era um oponente determinado da Igreja de Roma, e sua escolha como Patriarca significou o abandono final da União de Florença. Sem dúvida que por razões políticas, o Sultão deliberadamente escolheu um homem de convicções anti-latinas: com Genadio como Patriarca haveria menos possibilidade dos gregos procurarem ajuda secreta dos poderes católico romano.

O próprio Sultão instituiu o Patriarca, investindo-o cerimonialmente com seu estafe, exatamente como os autocratas de Bizâncio faziam anteriormente. A ação era simbólica: Mohamed, o Conquistador, campeão do Islam, tornou-se também o protetor da Ortodoxia, tomando o papel anteriormente exercido pelo Imperador Cristão. Assim, aos Cristão foi assegurado um lugar definido na sociedade da ordem turca; mas, como os Cristãos logo iriam descobrir, era um lugar de garantida inferioridade. O Cristianismo sob o Islam era uma religião de segunda classe e seus aderentes também de segunda classe. Eles pagavam taxas pesadas, usavam roupas distintas, não estavam autorizados a servir no exército e eram proibidos de casar com muçulmanos; a Igreja não podia fazer trabalho missionário e era crime converter um muçulmano ao Cristianismo. Do ponto de vista material havia todo incentivo para um Cristão cometer apostasia convertendo-se ao Islam. Perseguição direta muitas vezes serve para fortalecer uma Igreja; mas para os gregos no Império Otomano, eram negados os mais heróicos meios de testemunhar sua fé, e ao contrário eram sujeitos aos efeitos desmoralizantes de uma intensa e continuada pressão social.

E isso não era tudo. Depois da queda de Constantinopla à Igreja não foi permitido reverter à situação anterior à conversão de Constantino; paradoxalmente suficiente, as coisas de César tornaram-se então mais fortemente associadas com as coisas de Deus do que tinham sido em qualquer época anterior. Pois os maometanos não viam qualquer distinção entre religião e política: do seu ponto de vista, se o Cristianismo era para ser reconhecido como uma fé religiosa independente, era necessário, então, para os Cristão estarem organizados em uma unidade política independente, um Império dentro do Império. A Igreja Ortodoxa tornou-se portanto uma instituição tanto civil quanto religiosa: ela foi então tornada na Rum Millet, a "nação romana." A estrutura eclesiástica foi tomada in toto como um instrumento da administração secular. Os Bispos tornaram-se oficiais governantes, o Patriarca era não só a cabeça espiritual da Igreja Ortodoxa Grega, mas também a cabeça civil da nação grega — o ethnarch ou millet-bashi. Essa situação continuou na Turquia até 1923 e em Chipre até a morte do Arcebispo Makarios III (1977).

O sistema millet prestou um serviço inestimável: ele tornou possível a sobrevivência da nação grega como uma unidade distinta através de quatro séculos de domínio estrangeiro. Mas na vida da Igreja ele teve dois efeitos melancólicos. Primeiro ele levou a uma triste confusão entre Ortodoxia e nacionalismo. Com sua vida civil e política inteiramente organizada em torno da Igreja, a fé Ortodoxa, sendo universal, não é limitada a nenhum povo, cultura ou língua; para os gregos no Império Turco "helenismo" e Ortodoxia tornaram-se inextrincavelmente entrelaçadas, muito mais do que tinham estado em qualquer período do Império Bizantino. Os efeitos dessa confusão continua até os dias de hoje.

Em segundo lugar, a alta administração da Igreja tornou-se presa de um degradante sistema de corrupção e simonia. Envolvidos como eles estavam em assuntos mundanos e questões políticas, os Bispos caíram presas da ambição e ganância financeira. Cada novo Patriarca precisava de um berat dado pelo sultão antes de assumir o posto, e por esse documento ele era obrigado a pagar pesadamente O Patriarca recuperava suas despesas do Episcopado, exigindo uma taxa de cada Bispo antes de instituí-lo em sua Diocese; os Bispos por sua vez taxavam os clérigos paroquiais, e o clero taxava seu rebanho. aquilo que foi dito uma vez sobre o Papado, foi certamente verdadeiro no patriarcado ecumênico sob os turcos tudo estava à venda.

Quando havia vários candidatos ao trono patriarcal, os turcos virtualmente vendiam-no ao candidato que pagasse mais; e eles foram rápidos em concluir que era no seu interesse financeiro trocar os patriarcas tão freqüentemente quanto possível, pois haveria assim múltiplas ocasiões para vender o berat. Patriarcas eram removidos e instalados com caleidoscópica rapidez. "De 159 patriarcas que ocuparam o trono entre o décimo quinto e o vigésimo século, os turcos em 105 ocasiões retiraram o patriarca de seu trono; existiram 27 abdicações, freqüentemente involuntárias; 6 patriarcas sofreram morte violenta por enforcamento, envenenamento ou afogamento e só 24 tiveram morte natural enquanto estavam no exercício do cargo" (B.J. Kioo, The Churches of Eastern, London, 1927, pág. 304).

O mesmo homem, às vezes, ocupava quatro ou cinco vezes o mesmo cargo em diferentes ocasiões e existiam usualmente muitos ex-patriarcas observando inquietamente do exílio por uma chance de retornar ao trono. A extrema insegurança do patriarca naturalmente dez crescer contínuas intrigas entre os metropolitas do Santo Sínodo que esperavam sucedê-lo, ficando então os líderes da igreja separados em amargos partidos hostis. "Todo bem cristão," escreveu um inglês residente no levante no século dezessete, "tem obrigação de considerar com tristeza, e contemplar com compaixão essa outrora gloriosa Igreja dilacerar-se e por para fora seus intestinos, e dá-los como comida aos abutres e corvos, e para selvagens e ferozes criaturas do mundo." (Sir Paul Rycaut, The Present Status of de Greek and Armenian Churches, London, 1679, pág. 107).

Mas se o Patriarca de Constantinopla sofreu um decaimento interno, externamente seu poder se expandiu como nunca antes. Os turcos olhavam o Patriarca de Constantinopla como a cabeça de todos os cristãos ortodoxos em seus domínios. Os outros Patriarcas do Império Otomano — Alexandria, Antioquia, Jerusalém — permaneceram teoricamente independentes, mas eram na prática subordinados. As Igrejas da Bulgária e da Sérvia — também dentro do domínio turco — gradualmente perderam sua independência, e pela metade do século dezoito passaram diretamente para o controle do Patriarca Ecumênico, mas no século dezenove, quando o poder turco diminuiu, as fronteiras do patriarcado contraíram-se. As nações que ganharam liberdade dos turcos acharam impraticável permanecerem sujeitas eclesiasticamente a um patriarca residente na capital turca e fortemente envolvido com o sistema político turco. O Patriarca resistiu o quanto pode, mas em cada caso ele inclinou-se eventualmente para o inevitável. Uma série de Igrejas nacionais foram tiradas do patriarcado: a Igreja da Grécia (organizada em 1833, reconhecida pelo patriarcado de Constantinopla em 1850; A Igreja da Romênia (organizada em 18__4, reconhecida em 1855); a Igreja da Bulgária (estabelecida em 1871, não reconhecida por Constantinopla até 1945); a Igreja da Sérvia (restaurada e reconhecida em 1879). A diminuição do patriarcado continuou no século vinte, principalmente como resultado da guerra e seus membros são agora uma pequena fração do que um dia foi nos gloriosos dias da suserania otomana.

A ocupação turca teve dois efeitos opostos na vida intelectual da Igreja. Foi, de um lado, a causa de um imenso conservadorismo e, de outro lado, de uma certa ocidentalização. A ortodoxia sob os turcos sentiu-se na defensiva. O grande objetivo era a sobrevivência — manter as coisas andando na esperança de dias melhores a vir. Os gregos agarraram-se com miraculosa tenacidade à civilização cristã que eles haviam tomado de Bizâncio, mas eles tiveram poucas oportunidades de desenvolver essa civilização criativamente. Compreensivelmente, normalmente eles eram contidos em repetir a fórmula, a entrincheirar-se nas posições que eles haviam herdado do passado. O pensamento grego passou por uma "calcificação" e endurecimento o que não pode deixar de ser lamentado; no entanto conservadorismo tem suas vantagens. Num período negro e difícil os gregos mantiveram a tradição ortodoxa substancialmente não prejudicada. A ortodoxia sob o Islam tomou como seu guia as palavras de Paulo a Timóteo: "Guarda o depósito que te foi confiado" (I Ti 6:20). Poderiam eles no fim ter escolhido um motto melhor?

No entanto, junto com esse tradicionalismo, existe uma outra e contrária corrente na teologia ortodoxa dos décimo sétimo e décimo oitavo séculos: a corrente da infiltração ocidental. Era difícil para a ortodoxia sob o domínio otomano manter um bom padrão de escolaridade. Gregos que queriam uma melhor educação eram obrigados a viajar para o mundo não ortodoxo — Itália, Alemanha, Paris e para ainda mais longe, como Oxford. Entre os teólogos gregos destacados no período turco, poucos estudaram autodidaticamente, sendo que a imensa maioria foi treinada no ocidente sob mestres católicos romanos ou protestantes.

Inevitavelmente isso teve um efeito sobre o modo segundo o qual eles interpretaram a teologia ortodoxa. Certos estudantes gregos estando no ocidente leram os padres, mas eles só se tornaram conhecedores dos temas dos padres que eram da estima de seus professores não ortodoxos. Assim. Gregório Palamas ainda era lido, em seus ensinamentos espirituais, pelos monges do Monte Athos; mas os trabalhos desse santo eram totalmente desconhecidos mesmo pelos mais instruídos teólogos gregos do período turco. Nos trabalhos de Eustratios Argenti (morto 1758?), o mais capaz dos teólogos gregos de seu tempo, não há uma única citação de Palamas; e seu caso é típico. É simbólico do estado do aprendizado grego-ortodoxo dos últimos quatro séculos, que uma das principais obras de Palamas, As tríades em defesa dos santos hesicastas tenha permanecido não publicada em grande parte, até 1959.

Existia um perigo real que gregos que estudassem no ocidente, ainda que permanecendo completamente fiéis em intenção à sua própria igreja, viessem a perder a mentalidade ortodoxa e se tornarem separados da ortodoxia como uma tradição viva. Era difícil para eles não olharem a teologia através da ótica ocidental; conscientes ou não, eles usaram terminologia e formas de argumentação estrangeiras à sua própria igreja. A Teologia Ortodoxa passou por aquilo que o teólogo russo Padre Georges Florovsky (1893-1979) classificou apropriadamente de pseudo-morphosis. Os pensadores religiosos do período turco podem ser divididos na sua maior parte em dois grandes grupos, os "latinizadores" e os "protestantedores." Mesmo assim a extensão dessa ocidentalização não pode ser exagerada. Os gregos usaram as formas exteriores que eles tinham apreendido no ocidente, mas na substância do seu pensamento a grande maioria permaneceu fundamentalmente ortodoxa. A tradição era às vezes distorcida por ser forçada a se adaptar a modelos estrangeiros — distorcidas mas não completamente destruída.

 

 

Reforma e Contra-Reforma: Seus Duplos Impactos.

As forças da reforma pararam assim que alcançaram as fronteiras da Rússia e do Império Otomano Turco, de maneira que a Igreja Ortodoxa não passou bem por uma reforma nem por uma contra-reforma. Seria no entanto um erro concluir que esses dois movimentos não tiveram qualquer influência sobre a Ortodoxia. Existiram muitos meios de contato. Ortodoxos, como já vimos, foram estudar no Ocidente. Jesuítas e franciscanos, enviados para o Mediterrâneo Oriental, assumiram trabalho missionário entre os Ortodoxos; os jesuítas trabalharam também na Ucrânia. As embaixadas em Constantinopla, tanto dos Católicos Romanos, quanto dos Protestantes, tiveram tanto um papel religioso assim como político. Durante o século dezessete esses contatos conduziram a desenvolvimentos significativos na teologia ortodoxa.

A primeira troca de ponto de vista entre os Ortodoxos e Protestantes começou em 1573 quando uma delegação de eruditos luteranos de Tübingen, liderados por Jacob Andreae e Martin Crusius, visitou Constantinopla e deu ao Patriarca Jeremias II uma cópia da Confissão de Augsburgo traduzida para o grego. Sem dúvidas eles esperavam iniciar uma espécie de reforma entre os gregos; como Crusius um tanto ingenuamente escreveu: "Se eles quiserem tomar ensinamentos para a salvação eterna de suas almas, eles devem se juntar a nós e abraçar nossos ensinamentos ou então perecer eternamente!." Jeremias, no entanto, em suas três respostas para os teólogos de Tübigen (datadas de 1576, 1579, 1581), aderiu estritamente à posição ortodoxa tradicional e não mostrou nenhuma inclinação para o Protestantismo. Os Luteranos mandaram respostas para as duas primeiras cartas, mas em sua terceira carta, sentindo que os assuntos tinham atingido um beco sem saída, estava dito: "Sigam à seu modo e não escrevam nunca mais sobre assuntos doutrinais; e se escreverem, escrevam só pela amizade." O incidente mostra o interesse sentido pelos reformadores pela Igreja Ortodoxa. As respostas do Patriarca são importantes como sendo a primeira e autorizada crítica das doutrinas da Reforma sob o ponto de vista ortodoxo. Os principais assuntos discutidos por Jeremias foram livre arbítrio e graças, escrituras e tradição, os Sacramentos, orações para os mortos e orações para os santos.

Durante o interlúdio de Tübigen, Luteranos e Ortodoxos mostraram grande cortesia uns para os outros. Um espírito muito diferente marcou o primeiro contato entre a Ortodoxia e a Contra-Reforma. Isso ocorreu fora dos limites do Império Turco, na Ucrânia. Depois da destruição do poder de Kiev pelos Tártaros, uma grande área no sudoeste da Rússia, incluindo a própria cidade de Kiev, foi absorvida pela Lituânia e Polônia; essa parte sudoeste da Rússia é conhecida como Pequena Rússia ou Ucrânia. As colônias da Polônia e Lituânia estavam unidas sob um único poder desde 1386; assim, enquanto o monarca desse reino conjunto e a maioria da população era católico-romana, uma apreciável minoria dos seus súditos era russa e Ortodoxa. Esses Ortodoxos, na Pequena Rússia, eram um incomodo considerável. O Patriarca de Constantinopla, a cuja jurisdição eles pertenciam, não conseguia exercer um efetivo controle na Polônia; seus Bispos não eram indicados pela Igreja mas pelo rei católico romano da Polônia e eram, as vezes, cortesãos inteiramente não dotados de qualidades espirituais e incapazes de prover qualquer liderança inspiradora. Existia no entanto um laicado vigoroso, liderados por numerosos nobres ortodoxos enérgicos, e em muitas cidades existiam poderosas associações leigas conhecidas como Irmandades (Bratstva).

Mais de uma vez as autoridades católico-romanas na Polônia tentaram fazer os Ortodoxos se submeterem ao Papa. Com a chegada da Sociedade de Jesus em 1564 a pressão sobre os Ortodoxos aumentou. Os jesuítas começaram por negociar secretamente com os Bispos Ortodoxos, que estavam em sua maior parte desejosos de colaborar (devemos lembrar que eles eram nomeados por um monarca católico-romano). No tempo oportuno, assim esperavam os Jesuítas, a hierarquia Ortodoxa completa da Polônia concordaria em submeter-se em bloco ao Papa, e a "união" poderia ser proclamada em público como um fato consumado antes que qualquer um pudesse levantar objeções: por isso a necessidade de ocultação nos estágios iniciais da operação. Mas os fatos não ocorreram inteiramente de acordo com o plano. Em 1596, um concílio foi convocado em Brest-Litovsk para proclamar a união com Roma, mas a hierarquia estava dividida. Seis de oito Bispos Ortodoxos, incluindo o Metropolita de Kiev, Michael Ragoza, apoiavam a união, mas os outros Bispos, junto com um grande números de delegados dos mosteiros e do clero paroquial queriam permanecer membros da Igreja Ortodoxa. Os dois lados concluíram por excomungar e anatematizar um ao outro.

Assim veio a ter existência na Polônia a Igreja Uniata, cujos membros eram conhecidos como "católicos de rito oriental." Os decretos do Concílio de Florença formaram a base da união. Os uniatas reconheceram a supremacia do Papa, mas eram permitidos manter suas práticas tradicionais (tais como clero casado); e eles continuaram como antes a usar a liturgia eslavônica, apesar de que, com o tempo, elementos ocidentais terem sido nela introduzidos. Exteriormente portanto, existia muito pouco para distinguir Ortodoxos de Uniatas e fica-se a pensar o quanto entendiam dessa disputa os camponeses não educados na Pequena Rússia. Muitos deles explicavam a disputa de qualquer modo, dizendo que o Papa tinha então se juntado a Igreja Ortodoxa.

As autoridades governamentais reconheceram somente as decisões do partido romano no Concilio de Brest, quando consideraram que a Igreja Ortodoxa da Polônia tinha então deixado de existir legalmente. Aqueles que desejaram continuar Ortodoxos foram severamente perseguidos. Mosteiros e Igrejas foram tomados e dados a Uniatas, contra a vontade dos monges e congregações: "Pessoas católico romanas polonesas as vezes entregavam a Igreja Ortodoxa de seus camponeses a um usuário judeu que podia então cobrar uma taxa para permitir a realização de um batismo ou funeral Ortodoxo" (Benard Pares, A History of Rússia, 3ª edição, Londres, p 167). A história do movimento uniata na Polônia mostra escritos muito tristes. Os jesuítas começaram usando fraudes e terminaram recorrendo à violência. Sem dúvida eles eram homens sinceros que genuinamente desejavam a unidade da Cristandade, mas as táticas que eles empregaram eram mais apropriadas para alargar o fosso que para fecha-lo. A União de Brest azedou as relações entre a Ortodoxia e Roma desde 1596 até os dias presentes.

É uma pequena maravilha que os Ortodoxos, quando viram o que estava acontecendo na Polônia, tenham preferido os maometanos aos católicos romanos, como Alexandre Nevsky tinha preferido os tártaros aos cavaleiros teutônicos. Viajando através da Ucrânia por volta de 1650, Paulo de Alepo, sobrinho e arcediago do Patriarca de Antioquia, refletiu a típica atitude Ortodoxa quando ele escreveu em seu diário: "Deus, perpetue o Império Turco! Pois eles nos tomam impostos e não levam em conta a religião, sejam seus dominados cristãos ou nazarenos, judeus ou samaritanos; ao passo que esses amaldiçoados, não satisfeitos com tomar taxas e dízimos de seus súditos cristãos, sujeitam-nos aos inimigos de Cristo,os judeus, que não permitem que eles construam Igrejas ou tenham com eles qualquer padre educado." Aos poloneses ele classifica de "mais vis e maus adoradores de ídolos, por sua crueldade com os Cristãos" (The Travels of Macarius, Ed L.Ridding, London, 1936, pág. 15).

A perseguição revigorou a Igreja Ortodoxa da Ucrânia. Apesar de muitos nobres ortodoxos terem se juntado aos Uniatas, as Irmandades mantiveram-se firmes e expandiram suas atividades. Para responder à propaganda jesuítica eles mantinham publicações e editavam livros em defesa da Ortodoxia; para se contrapor à influência das escolas jesuítas eles organizaram suas próprias escolas Ortodoxas . Em 1650 o nível de aprendizado na Pequena Rússia era mais alto que em qualquer outro lugar no mundo ortodoxo; eruditos de Kiev, viajando para Moscou nessa época, fizeram muito para elevar o padrão na Grande Rússia. Nessa renovação do aprendizado, uma parte particularmente brilhante foi feita por Peter Moghila, Metropolita de Kiev de 1633 a 1647. Voltaremos a ele logo adiante.

Um dos representantes do Patriarcado de Constantinopla em Brest, em 1596, foi um jovem padre grego chamado Cyril Lukaris (1572 — 1638). Suas experiências na Pequena Rússia inspiraram nele, por toda vida, um ódio pela Igreja de Roma, e quando ele se tornou Patriarca de Constantinopla, ele devotou todas as suas energias a combater toda influência Católico Romana no Império Turco. Foi um infortúnio, apesar de talvez inevitável, que em sua luta contra a "Igreja Papista" (como os gregos a chamam) ele tenha se envolvido profundamente em política. Ele naturalmente procurou por auxílio na Embaixada Protestante em Constantinopla, enquanto seus oponentes jesuítas, por sua parte, usaram os representantes diplomáticos dos poderes católicos romanos. Além de invocar a assistência política dos diplomatas protestantes, Cyril também caiu sob a influência protestante em assuntos de teologia e sua "Confession" (por "confissão" nesse contexto entenda-se um estatuto de fé, uma declaração solene de crenças religiosas), publicada pela primeira vez em Genebra em 1629, é distintivamente Calvinista em muitos dos seus ensinamentos.

O reinado de Cyril como Patriarca é uma das mais longas séries de tempestuosas e não edificantes intrigas e forma um dos mais horríveis exemplos do estado do Patriarcado Ecumênico sob os Otomanos. Seis vezes deposto do cargo e seis vezes reinstalado, ele foi finalmente estrangulado por janízaros, e seu corpo jogado no Bósforo. Em última análise existiu algo de profundamente trágico em sua carreira, desde que foi possivelmente o mais brilhante homem a ocupar o cargo de Patriarca desde os dias de São Pothius. Tivesse ele vivido em condições mais felizes, livre de intrigas políticas, seus dons excepcionais poderiam ter tido um muito melhor uso.

O Calvinismo de Cyril foi forte e rapidamente repudiado por seus companheiros Ortodoxos, sua Confissão tendo sido condenada por não menos que seis Concílios locais entre 1638 e 1691. Em reação direta a Cyril, dois outros hierarcas ortodoxos, Peter Moghila e Dositheus de Jerusalém, produziram confissões próprias. A Confissão Ortodoxa de Pedro, escrita em 1640, foi baseada indiretamente em manuais católico romanos. Foi aprovada pelo Concílio de Jassy na Romênia (1642), mas só após ter sido revisada por um grego, Meletius Syrigos, que alterou particularmente as passagens relativas à Consagração (que Pedro atribuía somente as palavras da instituição) e ao Purgatório. Mesmo na forma revisada, a Confissão de Moghila é ainda o mais latino documento que em qualquer tempo foi adotado por um Concílio oficial da Igreja Ortodoxa. Dositheus, Patriarca de Jerusalém de 1699 a 1707, também foi fortemente atraido por fontes latinas. Sua Confession, ratificada em 1672 pelo Concílio de Jerusalém, (também conhecido como Concílio de Belém), responde a Confessions de Cyril ponto por ponto com concisão e clareza. As questões principais sobre as quais Cyril e Dositheus divergem são quatro: a questão do livre arbítrio, graça e predestinação; a doutrina da Igreja; o número e a natureza dos sacramentos e a veneração dos ícones. Em suas afirmações sobre a Eucaristia, Dositheus não só adotou o termo latino transubstanciação como adotou a distinção escolástica entre substância e acidente ; e ao defender oração para os mortos ele chegou muito perto da doutrina romana do Purgatório, sem usar a própria palavra Purgatório. No conjunto, no entanto, a Confession de Dositheus é menos latina que a de Moghila e deve certamente ser olhada como um documento de primária importância na história da Teologia Ortodoxa Moderna. Face ao Calvinismo de Lukaris, Dositheus usou as armas que lhe estavam mais a mão — armas latinas (sob circunstâncias a única coisa que ele poderia fazer); mas a fé que ele defendeu com essas armas latinas não foi a Romana, mas a Ortodoxa.

Fora da Ucrânia, as relações entre Ortodoxos e Católicos Romanos eram freqüentemente amistosas no século dezessete. Em muitos lugares do Mediterrâneo Oriental, particularmente nas Ilhas Gregas que estavam sob o domínio veneziano, gregos e latinos participaram da louvação do outro: até mesmo lemos sobre procissões católico-romanas do Santo Sacramento que o clero ortodoxo acompanhava com força, usando vestimenta completa, com velas e estandartes . Bispos gregos convidavam missionários latinos para pregar para seus rebanhos ou ouvir suas confissões. Mas depois de 1700 esses contatos amistosos se tornaram menos freqüentes e por volta de 1750 tinham cessado, em sua maior parte. Em 1724 uma grande parcela do Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla submeteu-se a Roma; depois disso as autoridades Ortodoxas, temendo que o mesmo pudesse acontecer em algum outro lugar do Império Turco, tomaram uma posição muito mais estrita em suas relações com os católico-romanos. O clímax em sentimentos anti-romanos veio em 1755, quando os Patriarcas de Constantinopla, Alexandria e Jerusalém declararam ser o batismo romano inteiramente inválido e exigiram que todos os convertidos à Ortodoxia fossem batizados de novo. "Os batismos de heréticos tem que ser rejeitados e abominados," o decreto estabeleceu; eles são "águas que não podem ter proveito (....) nem dar nenhuma santificação a quem as recebeu, tem nenhum valor para a lavagem dos pecados." Essa medida permaneceu em vigor no mundo grego até o final do século dezenove, mas não se entendeu para a Igreja da Rússia; os russos batizaram os convertidos do Catolicismo Romano entre 1441 e 1667, mas desde 1667 eles normalmente não mais procederam assim.

A Ortodoxia do século dezessete entrou em contato não só com os Católicos Romanos, Luteranos e Calvinistas mas também com a Igreja da Inglaterra. Cyril Lukakis correspondeu-se com o Arcebispo e Abade de Canterbury e um futuro Patriarca de Alexandria, Metrofanes Kristopoulos, estudou em Oxford de 1617 a 1624; Kristopoulos é o autor de uma Confession, de tom levemente protestante mas largamente utilizada na Igreja Ortodoxa. Por volta de 1694 existiu até mesmo um plano de se estabelecer um "colégio grego" em Gloucester Hall, Oxford (hoje em dia Worcester College), e cerca de dez estudantes gregos foram de fato enviados para Oxford, mas o plano falhou por falta de dinheiro e os gregos acharam a comida e os alojamentos tão pobres que muitos foram embora. De 1716 a 1725 uma correspondência muito interessante foi mantida entre os Ortodoxos e os Não- Jurados (um grupo de Anglicanos que se separaram do corpo principal da Igreja da Inglaterra em 1688, preferindo agir assim do que jurar aliança ao usurpador Guilherme de Orange). Os Não Jurados aproximaram-se tanto dos quatro Patriarcas Orientais quanto da Igreja da Rússia na esperança de estabelecer comunhão com a Ortodoxia. Mas os Não-Jurados não puderam aceitar o ensinamento Ortodoxo a respeito da presença de Cristo na Eucaristia; eles também se mostraram perturbados pela veneração mostrada pelos Ortodoxos para com a Mãe de Deus, os Santos, e os Santos Ícones . E a correspondência foi suspensa sem que nenhum acordo fosse alcançado.

Olhando-se para trás, para o trabalho de Dositeu e Moghila, nos Concílios de Jassy e Jerusalém, e para a correspondência com os Não-Jurados, surpreende-se pelas limitações da teologia grega nesse período: não se encontra a tradição ortodoxa em sua totalidade. No entanto, os Concílios do século dezessete fizeram uma contribuição permanente e construtiva à Ortodoxia. As controvérsias da reforma levantaram problemas que nem os Concílios Ecumênicos nem a Igreja do Império Bizantino mais tardio tinham sido chamados a enfrentar: no século dezessete os Ortodoxos foram forçados a pensar mais cuidadosamente sobre os Sacramentos e acerca da natureza e autoridade da Igreja. Foi importante para a Ortodoxia expressar sua mentalidade acerca desses tópicos e definir sua posição em relação aos novos ensinamentos que haviam surgido no ocidente; essa foi a tarefa que foi imposta aos Concílios do século dezessete. Esses Concílios foram locais, mas a essência de suas decisões foi aceita pela Igreja Ortodoxa como um todo. Os Concílios do século dezessete, como os Concílios hesicastas de trezentos anos antes, mostram que o trabalho teológico criativo não chegou ao fim na Igreja Ortodoxa depois do período dos Concílios Ecumênicos. Existem doutrinas importantes não definidas nos Concílios Gerais, que todo Ortodoxo é obrigado a aceitar como uma parte integrante de sua fé.

Muitos ocidentais aprendem sobre Ortodoxia estudando o período Bizantino ou através do pensamento religioso russo nos últimos cem anos. Em ambos os casos eles tendem a pular o século dezessete e a sub avaliar sua influência sobre a história da Ortodoxia.

Por todo o período do Império Turco as tradições do hesicasmo permaneceram vivas, particularmente no Monte Atos; e no final do século dezoito houve um importante renascimento espiritual cujos efeitos podem ser sentidos até hoje. No centro desse renascimento esteve um monge no Monte Atos, São Nicodemus da Montanha Santa (o "Hagiorita," 1748-1809), chamado mui justamente de "uma enciclopédia do aprendizado atonita de seu tempo" com o auxilio de São Macários (Notaras), Metropolita de Corinto, Nicodemus compilou uma antologia de escritos espirituais chamada Philocalia. Publicada em Veneza em 1782, é um trabalho gigantesco de 1207 páginas fólio, contendo autores do quarto ao décimo quinto século e tratando principalmente com a teoria e a prática da oração, especialmente a oração de Jesus. Essa publicação provou-se ter sido uma das publicações mais influentes da história da Ortodoxia e foi amplamente lida não só por monges, mas também por muitas outras pessoas, sendo lido até a presente data. Traduzida para o eslavônio e russo ela foi um instrumento que demonstrou a grande espiritualidade russa do século dezenove.

Nicodemus era conservador, mas não estreito ou obscurantista. Ele aproximou-se de obras de devoção católico-romanas adaptando para o Ortodoxo (livros de Lorenzo de Scupoli e Inácio de Loyola). Ele e seu círculo eram fortes advogados de comunhão freqüente, apesar de que naquela época muitos Ortodoxos comungarem só poucas vezes por ano. Na verdade, Nicodemus era vigorosamente atacado nesse assunto, mas um Concílio em 1879, em Constantinopla, confirmou seu ensinamento. Movimentos que estão tentando introduzir comunhão semanal na Grécia de hoje apelam para a grande autoridade de Nicodemus.

É dito com muita razão que se há muito a lamentar sobre o estado da Ortodoxia durante o período turco, também existiu muito para se admirar. Apesar de inumeráveis desencorajamentos, a Igreja Ortodoxa sobre o domínio Otomano, nunca perdeu sua essência. Existiram de fato muitos casos de apostasia para o Islam, mas na Europa, não foram tão freqüentes quanto era a expectativa. A Ortodoxia nesses séculos teve muitos mártires que são honrados no calendário da Igreja com o título especial de Novos Mártires; muitos deles foram gregos que tornaram-se maometanos e depois, arrependidos, retornaram ao Cristianismo — pelo que a penalidade era a morte. A corrupção na alta administração da Igreja, chocante como foi, tinha muito pouco efeito sobre a vida diária do cristão comum, que ainda era capaz de comparecer, todo Domingo, em sua Igreja paroquial. Mais do que qualquer outra coisa, foi a Sagrada Liturgia que manteve a Ortodoxia viva naqueles dias negros.

 

 

Moscou e Petersburgo.

 

"O sentimento da presença de Deus — do sobrenatural — parece-me penetrado na vida russa mais completamente que em qualquer outra nação ocidental" (H.P.Lindon, Canon of Saint Paul’s, depois de uma visita à Rússia, em 1867).

 

Moscou, "a terceira Roma."

Após a tomada de Constantinopla em 1453, só havia uma nação capaz de assumir a liderança no Cristianismo Oriental. A maior parte da Bulgária, da Sérvia e da Romênia já havia sido conquista pelos turcos, enquanto o resto havia sido absorvido muito antes. Só a Rússia sozinha remanesceu. Para os russos não pareceu coincidência que no mesmo momento que o Império Bizantino chegava ao fim, eles russos estavam finalmente limpando os últimos vestígios da suserania tártara: parecia que Deus estava lhes dando liberdade porque os tinha escolhido para serem os sucessores de Bizâncio.

Ao mesmo tempo que a terra russa, a Igreja russa ganhou liberdade, mais por circunstâncias do que por um desígnio deliberado. Até então o Patriarca de Constantinopla designava o cabeça da Igreja Russa, o Metropolita. No Conselho de Florença, o Metropolita era um grego, Isidoro. Isidoro, que apoiava a união com Roma, retorna a Moscou em 1441 e proclama os decretos de Florença, mas não encontra nenhum apoio dos russos Foi aprisionado pelo Grão Duque, mas depois de algum tempo foi permitido que ele escapasse e voltasse para a Itália. A cadeira mais importante ficou então vazia, mas os russos não podiam pedir ao Patriarca um novo Metropolita, porque até 1453 a Igreja Oficial de Constantinopla continuava a aceitar a União Florentina. Relutantes em tomar uma atitude própria, os russos postergaram a solução por muitos anos . Eventualmente, em 1448 um Concílio de Bispos russos procedeu à eleição de um Metropolita sem nenhuma interferência de Constantinopla. A comunhão entre o Patriarcado e a Rússia foi restaurada, mas a Rússia continuou a indicar o chefe de sua própria hierarquia. Daí para a frente a Igreja Russa foi autocéfala.

A idéia de Moscou como sucessora de Bizâncio foi ajudada por um casamento. Em 1472, Ivan III, o "Grande" (reinou 1462 — 1505) casou-se com Sofia, sobrinha do último Imperador de Bizâncio. O casamento serviu para estabelecer uma ligação dinástica com Bizâncio. O Grão Duque de Moscou começou a assumir os títulos bizantinos de "autocrata" e "Tsar" (uma adaptação do romano "César") e a usar a águia de duas cabeças de Bizâncio como seu emblema de estado. Começou-se a pensar em Moscou como a "Terceira Roma." A primeira Roma (assim argumentaram) tinha caído para os bárbaros e então entrou em heresia. A segunda Roma, Constantinopla, por sua vez havia caído em heresia no Concílio de Florença e como punição foi tomada pelos turcos. Moscou então sucedeu Constantinopla como a Terceira Roma, o centro da Cristandade Ortodoxa. O monge Filoteu de Pskov colocou essa sua linha de argumento em uma famosa carta escrita em 1510 para o Tsar Basílio III:

Eu gostaria de acrescentar algumas palavras sobre o Império Ortodoxo de nosso dirigente: ele é na terra o único Imperador (Tsar) dos Cristãos, o líder da Igreja Apostólica que não está mais em Roma ou em Constantinopla, mas na abençoada cidade de Moscou. Só ela brilha no mundo inteiro mais do que sol .... Todos os impérios Cristãos caíram e em seu lugar está sozinho o Império de nosso dirigente, de acordo com os livros proféticos. Duas Romas caíram, mas a terceira permanece e uma quarta não existirá! (citado em Bayntes and Moss, Bysantium: an Introduction, pág.385)

Essa idéia de ser Moscou a "Terceira Roma" tem um certo sentido quando aplicada ao Tsar: o imperador de Bizâncio anteriormente agiu como campeão e protetor da Ortodoxia, e agora o autocrata da Rússia é chamado a executar a mesma tarefa. Mas também poder-se-ia entender de outros modos menos aceitáveis. Se Moscou fosse a "Terceira Roma," não deveria então o Chefe da Igreja Russa estar classificado acima da do Patriarcado de Constantinopla? De fato essa posição nunca foi garantida e a Rússia nunca foi classificada acima da quinta posição entre as Igrejas Ortodoxas, atrás de Jerusalém. O conceito de "Terceira Roma" encorajou também um tipo de Messianismo Moscovita e fez com que os russos as vezes pensassem em si próprios como um povo escolhido que não poderia fazer nada de errado e, se fosse tomado esse pensamento, não só pelo lado religioso mas também pelo lado político, ele poderia ser usado para promover o término do imperialismo secular russo.

Agora que o sonho pelo qual São Sérgio trabalhou — a liberação da Rússia do domínio dos tártaros — tinha se tornado uma realidade, uma triste divisão ocorreu entre seus descendentes espirituais. São Sérgio tinha unido o lado social e o lado místico à monarquia, mas sob seus sucessores esses dois aspectos tornaram-se separados. A separação mostrou-se abertamente pela primeira vez num Concílio da Igreja, em 1503. Quando esse Concílio chegava ao seu final, São Nilo de Sora (Nil Sorsky, 1433? — 1508), um monge de um eremitério nas florestas além do Volga, levantou-se para falar e lançou um ataque sobre propriedade de terras pelos mosteiros (cerca de um terço da terra na Rússia pertencia a mosteiros nesse tempo). São José, Abade de Volokalamsk (1439 — 1515) respondeu em defesa da propriedade das terras pelos mosteiros. A maioria do Concílio apoiou José, mas existiram outros na Igreja Russa que concordaram com Nilo — principalmente eremitas que como ele viviam além do Volga. O partido de José ficou conhecido como os possessores, Nilo e os eremitas trans-volga como não-possessores. Durante os vinte anos seguintes houve uma tensão considerável entre os dois grupos. Finalmente os não-possessores, em 1525 — 1526, atacaram o Tsar Basílio III por divorciar-se injustamente de sua mulher (a Ortodoxia concede divórcio, mas só por certas razões). O Tsar então aprisionou o líder dos não-possessores e fechou os eremitérios trans-volga. A tradição de São Nilo tornou-se subterrânea e, apesar de nunca ter desaparecido completamente, sua influência na Igreja russa tornou-se muito restrita. Por muito tempo os possessores reinaram supremos.

Por traz da propriedade monástica estavam duas concepções da vida monástica e finalmente dois pontos de vista diferentes da relação da Igreja com o mundo.

Os possessores enfatizavam as obrigações sociais da monarquia. Faz parte do mundo dos monges cuidar dos doentes e dos pobres, mostrar hospitalidade e ensinar. Para fazer essas coisas com eficiência os mosteiros precisavam de dinheiro e por isso precisavam possuir terras. Monges (assim eles argumentavam) não usam suas riquezas para si próprios, mas zelam por elas para benefício de outros. Existia um dito entre os seguidores de José, "as riquezas da Igreja são as riquezas dos pobres."

Os não-possessores argumentavam de outro lado, que esmola era obrigação dos leigos, enquanto que a tarefa principal do monge é ajudar aos outros pela oração por eles e dando-lhes exemplos. Para fazer isso adequadamente um monge deve ser e estar desprendido desse mundo e só aqueles que fazem votos de completa pobreza podem atingir o verdadeiro desapego. Monges que são senhores de terras não podem evitar se envolver com as ansiedades seculares e porque eles se tornam absorvidos com preocupações mundanas, eles agem e pensam de maneira mundana. Nas palavras do monge Vassiam (príncipe Patrikiev), um discípulo de Nilo:

Aonde nas tradições do Evangelho, Apóstolos e Padres e Monges são ordenados a adquirir vilas populosas e escravizar camponeses para a irmandade?... Nós olhamos para as mãos dos ricos, contentes com o seu apego, tentem bajulando-os tomar-lhes alguma pequena vila ... Nós enganamos, roubamos e vendemos Cristãos, nossos irmãos. Nós os torturamos com açoites como bestas feras (citado em B. Pares, A Hystory of Rússia, 3ª edição, p.39)

O protesto de Vassiam contra torturas e açoites traz-nos para um segundo assunto sobre o qual os dois lados divergiam: o tratamento dos heréticos. José mantinha a visão não universal do Cristianismo de seu tempo: se os heréticos fossem recalcitrantes, a Igreja deveria chamar o braço civil e valer-se de prisão, tortura e, se necessário, fogo. Mas Nilo condenava toda forma de coerção e violência contra os heréticos. Deve-se somente lembrar de como os Protestantes e Católicos Romanos tratavam-se uns aos outros na Europa Ocidental durante a Reforma, para constatar quão excepcional Nilo era em sua tolerância e respeito pela liberdade humana.

A questão dos heréticos por sua vez envolveu o problema mais amplo da relação entre Igreja e Estado. Nilo encarava a heresia como uma questão espiritual, para ser resolvida pela Igreja sem a intervenção do Estado; José invocava o auxílio das autoridades seculares. No geral, Nilo traçava mais do que José uma linha claramente divisória entre as coisas de César e as coisas de Deus. Os possessores eram grandes apoiadores do ideal de Moscou como "Terceira Roma"; acreditando em uma forte aliança entre Igreja e Estado, eles tinham forte atuação na política, como Sérgio tinha feito, mas talvez eles fossem menos cuidadosos que Sérgio em guardar e não permitir que ela se tornasse serva do Estado. Os não-possessores por sua parte tinham um sentido mais apurado dos testemunhos proféticos e não-mundanos da monarquia.Os partidários de José estavam em perigo de identificar o Reino de Deus com um reino desse mundo; Nilo viu que a Igreja na terra deve ser sempre uma Igreja em peregrinação. Enquanto José e seus partidários eram grandes patriotas e nacionalistas, os não-possessores pensavam mais na universalidade e catolicidade da Igreja.

Mas as divergência entre os dois lados não terminaram por aí: eles também tinham idéias diferentes sobre piedade Cristã e oração. José enfatizava a posição de regras e disciplina; Nilo a relação interna e pessoal ente a alma e Deus. José valorizava o lugar da beleza na adoração; Nilo temia que a beleza pudesse se transformar num ídolo: o monge (assim Nilo mantinha) não é a dedicação somente à pobreza exterior, mas também a um absoluto auto-desnudamento, e ele ser cuidadoso para que a devoção a belos ícones ou a música da Igreja não venha a ficar entre ele e Deus (nessa suspeição sobre a beleza, Nilo apresenta um puritanismo — quase um Iconoclasmo — muito raro na espiritualidade russa). José dava importância à adoração corporativa e à oração litúrgica:

Pode-se orar no próprio quarto, mas nunca se orará como se ora na Igreja ... onde o canto de muitas vozes sobe único para Deus, onde todos tem um pensamento e uma voz na unidade do amor .... Nas alturas o Serafim proclama o Trisagion, aqui abaixo a multidão humana eleva o mesmo hino. Céu e terra mantêm o festival juntos, uns em agradecimento, uns em felicidade, uns em jubilo. (citado em J. Meyendorff, "Une Controverse Sur lê Role Social de L’Eglise. La Querelle Dês Bien: Eclesiastiques Au XII e Siècle en Russie," in the Periodical Irenikon, vol XXIX (1956), p.29).

Nilo por sua vez estava principalmente interessado não na oração litúrgica, mas na oração mística: antes de se fixar em Sora ele tinha vivido como monge no Monte Atos e conheceu a tradição hesicasta bizantina em primeira mão.

A Igreja russa corretamente viu coisas boas nos ensinamentos tanto de José quanto de Nilo, e canonizou a ambos. Cada um herdou uma parte da tradição de São Sérgio, mas não mais do que uma parte: a Rússia precisava tanto do monasticismo de José quanto o da forma trans-volguiana, pois um suplementava o outro. Na verdade foi triste que os dois lados tivessem entrado em conflito e que a tradição de Nilo tenha sido largamente suprimida: sem os não-possessores a vida espiritual da Igreja Russa tornou-se unilateral e desbalanceada. A integração próxima que os partidários de José mantiveram com o Estado, seu nacionalismo russo, sua devoção às formas exteriores de adoração — essas coisas conduziram a problemas no século seguinte.

Um dos participantes mais interessantes na disputa dos possessores e não-possessores foi São Máximo, o Grego (1470? — 1556), uma "figura ponte" cuja longa vida abraça os três mundos da Renascença na Itália, Monte Athos e Moscou. Grego de nascimento, ele passou os anos de adulto jovem em Florença e Veneza, como um amigo dos eruditos humanísticos tais como Pico Della Mirandola; também caiu sobre a influência de Savanarola e por dois anos foi Dominicano. Retornando à Grécia em 1504, ele tornou-se monge do Monte Athos, em 1517 foi convidado para ir à Rússia, pelo Tsar, para traduzir obras gregas para o eslavônio e para corrigir os livros de Ofícios russos que estavam desfigurados por inúmeros erros. Como Nilo, ele era devotado aos ideais hesicastas e, na sua chegada à Rússia, ele se ligou aos não-possessores. E sofreu com o resto, sendo feito prisioneiro por vinte e seis anos, de 1525 a 1551. Ele foi atacado com particular severidade pelas modificações que ele propôs nos livros de Ofícios e o trabalho de revisão foi interrompido, ficando inacabado. Seus grandes dons de aprendizado, os quais os russos poderiam ter aproveitado e muitos, foram grandemente perdidos na prisão. Ele era tão rígido quanto Nilo por auto-desnudamento e pobreza espiritual: "se você de fato ama o Cristo crucificado," ele escreveu ."..seja um estranho, desconhecido, sem pátria, sem nome, silencioso perante seus parentes, seus conhecidos e seus amigos; distribui tudo que tiveres aos pobres, sacrifica todos seus velhos hábitos e toda tua vontade própria." (citado por E. Denissoff, Máxime lê Grec et l’occident, Paris 1943, pp. 275-276).

Apesar da vitória dos possessores ter significado uma estreita aliança entre Igreja e Estado, a Igreja não perdeu toda sua independência. Quando Ivan, o Terrível estava com seu poder no auge, o Metropolita de Moscou, São Felipe (morto em 1569), ousou protestar abertamente contra o Tsar por seus derramamentos de sangue e injustiças e repreendeu-o cara a cara durante a celebração pública da Liturgia. Ivan o pôs na prisão e depois fez com que fosse estrangulado. Outro que criticou agudamente Ivan foi São Basílio, o Bendito, o "louco em Cristo" (morreu em 1552). Louco por Cristo é uma forma de santidade encontrada em Bizâncio, mais particularmente proeminente na Rússia medieval: o "louco" carrega o ideal de auto-desnudamento e humilhação para o extremo, renunciando a todos os dons intelectuais, toda forma de sabedoria terrena, e colocando voluntariamente sobre si a Cruz. Esses loucos freqüentemente desempenhavam um valioso papel social: simplesmente porque eles eram loucos, podiam criticar aqueles que estavam no poder com uma franqueza que ninguém mais ousaria empregar. Assim foi com Basílio, a "consciência viva" do Tsar. Ivan prestou atenção à perspicaz censura do louco, e longe de puni-lo, tratou-o com remarcada honra.

Em 1589, com o consentimento do Patriarca de Constantinopla, o chefe da Igreja russa foi elevado do nível de Metropolita para o de Patriarca. Foi, de certo ponto de vista, um triunfo para o ideal de Moscou: "Terceira Roma." Mas foi um triunfo limitado, pois o Patriarca de Moscou não tomou o primeiro lugar no mundo Ortodoxo, mas o quinto, depois de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém (mas superior ao Patriarcado mais antigo da Sérvia). Com a mudança das coisas, o Patriarcado de Moscou iria durar um pouco mais de um século.

O Cisma dos Velhos Crentes.

O século dezessete na Rússia abriu com um período de confusão e desastre, conhecido como Tempo de Turbulência, quando a terra foi dividida contra si mesmo e caiu vítima de inimigos externos. Depois de 1613 a Rússia teve uma súbita recuperação e os quarenta anos seguintes foram de reconstrução e de reforma em muitas áreas da vida da nação. Nesse trabalho de reconstrução a Igreja desempenhou um papel muito importante. O movimento de reforma na Igreja foi liderado pelo Abade Dionísio do Mosteiro Trindade-- São Sérgio e por Filaret, Patriarca de Moscou de 1619 a 1633 (ele era o pai do Tsar); depois de 1633 a liderança passou para um grupo de clero paroquial casado e, em particular, para os Arciprestes John Neronov e Avvakum Petronich. O trabalho de corrigir livros de Ofícios, começado no século anterior por Máximo, o Grego, foi então assumido cautelosamente; uma Imprensa Patriarcal foi montada em Moscou e livros de Igreja mais acurados foram editados, apesar das autoridades não terem querido se aventurar em fazer muitas alterações drásticas. No nível paroquial, os reformadores fizeram tudo o que podiam para elevar os padrões morais tanto entre o clero quanto entre os leigos. Eles lutaram contra a bebedeiras; eles insistiram que os jejuns fossem observados; eles pediram que a Liturgia e outros Ofícios nas Igrejas paroquiais fossem cantados com reverência e sem omissões; e encorajaram oração freqüente.

O grupo reformador representava o que havia de melhor na tradição de São José de Volokalmsk. Como José, eles acreditavam em autoridade e disciplina e viam a vida Cristã em termos de regras ascéticas e oração litúrgica. Eles esperavam que não só monges, mas também padres paroquiais e leigos — marido, mulher, crianças — mantivessem as quaresmas e passassem longos períodos em oração cada dia, fosse na Igreja ou diante dos ícones em suas casas. Aqueles que apreciassem a severidade e autodisciplina do círculo reformador deveriam ler a vívida e extraordinária autobiografia do arcipreste Avvakum (1620 — 1682). Em uma de suas cartas Avvacum recorda como em cada anoitecer ele e sua família recitavam as orações usuais, apagando a seguir as luzes, recitando-se então 600 orações a Jesus e 100 para a Mãe de Deus, acompanhadas por 300 prostrações (a cada prostração ele tocaria o chão com sua testa, e levantar-se-ia outra vez para a posição de pé). Sua mulher, quando com criança (como usualmente estava), recitava só 400 orações com 200 prostrações. Isso dá alguma idéia sobre os exatos padrões observados pelos devotos russos no século dezessete.

O programa dos reformadores fazia poucas concessões à fraqueza humana e era muito ambicioso para ser completamente realizado. Mesmo assim, Moscou por volta de 1650 foi bem longe justificando assim o título de "Santa Rússia." Ortodoxos do Império Turco que visitavam Moscou ficavam pasmos (e freqüentemente desmaiavam) pela austeridade do jejum, pela duração longa e magnificência dos Ofícios. A nação inteira parecia viver como "uma vasta casa religiosa" (N. Zernov, Moscou, The Third Rome, pág. 51). O arcebispo Paulo de Aleppo, que ficou na Rússia de 1654 a 1656, verificou que os banquetes na corte eram acompanhados não por música, mas pela leitura da vida de Santos, como nas refeições de mosteiros. Ofícios durando sete horas ou mais eram assistidas pelo Tsar e toda corte: "Então, o que deveríamos dizer dessas obrigações severas bastante para tornar o cabelo de crianças cinza, e que são estritamente observadas pelo Imperador, Patriarcas, nobres, princesas e senhoras ficando em pé da manhã ao anoitecer? Quem acreditaria que eles iriam seguir os devotos anacoretas do deserto?" ("The Travels of Macarius," em N. Palmer, The Patriarc and the Tsar, Londo, 1873, vol II, pág. 107). As crianças não eram excluídas dessas rigorosas observâncias: "O que nos surpreendeu mais foi ver meninos e crianças pequenas de cabeças descoberta e sem movimentos, sem trair o menor gesto de impaciência" (The Travels of Macarius, Editada por Riding, pág. 68). Paulo achou a severidade e o rigor russo não inteiramente de acordo com seu gosto. Ele reclamou que eles não permitiam "jovialidades, risadas, gracejos," nem bebedeiras, nem "comer ópio" nem fumar: "Pelo crime especial de beber tabaco eles até mesmo condenavam alguém à morte" (Ibid, pág. 21). É um quadro impressionante o que Paulo e outros visitantes pintaram da Rússia, mas há talvez muita ênfase nas exterioridades. Um grego marcou em seu retorno para casa que a religião moscovita consistia grandemente em toque de sinos.

Em 1652-1653 uma querela fatal começou entre o grupo reformador e o novo Patriarca, Nicon (1605-1681). Camponês por origem, Nicon foi provavelmente o mais brilhante e dotado homem que tornou-se chefe da Igreja russa em qualquer tempo; mas ele sofria de um temperamento dominante e autoritário. Nicon era um forte admirador das coisas gregas: "Eu sou russo e filho de uma russa," costumava dizer, "mas minha fé e religião são gregas" (Ibid, pág. 37). Ele exigiu que as práticas russas deveriam ser conforme os padrões dos quatro antigos Patriarcados e que os livros de Ofícios russos deveriam ser alterados em qualquer ponto que divergissem dos gregos.

Essa política forçou a oposição daqueles que pertenciam à tradição de José. Eles encaravam Moscou como a "Terceira Roma" e a Rússia como fortaleza e modelo de Ortodoxia; e agora Nicon dizia a eles que em todos os aspectos eles deveria copiar os gregos. Mas a Rússia não era uma Igreja independente, um membro completamente adulto da família Ortodoxa, intitulada para manter seus próprios costumes e tradições nacionais? Os russos certamente respeitavam a memória da Igreja Mãe de Bizâncio de quem tinham recebido a fé, mas eles não sentiam e mesma reverência pelos gregos contemporâneos. Eles se lembravam da "apostasia" dos gregos em Florença e eles conheciam alguma coisa da corrupção e desordem do Patriarcado de Constantinopla sob o domínio turco.

Tivesse Nicon procedido com tato, tudo poderia ter corrido bem: o Patriarca Filaret já tinha feito algumas correções nos livros de Ofícios sem levantar oposição. Nicon, no entanto, não era homem gentil e com tato e pressionou com seu programa, sem considerar os sentimentos dos outros. Em particular, ele insistiu que o sinal da cruz, na época em questão, feito pelos russos com dois dedos, fosse feito da maneira grega com três dedos. Isso pode ser visto como um assunto trivial, mas deve ser lembrado quão grande importância Ortodoxos em geral e os russos em particular sempre deram a ações rituais, aos gestos simbólicos pelos quais a crença interna de um Cristão, constitui uma troca de fé. A divergência no sinal da cruz levantou concretamente a questão completa de Ortodoxia russa. A fórmula grega com três dedos era mais recente que a forma russa com dois: porque deveriam os russos, que permaneceram leais aos modos antigos, serem forçados a aceitar uma inovação grega "moderna"?

Neronov e Avvakum, junto com muitos outros clérigos, monges e leigos, defenderam as velhas práticas russas e se recusaram a aceitar as modificações de Nicon ou usar os novos livros de Oficio que ele editara. Nicon não era homem de tolerar qualquer discordância, e ele exilou e prendeu seus oponentes: em alguns casos eles foram até mesmo mortos. No entanto, apesar da perseguição, a oposição continuou. Apesar de Neronov finalmente submeter-se, Avvakum recusou-se a desistir e, após dez anos de exílio, finalmente foi queimado numa estaca. Seus apoiadores o viram como um santo e mártir pela fé. Aqueles que como Avvakum desafiaram a Igreja oficial com seus Niconicos livros de Oficio formaram uma seita separada (raskol) conhecida como Velhos Crentes (seria mais exato de chamá-los de Velhos Ritualistas). Assim, levantou-se na Rússia do século dezessete um movimento de dissidência; mas se nós compararmos essa com a dissidência inglesa do mesmo período, nós notaremos duas grandes diferenças. Primeiro, os Velhos Crentes — os dissidentes russos — divergiram da Igreja Oficial só no ritual, não na doutrina; segundo, enquanto a dissidência inglesa foi radical — um protesto contra a Igreja oficial por não levar a reforma suficientemente longe — a dissidência russa foi o protesto dos conservadores contra a Igreja oficial que a seus olhos tinha levado as reformas muito longe.

O cisma dos Velhos Crentes continua até os dias presentes. Antes de 1917 seu número oficialmente estava assentado em dois milhões, mas realmente pode ter sido até cinco vezes maior. Eles eram divididos em dois grupos importantes, os popovtsy que mantiveram o presbiterado e que, desde 1846, possuem sua própria sucessão de bispos e os Bezpopovtsy, que não têm padres.

Há muito a se admirar na Raskolniki. Eles tinham em suas fileiras os melhores elementos entre o clero paroquial e os leigos no século dezessete na Rússia. Historiadores do passado cometeram uma grande injustiça considerando a disputa toda como meramente uma querela sobre a posição de um dedo, sobre textos, sílabas e letras falsas. A verdadeira causa do cisma esta em outras coisas e estas sim muito mais profundas. Os Velhos Crentes lutaram pelo sinal da Cruz com dois dedos, pelos velhos textos e costumes, não simplesmente como um fim em si mesmo, mas por uma questão de princípio que estava envolvida: eles viam essas coisas como dando corpo à antiga tradição da Igreja, e essa antiga tradição, assim eles sustentavam, tinha sido preservada em sua total pureza pela Rússia e pela Rússia sozinha. Podemos dizer que eles estavam completamente errados? O sinal da Cruz com dois dedos era de fato mais antigo que os de três dedos. Foram os gregos os inovadores e os russos que se mantiveram leais aos velhos costumes. Porque os russos deveriam então ser forçados a adotar a prática grega moderna? Certamente, no calor da controvérsia, os Velhos Crentes levaram seus casos a extremos e sua legítima reverência pela "Santa Rússia" degenerou num nacionalismo fanático; mas Nicon também foi muito longe com sua não crítica admiração por todas as coisas gregas.

"Não temos razão para nos envergonharmos da nossa Raskol" escreveu Khomiakov. "... é o valor de um grande povo, e poderia inspirar respeito num estranho; mas está longe de abarcar toda riqueza do pensamento russo" (ver A.Gratieux, A. S. Khoniakov et le Mouvement Slavophile, Paris, 1939, vol III, pág. 165). Ela não abarca a riqueza do pensamento russo porque ela representa só um simples aspecto do Cristianismo russo, a tradição dos possessores. Os defeitos dos Velhos Crentes eram os defeitos dos servidores de José aumentados: um nacionalismo muito estreito e uma ênfase muito grande nas exterioridades da adoração. Nicon, também apesar de seu helenismo, é no fim um seguidor de José: ele determinou uma absoluta uniformidade das exterioridades da adoração e como os possessores ele livremente invocou o auxílio das forças civis para suprimir todos os oponentes religiosos. Mais do que qualquer outra coisa, foi sua prontidão para valer-se da perseguição que tornou o cisma definitivo. Se o desenvolvimento da vida na Igreja entre 1550 e 1560, na Rússia, tivesse sido menos unilateral, talvez uma separação duradoura teria sido evitada. Se os homens tivessem pensado mais (como Nilo fez) em tolerância e liberdade ao em vez de usar perseguição, então uma reconciliação poderia ter ocorrido; e se eles atentassem mais para oração mística, eles poderiam ter argumentado menos acidamente sobre ritual. Por trás da divisão do século dezessete esteve as disputas do século dezesseis.

Bem como estabelecer práticas gregas na Rússia, Nicon perseguiu um segundo objetivo: fazer a Igreja ser suprema sobre o Estado. No passado, a teoria de relações governamentais entre a Igreja e o Estado tinha sido a mesma na Rússia como em Bizâncio — uma diarquia ou sinfonia de dois poderes coordenados, sacerdotium e imperium, cada um supremo em sua esfera. Na Catedral de Assunção, no Kremlim existiam colocados dois tronos iguais, um para o Patriarca e um para o Tsar. Na prática a Igreja tinha gozado de uma grande medida de independência e influência nos períodos de Kiev e Mongol. Mas sob os Tsares de Moscou, apesar de na teoria os dois poderes permanecerem o mesmo, na prática o poder civil veio a controlar a Igreja mais e mais; a política dos seguidores de José naturalmente encorajou essa tendência. Nicon tentou reverter essa situação. Não só ele demandou que a autoridade do Patriarca fosse absoluta nas questões da Igreja, como também reclamou o direito de intervenção em assuntos civis e assumiu o título de "Grande Senhor," até então reservado exclusivamente para o Tsar. O Tsar Aléxis tinha um grande respeito por Nicon e no começo submeteu-se a seu controle. "A autoridade do Patriarca é tão grande," escreveu Olearius, visitando Moscou em 1654, "que ele de algum modo divide a soberania com o Grande Duque." (Palmer, The Patriarch and the Tsar, vol II, pág. 407).

Mas depois de algum tempo Aléxis começou a se ressentir da influência de Nicon nos assuntos seculares. Em 1658 Nicon, talvez com esperança de restaurar sua influência, decidiu por um passo muito curioso: ele retirou-se para uma semi-aposentadoria, mas não resignou ao posto de Patriarca. Por oito anos a Igreja Russa permaneceu sem um chefe efetivo até que, por requisição do Tsar, um grande Concílio reuniu-se em Moscou entre 1666 e 1667, sobre a presidência dos Patriarcas de Alexandria e Antioquia. O Concílio decidiu a favor das reformas de Nicon, mas contra sua pessoa. As modificações de Nicon nos livros de Ofícios e acima de tudo sobre o sinal da Cruz foram confirmadas mas Nicon foi deposto e exilado, sendo apontado um novo Patriarca para seu lugar. O Concílio foi assim um triunfo para a política de Nicon de impor práticas gregas à Igreja russa, mas uma derrota para sua tentativa de colocar a Sé do Patriarca acima do Tsar. O Concílio reconfigurou a teoria bizantina de uma harmonia de poderes iguais.

Mas as decisões do Concílio de Moscou sobre as relações de Igreja e Estado não permaneceram em vigor por muito tempo. O pêndulo que Nicon puxou muito em uma direção, logo voltou noutra direção com redobrada violência. Pedro, o Grande (reinou de 1682 a 1725) suprimiu o cargo de Patriarca, cujos poderes Nicon havia ambiciosamente lutado para engrandecer.

 

O Período sinódico (1700-1791).

Pedro estava determinado a que não existissem mais Nicons. Em 1700, quando o Patriarca Adriano morreu, Pedro não tomou nenhuma medida para apontar seu sucessor e, em 1721, ele fez publicar o célebre Regulamentos Espirituais, que declarava estar o Patriarcado abolido e colocava em seu lugar uma comissão, o Colégio Espiritual do Santo Sínodo. Este era composto por doze membros, três dos quais eram bispos e o resto tirado de chefes de mosteiros ou do clero casado.

A constituição do Sínodo não estava baseada na Lei Canônica Ortodoxa, mas copiada dos Sínodos eclesiásticos protestantes da Alemanha. Seus membros não eram escolhidos pela Igreja mas nomeados pelo Imperador e o Imperador que nomeava podia também, à sua vontade, demiti-los. Enquanto um Patriarca, tendo o cargo pela vida toda, poderia talvez desafiar o Tsar, a um membro do Sínodo não era permitido nenhum ato de heroísmo, pois ele seria simplesmente retirado. O Imperador não era chamado "Chefe da Igreja," mas havia se lhe dado o título de "Juiz Supremo do Colégio Espiritual." Reuniões do Sínodo não eram assistidas pelo Imperador em pessoa, mas por um oficial do governo, o Procurador Chefe. O Procurador, apesar de se sentar numa mesa separada e não tomar parte nas discussões, na prática tinha considerável poder sobre os assuntos da Igreja, e era de fato, ainda que não de nome, um "Ministro da Religião."

Os Regulamentos Espirituais viam a Igreja não como uma instituição divina, mas como um departamento de Estado. Baseado principalmente em proposições seculares ele fazia poucas concessões para aquilo que era chamado pela reforma inglesa de "Direitos de Coroa do Redentor." Isso era verdade não só com relação à alta administração da Igreja, mas também para muitas de suas outras regras. Um padre que ouvisse, durante a confissão, qualquer esquema que o governo considerasse sedição, era ordenado a violar o segredo do sacramento e suprir a polícia com nomes e detalhes completos. O monasticismo era grosseiramente acusado de ser origem de inumeráveis desordens e perturbações e colocado sob muitas restrições. Novos mosteiros não podiam ser fundados sem permissão especial; monges eram proibidos de viver como eremitas; nenhuma mulher abaixo da idade de cinqüenta anos era autorizada a fazer votos como monja.

Existia um propósito deliberado por trás dessas restrições aos mosteiros — centros principais de trabalhos sociais na Rússia nesse tempo. A abolição do Patriarcado era parte de um processo maior: Pedro procurava não só privar a Igreja de liderança, mas também eliminar a participação dela em qualquer trabalho social. Os sucessores de Pedro circunscreveram os trabalhos dos mosteiros ainda mais drasticamente. Elizabeth (reinou de 1741-1762), confiscou a maioria das propriedades monásticas e Catarina II (reinou 1762-1796) suprimiu mais da metade dos mosteiros e nos que permaneceram abertos, ela impôs um estrito limite ao número de monges. O fechamento dos mosteiros foi um desastre nas províncias mais distantes da Rússia, onde eles eram virtualmente os únicos centros culturais e de caridade. Mas apesar do trabalho social da Igreja ter sido gravemente restringido, ele nunca cessou completamente.

O Regulamentos Espirituais deixaram vivas leituras, particularmente em seus comentários sobre comportamento do clero. Fomos informados que padres e diáconos "estando bêbados, pelas ruas, ou o que é pior, ao beber dão vivas ou saúdam a Igreja," bispos estão obrigados a controlar que o clero" não ande de maneira indolente, fazendo som monótono, nem se deitem pelas ruas para dormir, não bebam em tavernas nem se gabem da força de seus chefes" ( The Spiritual Regulations, traduzido por Thomas Consett no The Presente State and Regulations of the Church of Rússia, London, 1729, pp. 157 — 158). Teme-se que apesar dos esforços do movimentos de reforma do século precedente, essas restrições não eram inteiramente injustificadas.

Existem também alguns vívidos conselhos para os padres:

Um padre não tem ocasião para empurrar ou suspirar como se estivesse remando um barco. Não tem necessidade de bater palmas, nem colocar seus braços para o alto, nem pular ou saltar, nem dar risadinhas ou gargalhar, nem tem qualquer razão para lamentações horrendas com urros. Pois ele não deveria estar nunca tão aflito em espírito, porque essas emoções são todas supérfluas e indecentes, e perturbam a Audiência. (Consett, op citado, pág. 80. O caráter pitoresco de estilo deve-se mais a Consett que ao original russo).

Demasiado para os Regulamentos Espirituais.As reformas religiosas de Pedro naturalmente levantaram oposição na Rússia, mas ela foi rudemente silenciada,. Fora da Rússia o respeitável Dositeu fez um vigoroso protesto; mas as Igrejas Ortodoxas sob domínio turco não estavam em posição de intervir efetivamente e em 1723 os quatro antigos Patriarcas aceitaram a abolição do Patriarcado de Moscou e reconheceram a constituição do Santo Sínodo.

O sistema de governo da Igreja que Pedro estabeleceu continuou em vigor até 1917. O período sinódico na historia da Igreja russa é usualmente representado como um período de declínio, com a Igreja em completa subserviência ao Estado. Certamente um olhar superficial ao século dezoito serviria para confirmar esse veredicto. Foi um período de uma ocidentalização doentia da arte na Igreja, da música da Igreja e da teologia. Aqueles que se rebelaram contra o seco escolasticismo das academias teológicas voltaram-se não para os ensinamentos de Bizâncio e da velha Rússia, mas para movimentos religiosos ou pseudo- religiosos do ocidente contemporâneo: misticismo protestante, pietismo alemão, maçonaria (os Ortodoxos são terminante proibidos, sob pena de excomunhão, de se tornarem maçons) e para outros movimentos semelhantes. Proeminentes entre o alto clero eram prelados da corte como Ambrosio (Zertiss-Kamensky), Arcebispo de Moscou e Kaluga, que na sua morte em 1771 deixou (entre outras possessões) 252 camisas de fino linho e nove óculos com armação de ouro.

Mas esse é um lado só, do quadro do século dezoito. O Santo Sínodo, apesar de sua objetável constituição teórica, na prática governava eficientemente. Homens de Igreja reflexivos estavam alertas para com os defeitos das reformas de Pedro e submetiam-se a elas sem necessariamente concordar. A teologia estava ocidentalizada, mas os padrões de ensino eram altos. Por trás da fachada de ocidentalização, a verdadeira vida da Rússia Ortodoxa continuava sem interrupção Ambrosio Zertiss- Kamensky representou um tipo de bispo russo, mas existiram outros bispos de caráter muito diferente, verdadeiros monges e pastores, tais como Santo Tikon de Zadonsk (1724-1783), bispo de Voronezh. Grande pregador e escritor fluente. Tikon é particularmente interessante como exemplo de alguém que, como a maioria de seus contemporâneos, foi fortemente influenciado pelo ocidente, mas que ao mesmo tempo permaneceu firmemente enraizado na tradição clássica da espiritualidade Ortodoxa. Ele seguiu muitos exemplos de livros de devoção alemães e anglicanos; suas meditações detalhadas sobre os sofrimentos físicos de Jesus são mais típicos do Catolicismo Romano do que da Ortodoxia; na sua própria vida de oração ele passou por uma experiência similar a da noite escura da alma, como descrito por místicos ocidentais como São João da Cruz. Mas Tikon foi também parecido externamente a Teodósio e Sérgio, a Nilo e aos não-possessores como muitos Santos russos, leigos e monges ao mesmo tempo. Ele tinha especial prazer em ajudar os pobres e ficava mais feliz quando estava conversando com gente simples — camponeses, mendigos e até mesmo criminosos.

A segunda parte do período Sinódico, o século dezenove, apesar de ser um período de declínio, foi um tempo de grande renascimento na Igreja russa. Houve um afastamento de movimentos religiosos e pseudo-religiosos do Ocidente contemporâneo e procurou-se de novo as forças espirituais da Ortodoxia. Mano a mano com esse renascimento da vida espiritual ocorreu um novo entusiasmo pelo trabalho missionário. Tanto na teologia, assim como na espiritualidade, a Ortodoxia se libertou de uma imitação eslava do ocidente.

Foi no Monte Athos que esse renascimento religioso teve origem. Um jovem russo da Academia Teológica de Kiev, Paissy Velichkovsky (1722-1794), horrorizado pelo tom secular do ensinamento escapou para o Monte Athos e ali tornou-se monge. Em 1763 ele foi para a Romênia e tornou-se abade do Mosteiro de Niamets, que ele tornou num grande centro espiritual, juntando ao redor dele mais de 500 irmãos. Sob sua direção, a comunidade devotou-se especialmente ao trabalho de traduzir padres gregos para o eslavônio. No Monte Athos Paissy tinha aprendido em primeira mão sobre a tradição hesicasta e ele nutriu uma forte simpatia por seu contemporâneo Nicodemus. Ele fez uma tradução para o eslavônio da Filocalia, que foi publicada em Moscou em 1793. Paissy punha grande ênfase sobre a prática da oração contínua acima de tudo na oração do coração e a necessidade de obediência a um ancião ou staretz. Ele foi fortemente influenciado por Nilo e os não-possessores, mas ele não perdeu de vista os bons elementos da forma de monasticismo dos seguidores de José: ele deu mais espaço que Nilo para as orações litúrgicas e trabalho social e desse modo ele tentou, como Sérgio, combinar a mística com os aspectos corporativos e sociais da vida monástica.

Paissy nunca retornou à Rússia, mas muitos dos seus discípulos viajaram da Romênia para lá e sob a inspiração deles um renascimento monástico espalhou-se pela Rússia. Casas existentes foram revigoradas e muitas novas foram fundadas: em 1810 existiam 452 mosteiros na Rússia, enquanto que em 1914 existiam 1025. Esse movimento monástico, enquanto no seu aspecto externo estava preocupado em servir ao mundo, restaurou no centro da vida da Igreja a tradição dos não-possessores fortemente suprimida desde o século dezesseis. Ele foi marcado em particular pela prática altamente desenvolvida de orientação espiritual. Apesar do "Velho" ter sido uma figura característica em muitos períodos da história Ortodoxa, o século dezenove na Rússia, foi por excelência a época dos staretz.

O primeiro e grande dos staretz do século dezenove foi São Serafim de Sarov (1759-1833) que de todos os santos da Rússia é talvez o mais atrativo aos Cristãos não-Ortodoxos. Tendo entrado no Mosteiro de Sarov com dezenove anos, Serafim primeiro passou dezesseis anos na vida comum da comunidade. Então se retirou para passar os seguintes vinte anos em isolamento, vivendo primeiro numa cabana na floresta, depois (quando seus pés incharam e ele não podia mais andar com facilidade) recluso numa cela no mosteiro. Esse foi seu treinamento para a função de staretz . Finalmente em 1815 ele abriu a porta de sua cela. Da aurora à noite ele recebia todos que vinham a ele buscar ajuda, curando os doentes, dando conselhos, freqüentemente dando respostas antes que seu visitante tivesse tempo para fazer qualquer pergunta. Muitos, mesmo centenas, iam vê-lo num único dia. O modelo externo da vida de São Serafim lembra a de Santo Antonio ou (Antão) do deserto do Egito quinze séculos antes: a mesma retirada para depois voltar. Serafim é olhado corretamente como um santo caracteristicamente russo, mas ele é ao mesmo tempo um exemplo impressionante de quanto a Ortodoxia russa tem em comum com Bizâncio e com a tradição Ortodoxa universal ao longo dos séculos.

Serafim foi extremamente severo consigo próprio (num período de sua vida ele passou mil noites sucessivas em oração contínua, permanecendo imóvel através das longas horas sobre uma rocha), mas ele era gentil com os outros, sem no entanto ser sentimental ou indulgente. O ascetismo não o tornou melancólico e se alguma vez a vida de um santo foi iluminada com alegria, ela foi a vida de Serafim. Ele praticava a Oração do Coração e, como aos hesicastas bizantinos, a ele também foi dada a visão da Luz Divina e Não Criada. No caso de Serafim, na verdade a Luz Divina tomava uma forma visível transformando seu corpo. Um dos "filhos espirituais" de Serafim, Nicolas Motovilov, descreveu o que aconteceu num dia de inverno quando eles dois estavam conversando na floresta. Serafim tinha falado sobre a necessidade de adquirir o Espírito Santo e Motovilov perguntou como alguém poderia estar seguro de "estar no Espírito de Deus":

Então pai Serafim me pegou firmemente pelos ombros e disse :"Meu filho, nesse momento nós estamos ambos no Espírito de Deus. Porque tu não olhas para mim?

"Eu não posso olhar, Pai," eu respondi, "Porque seus olhos estão brilhando como faróis. Tua face se tornou mais brilhante que o sol e machuca meus olhos olhar para ti."

"Não tenha medo," ele disse. "Nesse instante tu próprio te tornaste tão brilhante quanto eu. Tu mesmo estás agora na totalidade do Espírito de Deus; de outro modo tu não conseguirias me ver como estás vendo."

Então inclinando sua cabeça para mim, ele murmurou docemente no meu ouvido: "Graças ao Senhor Deus por sua infinita bondade para conosco ... Mas porque meu filho, tu não olhas nos meus olhos! Olhes e não tenha medo: o Senhor está conosco."

Depois dessas palavras eu dei uma olhada rápida em sua face e veio sobre mim um temor reverente ainda maior. Imaginem no centro do sol, em sua luz deslumbrante do meio-dia, a face de um homem falando a vós. Vos veríeis o movimento de seus lábios e a expressão mutável de seus olhos, vos ouviríeis a sua voz, vós sentiríeis alguém segurando vossos ombros, ainda que não vísseis mãos segurando os ombros, vós não veríeis sequer vossos próprios corpos, mas somente uma luz cegante espalhando-se por muitos metros e iluminando com seu brilho a cobertura de neve que cobria a floresta e os flocos de neve que continuavam a cair incessantemente....

"O que tu tens?" Pai Serafim me perguntou.

"Um incomensurável bem estar," eu respondi.

"Mas que tipo de bem estar? Como exatamente tu estas se sentindo?"

"Eu sinto tanta calma," eu respondi, "tanta paz na minha alma que não existem ´palavras para expressar o que eu sinto."

"Essa," disse Pai Serafim, "é a paz da qual o Senhor falou para Seus discípulos: "Essa é a Minha paz que Vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá" (Jo 14;27). A paz que excede todo entendimento (Fi, 4,7). O que mais tu sentes?"

"Infinita alegria em todo meu coração."

E pai Serafim continuou: "Quando o Espírito de Deus desce sobre o homem e engolfa-o com a totalidade de sua presença, então a alma do homem flutua com alegria indescritível, pois o Espírito Santo preenche com júbilo tudo que Ele toca..." (Conversation of Saitn Serafin on the Aim of the Christian Life, Impresso em A Wonderful Revelation to the World, Jordanville, N.Y., 1953, págs.23-25)

E assim a conversa continua. A passagem inteira é de extraordinária importância para o entendimento da doutrina Ortodoxa da deificação e união com Deus. Ela mostra como a idéia Ortodoxa de santificação inclui o corpo: não é só a alma de Serafim (ou de Motovilov), mas todo o corpo que é transfigurado e pela graça de Deus. Devemos notar que nem Serafim nem Motovilov estavam em estado de êxtase, ambos podiam conversar de maneira coerente e estavam ainda conscientes do mundo exterior, mas ambos estavam preenchidos com o Espírito Santo e circundados pela luz do tempo que há de vir.

Serafim não teve professor na arte da orientação espiritual e não deixou sucessor. Depois de sua morte o trabalho foi tomado por outra comunidade, o Mosteiro de Optino. De 1829 a 1923, quando o mosteiro foi fechado pelos bolcheviques, uma sucessão de startsi orientou muitos e sua influência estendeu-se como a de Serafim, sobre toda a Rússia. Os mais conhecidos dos startsi de Optino são Leonid (1768-1841), Macarius (1788-1860) e Ambrosio (1812-1891). Ao mesmo tempo que todos esses startsi pertenceram à escola de Paissy e eram todos devotados à Oração do Coração, cada um deles teve um caráter marcadamente de si próprio: Leonid, por exemplo, era simples, vivaz e direto, atraindo especialmente camponeses e mercadores, enquanto Macarius era altamente educado, um erudito em Patrística, um homem em contato estreito com os movimentos intelectuais de seu tempo, Optino influenciou muitos escritores incluindo Gogol, Khomiakov, Dostoyevsky, Solovieu e Tolstoi. (A historia de Tolstoi e sua relação com a Igreja Ortodoxa é extremamente triste. No fim de sua vida ele publicamente atacou a Igreja com grande violência e o Santo Sínodo, após algumas hesitações, o excomungou (fev. 1901). Quando ele jazia agonizante na casa do chefe de estação de Astapovo, um dos staretz de Optino viajou para vê-lo, mas teve seu acesso vetado pela família de Tolstoi). A figura marcante de Zossimo na novela de Dostoyevsky, os Irmãos Karamazov foi baseada parcialmente em pai Macárius ou Pai Ambrósio de Optino, apesar de Dostoyevsky dizer que havia se inspirado principalmente na vida de São Thinkon de Zadonsk.

"Existe uma coisa mais importante que todos os possíveis livros e idéias, " escreveu o eslavófilo Ivan Kireyevsky " que é encontrar um staretz Ortodoxo diante de quem tu podes colocar todos teus pensamentos e de quem tu podes ouvir não a tua própria opinião, mas sim o julgamento dos Santos Padres. Deus seja louvado por tais startsi, ainda não desapareceram na Rússia." (citado por Metropolita Serafim [de Berlin e Europa Ocidental], L’Eglise Orthodoxe, paris, 1952, pág. 219).

Através dos startsi, o renascimento monástico influenciou a vida do povo todo. A atmosfera espiritual desse tempo é vividamente expressa em um livro anônimo, Relatos de um Peregrino Russo, que descreve as experiências de um camponês russo que vagueia de lugar para lugar praticando a Oração do Coração. Para aqueles que não sabem nada sobre a Oração do Coração, não pode haver melhor introdução que esse pequeno livro, que mostra que a Oração do Coração não é limitada a mosteiros, mas pode ser usada por todos, em qualquer forma de vida. Enquanto viaja, o peregrino carrega consigo uma cópia da Philocalia, presumivelmente a tradução eslavônia feita por Paissy. O Bispo Teófano, o Recluso (1815 — 1894), durante os anos de 1876 a 1890, publicou uma tradução muito expandida da Philocalia em cinco volumes, não em eslavônio mas em russo.

Até aqui nós falamos principalmente do movimento centrado nos mosteiros mas entre as grandes figuras da Igreja russa, no século dezenove, existiu também um membro do clero paroquial casado, João Sergiev (1829 — 1908), usualmente conhecido como João de Kronstadt, porque durante seu ministério ele trabalhou nesse lugar, Kronstadt, uma base naval e subúrbio de Petersburgo. O padre João é mais lembrado por seu trabalho como padre paroquial, visitando os pobres e os doentes, organizando trabalhos caritativos, ensinando religião para as crianças de sua paróquia, pregando continuadamente, e acima de tudo rezando com e para seu rebanho. Ele tinha uma intensa consciência do poder da oração, e quando ele celebrava a Liturgia era inteiramente arrebatado: "Ele não conseguia manter a medida prescrita da entonação litúrgica: ele clamava por Deus; ele gritava; ele chorava em face do Gólgota e da Ressurreição que se apresentavam para ele com um atordoante imediatismo" (Fedotov, A treasury of Russian Spirituality, pág 348). O mesmo sentido de imediatismo pode ser sentido em todas as páginas da autobiografia que o padre João escreveu, My Life in Christ. Como São Serafim, ele possuía o dom da cura, de percepções e entendimento e de orientação espiritual.

Padre João insistia em comunhão freqüente, apesar de na Rússia de seu tempo era completamente não usual os leigos comungar mais do que quatro ou cinco vezes por ano. Porque ele não tinha tempo para ouvir individualmente confissões de todos que vinham para comungar, ele estabeleceu uma forma de confissão pública, como todos gritando seus pecados simultaneamente. Ele tornou a iconostase num anteparo baixo, de modo a que o altar e os celebrantes ficassem visíveis durante o Oficio. Na sua ênfase na comunhão freqüente e na sua reversão para formas mais antigas de iconostase, padre João antecipou os desenvolvimentos litúrgicos da Ortodoxia contemporânea. Em 1964 ele foi proclamado Santo pela Igreja Russa no exílio.

Na Rússia do século dezenove houve um impressionante renascimento do trabalho missionário. Desde os dias de Mitrofan de Sarai e de Estevão de Perm, os russos tinham sido ativos missionários, e quando o poder moscovita avançou para o leste, foi aberto um grande campo para a evangelização de tribos nativas e de mongóis maometanos. Mas apesar da Igreja nunca ter cessado de mandar pregadores para os pagãos, nos séculos dezessete e dezoito os esforços missionários enfraqueceram particularmente depois do fechamento dos mosteiros por Catarina. Mas no século dezenove o desafio missionário foi retomado com nova energia e entusiasmo; a Academia de Kazan, aberta em 1842, esteve especialmente preocupada com estudos missionários e o clero nativo foi treinado; as escrituras e Liturgia foram traduzidas numa grande variedade de línguas. Só na área de Kazan, a Liturgia era celebrada em vinte e duas línguas ou dialetos.

É significativo que um dos primeiros líderes do renascimento missionário, o Arquimandrita Macarius (Glukharev, 1792-1847), foi um estudante do hesicasmo e conheceu os discípulos de Paissy Velichkovsky. O renascimento missionário teve suas raízes no renascimento da vida espiritual. O maior dos missionários do século dezenove foi Inocente (João Veniaminov, 1797-1879), Bispo de Kamchatka e das Ilhas Aleutas, que foi proclamado Santo em 1977. Sua diocese era do Estreito de Bhering até o Alaska, que naquele tempo pertencia à Rússia. Inocente desempenhou um papel importante no desenvolvimento da Ortodoxia das Américas, e milhões de Ortodoxos americanos hoje, podem olhar para ele com um de seus principais "Apóstolos."

No campo da teologia, a Rússia do século dezenove rompeu com sua excessiva dependência do ocidente. Isso foi principalmente devido ao trabalho de Aléxis Khomiakov (1804-1860), líder do círculo eslavófilo e talvez o primeiro teólogo original da história da Igreja Russa. Um proprietário de terras rurais e capitão da cavalaria aposentado, Khomiakov pertenceu à tradição de teólogos leigos que sempre existiu na Ortodoxia. Khomiakov argumentava que todo o Cristianismo ocidental, Romano ou Protestante, partilhavam das mesmas assunções e revelavam os mesmo pontos de vista fundamentais, enquanto a Ortodoxia é algo inteiramente distinto. Considerando que assim seja (Khomiakov continuava), não é suficiente para a Ortodoxia tomar emprestada a teologia do Ocidente, como estivera fazendo desde o século dezessete, ao invés de usar argumentos protestantes contra Roma, e argumentos romanos contra os Protestantes, os Ortodoxos deveriam retornar para suas próprias fontes autênticas, e redescobrir a verdadeira tradição Ortodoxa, que em suas pressuposições básicas, não é nem romana e nem reformada, mas única. Como seu amigo G. Samarin colocou, antes de Khomiakov "nossa escola Ortodoxa de teologia não estava em posição de definir nem latinismo nem protestantismo, porque separavam suas posições próprias da Ortodoxia, ela tinha se dividido em duas, e cada uma dessas metades tinha tomado uma posição verdadeiramente oposta a sua metade oponente, latina ou protestante, mas não acima dela." Foi Khomiakov quem primeiro olhou para o latinismo e para o protestantismo do ponto de vista da Igreja, conseqüentemente de uma posição mais elevada; e essa é a razão pela qual ele foi capaz de definir o latinismo e o protestantismo (citado em Birkbeck, Rússia and the English Church, pág. 14). Khomiakov estava particularmente preocupado com a doutrina da Igreja, sua unidade e autoridade; e aí ele deu uma contribuição duradoura à teologia Ortodoxa.

Khomiakov durante sua vida exerceu pouca ou nenhuma influência sobre a teologia ensinada nas academias e seminários, mas nesses locais também houve uma crescente independência da influência ocidental. Em 1900 a teologia acadêmica russa estava em seu pico, e existiram muitos teólogos, historiadores e liturgistas, inteiramente treinados em disciplinas acadêmicas ocidentais, que no entanto não permitiram que influências ocidentais distorcessem sua Ortodoxia. Nos anos seguintes a 1900 houve também um importante renascimento fora das escolas teológicas.Desde o tempo de Pedro, o Grande, a descrença tinha se tornado comum entre os "intelectuais" russos, mas nesses anos citados, um bom número de pensadores, por vários rumos, acabou encontrando seu caminho de volta à Igreja. Alguns eram ex-marxistas, como Sergio Bulgakov (1874-1944) (posteriormente ordenado presbítero) e Nicolas Berodyaev (1874-1948). Ambos subseqüentemente tiveram um papel importante na vida da imigração russa em Paris.

Quando se reflete sobre a vida de Thikon e Serafim, sobre os startsi de Potino e sobre João de Kronstadt, no trabalho missionário e teológico no século dezenove na Rússia, e que se pode ver como é injusto olhar para o período Sinodal simplesmente como um período de declínio. Um dos historiadores da Igreja Russa, professor Kartashev (1875-1960), disse com razão:

A subjugação foi enobrecida de dentro para fora pela humildade cristã ( ... ) A Igreja Russa sofreu sob o peso do regime, mas ela superou isso de dentro. Ela cresceu, se espalhou e floresceu de muitas maneiras diferentes, Assim o período do Santo Sínodo poderia ser chamado do mais brilhante e glorioso período da história da Igreja russa. (artigo no periódico, The Christian East, vol XVI, 1936, págs. 114 e 115).

Em 15 de agosto de 1917, seis meses depois da abdicação do Imperador Nicolas II, quando o governo provisório estava no poder, um concilio da Igreja de toda as Rússias foi reunido em Moscou, e não se dispersou até setembro do ano seguinte. Mais da metade dos delegados eram leigos — bispos e clero presentes somavam 250, os leigos 314 — mas (como o direito canônico exigia) a decisão final em questões especificadamente religiosas era reservada somente para os bispos. O Concílio analisou um amplo programa de reforma, seu ato principal tendo sido a abolição da forma Sinodal do governo implantada por Pedro, o Grande, e a restauração do Patriarcado. A eleição do Patriarca ocorreu em 5 de novembro de 1917. Em uma série de votações preliminares, três candidatos foram selecionados; mas a escolha final entre esses três foi por sorteio. Na primeira votação Antony (Khrapovitsky), Arcebispo de Kharkov, saiu em primeiro com 101 votos; depois Arsênio, Arcebispo de Novgorod, com 27 votos;e terceiro Tikhon (Beliavin), Metropolita de Moscou (1866-1925); com 23 votos. Mas quando o sorteio foi feito, foi o último desses três candidatos, Tikhon, que na realidade foi escolhido como Patriarca.

Eventos externos deram uma nota de urgência às deliberações. Nas primeiras sessões os membros podiam ouvir o som da artilharia bolshevik bombardeando o Kremlin, e dois dias antes da eleição do Patriarca, Lenin e seus associados ganharam o comando completo de Moscou. A Igreja não dispôs de tempo para consolidar o trabalho da reforma. Antes que o Concílio fosse encerrado no verão de 1918, seus membros souberam com horror do brutal assassinato de Vladimir, Metropolita de Kiev, pelos Bolsheviks. A perseguição havia começado.

 

 

O Século Vinte.

Gregos e Árabes.

A Igreja Ortodoxa de hoje existe em duas situações contrastantes: fora da esfera comunista, estão quatro antigos Patriarcados e a Grécia e, sob o comunismo estão as igrejas eslavas e a Romênia. Enquanto o comunismo só afeta a periferia dos mundos católicos romano e protestante, no caso da Igreja Ortodoxa, a vasta maioria de seus membros vive em estados comunistas. No momento presente existem entre sessenta e noventa milhões de ortodoxos praticantes — o número de batizados é consideravelmente maior — e desses mais de oitenta e cinco por cento estão em países comunistas.

Segundo essa óbvia linha de divisão, neste capítulo nós vamos considerar as igrejas ortodoxas fora do bloco comunista e no próximo a posição da ortodoxia no "segundo mundo." O terceiro capítulo é dedicado à dispersão da ortodoxia em outras partes do mundo e à atividade missionária ortodoxa no tempo presente.

Das sete igrejas ortodoxas que não estão sob o domínio comunista, quatro — Constantinopla, Grécia, Chipre e Sinai — são predominantemente ou exclusivamente gregas, uma, Alexandria, é parcialmente grega, parcialmente árabe e africana. As duas restantes, Antioquia e Jerusalém, são, principalmente árabes, apesar de em Jerusalém, a alta administração da Igreja estar em mãos gregas.

O Patriarcado de Constantinopla, que no século X compreendia 624 dioceses, hoje está significativamente reduzido em tamanho. No presente, na jurisdição do Patriarca, estão: Turquia, Creta e várias outras ilhas do mar Egeu, todos os gregos na dispersão, junto com certas dioceses russas, ucranianas, polonesas e albanesas na emigração, Monte Atos e Finlândia.

Isso tudo junta cerca de três milhões de pessoas, mais da metade sendo gregos moradores na América do Norte.

No fim da primeira guerra mundial, a Turquia tinha uma população de um milhão e quinhentos mil gregos, mas a maior parte deles foram massacrados ou deportados no final da desastrosa guerra greco — turca de 1922, e hoje em dia (com exceção da Ilha de Imbros), o único lugar na Turquia onde é permitido que gregos morem é em Istambul (Constantinopla). Mesmo em Constantinopla, o clero ortodoxo (com exceção do Patriarca), é proibido de se mostrar nas ruas com vestes clericais. A comunidade grega na cidade diminuiu muito desde os distúrbios anti — gregos (e anti — cristãos), em setembro de 1955, quando numa única noite sessenta das oitenta Igrejas Ortodoxas em Constantinopla foram danificadas e saqueadas, o dano total das propriedades cristãs tendo atingido a cifra de cinqüenta milhões de libras esterlinas. Desde então, muitos gregos fugiram com medo ou foram forçadamente deportados e existe um grave perigo que o governo turco venha eventualmente a expelir o Patriarcado. Atenágoras, Patriarca entre 1948 e 1972, infatigável como trabalhador pela unidade cristã e seu sucessor, Patriarca Dimitri, mostram muita paciência e dignidade nessa trágica situação.

O Patriarcado tinha uma conhecida escola teológica na Ilha de Halki, perto de Constantinopla, que em 1950 começou a adquirir um certo caráter internacional, com estudantes não só da Grécia como do oriente próximo em geral. Mas, desafortunadamente, de 1971 em diante as autoridades turcas proibiram a escola de admitir qualquer novo estudante, e existe quase nenhuma perspectiva de que a admissão de novos alunos venha a ser reaberta.

Monte Athos, como Halki, não é somente grego, mas internacional. Dos vinte mosteiros que funcionam, no presente, dezessete são gregos, um russo, um sérvio e um búlgaro; nos tempos bizantinos um dos vinte mosteiros era georgiano, e existem também mosteiros latinos. Fora os mosteiros regulares, existem outras casas grandes e inumeráveis instalações menores conhecidas como skete ou kellia; existem também eremitas, a maioria dos quais vivem acima de precipícios assustadores na montanha sul da Península, em grutas ou cavernas freqüentemente acessíveis só por escadas de cordas. Assim as três formas de vida monástica, datando do século quarto no Egito — a vida comunitária, a vida semi-eremita, e os eremitas — continuam lado a lado na montanha sagrada, hoje em dia. É uma remarcada ilustração da continuidade da ortodoxia.

O Monte Athos enfrenta muitos problemas, o mais óbvio e sério sendo o declínio espetacular em números e parece que o número continuará a declinar, pois a maioria dos monges de hoje são homens velhos. Apesar de terem existido no passado períodos — por exemplo, no começo do século dezenove, quando os monges eram ainda menos numerosos que hoje, ainda assim o decréscimo súbito nos últimos cinqüenta anos é muito alarmante.

Em muitas partes do mundo ortodoxo de hoje, e não menos em certos círculos da própria Grécia, a vida monástica é vista com indiferença e desprezo e isso é em parte responsável pela falta de novas vocações para o Monte Athos. Outra causa é a situação política. Em 1903 mais da metade dos monges era eslava ou romena, mas depois de 1917 o fornecimento de noviços da Rússia foi cortado, enquanto desde 1945 o mesmo aconteceu com a Romênia e a Bulgária. O Mosteiro russo de São Panteleimon, que em 1904 tinha 1978 membros, em 1959 contava com menos de 60; o vasto skete russo de Santo Elias tem agora menos de cinco monges, enquanto o de Santo André encontra-se fechado; as espaçosas construções de Zographou, a Casa Búlgara, estão virtualmente desertas e no Skete romeno de São João Batista existem 4 ou 5 monges. Em 1966, após demoradas negociações, o governo grego permitiu que 5 monges da União Soviética entrassem em São Panteleimon e que 4 da Bulgária entrassem em Zographou: mas claramente, um recrutamento em escala muito maior é necessário. Das comunidades não-Gregas só o mosteiro Sérvio está em posição ligeiramente melhor, porque alguns jovens foram recentemente autorizados a vir da Iugoslávia para serem recebidos como monges.

Nos tempos Bizantinos a Montanha Santa, era um centro de ensino teológico, mas hoje em dia a maioria dos monges vem de famílias de camponeses e tem muito pouca educação. Isso, apesar de não ser uma situação nova, tem certas conseqüências desafortunadas. Seria de fato triste se o Monte Athos para se modernizar o fizesse a custa dos valores tradicionais e atemporais do monasticismo Ortodoxo; mas enquanto os mosteiros continuarem intelectualmente isolados, ele não poderão dar a sua completa (e inteiramente necessária) contribuição para a vida da Igreja como um todo. Existem sinais de que os lideres do Monte Athos estão conscientes do perigo desse isolamento e estão procurando meios de superar isso. A Escola Athonita de Teologia foi reaberta em 1953, na esperança de atrair e treinar um tipo diferente de noviços. Pai Theoklitos, do mosteiro de Dionysiov, vai regularmente para Atenas e Tessalonica para falar em reuniões, e escreveu um livro importante sobre vida monástica, Entre o Céu e a Terra, assim como um estudo sobre São Nicodemos da Montanha Santa. Pai Gabriel, por muitos anos Abade de Dionysiov, também é bastante conhecido e respeitado na Grécia toda.

Mas seria errado julgar o Monte Athos ou qualquer outro centro monástico por somente números ou produção literária, pois o verdadeiro critério não é tamanho ou escolaridade mas a qualidade da vida espiritual. Se no Monte Athos hoje em dia existem sinais em alguns lugares de uma alarmante decadência, no entanto não pode existir dúvida que a Montanha Santa ainda continua a produzir Santos, Ascetas e homens de oração formando nas traduções clássicas da Ortodoxia. Um dos tais monges foi Pai Silvano (1866-1938), do Mosteiro Russo de São Panteleimon: de formação camponesa, homem simples e humilde, sua vida foi externamente vazia de eventos, mas ele deixou atrás de si algumas profundas e impressionantes meditações, que foram publicadas em várias línguas (ver Arquimandrita Sofrony, The Monk of Mont Athos, E Wisdom from Mont Athos, London 1973-1974 [muito valiosos]). Outro desses monges foi Pai José (morto em 1959), um grego que viveu semi-eremiticamente no Skete Novo, no sul do Monte Athos, e que juntou em torno de si um grupo de monges que sob sua orientação praticavam a Oração do Coração continuamente. Enquanto o Monte Athos tiver entre seus membros, homens como Silvano e José, ele não estará de modo algum falhando em suas tarefas. (o texto acima descreve a situação como estava no Monte Athos em 1960 e 1966. Desde então houve uma notável melhora. Apesar dos Mosteiros não Gregos terem sido capazes de receber somente poucos novos recrutas, em muitas casas gregas houve um surpreendente aumento em números, e muitos dos novos monges são dotados e bem educados. O renascimento é particularmente evidente em Simonos Petras, Phillotheov e Stravonikita. Em todos esse mosteiros há excelentes Abades).

A Igreja Ortodoxa da Finlandia deve sua origem a monges do mosteiro Russo de Valam no lago Laroga, que pregaram entre as tribos finlandesas pagãs em Karelia durante a Idade Média. Os Ortodoxos finlandeses eram dependentes da Igreja Russa até a Revolução mas desde 1923 eles estiveram sob os cuidados espirituais do Patriarcado de Constantinopla, apesar da Igreja Russa não ter aceitado essa situação até 1957. A vasta maioria de Finlandeses são Luteranos, e os 65.000 Ortodoxos compreendem somente 1,5 por cento da população. Existe um seminário Ortodoxo em Kuopio. "Com sua juventude atuante; preocupada com contatos internacionais e ecumênicos, ansiosa por parecer uma comunidade ocidental e européia, ao mesmo tempo guardando suas tradições Ortodoxas, a Igreja Finlândia está talvez destinada a desempenhar um papel importante no testemunho ocidental da Ortodoxia." (J. Meyendorff, L’Eglise Orthodoxe hier et avyourd’hui, Paris 1960, pg. 157).

O Patriarcado de Alexandria tem sido uma Igreja pequena desde a separação dos monofisistas no quinto século, quando a grande maioria dos cristãos do Egito rejeitaram o Concílio de Calcedônia. Hoje eles são 10.000 Ortodoxos no Egito, e talvez 150.000 a 250.000 em outros lugares da África. O chefe da Igreja de Alexandria é conhecido oficialmente como "Papa e Patriarca": no uso Ortodoxo, o título "Papa" não é limitado ao Bispo de Roma. O Patriarca e a maioria do clero são gregos. O continente Africano inteiro fica sob o encargo do Patriarca, e desde que os Ortodoxos estão justo agora iniciando um trabalho missionário na África Central, pode muito bem acontecer que a antiga Igreja de Alexandria, muito diminuída no presente, venha a se expandir por meios novos e inesperados nos anos que virão. (sobre missões na África, ver capítulo 9).

O Patriarcado de Antioquia soma 300.000 Ortodoxos na Síria e Líbano, e talvez mais 150.000 no Iraque e na América (Católicos romanos, uniatas e latinos, somam cerca de 640.000 na Síria e no Líbano). O Patriarca que vive em Damasco tem sido um Árabe desde 1899, mas antes disso, ele e o alto clero eram gregos, apesar da maioria do clero paroquial, e povo do Patriarcado Antioquino terem sido e serem hoje em dia Árabes.

Há uns trinta anos atrás um líder Ortodoxo no Líbano, Padre (hoje Bispo) George Khodre, disse: "Síria e Líbano formam um quadro escuro entre os paises Ortodoxos." Na verdade, até recentemente o Patriarcado de Antioquia podia sem qualquer injustiça ser tomado como um surpreendente exemplo de uma Igreja "Dormente." Hoje em dia há sinais de um despertar, principalmente como resultado do Movimento Jovem do Patriarcado de Antioquia, uma organização notável e inspiradora, originalmente formada por um pequeno grupo de estudantes em 1941-1942. O Movimento Jovem gerou escolas de catecismos, seminários sobre as sagradas escrituras, também publicando um periódico Árabe e outros materiais religiosos. Tomou conta de movimentos sociais, combatendo a pobreza e provendo assistência médica. Encorajou a oração e está tentando restabelecer a comunhão freqüente; e sob sua influência duas excelentes comunidades religiosas foram fundadas em Trípoli e Deir-el-Harf. No Movimento jovem em Antioquia, assim como nos movimentos das "Casas Missionárias" da Grécia, um papel de liderança é desempenhado pelo Laicado.

O Patriarcado de Jerusalém sempre ocupou uma posição especial na Igreja; nunca com grandes números, sua tarefa principal sempre foi guardar os lugares sagrados. Como em Antioquia, Árabes formam a maioria do povo; eles somam cerca de 60.000 mas estão decrescendo, pois antes da guerra de 1948 eram 5000 gregos dentro do Patriarcado e no presente são muito menos (mais ou menos 500). Mas o Patriarca é ainda um grego, e a Irmandade do Santo Sepulcro, que dela zela pelos lugares sagrados, está completamente sob controle grego.

Antes da revolução Bolshevik, um dado notável na vida da Palestina Ortodoxa era o fluxo anual de peregrinos Russo, pois com freqüência encontravam-se mais de 10.000 ao mesmo tempo na Cidade Santa. Em sua maior parte eles eram camponeses velhos, para quem essa peregrinação era o evento mais notável de suas vidas: Depois de um percurso de talvez muitos milhares de quilômetros através da Rússia, eles tomavam um barco na Crimeia e enfrentavam uma viagem que para nós de hoje parece ser de um incrível desconforto, chegando se possível a tempo para a Páscoa (ver Stephen Graham, With the Russian Pilgrim to Jerusalém, London, 1913 — O autor viajou com os peregrinos, e nos dá uma reveladora visão dos camponeses Russos e sua Religiosidade externa). A Missão Espiritual Russa na Palestina assim como cuidava dos peregrinos Russos, fazia um mui valioso trabalho pastoral entre os Árabes Ortodoxos e mantinha um grande número de escolas. Essa Missão Russa foi naturalmente reduzida a partir de 1917, mas não desapareceu inteiramente, e ainda existem três mosteiros Russos em Jerusalém; dois deles recebem moças Árabes como noviças.

A Igreja da Grécia continua a ocupar continua a ocupar um lugar central na vida do país como um todo. Escrevendo nos primeiros anos da década de 1950, um simpatizante anglicano escreveu: "Surpresa! Quando tudo é dito a respeito do espalhamento do secularismo e indiferença, permanece ainda uma nação Cristã num sentido do qual nós no ocidente não podemos ter senão uma pequena concepção." (Hammond, the Waters of Norah, pg. 25). No censo de 1951, de uma população total de 7.632.806, os Ortodoxos somavam 7.432.559, outros Cristãos não mais do que 41107; além disso 112.665 maometanos, 6325 judeus, 29 pessoas de outras religiões, e 121 ateus. Hoje existem muito mais indiferença do que em 1950, e o governo socialista eleito em 1981 começou a tomar medidas para uma separação na Igreja e do Estado; mas a Igreja continua a influenciar profundamente!

As dioceses gregas de hoje em dia, como na Igreja primitiva, são pequenas: existem 78 (contraste com a Rússia antes de 1917, com 67 dioceses para 100 milhões de fieis), e no norte da Grécia muitas dioceses tem menos de 100 paróquias. Como ideal e muito freqüentemente na realidade, o Bispo Grego não, é meramente uma figura administradora distante, mas uma figura acessível com quem seu rebanho pode ter contato pessoal, e em quem os pobres e simples confiam, chamando diariamente para aconselhamento prático e espiritual. O Bispo Grego delega muito menos para o seu clero paroquial que um Bispo no ocidente, e em particular ele reserva para si muito da tarefa de pregação, ainda que nisso seja assistido por um pequeno grupo de monges e/ou de leigos bem instruídos, trabalhando sob sua direção.

Por isso quase nenhum membro do clero casado na Grécia, no passado fazia sermão (Homilia); nem isso é surpresa, pois poucos tinham recebido um treinamento teológico regular. Na Rússia pré-revolucionária todos os Padres paroquiais tinham passado por um seminário teológico, mas na Grécia no ano de 1920 de 4500 membros do clero casado, menos de 1000 tinham recebido mais do que uma simples educação escolar elementar. Por isso o Padre no meio rural grego era fortemente integrado com a comunidade local; usualmente ele era um nativo na cidade à qual servia; depois da ordenação, mesmo sendo Padre ele continuava com seu trabalho anterior, fosse qual fosse — carpinteiro, sapateiro ou mais comumente fazendeiro; ele não era um homem de estudos mais altos que os leigos que os cercavam, muito possivelmente nunca tinha estudado num seminário. Esse sistema teve certas vantagens inegáveis, e em particular significou que a Igreja Grega evitou um golfo e espiritual entre o pastor e o povo, como por exemplo existiu na Inglaterra por séculos. Mas com a elevação dos padrões educacionais da Grécia nos anos recentes, uma modificação no sistema tornou-se necessária. Hoje em dia o Padre necessita de um treinamento mais especializado, e parece que daqui para a frente, a maioria senão todos, os ordenados gregos serão mandados a estudar em um seminário.

As duas universidades mais antigas da Grécia, Atenas e Tessalônica tem Faculdades de Teologia. Não-ortodoxos ficam freqüentemente surpresos com o fato de que a grande maioria dos professores, em ambas as faculdades, é leiga e que muitos dos estudantes não tem intenção de serem ordenados; mas os Ortodoxos consideram natural que os leigos assim como o clero, venham a se interessar por teologia. Muitos estudantes depois ensinam religião em escolas secundárias, e é usual que sejam os mestres-escolas locais que os Bispos escolham como seus pregadores leigos. Somente alguns poucos desses estudantes tornam-se clero paroquial; alguns outros poucos são recebidos como monges, apesar de somente uma minoria desses monges graduados irem viver como membros residentes de um mosteiro: A maioria dos casos eles trabalharão nas equipes de Bispos, ou talvez se tornem pregadores.

Os professores de teologia da Grécia produziram um considerável corpo de trabalhos importantes no último meio século: Pensa-se imediatamente em Chrestos Androutsos, autor de uma famosa Teologia Dogmática publicada pela primeira vez em 1907, e mais recentemente em nomes com P.N. Trembelas, P.I. Bratsiotis, I.N. Karmiris, B. Ioanvides e Ieronymos Kotsoni, o recente Arcebispo de Atenas, um expert em lei canônica. Mas ao mesmo tempo que se reconhece as notáveis conquistas da teologia grega moderna, não se pode negar que ela possui certas falhas. Muitos escritos teológicos gregos, particularmente se comparados, com o trabalho de membros da Imigração Russa, parecem ter um tom árido e acadêmico. A situação mencionada em capítulo anterior continua até hoje, e muitos teólogos gregos estudaram por um período em uma universidade estrangeira, normalmente na Alemanha; e algumas vezes o pensamento religioso Alemão parece ter influenciado seus trabalhos à custa de sua própria tradição Ortodoxa. A teologia na Grécia hoje em dia sofre por conta do divórcio entre os mosteiros e a vida intelectual da Igreja: É uma teologia dos salões de leitura das universidade, mas não uma teologia mística, como nos idos de Bizâncio quando a teologia florescia nas celas monásticas tanto quanto nas universidades. No entanto na Grécia atual existem sinais encorajadores de uma aproximação mais flexível à teologia, e de uma vívida recuperação do Espírito dos Santos Padres.

O que dizer da vida monástica? Em comunidades de homens, a diminuição é alarmante na Grécia continental como era na Ilha do Monte Athos até recentemente, e muitas casas correm o risco de serem fechadas todas juntas. Existem poucos homens instruídos nas comunidades. Mas essa perspectiva sombria é aliviada por surpreendentes exceções, como por exemplo o Mosteiro de Paráclito em Oropos (Atttica) fundado recentemente. Algumas comunidades mais velhas ainda atraem noviços — Por exemplo São João, o evangelista na Ilha de Pathos (sob o Patriarcado Ecumênico). Em Meteora alguns esforços notáveis foram feitos pelo Metropolita Dionysius de Trikkala para reviver a vida monástica. Ali existe uma séria de casas monásticas, penduradas em pináculos rochosos numa parte remota da Tessália, que foram parcialmente repopuladas nos anos 60 (do século vinte) por monges jovens e bem instruídos. Mas o fluxo constante de turistas tornou a vida monástica impossível e quase todos os monges nos anos 70 mudaram-se para o Monte Athos.

Mas enquanto a situação dos mosteiros de homens é freqüentemente crítica, as comunidades de mulheres estão numa situação muito mais vívida, e o número de monjas está aumentando rapidamente. Alguns dos conventos mais ativos são de origem muito recente, tal como convento da Santíssima Trindade em Aegina, datando de 1904, cujo fundador Nektários (Kephalas), Metropolita de Pentápolis (1846-1920), já foi canonizado; ou o convento de Nossa Senhora Auxiliadora em Chios, estabelecido em 1928, que agora já tem 50 membros. O convento da Anunciação em Pathos, iniciado em 1936 pelo Padre Anfilóquio (morto em 1970; talvez o maior pneumatikos ou Pai Espiritual na Grécia pós-guerra) Já tem outros dois conventos ligados a ele, em Rhodes e Kalymnos. (A respeito desse assunto deve-se mencionar também o impressionante Convento Velho Calendarista de Nossa Senhora em Keratea, Attica fundado em 1925, que hoje tem entre 200 e 300 monjas. Sobre os Velhos Calendaristas, ver cap.15).

Nos últimos vinte anos um número surpreendente de obras sobre espiritualidade monástica foi reimpresso na Grécia, incluindo uma nova edição da Philocalia. Parece existir um interesse revivido sobre os tesouros ascéticos e espirituais da Ortodoxia, um desenvolvimento que dá um bom corpo para o futuro dos mosteiros.

A arte religiosa na Grécia está sofrendo uma benvinda transformação. O desprezível estilo ocidental, universal no início do século vinte, tem sido fortemente abandonado em favor da antiga tradição Bizantina. Numerosas Igrejas em Atenas e outros lugares foram redecoradas recentemente com um esquema completo de ícones e frescos, executados em estreita conformidade com as regras tradicionais. O líder desse reviver artístico, Photíus Kontoglou (1896-1965), tornou-se notório por sua descompromissada advocacia da arte Bizantina. Típico de seu pensamento é seu comentário sobre a arte da Renascença Italiana: "Aqueles que enxergam de modo secular dizem que ela progrediu, mas aqueles que a vêem de modo religioso dizem que ela declinou." (C. Cavarnos, Byzantine Sacred Art: Selected Writings of the comtemporany Greek Icon painter Folis Kontoglous, New York, 1957, pg. 21).

A Grécia tem uma contraparte Ortodoxa a Lurdes: A ilha de Tinos, onde em 1823 um ícone milagroso da Virgem com o Menino foi encontrado, enterrado nas fundações de uma igreja em ruínas. Um grande santuário de peregrinação existe hoje no local, que é visitado particularmente pelos doentes, e muitos casos de curas milagrosas ocorreram. Há sempre grandes multidões na ilha por ocasião da Festa da Dormição da Virgem (15 de agosto no calendário Juliano).

Na Igreja Grega nos dias de hoje há um impressionante desenvolvimento do movimento "Lar Missionário," devotado a trabalho evangelizador e educacional. Apostoliki Diaconia ("Serviço Apostólico"), a organização oficial responsável pelo "Missão do Lar," foi fundada em 1930. Ao longo do tempo surgiram numerosos movimentos paralelos, que mesmo colaborando com os Bispos e outras autoridades da Igreja, nasceram da iniciativa privada — Zoe, Sotir, the Orthodox Christian Unions, e outros. O mais antigo, mais influente, e mais controvertido desses movimentos, Zoe ("Vida"), também conhecido como "Fraternidade de Teólogos," foi iniciado pelo Padre Eusébius Matthopoulos em 1907. É de fato uma espécie de ordem semi-monástica, pois todos os seus membros devem ser não-casados, apesar deles não receberem nenhum voto formal e serem livres para deixar a Fraternidade quando quisessem. Cerca de um quarto da Fraternidade são Monges (nenhum dos quais vive regularmente em um Mosteiro) e o resto leigos. Ficamos nos perguntando o quanto Zoe, com sua estrutura monástica aponta o caminho dos futuros desenvolvimentos da Igreja Ortodoxa. No passado a tarefa principal de um Monge oriental era rezar; mas, além desse tradicional tipo de monasticismo, não há espaço na Ortodoxia para ordens Religiosas "Ativas," paralelas aos dominicanos e franciscanos no ocidente, e dedicadas ao trabalho da evangelização do mundo?

Esses movimentos de "Lares Missionários," especialmente Zoe, põe grande ênfase no estudo das Sagradas Escrituras e encorajam a comunhão freqüente. Entre eles, publicam um número impressionante de periódicos e livros, com uma circulação bastante ampla. Sob sua liderança e guia existem hoje 9500 escolas de catecismo (em 1900 existiam poucas, talvez nenhuma na Grécia) e, é afirmando que cinqüenta e cinco por cento das crianças gregas — em algumas paróquias uma proporção mais alta — regularmente assistem as aulas de catecismo. Além dessas escolas, um vasto programa de trabalho para o jovem é realizado: "O período da adolescência," para citar um escritor anglicano, "Quando uma proporção abrangente de nossas crianças perde todo contato vital com a Igreja, é quando os jovens Cristãos gregos começam a ter uma participação ativa na vida de suas comunidades locais" (P. Hammona, The Watersof Marah, pg. 133).

A influência desses movimentos de "Lares Missionários" teve um declínio considerável nas décadas de 1960 e 1970, e em particular as palavras citadas — escritas há mais de vinte e cinco anos atrás — desafortunadamente deveriam hoje ser requalificadas.

A antiga Igreja de Chipre, independente desde o Concílio de Efeso (431), tem atualmente 600 padres e mais de 450.000 fiéis. O sistema turco pelo qual o chefe da Igreja é também o líder civil da população Grega, foi mantido pelos Britânicos quando eles tomaram a ilha em 1878. Isso explica o duplo papel, político e religioso, desempenhado por Makarios, o chefe recente da Igreja Cipriota, "Etnarca" e Presidente, bem como Arcebispo.

A Igreja do Sinai, de algum modo uma "excentricidade" no mundo Ortodoxo, consistindo como é o caso em um único Mosteiro, Santa Catarina, aos pés da montanha de Moises. Existe alguma discordância se o Mosteiro deveria ser qualificado como uma Igreja "Autocéfala" ou "Autônoma" (ver p.314). O Abade, que é sempre um Arcebispo, é eleito pelos Monges e consagrado pelo Patriarca de Jerusalém; o Mosteiro é totalmente independente de controle externo. Triste mencionar que hoje existem menos de vinte monges.

 

Ortodoxia Ocidental.

Olhemos, brevemente, para as comunidades Ortodoxas na Europa Ocidental e na América do Norte. Em 1922, os gregos criaram um Exarcado para a Europa Ocidental, com seu centro em Londres. O primeiro Exarca, Metropolita Germanos (1872-1951), foi sobejamente conhecido por seu trabalho em prol da unidade Cristã e teve um papel destacado e de liderança, no Movimento Fé e Ordem entre as guerras. Em 1962, esse Exarcado foi divido em quatro Dioceses separadas, com Bispos em Londres, Paris, Bonn e Viena; mais Dioceses foram formadas posteriormente na Escandinávia e na Bélgica, e a mais recente de todas (1982), na Suíça. Existem cerca de 130 paróquias na Europa Ocidental, com Igrejas permanentes e clero residentes, e além desses, grupos de Igreja Menores, mas numerosos.

Os centros principais da Ortodoxia Russa na Europa Ocidental, são Munique e Paris. Em Paris, o celebre Instituto São Sérgio de Teologia (sob a jurisdição da jurisdição da Igreja Russa em Paris), fundado em 1925, agiu como um importante ponto de contato entre ortodoxos e não ortodoxos. Particularmente durante o período entre-guerras, o Instituto contou entre os seus numerosos professores, com um grupo extraordinariamente brilhante de "scholars." Esses, anteriormente ou no presente no staff de São Sérgio, incluem: Arcipreste Sérgio Bulgakov (1871-1944), o primeiro Reitor; Bispo Cassiano (1892-1965), seu sucessor; A. Kartashev (1875-1960); G.P. Fedotov (1886-1951), P.Evdokimov (1901-1970), Padre Boris Brobriskoy e o francês Olivier Clément. Três professores, Padres Gerorges Florovsky, Alexander Schmemann, John Meyendorff, mudaram-se para a América, onde tiveram um papel decisivo no desenvolvimento da Ortodoxia Americana. Uma lista de livros publicados pelos professores do Instituto, entre 1925 e 1947, ocupa 92 páginas e inclui setenta livros completos — um feito destacado, rivalizado por muitas poucas Academias (ainda que maiores) de qualquer Igreja. São Sérgio é também conhecido por seu coral, que muito fez para reviver o uso de antigos cantos eclesiásticos da Rússia. Quase que completamente russo entre as duas guerras, agora o instituto capta a maioria de seus estudantes de outras nacionalidades. Em 1981, por exemplo, dos trinta e quatro estudantes, sete eram Russos (sendo seis nascidos na França), sete Gregos, cinco Sérvios, um Georgiano, um Romeno, sete Franceses, dois Belgas, dois da África, um de Israel e um da Holanda. Os cursos são ministrados hoje em dia, principalmente em Francês.

Na Europa Ocidental, durante o período de pós-guerra, existiu, também, um ativo grupo de teólogos Ortodoxos pertencentes ao Patriarcado de Moscou, incluindo Vladimir Lossky (1905-1958), Arcebispo Basil (Kriwocheine) de Bruxelas, Arcebispo Aléxis (Van Der Mensbrugghe) (1899-1980) e Arcebispo Peter (L´Huillier) (atualmente nos Estados Unidos), sendo os dois últimos convertidos para a Ortodoxia. Outro convertido, o Francês Padre Lev (Gillet) (1892-1980), um Padre do Patriarcado Ecumênico, escreveu vários livros, como por exemplo, "Um Monge da Igreja do Oriente"

Muitos mosteiros Russos existem na Alemanha e na França. O maior de todos é o mosteiro para mulheres dedicado ao ícone de Lesna da Santa Mãe de Deus, em Provemont, na Normandia (Igreja Russa no exílio); existe um mosteiro menor para mulheres em Bussy-en-Othe, em Yonne (Arquidiocese Russa para a Europa Ocidental). Na Grã-Bretanha existe o mosteiro de São João Batista, em Tholleshunt Knights, Essex (Patriarcado Ecumênico), fundado pelo Arquimandrita Sofrony, um discípulo do Padre Silvano do Monte Athos, com monges Russos, Gregos, Romenos, Alemães e Suíços, e com uma comunidade para mulheres na proximidade. Existe, também, o mosteiro da Anunciação em Londres (Igreja Russa no exílio), com uma Abadessa Russa e monjas Árabes, e algumas fundações menores em vários lugares.

Na América do Norte existem entre dois e três milhões de Ortodoxos, subdivididos em, no mínimo, quinze nacionalidades e jurisdições, e com um total de mais de quarenta Bispos. Antes da primeira guerra mundial, os Ortodoxos da América, qualquer que fosse sua nacionalidade, procuravam o Arcebispo Russo atrás de liderança e cuidados pastorais, pois entre as nações Ortodoxas, foi a Rússia que primeiro estabeleceu Igreja no novo mundo. Oito monges, principalmente de Valamo, no lago Ladoga, chegaram originalmente no Alaska, em 1794: um deles, Padre Herman, de Spruce Island foi canonizado em 1970. O trabalho no Alaska foi muito encorajado por Inocêncio Veniaminov, que trabalhou no Alaska e na Sibéria Oriental, de 1823 a 1968, primeiro como Padre e depois como Bispo. Ele traduziu o Evangelho de São Mateus, a Liturgia e um Catecismo em Aleutiano. Em 1845, ele criou um mosteiro em Sitka, no Alaska, em 1859 um Episcopado Auxiliar foi instalado lá, o qual tornou-se uma Sé missionária, independente quando o Alaska foi vendido para os Estados Unidos, em 1887. No Alaska, hoje em dia, de uma população total de duzentas mil pessoas, talvez existam vinte mil Ortodoxos, quase todos nativos; o seminário foi reaberto em 1973.

Enquanto isso, na Segunda metade do século XIX, numerosos Ortodoxos começaram a se estabelecer fora do Alaska, em outras partes da América. Em 1872, a Diocese foi transferida de Sitka para São Francisco, em 1905 para Nova York, ainda que um Bispo Auxiliar tenha permanecido no Alaska. Na virada do século, o número de Ortodoxos foi muito aumentado por numerosas Paróquias uniatas que se reconciliaram com a Ortodoxia. O futuro Patriarca Tikhon foi Arcebispo na América do Norte por nove anos (1898-1907). Depois de 1917, quando as relações com a Igreja da Rússia ficaram confusas, cada grupo nacional tornou-se uma organização separada e, surgiu a presente multiplicidade de jurisdições. Muitos vêem, na concessão dada por Moscou de Autocefalia para a OCA (Ortodox Church of American), um esperançoso primeiro passo, na direção da restauração da unidade Ortodoxa na América.

A Ortodoxia Grega, na América do Norte, conta com mais de um milhão de fieis, com mais de quatrocentas Paróquias. São chefiadas pelo Arcebispo Jakovos, que preside um Sínodo de dez Bispos (um mora no Canadá, e outro na América do Sul). A escola teológica Grega da Santa Cruz, em Boston, tem perto de cento e dez estudantes, muitos deles candidatos ao sacerdócio. Os Bispos da Arquidiocese Grega na América vieram, na maioria dos casos da Grécia, mas quase todo o clero paroquial nasceu e foi criado nos Estados Unidos. Existem dois ou três pequenos mosteiros na Arquidiocese Grega; o Mosteiro da Transfiguração, em Boston, muito maior, originalmente Grego, está agora sob a Igreja Russa no exílio.

Os Russos tem quatro seminários teológicos na América: São Vladimir, em Nova York e São Tikhon, em South Canaan Pennsylvania (ambos pertencentes a OCA); Holy Trinity Seminary, em Jordanville, Nova York (Igreja Russa no exílio); e o seminário de Cristo, o Salvador em Johnstown, Pennsylvania (Diocese Carpatho-Russa). Existem vários mosteiros russos, sendo o maior o Holy Trinity, Jordanville, com trinta monges e dez noviços. O mosteiro, além de manter um seminário para estudantes de teologia, tem uma imprensa bastante ativa, que produz livros litúrgicos em Eslavônico de Igreja e outros livros e periódicos em Russo ou Inglês. Os monges também plantam e colhem e construíram sua própria Igreja, decorada por dois membros da comunidade, com ícones e afrescos, na melhor tradição da arte religiosa Russa.

A vida Ortodoxa na América de hoje, mostra uma encorajadora vitalidade. Novas Paróquias estão sendo formadas continuadamente e novas Igrejas construídas. Em alguns lugares faltam Padres, mas enquanto numa geração atrás o clero na América era ordenado apressadamente, com pouco treino, hoje em dia, em quase todas jurisdições, a maioria, senão todos os ordenados têm um grau teológico. Teólogos Ortodoxos na América são poucos e, freqüentemente, sobrecarregados, mas seu número está crescendo gradualmente. Santa Cruz e São Vladimir (seminários já citados) produzem substancial quantidade de periódicos na língua Inglesa.

O grande problema com o qual se defronta a Ortodoxia Americana é o do nacionalismo e sua posição na vida da Igreja. Entre membros de muitas jurisdições, existe em forte sentimento de que a presente subdivisão em grupos nacionais, está retardando tanto o desenvolvimento interno da Ortodoxia na América, quanto seu testemunho perante o mundo exterior. Existe o perigo de que o nacionalismo excessivo venha a alienar a geração mais jovem de Ortodoxos da Igreja. Essa geração mais jovem não conhece outro país, que não a América, seus interesses são americanos, sua língua primeira (freqüentemente a única) é o Inglês: não se afastarão eles da Ortodoxia, se sua Igreja insistir na louvação em uma língua estrangeira, e agir como se fosse um depositório de relíquias culturais do "velho país"?

Esse é o problema, e muitos diriam que só existe uma solução: formar uma única e autocéfala "American Orthodox Church." Essa visão de uma Igreja Americana Autocéfala tem seus mais ardentes advogados na OCA, que vê-se com o núcleo de tal Igreja e entre os Sírios. Mas há outros, especialmente entre os Gregos, os Sérvios e Russos da Igreja no Exílio que vêem com reservas essa ênfase sobre a Ortodoxia Americana. Eles são profundamente conscientes do valor das civilizações cristãs, desenvolvidas por muitos séculos pelos povos gregos e eslavônicos e eles sentem que seria um empobrecimento desastroso para a geração mais jovem, se sua Igreja tivesse que sacrificar essa grande herança e tornar-se completamente "americanizada." Contudo, podem os bons elementos das tradições nacionais serem preservados, sem, ao mesmo tempo, obscurecer a universalidade da Ortodoxia?

Muitos dos que são a favor da unificação, estão conscientes da importância das tradições nacionais e se dão conta dos perigos aos quais as minorias Ortodoxas na América seriam expostas se elas cortassem suas raízes nacionais e fossem imersas na cultura secularizada da América contemporânea. Eles sentem que a melhor política é que as Paróquias, no presente, sejam "bilíngües," oferecendo ofícios tanto na língua do país mãe com em inglês. De fato, essa situação "bilíngüe" está se tornando usual em muitas partes da América. Todas as jurisdições, em princípio, permitem o uso do inglês nos ofícios, e na prática estão começando a empregar o inglês, mais e mais, esta língua é particularmente comum na OCA e na Arquidiocese Síria,. Por um longo período os Gregos, ansiosos por preservarem sua herança helênica como uma realidade viva, insistiram que somente a língua grega deveria ser usada em todos os ofícios, mas a partir de 1970 a situação começou a mudar e, em muitas Paróquias o inglês é hoje em dia, tão empregado quanto o Grego.

Nos últimos anos tem aparecido crescentes sinais de cooperação entre grupos nacionais. Em 1954, o Conselho dos Jovens Líderes Ortodoxos Orientais da América foi fundado, no qual a maioria das organizações de jovens ortodoxos participou. Desde 1960 um comitê de Bispos Ortodoxos, representando a maioria (mas não todas) das jurisdições nacionais, tem se reunido em Nova York sobre a presidência do Arcebispo Grego (esse comitê existiu antes da guerra, mas caiu em estado de espera por muitos anos). Até agora este comitê, conhecido como a "conferência permanente" ou "SCOBA," não foi ainda capaz de contribuir tanto para a unidade da Ortodoxia, como era, originalmente, esperado. A concessão de Autocefalia para a OCA, com o tempo, originou grande controvérsia e os problemas levantados então, permanecem até agora não resolvidos; mas na prática a colaboração inter-ortodoxa ainda continua.

Uma pequena minoria em um ambiente estrangeiro, os Ortodoxos da diáspora acharam uma tarefa difícil, até mesmo assegurar sua sobrevivência. Mas alguns deles, a qualquer custo, constataram que além da mera sobrevivência, eles tinham uma tarefa mais abrangente, Se eles acreditam que a fé Ortodoxa é a verdadeira fé Católica (1), eles não podem se isolar da maioria não Ortodoxa ao seu redor, mas eles têm a obrigação de contar aos outros o que é a Ortodoxia. Eles devem dar testemunho perante o mundo. A Diáspora tem uma vocação "missionária." Como o Sínodo da Igreja Russa no Exílio disse em sua carta de outubro de 1953, ortodoxos foram espalhados pelo mundo com a permissão de Deus, para que possam "anunciar para todos os povos a verdadeira fé ortodoxa e preparar o mundo para a Segunda vinda de Cristo" (Essa ênfase na Segunda vinda de surpreenderá muitos Cristãos nos dias presentes, mas não era considerada estranha para os Cristãos do primeiro século. Os acontecimentos dos últimos cinqüenta anos, conduziram, a uma forte consciência escatológica, vários círculos Ortodoxos Russos).

O que isso significa para os Ortodoxos? Isso não implica em proselitismo no mau sentido. Mas significa que os ortodoxos sem sacrificar nada de bom nas suas tradições nacionais — devem libertar-se de um estreito e exclusivo nacionalismo; eles devem estar prontos a apresentar sua fé para outros, e não se comportarem como se essa fé fosse alguma coisa restrita aos gregos e russos e de nenhuma importância para todos os outros. Eles devem redescobrir a universalidade da Ortodoxia.

Se os ortodoxos vão apresentar sua fé, efetivamente para outros povos, duas coisas são necessárias. Primeiro, eles devem entender melhor a sua fé: assim o fato da diáspora forçou os ortodoxos a examinarem a si próprios e a aprofundar sua própria ortodoxia. Segundo, eles devem entender a situação daqueles para quem eles falam. Sem abandonar sua ortodoxia, eles devem entrar na experiência de outros Cristãos, procurando apreciar a visão diferente do cristianismo ocidental, sua história passada e suas dificuldades presentes. Eles devem tomar parte ativa nos movimentos intelectuais e religiosos do ocidente contemporâneo — em pesquisas bíblicas, no reviver Patrístico, no Movimento Litúrgico, no movimento que visa a unidade Cristã, nas muitas formas de ação social Cristã. Eles precisam "estar presentes" nesses movimentos, fazendo sua contribuição ortodoxa especial e, ao mesmo tempo, pela sua participação, aprendendo mais sobre sua própria tradição.

É normal falar-se em "Ortodoxia Oriental." Mas muitos ortodoxos na Europa ou América, hoje em dia, olham para si próprios como cidadãos dos países onde eles se estabeleceram.; eles e seus filhos, nascidos e criados no ocidente, consideram-se não "orientais," mas sim "ocidentais." Assim, uma "Ortodoxia Ocidental" veio a existir. Além dos nascidos ortodoxos, essa Ortodoxia Ocidental inclui um número pequeno, mas crescente de convertidos (quase um terço do clero da Arquidiocese Síria na América é de convertidos). A maioria desses Ortodoxos Ocidentais usam a Liturgia Bizantina, de São João Crisóstomo (o ofício Eucarístico normal da Igreja Ortodoxa), em Francês, Inglês, Alemão, Holandês, Espanhol ou Italiano. Existem, por exemplo, paróquias francesas ou alemãs, assim como (sob o Patriarcado de Moscou) uma missão Ortodoxa Holandesa — todas essas paróquias seguindo o rito Bizantino. Mas alguns Ortodoxos acreditam que a Ortodoxia Ocidental, para ser verdadeira em si própria, deveria usar, especificamente, formas ocidentais de oração — não a Liturgia Bizantina, mas as Liturgias Vetero-Romana ou Galicana. As pessoas falam da "Liturgia Ortodoxa," quando, na verdade, estão se referindo à Liturgia Bizantina, como se só esta Liturgia fosse Ortodoxa; mas as pessoas não deveriam esquecer que as antigas Liturgias do ocidente, datando dos primeiros séculos das era Cristã, também tem seu lugar na abrangência total da Ortodoxia.

Essa concepção de um rito ocidental Ortodoxo não permaneceu meramente uma teoria. A Igreja Ortodoxa dos dias presentes contém algo equivalente ao Movimento Uniata na Igreja de Roma. Em 1937, quando um grupo de Velhos Católicos na França, sob Monsenhor Louis-Charles Winnaert (1880-1937), foi recebido na Igreja Ortodoxa, eles foram autorizados a manter o uso do rito ocidental. Esse grupo esteve originalmente na jurisdição do Patriarcado de Moscou e esteve por muitos anos sob a chefia do Bispo Jean de S. Dennys (Evgrafh Kovalevsky) (1905-1970). No presente está sob a Igreja da Romênia. Existem vários pequenos grupos de ritos ocidentais ortodoxos nos Estados Unidos. Várias ordens experimentais da missa foram arranjadas para uso dos Ortodoxos de Rito Ocidental, em particular pelo Bispo Aléxis (Vander Mensbrugghe).

No passado, as diferentes Igrejas autocéfalas — freqüentemente não por sua responsabilidade — mantiveram-se muito isoladas, umas das outras. Somente a troca regular de cartas entre os chefes de Igreja, era a forma de contato. Hoje em dia, esse isolamento ainda continua, mas tanto na diáspora quanto nas antigas Igrejas Ortodoxas, existe um desejo crescente por cooperação. A participação Ortodoxa no Conselho Mundial de Igrejas (World Concil of Churches) teve seu papel nessa área: nas grandes reuniões do "Movimento Ecumênico," os delegados Ortodoxos de diferentes Igrejas Autocéfalas, constataram que estavam despreparados para falar com uma voz única. Porque, eles perguntavam, foi necessário o World Concil of Chuches, para juntar os Ortodoxos? Porque nós nunca nos reunimos para discutir problemas comuns? A urgente necessidade por cooperação é também sentida por muitos movimentos jovens Ortodoxos, particularmente na diáspora. Um trabalho valioso, nessa área, foi feito pelo Sindesmos, uma organização internacional, fundada em 1953, na qual grupos Ortodoxos jovens de muitos países diferentes colaboram.

Nas tentativas de cooperação, um papel de liderança é naturalmente representado pelo Hierarca Sênior de liderança Ortodoxa, o Patriarca de Constantinopla. Depois da primeira guerra mundial, o Patriarca de Constantinopla considerou a hipótese de reunir um "Grande Concílio" de toda a Igreja Ortodoxa e, como primeiro passo para isso, foram feitos planos para um "Pró-Sínodo" que deveria prepara a agenda para o Concílio. Um comitê Inter Ortodoxo preliminar reuniu-se no Monte Athos, em 1930, mas o "Pró-Sínodo," em si, nunca se materializou, em grande parte devido a obstrução pelo governo Turco. Cerca de 1950, o Patriarca Athenágoras reviveu a idéia e, após sucessivos adiamentos, uma "Conferência Pan Ortodoxa," eventualmente, se reuniu, em Rodhes, em setembro de 1961. Outras conferências Pan Ortodoxas reuniram-se em Rhodes (1963-1964) e Genebra (1968, 1976, 1982). Itens principais na agenda do "Grande Concílio," quando e se eventualmente ele se reunir, serão provavelmente o dos problemas recorrentes da desunião da ortodoxia no Ocidente, as relações da Ortodoxia com outras Igrejas Cristãs ("ecumenismo"), e a aplicação do ensinamento moral Ortodoxo no mundo moderno.

 

Missões.

Já falamos do testemunho missionário da diáspora, mas falta dizer algo do trabalho missionário ortodoxo propriamente dito, pregar aos pagãos. Desde os tempos de Joseph De Maistre, no Ocidente, a moda é dizer que a Ortodoxia não é uma Igreja missionária. Certamente, os Ortodoxos deixaram freqüentemente de ver suas responsabilidades missionárias. No entanto, a acusação de De Maistre não é inteiramente correta. Qualquer pessoa que reflita sobre o trabalho missionário de Cirilo e Metódio, de seus discípulos na Bulgária e na Sérvia, e na história da conversão da Rússia, compreenderá que Bizâncio pode reivindicar feitos missionários da mesma dimensão que o cristianismo Celta ou Romano, durante o mesmo período. Sob a dominação Turca, tornou-se impossível conduzir o trabalho missionário abertamente, mas, na Rússia, onde a Igreja permaneceu livre, as missões continuaram — mesmo se, às vezes, houve períodos de atividade reduzida — de Estevão de Perm (e até antes) a Inocêncio do Alaska e o começo do século XX. É fácil, para um ocidental, esquecer da imensidão do campo missionário que o continente Russo constituiu. As missões russas se estendiam além da Rússia, não somente ao Alaska (do qual já falamos), mas à China, Japão e Coréia.

E no presente? Sob os Bolcheviques, como sob os Turcos, o trabalho missionário não é possível. Mas as missões estabelecidas pela Bósnia na China, no Japão e na Coréia ainda existem, enquanto que uma nova missão Ortodoxa brotou, de repente e espontaneamente, na África Central. Ao mesmo tempo, tanto na América do Norte, quanto nas Igrejas antigas do mediterrâneo oriental, aonde os Ortodoxos não sofrem dos mesmos males que seus irmãos em países comunistas, começam a mostrar uma nova consciência missionária.

A missão chinesa em Pequim foi fundada em 1715 e suas origens datada de mais cedo ainda, de 1686, quando um grupo de cossacos entraram a serviço da guarda imperial chinesa e levaram consigo um capelão. O trabalho missionário em si, entretanto, não começou de fato até o final do século XIX e em 1914 havia somente em torno de 5.000 convertidos, ainda que já houvesse Padres chineses e um seminário de teologia para estudantes chineses. (Tem sido a prática das missões Ortodoxas de formar um clero local mais rápido possível). Após a revolução de 1917, longe de acabar, o trabalho missionário aumentou consideravelmente, já que um número importante de emigrantes Russos, inclusive muitos membros do Clero, fugiu em direção ao oriente a partir da Sibéria. Na China e na Manchúria, em 1939, havia 200.000 Ortodoxos (na maioria Russos, mas incluindo alguns convertidos), com cinco Bispos e uma universidade ortodoxa em Harbin.

Desde 1945, a situação mudou drasticamente. O governo comunista na China, quando deu a ordem a todos os missionários estrangeiros de deixar o país, não deu tratamento preferencial aos Russos. O clero Russo, junto com a maioria dos fieis ou foram "repatriados" a URSS, ou escaparam para a América. Nos anos 50 havia, no mínimo, um Bispo Ortodoxo Chinês, com cerca de 20.000 fieis; quanto da ortodoxia chinesa sobrevive até hoje? É difícil de dizer. Desde 1957, a Igreja chinesa, apesar do pequeno tamanho, é autônoma; já que o governo chinês não permite missões estrangeiras. Essa é, provavelmente, a única maneira que essa Igreja tem chances de sobreviver. Isolada na China vermelha, essa minúscula comunidade tem um caminho espinhoso pela frente.

A Igreja Ortodoxa japonesa foi fundada pelo Padre, e mais tarde Arcebispo, Nicholas Kassatkin (1836-1912), canonizado em 1970. Enviado em 1861 a serviço do consulado Russo no Japão, ele decidiu desde o início trabalhar não só entre os Russos, mas, também, entre os japoneses. Depois de um tempo, dedicou-se, exclusivamente, ao trabalho missionário. Batizou o primeiro convertido, em 1868 e, quatro anos depois, dois japoneses ortodoxos foram ordenados ao Presbiterado. Curiosamente, o primeiro Bispo Ortodoxo japonês, John Ono, (consagrado em 1941), viúvo, era genro do primeiro convertido japonês. Após um período de desânimo, entre as duas grandes guerras, a Ortodoxia no Japão agora está se restabelecendo. Existem hoje cerca de 40 paróquias, com 25.000 fieis. O seminário de Tóquio, fechado em 1919, foi reaberto em 1954. Praticamente todo clero é de origem japonesa, mas um dos dois Bispos é americano. Há um fluxo pequeno, mas constante, de convertidos — em torno de 200-300, por ano, na maioria, jovens na vintena ou trintena, alguns com educação superior. A Igreja Ortodoxa no Japão é autônoma, no que diz respeito à vida interna, ficando sob os cuidados espirituais de sua Igreja-Mãe, o Patriarcado de Moscou. Apesar do número limitado de fieis, ela pode se chamar uma Igreja local do povo japonês, e não uma missão estrangeira.

A missão russa na Coréia, estabelecida em 1918, sempre foi de escala menor. O primeiro Padre Ortodoxo coreano foi ordenado em 1912. Em 1934 havia 820 ortodoxos na Coréia, mas hoje parecem ser menos. A missão sofreu, em 1950, durante a guerra civil coreana, quando a Igreja foi destruída; mas ela foi reconstituída em 1953, e uma Igreja maior foi construída em 1967. Atualmente, a missão está sob os cuidados da Diocese Grega da Nova Zelândia.

Fora estas Igrejas Ortodoxas asiáticas, há, agora, uma Igreja ortodoxa africana, extremamente vigorosa, em Uganda e no Quênia. Inteiramente nativa desde o começo, a ortodoxia africana não nasceu da evangelização missionária proveniente de países tradicionalmente ortodoxos, mas foi um movimento espontâneo dentre os africanos mesmo os fundadores do movimento ortodoxo africano foram dois originários de Uganda, Rauben Sebansja Mukasa Spartas (Nascido em 1899, tornou-se Bispo em 1972, morreu em 1982) e seu amigo Obadiah Kabanda Basajjakitalço. Criados na tradição anglicana, foram convertidos à ortodoxia nos anos 20, não como resultado de qualquer contato pessoal com outros ortodoxos, mas através de suas próprias leituras e estudos. Nos últimos 40 anos; pregaram energicamente sua fé recém-descoberta a seus compatriotas africanos, desenvolvendo uma comunidade que, segundo alguns relatos, conta com mais de cem mil pessoas, a maioria do Quênia. Em 1982, após a morte do Bispo Rauben, havia dois bispos africanos.

Inicialmente, a posição canônica da ortodoxia Ugandense era duvidosa, pois originalmente Rauben e Obadiah estabeleceram relações com uma organização surgida nos Estados Unidos, a "Igreja Ortodoxa Africana," a qual usava o título de Ortodoxa sem nenhuma conexão com a comunhão ortodoxa verdadeira e histórica. Em 1932 foram ambos ordenados por um certo Arcebispo Alexander da tal Igreja, mas pelo final do mesmo ano, ficaram cientes da situação duvidosa da "Igreja Ortodoxa Africana." A partir desse momento, cortaram todas as relações com ela e contataram o Patriarcado de Alexandria. Somente em 1946, quando Rauben visitou Alexandria, em pessoa o Patriarcado reconheceu oficialmente a comunidade ortodoxa africana em Uganda e recebeu-a sob sua proteção. Mais recentemente, o elo com Alexandria tem se fortalecido e desde 1959, um dos Metropolitas do Patriarcado — um Grego — está encarregado de responsabilidade especial pelo trabalho missionário na África Central. Ortodoxos africanos foram mandados para estudar a teologia na Grécia e desde 1960 mais de oitenta africanos foram ordenados Diáconos e Presbíteros (até esse ano, os únicos Padres haviam sido os dois fundadores). Em 1982, um seminário para tratamento de Padres foi inaugurado em Nairóbi: muitos africanos ortodoxos têm grandes ambições e estão ansiosos para largar ainda mais suas redes. Nas palavras do Padre Spartas: " E, eu acho, que, em pouco tempo, esta Igreja vai incluir todos os africanos e, com isso, tornar-se uma das principais Igrejas da África (citado em F.B. Welbourn, "Rebeldes Africanos Orientais," Londres, 1961, p.83; este livro relata de maneira crítica, mas não insensível, a Ortodoxia em Uganda). A ascensão da Ortodoxia em Uganda deve, com certeza, ser vista na ótica do nacionalismo africano: um dos atrativos evidentes do cristianismo ortodoxo, aos olhos dos Ugandenses, é o fato dele ser completamente desvinculado dos regimes coloniais dos últimos cem anos. Ainda assim, apesar de algumas notas políticas, a ortodoxia na África central constitui um movimento religioso genuíno.

O entusiasmo com o qual estes africanos aceitaram a Ortodoxia tem atiçado a imaginação do mundo Ortodoxo e ajudou a despertar o interesse missionário em vários lugares. Paradoxalmente, até agora, na África, foram os africanos mesmo que tomaram a iniciativa e se converteram à Ortodoxia. Talvez os Ortodoxos, encorajados pelo precedente ugandense, irão, agora, fundar missões em outros lugares por sua própria iniciativa, em vez de esperar que os africanos venham a eles. A situação "missionária" da diáspora tornou a Ortodoxia mais consciente do significado de sua tradição: não poderá um envolvimento mais marcado na evangelização ter o mesmo efeito?

Todo corpo cristão é confrontado hoje em dia a graves problemas, mas talvez os ortodoxos tenham maiores dificuldades que os outros. Na Ortodoxia contemporânea, não é sempre fácil "reconhecer a vitória sob as aparências externas de um fracasso, de discernir o poder de Deus se realizado na fragilidade, a verdadeira Igreja dentro da realidade histórica" (V.Lossky, Teologia Mística da Igreja Oriental, p.246); mas, se existem fraquezas evidentes, existem, também, vários sinais de vida. Quaisquer que sejam as dúvidas e ambigüidades das relações Igreja-Estado nos países comunistas, a Ortodoxia, no presente como no passado, tem seus mártires e confessores. O declínio do Monasticismo Ortodoxo, óbvio em muitas regiões, não é universal: há centros que podem vir a ser a fonte de uma ressurreição monástica no futuro. Os tesouros espirituais da Ortodoxia — Por exemplo, a Filocalia e a oração de Jesus — longe de haverem sido esquecidos, são usados e apreciados cada vez mais. São poucos os Teólogos Ortodoxos, mas alguns — freqüentemente estimulados por estudos ocidentais — estão redescobrindo elementos vitais de sua herança teológica. Um certo nacionalismo míope está atrapalhando o trabalho da Igreja, mas há tentativas, em número cada vez maior, de cooperação. Missões existem numa escala ainda muito pequena, mas a Ortodoxia está demonstrando maior entendimento de sua importância. Nenhum Ortodoxo realista e honesto consigo próprio pode se sentir confortável sobre o estado atual da Igreja; por outro lado, mesmo com seus muitos problemas e omissões, a Ortodoxia pode, ao mesmo tempo, olhar para o futuro com confiança e esperança.

 

 

Parte II.

Fé e Louvação.

 

Santa Tradição. A Fonte da Fé Ortodoxa.

 

"Guarda o depósito que te foi confiado" (1 Tm 6:20)

O Significado intrínseco da tradição.

A história ortodoxa é marcada externamente por uma série de rupturas repentinas: a tomada de Alexandria, Antioquia e Jerusalém pelos árabes maometanos; o incêndio de Kiev pelos mongóis; os dois saques de Constantinopla; a Revolução de outubro na Rússia. Entretanto, estes eventos jamais abalaram a continuidade interna da Igreja Ortodoxa, mesmo que tenham transformado a aparência externa do mundo ortodoxo. O que mais chama a atenção de um estranho ao encontrar a Ortodoxia é seu ar de antigüidade, sua aparente imutabilidade. Descobre-se que os ortodoxos ainda batizam com três imersões como na Igreja primitiva; ainda trazem bebês e crianças pequenas para a Santa Comunhão; na Liturgia o diácono ainda exclama: " Vigiai as portas!" — lembrando dos primórdios quando a entrada da igreja era zelosamente guardada e ninguém senão os membros da família Cristã podiam freqüentar os ofícios; o Credo ainda é recitado sem nenhum acréscimo.

Existem poucos exemplos exteriores de algo que penetre em todos os aspectos da vida Ortodoxa, Recentemente quando dois eruditos Ortodoxos foram solicitados a resumir as características distintas de sua Igreja, ambos apontaram para a mesma coisa: sua imutabilidade, sua determinação de permanecer leal ao passado, seu sentido de viva continuidade com a Igreja dos tempos antigos (ver Panagiotis Bratsiotis e Georges Florovsky, em Orthodoxy, A Faith and Order Dialogue, Geneva,1960). Dois séculos e meio antes, os Patriarcas Orientais disseram exatamente a mesma coisa para os Non-Jurors:

Nós preservamos a Doutrina do Senhor não corrompida, e firmemente aderimos à Fé que Ele nos entregou, e a mantemos livre de imperfeições e diminuições, como um Tesouro Real, e um monumento de grande preço, nem acrescentando, nem tirando nada dela" (Carta de 1718, em G. Williams, The Orthodox Church at the Eighteenth Century pg 17).

Essa idéia de viva continuidade é resumida para os Ortodoxos em uma palavra: Tradição. "Nós não mudamos os limites permanentes que nossos Pais estabeleceram," escreveu S. João Damasceno, "mas nós mantemos a Tradição, assim como a recebemos" (On Icons, II, 12, P.G. XCIV, 1297B).

Os Ortodoxos estão sempre falando de Tradição. O que eles querem dizer com a palavra? A tradição, diz o dicionário Oxford, é uma opinião, ou costume legado pelos ancestrais para a posteridade. Tradição Cristã, nesse caso é a fé que Jesus Cristo concedeu aos Apóstolos, e que desde os tempos apostólicos tem sido passada de geração em geração na Igreja (Comparar com Paulo I Co. 15:3). Mas para um Cristão Ortodoxo, Tradição significa algo mais concreto e específico que isso. Significa os livros da Sagrada Escritura; significa o Credo; significa os decretos dos Concílios Ecumênicos e os escritos dos Padres; significa os Canons, os Livros de Ofícios, os Santos Ícones — de fato o sistema doutrinal completo, o governo da Igreja, a louvação e a arte que foram articuladas pelos séculos. O Cristão Ortodoxo de hoje vê-se como herdeiro e guardião da grande herança recebida do passado, e ele acredita ser sua obrigação transmiti-la não prejudicada ao futuro.

Note-se que a Sagrada Escritura forma uma parte da tradição. Às vezes a Tradição é definida como ‘o ensinamento oral de Cristo, não gravado por escrito por seus discípulos imediatos’ (Oxford Dictionary). Não só escritores não-Ortodoxos, mas também muitos escritores Ortodoxos adotaram esse modo de falar, tratando as Escrituras e a Tradição como duas coisas diferentes, duas fontes distintas da fé Cristã. Mas na realidade só existe uma fonte, porque as Escrituras existem dentro da Tradição. Separar ou contrastar as duas é empobrecer ambas.

Os Ortodoxos enquanto reverenciando essa herança do passado, estão também bem conscientes que nem tudo recebido do passado tem igual valor. Entre os vários elementos da Tradição, a única preeminência pertence às Escrituras, ao Credo, às definições doutrinais dos Concílios Ecumênicos: essas coisas os Ortodoxos aceitam como absolutas e imutáveis, algo que não pode ser cancelado ou revisado. As outras partes da Tradição não tem a mesma autoridade. Os decretos de Jassy ou Jerusalém não estão no mesmo nível que o Credo de Nicéia, nem os escritos de um Atanásio ou de um Simeão o Novo Teólogo, ocupam a mesma posição que o Evangelho de São João.

Nem tudo recebido do passado é de igual valor, e nem tudo recebido do passado é necessariamente verdade. Como um dos bispos deixou marcado no Concílio de Cartago em 257: "O Senhor disse, Eu sou a verdade." Ele não disse, Eu sou o costume’ (The Opinions of the Bishops on the Baptizing of Heretics, 30). Existe uma diferença entre Tradição e tradições: muitas tradições legadas pelo passado são humanas e acidentais — opiniões pias (ou pior), mas não uma parte verdadeira da Tradição una, a mensagem essencial Cristã.

É necessário questionar o passado. O Bizantino e o posterior. Nos tempos Bizantinos, os Ortodoxos nem sempre foram suficientemente críticos em sua atitude para com o passado, e o resultado foi freqüentemente estagnação. Hoje essa atitude não crítica não pode mais ser mantida. Níveis mais altos de escolaridade, contatos crescentes com Cristãos ocidentais, as invasões do secularismo e do ateísmo, tem forçado os Ortodoxos, nos tempos presentes, a olhar mais de perto para a sua herança e a distinguir mais cuidadosamente entre Tradição e tradições. A tarefa de discriminação nem sempre é fácil. É necessário evitar tanto o erro dos Velhos Crentes quanto o da ‘Igreja Viva’: o primeiro partido caiu em um extremo conservadorismo que não sofreu modificação nem mesmo em tradições, e o outro caiu num Modernismo ou liberalismo teológico que abala a Tradição. Mesmo assim, apesar de certas desvantagens manifestas, os Ortodoxos de hoje em dia estão talvez numa melhor posição para discriminar o certo do que seus predecessores estiveram por muitos séculos; e freqüentemente é precisamente seu contato com o ocidente que os está ajudando a ver mais e mais claramente o que é essencial em sua herança.

A verdadeira fidelidade Ortodoxa ao passado deve ser sempre uma fidelidade criativa; pois a verdadeira Ortodoxia não pode nunca descansar satisfeita com uma estéril ‘teologia de repetição’, que como papagaio, repete fórmulas aceitas sem esforçar-se para compreender o que está por detrás delas. A lealdade à Tradição, entendida propriamente não é uma coisa mecânica, um processo pouco inteligente de passar aquilo que foi recebido. Um pensador Ortodoxo deve ver a Tradição de dentro, ele deve entrar no espírito interior dela. De modo a viver dentro da Tradição, não é suficiente simplesmente dar aceitação intelectual a um sistema de doutrina; pois a Tradição é muito mais que um conjunto de proposições abstratas — é uma vida, um encontro pessoal com Cristo no Espírito Santo. A Tradição não é só mantida pela Igreja, ela vive na Igreja, ela é a vida do Espírito Santo na Igreja. A concepção Ortodoxa de Tradição não é estática mas dinâmica, não uma aceitação morta do passado mas uma experiência viva do Espírito Santo no presente. A tradição, enquanto internamente imutável (pois Deus não muda), está constantemente assumindo novas formas, que suplementam a forma anterior sem substitui-la. Os Ortodoxos falam como se o período de formulação doutrinal tivesse chegado ao fim completamente, no entanto esse não é o caso. Talvez nos nossos próprios dias um novo Concílio Ecumênico seja realizado, e a Tradição seja enriquecida por novos estatutos da fé.

Essa idéia de Tradição como uma coisa viva foi muito bem expressa por Georges Florovsky: ‘A Tradição é a testemunha do Espírito Santo; a incessante revelação e pregação de boas novidades do Espírito Santo...Para aceitar e compreender a Tradição devemos viver dentro da Igreja, devemos estar conscientes da presença doadora de graça do Senhor nela; devemos sentir o sopro do Espírito Santo nela...A Tradição não é só um princípio protetor e conservador; é primariamente, o princípio de crescimento e regeneração...A Tradição é a constante permanência do Espírito Santo e não só a memória de palavras (‘Sobornost: the Catholicity of the Church,’ na The Church of God, editado por E. L. Mascall, pgs.64-65.Comparar com G. Florovsky, ‘Saint Gregory Palamas and the Traditionof the Fathers no periódico Sobornost, serie 4 nº 4, 1961, pgs. 165-167; e V. Lossky, ‘Tradition and Traditions,’ no Ouspensky e Lossky, The Meaning of the Icons, pgs. 13-24. A esses dois ensaios eu fico em grande débito).

A Tradição é a testemunha do Espírito: nas palavras de Cristo, "Mas quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade" (Jo. 16:13). É essa promessa divina que forma a base da devoção Ortodoxa à Tradição.

 

 

As formas exteriores.

Tomemos cada uma das diferentes formas exteriores pelas quais a Tradição se expressa;

1. A Sagrada Escritura.

  1. A Sagrada Escritura e a Igreja. Igreja Cristã é uma Igreja Escritural: a Ortodoxia crê nisso, tão ou mais firmemente que o Protestantismo. A Sagrada Escritura é a expressão suprema da revelação de Deus ao homem, e os Cristãos devem ser sempre o ‘Povo do Livro.’ Mas se os Cristãos são o Povo do Livro, a Escritura é o Livro do Povo; isso não pode ser olhado como se colocado acima da Igreja, mas como algo que deve ser vivido e compreendido dentro da Igreja (eis porque não se deve separar Escritura e Tradição). É da Igreja que a Escritura deriva sua autoridade, pois foi a Igreja que originalmente decidiu quais os livros que deveriam formar a Sagrada Escritura; e somente a Igreja pode interpretar a Sagrada Escritura com autoridade. Existem várias passagens na escritura que por si estão longe da clareza, e o leitor individual, ainda que sincero, estará em perigo de erro se confiar na sua própria interpretação. "Entendes tu o que lês?" Felipe perguntou ao eunuco etíope; e o eunuco respondeu; "Como poderei entender, se alguém me não ensinar?" (At. 8:30). Os Ortodoxos, quando lêem a Escritura, aceitam a guia da Igreja. Quando recebido na Igreja Ortodoxa um convertido promete: ‘Eu aceitarei e compreenderei a Sagrada Escritura de acordo com a interpretação que me foi e que me vier a ser passada pela Santa Igreja Católica do Oriente, nossa Mãe’ (em Bible and Church,ver especialmente de Dositeu,Confession, Decreto 2).

A versão hebréia do Velho Testamento contém trinta e nove livros. O Septuaginta contém adicionalmente dez outros livros, não presentes na versão hebréia, e que são conhecidos na Igreja Ortodoxa como os livro ‘Deutero-Canônicos’ (3 Esdras ; Tobias; Judite ; 1, 2, 3, Macabeus ; Sabedoria de Salomão; Eclesiastes; Baruch; Carta de Jeremias. No ocidente com freqüência esses livros são chamados de apócrifos). Esses livros foram declarados nos Concílios de Jassy (1642), Jerusalem (1672) como ‘partes genuínas da Escritura;’ muitos eruditos Ortodoxos nos dias de hoje, seguindo a opinião de Atanásio e Jerônimo, vêem os Livros Deutero—Canônicos, apesar de parte das Escrituras, ficando um nível abaixo do resto do Velho Testamento.

O Cristianismo, se verdadeiro, não tem nada a temer de um inquérito honesto. A Ortodoxia, enquanto olha a Igreja como intérprete autorizada da Escritura, não proíbe a crítica e o estudo histórico da Escritura, apesar de até agora, eruditos Ortodoxos não terem se mostrado proeminentes nesse campo.

b) O Texto da Sagrada Escritura: Criticismo Escritural. A Igreja Ortodoxa tem o mesmo Novo Testamento que o resto do Cristianismo. Como texto autorizador para o Velho Testamento, ela usa a antiga tradução grega conhecida como Septuaginta. Quando essa diverge do original Hebreu (o que acontece com freqüência), a Ortodoxia acredita que essas mudanças no Septuaginta foram feitas sob a inspiração do Espírito Santo, e devem ser aceitas como parte da contínua revelação de Deus. A passagem mais conhecida é Isaias 7:14 — onde os hebreus dizem‘uma jovem conceberá, e dará à luz um filho’ e o Septuaginta traduz ‘Uma virgem conceberá... etc. O Novo Testamento segue o texto Septuaginta (Mt. 1: 23).

c) A Sagrada Escritura na louvação. Às vezes pensa-se que os Ortodoxos dão menos importância que os Cristãos ocidentais à Escritura. Ao invés ela é lida constantemente nos ofícios Ortodoxos: durante as Matinas e Vésperas o Saltério inteiro é recitado cada semana, e na Grande Quaresma duas vezes por semana (essa é a regra que consta dos ofícios Ortodoxos. Na prática, em paróquias comuns Matinas e Vésperas não são celebradas diariamente, mas só nos fins de semana e nas festas; e mesmo então, infelizmente, as partes apontadas do Saltério são normalmente abreviadas ou (ainda pior) inteiramente omitidas).Leituras do Velho Testamento (o normal é ser em número de três) ocorrem nas Vésperas de muitas festas; a leitura do Evangelho forma o clímax das Matinas aos domingos e festas; na Liturgia, Epístola e Evangelho especiais são assinalados para cada dia do ano, de modo que o Novo Testamento completo é lido, durante o ano, na Eucaristia (menos o Apocalipse de São João). O Nunc Dimittis é usado nas Vésperas; cânticos do Velho Testamento, com o Magnificat e o Benedictus, são cantados nas Matinas; o Pai Nosso é lido ou cantado em todos os ofícios. Além desses extratos específicos da Escritura, o texto completo é composto com linguagem Escritural, e foi calculado que a Liturgia contém 98 citações do Velho Testamento e 114 do Novo (Paul Evdokimov, L’Orthodoxie, pg. 241, nota 96).

A Ortodoxia olha a Escritura como um ícone verbal de Cristo, tendo o Sétimo Concílio disposto que os Santos Ícones e Evangeliario deveriam ser venerados da mesma forma. Em toda Igreja o Evangeliario tem um lugar de honra no altar; ele é carregado em procissão na Liturgia e na Matinas de domingos e festas; os fiéis beijam-no e se prostram diante dele. Tal é o respeito mostrado na Igreja Ortodoxa pela palavra de Deus.

 

2. Os Sete Concílios Ecumênicos: o Credo.

As definições doutrinais de um Concílio Ecumênico são infalíveis. Assim aos olhos da Igreja Ortodoxa, os estatutos de fé postos pelos Sete Concílios possuem, junto com a Escritura, uma permanência e uma autoridade irrevogáveis.

O mais importante de todos os estatutos de fé dos Concílios Ecumênicos é o Credo de Nicéia-Constantinopla, que é lido ou cantado em toda celebração Eucarística, e também diariamente nas Noturnas e nas Completas. Os outros dois credos usados pelo ocidente, ’Credo dos Apóstolos’ e o ‘Credo Atanasiano’, não possuem a mesma autoridade que o de Nicéia, porque não foram proclamados por um Concílio Ecumênico. Os Ortodoxos honram o Credo dos Apóstolos como um Estatuto antigo da fé, e aceitam seus ensinamentos; mas é simplesmente um Credo batismal ocidental local, nunca usado nos ofícios dos Patriarcados Orientais. O ‘Credo Atanasiano’ igualmente não é usado na louvação Ortodoxa, mas às vezes é impresso (sem o filioque) no Horologion (Livro de Horas).

3. Concílios Posteriores.

A formulação da doutrina Ortodoxa, como vimos, não cessa com os Sete Concílios Ecumênicos. Desde 787 existiram dois modos principais pelos quais a Igreja expressou sua mente: a) definições de Concílios Locais (isto é, concílios atendidos por uma ou mais Igrejas nacionais, mas não pretendendo representar a Igreja Católica Ortodoxa como um todo) b) epístolas ou estatutos de fé postos por bispos individuais. Enquanto as definições doutrinais dos Concílios Gerais são infalíveis, as de um Concílio Local ou de um bispo individual são sempre sujeitas a erro; mas se tais decisões são aceitas pelo resto da Igreja, elas então adquirem uma autoridade Ecumênica (isto é, autoridade universal similar àquela possuída pelos estatutos doutrinais de um Concílio Ecumênico). As decisões doutrinais de um Concílio Ecumênico não podem ser revisadas nem corrigidas, devem ser aceitas in toto; mas a Igreja freqüentemente tem sido seletiva em seu tratamento dos atos de Concílios Locais: no caso dos Concílios do século dezessete, por exemplo, seus estatutos foram em parte recebidos por toda Igreja Ortodoxa, mas em parte posto de lado ou corrigidos.

 

São os seguintes os principais estatutos doutrinais Ortodoxos desde 787.

  1. A Carta Encíclica de São Photius (867)
  2. A Primeira Carta de Michael Cerularius para Peter de Antioquia (1054)
  3. As decisões dos Concílios de Constantinopla em1341 e 1351 sobre Controvérsia Hesicasta
  4. A Carta Encíclica de São Marcos de Éfeso (1440-1441)
  5. A Confissão de Fé por Gennadius, Patriarca de Constantinopla (1455-6)
  6. As Respostas de Jeremias o Segundo aos Luteranos (1573-1581)
  7. A Confissão de Fé de Metrophanes Kritopoulos (1625)
  8. A Confissão Ortodoxa de Peter Moghila, em sua forma revisada (ratificada pelo Concílio de Jassy,1642)
  9. A Confissão de Dositeus (ratificada pelo Concílio de Jerusalém,1672)
  10. As Respostas dos Patriarcas Ortodoxos aos Non-Jurors (1718,1723)
  11. A Resposta dos Patriarcas Ortodoxos ao Papa Pio IX (1848)
  12. A Resposta do Sínodo de Constantinopla ao Papa Leão XIII (1895)
  13. As Cartas Encíclicas pelo Patriarcado de Constantinopla sobre a unidade Cristã e o ‘Movimento Ecumênico’ (1920,1952)

 

Esses documentos, particularmente itens 5-9, são às vezes chamados de ‘Livros Simbólicos’ da Igreja Ortodoxa, mas muitos eruditos Ortodoxos atuais vêem esse título como desorientador e não o usam.

4. Os Padres.

As definições dos Concílios devem ser estudadas no contexto mais amplo dos Padres. Mas como com os Concílios Locais, também com os Padres, o julgamento da Igreja é seletivo: escritores individuais tem às vezes caído em erro e às vezes se contradizem uns aos outros. Trigo Patrístico deve ser distinguido do joio Patrístico. Um Ortodoxo não deve simplesmente conhecer e citar os Padres, mas ele deve entrar no Espírito dos Padres e adquirir uma ‘mentalidade Patrística.’ Ele deve tratar os Padres não meramente como relíquias do passado, mas como testemunhas vivas e contemporâneas.

A Igreja Ortodoxa nunca tentou definir exatamente quem são os Padres, muito menos classificá-los em ordem de importância. Mas ela tem uma particular reverência pelos escritores do século quarto, especialmente por aqueles que ela chama de ‘os Três Grandes Hierarcas,’ Gregório de Nazianzo, Basílio o Grande, e João Crisóstomo. Aos olhos da Ortodoxia a ‘Era dos Padres’ não chegou a um fim no século quinto, pois muitos escritores posteriores também são ‘Padres’—Máximo, João Damasceno, Teodoro o Estudita, Simeão o Novo Teólogo, Gregório Palamas, Marcos de Éfeso. Na verdade, é perigoso olhar para ‘os Padres’ como para um ciclo fechado de escritores todos pertencendo ao passado, pois não pode nossa época produzir um novo Basílio ou Atanásio? Dizer-se que não pode existir mais um Padre, é sugerir que o Espírito Santo desertou da Igreja.

5. A Liturgia.

A Igreja Ortodoxa não é muito dada a fazer definições dogmáticas formais como a Igreja Católica Romana. Mas seria falso concluir-se que porque algumas crenças nunca foram especificamente proclamadas como dogma pela Ortodoxia, então não são parte da Tradição Ortodoxa, mas somente uma questão de opinião particular. Certas doutrinas, nunca formalmente definidas, são no entanto mantidas pela Igreja com uma inquestionável convicção interior, com uma clara unanimidade, o que é tão determinante quanto qualquer formulação explícita. ‘Algumas coisas nós temos de ensinamento escrito,’ diz São Basílio, ‘outras nós recebemos da Tradição Apostólica trazidas para nós em um mistério; e ambas tem a mesma força Para a piedade (On the Holy Spirit, 27, 66).

Essa Tradição interior ‘trazida para nós em um mistério’ é preservada na louvação da Igreja acima de tudo. Lex orandi lex credendi: a fé do homem é expressa em sua oração. A Ortodoxia fez poucas definições explícitas sobre a Eucaristia e sobre os outros Sacramentos, sobre o próximo mundo, sobre a Mãe de Deus, sobre os santos, e sobre os fiéis que partiram: a crença Ortodoxa sobre esses pontos está contida principalmente nas orações e hinos usados nos ofícios Ortodoxos. Mas não só as palavras dos ofícios é que fazem parte da Tradição; os vários gestos e ações — imersão nas águas do Batismo, as diferentes unções com óleo, o sinal da Cruz, etc. — todos tem um significado especial, e todos expressam de forma dramática ou simbólica as verdades da fé.

6. Lei Canônica.

Além das definições doutrinais, os Concílios Ecumênicos produziram Canons, tratando de organização e disciplina da Igreja; outros Canons foram feitos por Concílios Locais e por bispos individuais. Teodoro Balsamão Zonaras, e outros escritores Bizantinos compilaram coleções de Canons,com explicações e comentários. O comentário padrão grego e moderno, o Pedalion (‘Rudder’), publicado em 1800, é o trabalho do infatigável santo, Nicodemus da Montanha Santa.

A Lei Canônica da Igreja Ortodoxa foi muito pouco estudada no ocidente, e como resultado escritores ocidentais caem às vezes no erro de olhar a Ortodoxia como uma organização virtualmente sem regulações exteriores. Ao contrário, a vida da Ortodoxia tem muitas regras, com freqüência muito estritas e rigorosas. Deve ser confessado, no entanto, que nos dias de hoje, muitos dos Canons são difíceis ou impossível de serem aplicados, e caíram grandemente em desuso. Quando e se um novo Concílio Geral da Igreja se reunir uma de suas tarefas mais importantes pode bem vir a ser a revisão e esclarecimento da Lei Canônica.

As definições doutrinárias dos Concílios possuem uma validade absoluta e inalterável em que Cânones, como tais, não conseguem descrever, posto que estas definições lidam com verdades eternas, e os Cânones com a vida terrena da Igreja, onde as condições mudam constantemente e a situação do indivíduo é infinitamente variada. Todavia, entre Cânones e dogmas da Igreja existe uma ligação essencial: A Lei Canônica é a tentativa de aplicar o dogma a situações práticas do cotidiano de cada cristão. Assim, de uma certa forma, as Leis Canônicas formam uma parte da Sagrada Tradição.

7. Ícones.

A tradição da Igreja não é expressa apenas por meio de palavras ou ações e gestos usados na adoração, mas também por arte — pelas linhas e cores dos Ícones Sagrados. Um ícone não é simplesmente uma figura religiosa desenhada para despertar os sentimentos adequados no observador; é uma das formas pelas quais Deus é revelado ao homem, pois através dos ícones o cristão ortodoxo recebe uma visão do mundo espiritual. Sendo o ícone parte da Tradição, o pintor não tem a liberdade de inovação e adaptação, já que o trabalho deve refletir, não o seu juízo estético e sim o espírito da Igreja. Não se exclui a inspiração artística, ela é exercida dentro de regras determinadas. É importante que o iconógrafo seja um bom artista e, mais importante ainda, que ele seja um cristão sincero e que viva dentro da tradição preparando-se para o trabalho através da Confissão e da Comunhão.

A tradição da Igreja Ortodoxa é, sob um ponto de vista superficial, formada por elementos básicos, tais como as Escrituras, os Concílios, Padres, Liturgia, Cânones e Ícones. Esses elementos não podem ser separados ou comparados, pois é o mesmo Espírito Santo que fala através de todos eles que juntos formam um todo, devendo cada parte deve ser entendida a luz das outras partes.

Algumas vezes já foi dito que a principal causa da separação do Cristianismo ocidental no século XVI foi a divisão entre teologia e misticismo, liturgia e devoção pessoal que existiam no fim da Idade Média. A Ortodoxia, por sua parte, sempre tentou evitar esta divisão. A verdadeira teologia Ortodoxa é mística; assim o misticismo separado da teologia torna-se subjetivo e herético, portanto a teologia, não sendo mística, degenerasse a uma escolástica estéril e acadêmica no mal sentido da palavra.

Teologia, misticismo, espiritualidade, regras morais, adoração e arte não podem estar em compartimentos separados. A doutrina não pode ser entendida a não ser através de oração: um teólogo, disse Evagrius, é aquele que sabe rezar, que reza em espírito e em verdade e é, por este ato, um teólogo (On Prayer, 60, P.G. 79, 1180B). E a doutrina, entendida pela oração, deve também ser vivida: teologia sem obra, como São Maximus já havia colocado, é a teologia de demônios (Carta 20, P.G.91, 601C). O Credo pertence apenas àqueles que nele vivem. Fé e amor, teologia e vida são inseparáveis. Na Liturgia Bizantina, o credo é introduzido com as palavras: "Amemo-nos uns aos outros para que, em comunhão de espírito, possamos confessar...o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Trindade consubstancial e indivisível." Isto expressa exatamente a atitude Ortodoxa perante a Tradição. Se não amamos uns aos outro, não podemos amar a Deus e, se não podemos amá-Lo, não podemos confessar a verdadeira fé e entrar no espírito da tradição, pois não há outra forma de conhecer Deus além de amá-Lo.

 

Deus e o Homem.

"Em Seu amor desmedido, Deus tornou-se o que somos para que pudéssemos nos tornar o que Ele é" (Santo Irineu, morto em 202).

Deus na Santíssima Trindade.

Nosso plano social, disse o pensador russo Fedorov, é o dogma da Santíssima Trindade. A Ortodoxia acredita veementemente que a doutrina da Santíssima Trindade não é um pedaço de "teologia de elite"  reservada ao profissional erudito, mas algo que tenha uma importância prática ativa para cada cristão. O homem, como explicado nas Sagradas escrituras, foi feito a imagem de Deus, e para os Cristãos Deus significa a Santíssima Trindade: portanto, é apenas à luz do dogma da Trindade que o homem pode entender quem ele realmente é e o que Deus quer que ele seja. Nossa vida particular, relações pessoais e todos os nossos planos para formarmos uma sociedade cristã, dependem de uma correta interpretação da Trindade. "Não existe nenhuma outra escolha além da Santíssima Trindade ou o inferno" (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, p.66).

Como um escritor Anglicano colocou: "Nesta doutrina soma-se a nova forma de pensar sobre Deus ao poder pelo qual o pescador saiu para converter o mundo greco-romano. Isso marca uma revolução compensadora no pensamento humano. (D. J. Chitty, "The Doctrine of the Holy Trinity told to the Children," in Sobornost, série 4, n.º 5, 1961, p.241).

Os elementos básicos de Deus na doutrina Ortodoxa já foram mencionados na primeira parte deste livro, então aqui eles serão resumidos de forma breve:

1. Deus é absolutamente transcendental. "Nenhuma das coisas de toda criação tem ou terá qualquer comunhão ou proximidade com o Ser Supremo (Gregorio Palamas, P.G. 150,1176c, citado na p. 77). A Ortodoxia salvaguarda essa transcendência absoluta por seu uso enfático da negação, da teologia apofática. A teologia positiva ou catafática — a afirmação — deve sempre ser equilibrada e corrigida pelo emprego da linguagem negativa. As afirmações positivas sobre Deus — que Ele é bom, sensato, justo e assim por diante — são verdadeiras até determinado ponto, no entanto elas não podem descrever adequadamente o caráter íntimo da santidade. Essas afirmações positivas, disse João de Damasco, revela "não a natureza, mas as coisas a sua volta." "Está claro que existe um Deus; mas o que Ele é em sua essência e natureza, está além da nossa compreensão e conhecimento" (On the Orthodox Faith, 1, 4, P.G. 94, 800B, 797B).

2. Deus, apesar de absolutamente transcendental, não é separado do mundo que criou. Deus está acima e além da Sua criação, no entanto Ele também existe dentro dela. Como diz uma das orações Ortodoxas: ‘Tu que estás em tudo e enches tudo." A Ortodoxia, então distingue a essência de Deus de Sua energia, salvaguardando, assim, tanto a transcendência quanto a imanência divinas: A essência de Deus permanece inacessível, mas Sua energia desce a nós. A energia, que é o próprio Deus, penetra em toda Sua criação e nós a experimentamos na forma de luz e graça divinas. Verdadeiramente nosso Deus é um Deus que se esconde ao mesmo tempo que age — o Deus da história interfere diretamente nas situações concretas.

3. Deus é individual e ao mesmo tempo Trinitário. Este Deus que age, não é apenas um Deus de energia, mas um Deus pessoal. Quando o homem participa da divina energia, ele não é dominado por um poder indefinido e inominado, mas é posto face a face com a pessoa. Além disso: Deus não é apenas uma única pessoa confinada em seu próprio ser, mas sim uma Trindade de pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, cada uma estendendo-se aos outros dois, em virtude de um movimento perpétuo de amor. Deus é uma unidade e também uma união.

4. Nosso Deus é um Deus encarnado. Deus desceu ao homem não apenas por Sua energia, mas também em pessoa. A Segunda pessoa da Trindade, "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro," foi feito homem: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (João 1:14). Não existe intimidade maior do que esta entre Deus e Sua criação. O próprio Deus tornou-Se uma de Suas criaturas. (Para a primeira e a segunda dessas quatro afirmações, ver pp.72-9; para a terceira e a Quarta, ver pp 28-37)

Aqueles criados em outras tradições, às vezes, têm dificuldade em aceitar a ênfase Ortodoxa à Teologia apofática e a distinção entre essência e energia; mas excetuando estes dois aspectos, os Ortodoxos concordam sobre a doutrina de Deus com a grande maioria daqueles que se denominam Cristãos. Monofisitas e Luteranos, Nestorianos e Católicos Romanos, Calvinistas, Anglicanos e Ortodoxos igualmente adoram o único Deus em três pessoas e confessam Cristo como o filho encarnado de Deus (Nos últimos cem anos, sob a influência do Modernismo, muitos protestantes abandonaram as doutrinas da Trindade e da Encarnação. Portanto, quando falo aqui sobre Calvinistas, Luteranos e Anglicanos, falo daqueles que ainda respeitam a fórmula clássica dos protestantes do século XVI).

Todavia, existe um ponto na doutrina da Trindade de Deus em que Ocidente e Oriente discordam — o filioque. Nós já vimos o quão decisivo foi o papel desta palavra para a infortunada fragmentação da cristandade. Mas, admitindo que o filioque tem uma importância histórica, qual o seu verdadeiro valor teológico? Muitos hoje — não excluindo alguns Ortodoxos — consideram o debate tão técnico e confuso que são tentados a torná-lo absolutamente insignificante. Sob o ponto de vista da tradicional teologia Ortodoxa, há apenas uma resposta a esta questão: sem dúvida o debate é técnico e confuso, assim como qualquer outra questão sobre a teologia Trinitária, mas de forma alguma é insignificante. Sendo a crença na Trindade a parte central da fé cristã, uma diferença mínima está fadada a causar repercussão sobre todos os aspectos da vida e do pensamento cristãos. Tentemos, então, entender algumas questões que envolvem o debate sobre o filioque.

Uma essência em três pessoas. Deus é um e Deus é três: A Santíssima Trindade é um mistério de unidade em diversidade e diversidade em unidade. Pai, Filho e Espírito Santo são "um em essência" (homoousios), no entanto cada um é diferente dos outros dois por suas características pessoais. "O divino é indivisível em seus fragmentos (Gregory of Nazianzus, Orations 31,14) pois as pessoas são "unidas mas não confundidas, distintas mas não divididas" (João de Damasco, On the Orthodox Faith, 1, 8, P.G. 94, 809 A); "tanto a distinção quanto a união são paradoxais" (Gregory of Nazianzus, Orations,25, 17).

Mas, se cada uma das pessoas é distinta da outra, o que mantém unida a Santíssima Trindade? Aqui a Igreja Ortodoxa, seguindo os padres (bispos) capadócios, responde que existe um Deus porque existe um Pai. Na linguagem teológica, o Pai é a "causa" ou "fonte" da divindade, Ele é o princípio (arche) da unidade entre os três; e é neste sentido que a Ortodoxia fala da "monarquia" do Pai. As outras duas pessoas traçam sua origem pelo Pai e são definidas através da relação com ele. O Pai é a fonte da divindade, nascido de nada e procedendo do nada; o Filho é nascido do Pai por toda a eternidade ("antes de todos os séculos," como diz o Credo); o Espírito procede do Pai por toda eternidade.

É neste ponto que a teologia Católica Romana começa a divergir. De acordo com os romanos, o Espírito procede eternamente do Pai e do Filho; e isto quer dizer que o Pai deixa de ser a fonte exclusiva da divindade, pois o Filho também é uma fonte. Já que o princípio da unidade do Ente Supremo não mais pode ser o Pai, os romanos encontram este princípio na substância ou essência que as três pessoas dividem. Para a Ortodoxia, o princípio da unidade de Deus é pessoal, para o catolicismo romano, não.

Mas o que se quer falar com o termo "procede"? A não ser que isto esteja absolutamente claro, nada se compreenderá. A Igreja acredita que Cristo foi submetido a dois nascimentos, o eterno e o outro em um determinado momento no tempo: nasceu do Pai "antes de todos os séculos," e nasceu da Virgem Maria no tempo de Herodes, rei da Judéia, e de Augusto, imperador de Roma. Da mesma forma uma distinção sólida deve ser traçada entre a procedência eterna do Espírito Santo e a missão temporal, a vinda do Espírito ao mundo: a primeira diz respeito às relações existentes na Divindade durante toda eternidade, a outra refere-se a relação de Deus com sua criação. Assim, quando o ocidente fala que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho e quando a Ortodoxia fala que Ele procede somente do Pai, ambas referem-se não a ação externa da Trindade em relação a criação, mas sim a certas relações eternas dentro do Ente Supremo — relações que existiam muito antes de o mundo surgir. Mas ao mesmo tempo que a Ortodoxia discorda com o ocidente sobre a procedência eterna do Espírito Santo, ela concorda que ao que se refere a vinda do Espírito ao mundo, mandado pelo Filho, ele é de fato o "Espírito do Filho."

A posição Ortodoxa baseia-se em João 15:26, em que Cristo fala: "Quando porém vier o Consolador, aquele espírito de verdade, que procede do Pai, que eu vos enviarei da parte do Pai, Ele dará testemunho de mim." Cristo manda o Espírito, mas este procede do Pai: é o que ensinam as Escrituras e assim acredita a Ortodoxia. O que a Ortodoxia não ensina, e as Escrituras nunca disseram, é que o Espírito procede do Filho.

O entendimento do ocidente é a eterna procedência do Pai e do Filho. Já a procedência do Espírito Santo somente pelo Pai e uma missão temporal do Filho foi uma posição defendida por São Photius contra o Oeste. Mas escritores bizantinos — mais notavelmente Gregório de Chipre, patriarca de Constantinopla entre 1283 e 1289 e Gregório Palamas — foram além de Photius, em uma tentativa de diminuir o abismo entre oriente e ocidente. Eles queriam admitir além da missão temporal uma manifestação eterna do Espírito Santo pelo Filho. Enquanto Photius mencionou somente uma relação temporal entre o Filho e o Espírito Santo, eles reconheceram também uma relação eterna. Contudo, na questão essencial, ambos concordaram com Photius: o Espírito é manifestado pelo filho, mas não procede Dele. O Pai é a única origem, fonte e causa da Santidade.

Resumidamente estas foram as posições de ambos os lados. Vamos agora ponderar as objeções ortodoxas em relação a posição ocidental. O filioque leva tanto ao diteísmo quanto ao semi-Sabelionismo (Sabellius, um herético do século II, considerava Pai, Filho e Espírito Santo não como três pessoas, mas simplesmente como "aspectos" ou "modos" variáveis da Deidade). Se o Filho, assim como o Pai, é um arche um princípio ou fonte do Ente Supremo, existe então (perguntavam os Ortodoxos) duas fontes, dois princípios separados na Trindade? É obvio que não, já que isto seria o equivalente a acreditar em dois Deuses; então a reunião dos Concílios de Lyon (1274) e Florença (1438-1439) foram muito cautelosos em estabelecer que o Espírito procede do Pai e do Filho "como um princípio único," tanquam ex (ou ab) uno principio. Do ponto de vista ortodoxo, no entanto, isto é da mesma forma contestável: evita-se o diteísmo, mas as pessoas do Pai e do Filho misturam-se e confundem-se. Os capadócios consideravam a "monarquia" uma característica exclusiva do Pai: somente Ele é um princípio ou arche na Trindade. Mas a teologia ocidental imputa esta característica do Pai também ao Filho, fundindo assim as duas pessoa em uma; e "o que poderia ser isto além do ressurgimento de Sabellius ou a criação de um monstro semi-Sabelliano," como colocou São Photius? (P.G.102, 289B).

Analisemos com maior cuidado esta idéia de semi-Sabellionismo. A teologia Trinitária Ortodoxa tem um princípio de unidade particular, mas o ocidente encontra este princípio unitário na essência de Deus. Para os Ortodoxos, na teologia escolástica latina as pessoas são ofuscadas pela natureza comum das três e Deus não é visto de forma concreta e individual, mas como uma essência que distingue várias relações. Esta idéia de Deus amadurece por total com Tomas de Aquino que identificou as pessoas com suas relações: personae sunt ipsae relationes (Summa Teológica, 1, questão 40, artigo 2). Pensadores Ortodoxos consideram esta idéia sobre a personalidade medíocre. As relações, eles diziam, não são as pessoas — são as características pessoais do Pai, do Filho e do Espírito Santo; e (como colocou Gregório Palamas) "as características pessoais não constituem a pessoa, mas a caracterizam" (citado em J. Meyendorff, Introduction à l’étude de Grégoire Palamas,Paris 1959, p.294). As relações, quando designam as pessoas, de forma alguma exaurem o mistério de cada uma.

A teoria escolástica latina, ao enfatizar a essência ofuscando as pessoas, praticamente torna a figura de Deus abstrata. Ele torna-se um ser remoto e impessoal cuja existência deve ser comprovada por argumentos metafísicos — um Deus dos filósofos, não de Abraão, Isaac e Jacó. Por outro lado, a Ortodoxia está muito menos preocupada do que o Oeste latino em encontrar provas filosóficas da existência de Deus: o que é realmente importante é que o homem não deve questionar a divindade e sim ter um encontro ativo e direto com um Deus concreto e pessoal.

São estas as razões porque a Ortodoxia considera o filioque perigoso e herético. O filioquismo confunde as pessoas da trindade e destrói o equilíbrio entre a unidade e diversidade do ente supremo. A unidade é enfatizada às custas da Sua trindade; Deus é extremamente considerado em termos de essência abstrata e muito pouco em termos de uma personalidade concreta.

E mais: muitos ortodoxos entendem que, por causa do filioque, o Espírito Santo para os ocidentais tornou-se subordinado ao Filho — se não na teoria, pelo menos na prática. O oeste dá pouquíssima atenção ao trabalho do Espírito Santo no mundo, na Igreja e no cotidiano de cada ser humano.

Escritores ortodoxos também debatem que as duas conseqüências do filioque — subordinação do Espírito Santo e super enfatização da unidade de Deus — contribuíram para a distorção da doutrina na Igreja Católica Romana. Pelo fato de o papel do Espírito ter sido rejeitado no Oeste, a Igreja transformou-se em uma instituição mundana governada por poderes terrenos e com jurisdição. Assim como a doutrina ocidental acentuou a unidade de Deus por conta da diversidade, a sua concepção de unidade na Igreja triunfou em diversidade e o resultado disto foi a grande centralização e valorização da autoridade papal.

Em síntese esta é a posição Ortodoxa quanto ao filioque, embora nem todos relatem o caso de forma tão inflexível. Muitas das críticas feitas acima são aplicadas, em particular, a forma decadente de escolástica e não a totalidade da teologia latina.

Homem: sua criação, sua vocação, sua falha.

"Tu nos fizeste para Ti e nossos corações inquietos só descansarão quando Te encontrarem" (Agostinho, Confissões,1, 1). O Homem foi feito para ser companheiro de Deus: esta é primeira e principal afirmação da doutrina Cristã. No entanto o homem, feito para ser companheiro de Deus, em tudo repudia este companheirismo: este é o segundo fato que toda antropologia cristã dá importância. O homem foi feito para ser o companheiro de Deus: na linguagem da Igreja, Deus criou Adão de acordo com sua imagem e semelhança e o pôs no Paraíso (Os capítulos introdutórios da Gênesis, é claro, referem-se a determinadas verdades religiosas e não devem ser consideradas história. Quinze séculos antes da crítica moderna Bíblica, Padres gregos já interpretavam a história da Criação e do Paraíso simbolicamente em vez de literalmente). O homem, em tudo, repudia este companheirismo: na linguagem da Igreja, Adão caiu e sua queda — seu pecado original — afetou toda a humanidade.

A Criação do Homem. "E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gênesis 1:26). Deus fala no plural: "Façamos o homem." A criação do homem, como constantemente enfatizaram os Padres gregos, foi um ato das três pessoas da Trindade e, portanto a imagem e semelhança de Deus deves sempre ser entendidas como Trinitárias. Devemos considerar isto como um ponto de importância vital.

Imagem e Semelhança. De acordo com muitos padres gregos, os termos imagem e semelhança não querem dizer exatamente a mesma coisa. "A expressão de acordo com a imagem," escreveu João de Damasco, "indica racionalidade e liberdade, enquanto que a expressão de acordo com a semelhança indica a assimilação de Deus através da virtude" (On The Orthodox Faith, 2, 12, P.G. 94, 920B). A imagem ou, usando o termo grego, o ícone de Deus significa o livre arbítrio do homem, sua razão, seu senso de responsabilidade moral — tudo, resumindo, que diferencia o homem da criação animal e o faz uma pessoa. Mas a imagem significa mais: nós somos "filhos" de Deus (Atos 27:28), Seus parentes e isto quer dizer que entre nós e Ele há um ponto de contato, uma similaridade essencial. O abismo entre a criatura e o Criador não é intransponível pois, por sermos a imagem de Deus, nós O conhecemos e comungamos com Ele. E se um homem usa corretamente a faculdade de comunhão com Deus, então ele será "semelhante" a Deus, adquirirá a semelhança divina; nas palavras de João Damasceno "incorporado a Deus através da virtude." Adquirir a semelhança é ser deificado, é tornar-se um "segundo deus," um "deus de virtude." "Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo" (Salmo 81:6). (Nas citações dos Salmos, segue-se a numeração da Vulgata dos Setenta. Algumas versões da Bíblia consideram este Salmo como 82).

A imagem indica os poderes dos quais todos os homens são dotados por Deus desde o primeiro momento de sua existência; a semelhança não é um dom natural que o homem possui desde o princípio, mas um objetivo que ele deve alcançar, algo que só pode adquirir passo a passo. Não importa quão pecador possa ser o homem, jamais ele perderá a imagem; mas a semelhança depende de nossa escolha moral, de nossa virtude e, então é destruída pelo pecado.

A primeira criação do homem foi perfeita, não de um modo real e sim em potencial. Dotado da imagem desde o princípio, foi convidado a adquirir a semelhança por seu próprio empenho (auxiliado, é claro, pela graça de Deus). Adão começou em estado de inocência e simplicidade. "Ele era uma criança que não tinha um discernimento aperfeiçoado," escreveu Irineu, "Era preciso que ele crescesse para chegar a perfeição (Demonstration of Apostolic Preaching, 12). Deus colocou Adão na trilha certa, mas Adão tinha um longo caminho a cruzar para atingir o seu objetivo.

Esta figura de Adão antes da queda é um tanto diferente daquela apresentada por Santo Agostinho e comumente aceita no ocidente desde a sua época. De acordo com Santo Agostinho, no Paraíso o homem foi dotado de toda sabedoria e conhecimento possíveis: ele era uma perfeição realizada e não em potencial. A concepção dinâmica de Irineu ajusta-se com maior facilidade à teoria moderna sobre a evolução do que a concepção de Santo Agostinho; mas ambos falaram como teólogos e não como cientistas de forma que em nenhuma hipótese suas idéias estão em acordo ou desacordo com qualquer teoria científica.

O ocidente normalmente associa a imagem de Deus ao intelecto humano. Enquanto muitos ortodoxos fazem o mesmo, outros dizem que já que o homem é um todo unificado, a imagem de Deus compreende toda a sua pessoa, tanto o corpo quanto a alma. "Quando Deus disse que fez o homem a sua imagem," escreveu Gregório Palamas, "a palavra homem não significa apenas a alma sozinha nem o corpo sozinho, mas os dois juntos" (P.G. 150, 1361C). O fato de o homem ter um corpo, argumentava Gregório, faz dele não inferior mas superior aos anjos. Realmente, os anjos são "puro" espírito, enquanto que a natureza do homem é mista — material assim como intelectual; mas isto quer dizer que sua natureza é mais completa do que a angélica e dotada de potencialidades mais ricas. O homem é um microcosmo, uma ponte, um ponto de convergência para toda a criação de Deus.

O pensamento religioso ortodoxo configura-se na máxima ênfase da imagem de Deus no homem. O homem é a "teologia viva" e, por ser o ícone de Deus, pode encontrá-Lo olhando dentro de seu coração, "voltando-se para si mesmo": "Porque eis aqui está o Reino de Deus dentro de vós" (Lucas 17:21). "Conheçam a si mesmos," disse Antônio do Egito,..." Aquele que conhece a si mesmo, conhece a Deus" (Carta 3 (nas coleções grega e latina, 6)). "Se sois puro," escreveu Isaac, o sírio (final do século XVII), "o paraíso está dentro de vós; dentro de vós vereis os anjos e o Senhor dos anjos" (Citado por P. Evdokimov, L’Ortodoxie, p.88). E Santo Pachomius lembra: "Na pureza de seu coração ele viu o Deus invisível como se num espelho" (First Greek Life, 22).

Por ser um ícone de Deus, cada membro da raça humana, inclusive o pior pecador, é infinitamente precioso a vista de Deus. "Quando vês teu irmão," disse Clemente da Alexandria (morto em 215), "vês a Deus" (Stromateis, 1, 19, 94,5). E ensinou Evagrius: "Depois de Deus, devemos considerar os homens como o próprio Deus" (On Prayer, 123, P.G. 79, 1193C). Este respeito a todo ser humano é claramente expressado na Liturgia Ortodoxa, quando o padre incensa, além dos ícones, os membros da congregação saudando a imagem de Deus em cada pessoa. "O melhor ícone de Deus é o homem" (P. Evdokimov, L’Ortodoxie, p. 218).

Graça e Livre arbítrio. Como foi visto, o fato de o homem ser a imagem de Deus significa, dentre outras coisas, que ele tem livre arbítrio. Deus quis um filho e não um escravo. A Igreja Ortodoxa rejeita qualquer doutrina que possa vir a infringir a liberdade do homem. Para descrever a relação entre a graça divina e o livre arbítrio humano, a ortodoxia usa o termo cooperação ou sinergia (synergeia); nas palavras de Paulo: "Porque nós outros somos cooperadores (synergoi) de Deus" (1 Cor. 3:9). O homem apenas consegue atingir o completo companheirismo com Deus auxiliado por Ele, no entanto também deve cumprir o seu papel: o homem, assim como Deus deve fazer uma contribuição ao trabalho comum, mesmo que o papel desempenhado por Deus seja incomensuravelmente mais importante que o do homem. "A incorporação do homem a Cristo e sua união a Deus requer a cooperação de duas forças desiguais, mas igualmente necessárias: graça divina e vontade humana" (Um Monge da Igreja Oriental, Orthodox Spirituality, p. 23). O exemplo supremo de sinergia é a Mãe de Deus (ver p. 263).

O oeste, desde os tempos de Agostinho e da controvérsia de Pelágio, discute as questões da graça e do livre arbítrio de forma um tanto diferente; e muitos criados na tradição Agostiniana — especialmente os Calvinistas — consideraram suspeita a idéia ortodoxa sobre a sinergia. Mas não é ela tão atribuída ao livre arbítrio humano e tão pouco a Deus? Todavia, na realidade o ensinamento ortodoxo é muito correto. "Eis aí estou eu à porta, e bato: se algum ouvir a minha voz e me abrir a porta entrarei Eu" (Apocalipse 3:20). Deus bate à porta, mas espera o homem abrir — Ele não a arromba. A graça de Deus convida a todos, mas não constrange ninguém. Nas palavras de João Crisóstomo: "Deus jamais arranca alguém para Si a força ou por violência. Ele quer que todos sejam salvos, mas não força nenhum" (Sermão das palavras ‘Saulo, Saulo...’ 6, P.G.51, 144). "É para Deus conceder a Sua graça," disse São Cirilo de Jerusalém (morto em 386), "que sua função deve ser aceitar a graça e resguardá-la (Catechetical Orations, 1, 4). Mas não se pode acreditar que, porque o homem apenas aceita e resguarda a graça de Deus, ele terá mérito. Os dons de Deus são doados e o homem não pode fazer reclamações do seu Criador. Mas já que não "merece" a salvação ele deve esforçar-se para conquistá-la, pois "a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma" (Tiago 2:17).

A queda: Pecado original. Deus deu a Adão livre arbítrio — o poder de escolha entre o bem e o mal — e portanto restou a Adão escolher entre aceitar a vocação que lhe foi apresentada ou recusá-la. Ele a recusou em vez de continuar na trilha traçada por Deus, desviou-se e desobedeceu a Deus. A queda de Adão consistiu essencialmente na desobediência à vontade de Deus; ele colocou a sua vontade contra a vontade divina, então por um ato próprio separou-se de Deus. Como resultado, surgiu uma nova forma de vida na terra — aquela de doença e morte. Por afastar-se de Deus, que é imortalidade e vida, o homem pôs-se em estado contrário ao da natureza e esta condição anormal levou-o à desintegração de seu ser e eventualmente à morte física. As conseqüências da queda de Adão estenderam-se a todos seus descendentes. Nós somos membros uns dos outros, como São Paulo jamais deixou de insistir e, se um membro sofre, todo corpo sofre junto. Em virtude desta misteriosa unidade da raça humana, não apenas Adão mas toda a humanidade está sujeita à mortalidade. A desintegração iniciada depois da queda não foi meramente física. Separado de Deus, Adão e seus descendentes ficaram sob a dominação do pecado e do diabo. Cada ser humano nasce num mundo onde o pecado prevalece em toda parte, num mundo onde é fácil fazer o mal e difícil fazer o bem. A vontade humana é enfraquecida e debilitada pelo que os gregos chamam de "desejo" e os latinos de "concupiscência." Estamos todos sujeitos aos efeitos espirituais do pecado original.

Assim, existe algum consenso entre a ortodoxia, o catolicismo romano e o protestantismo clássico; mas além deste ponto, não há total concordância entre leste e oeste. A ortodoxia, mantendo uma idéia menos elevada do homem antes da queda, é também menos severa do que o oeste em sua opinião sobre a queda. Adão decaiu não de um alto estado de sabedoria e perfeição, mas de um estado de simplicidade imatura; por isso ele não pode ser julgado de maneira severa por seu erro. Certamente, como resultado da queda a mente humana tornou-se tão obscurecida e sua força de vontade tão prejudicada que o homem não mais esperava atingir a semelhança de Deus. Os ortodoxos, no entanto, não acreditam que a queda tenha destituído por completo o homem da graça de Deus, embora eles digam que depois da queda a graça passou a agir no homem de fora para dentro e não mais de dentro para fora. Os ortodoxos não dizem, ao contrário de Calvino, que o homem ficou totalmente depravado e incapaz de ter bons desejos, não concordam com Agostinho quando escreve que o ser humano vive sob "uma tremenda necessidade" de cometer pecados e que "sua natureza foi superada pela culpa que caiu sobre ele, e então surgiu a falta de liberdade" (On the perfection of man’s righteousness, 4, 9). A imagem de Deus é distorcida pelo pecado, mas nunca destruída, como se pode ver nas letras do hino cantado por ortodoxos em um ofício fúnebre para o leigo: "Eu sou a imagem da Tua glória inexprimível, mesmo carregando as marcas do pecado." E porque o homem mantém a imagem de Deus, ele mantém o livre arbítrio apesar de o pecado restringir seu campo de ação. Mesmo depois da queda, Deus "não tira do homem o poder de discernimento — escolher entre obedecer ou não a Ele" (Dositheus, Confession, Decreto 3. Compare o Decreto 14). Fiel a idéia de sinergia, a ortodoxia repudia qualquer interpretação sobre a queda que não dá espaço a liberdade humana.

Muitos teólogos ortodoxos rejeitam a idéia da "culpa original," apresentada por Agostinho que ainda é aceita (não obstante de uma forma branda) pela Igreja católica romana. Os homens (como ensinam os ortodoxos) herdaram automaticamente a corrupção e a mortalidade de Adão, mas não sua culpa: eles só têm culpa pois, por livre arbítrio, imitam Adão. Muitos cristãos ocidentais acreditam que não importa o que o homem faça em seu estado decaído e perdido, por estar marcado com a culpa original não é agradável a Deus: "Obras para o Julgamento," diz o décimo terceiro dos trinta e nove artigos da Igreja Inglesa,..." não são agradáveis a Deus.. mas têm uma natureza de pecado." Os ortodoxos são hesitantes nesta afirmação. Eles nunca defenderam (como fez Santo Agostinho e muitos outros ocidentais) que bebês não batizados, por estarem marcados com a culpa original, são entregues pelo Deus justo aos jogos eternos do inferno (Tomás de Aquino, em seu debate sobre a queda, concordou inteiramente com Agostinho e, em especial, reteve a idéia da culpa original; mas em relação às crianças não batizadas, sustentou que elas não vão para o inferno e sim para o Limbo — uma opinião normalmente aceita por teólogos romanos. Ao que sei, escritores ortodoxos não usam a idéia do Limbo. É mister mencionar que a visão Agostiniana da queda é encontrada de tempos em tempos na literatura teológica ortodoxa; mas isto ocorre normalmente por influência ocidental. A Confissão Ortodoxa de Pedro de Moghila é, como se pode esperar, muito Agostiniana; por outro lado a Confissão de Dositheus nada tem desta visão). A visão ortodoxa sobre a decadência humana é bem menos lúgubre do que a Agostiniana e a Calvinista.

Mas, apesar de os ortodoxos sustentarem que depois da queda o homem ainda possuía livre arbítrio e era capaz de praticar boas ações, eles sem dúvida concordaram com o ocidente na crença de que o pecado humano colocou entre Deus e o homem uma barreira que ele, por si só, não poderia derrubar. O pecado bloqueou o caminho que unia o homem a Deus. Já que ele não poderia ir a Deus, Deus veio a ele.

Jesus Cristo.

A encarnação é um ato de philanthropia (caridade) de Deus, de Sua benevolência para com a espécie humana. Muitos escritores orientais, falando da encarnação sob este ponto de vista, dizem que mesmo se o homem nunca tivesse decaído, Deus em Seu amor pela humanidade ainda assim se tornaria homem: a encarnação deve ser entendida como parte do propósito eterno de Deus e não simplesmente como uma resposta à queda. Tal era a visão de Maximus, o confessor e de Isaac, o sírio, e também de alguns escritores ocidentais, com maior ênfase Duns Scotus (1265-1308).

Pelo fato de o homem ter decaído, a Encarnação é, além de um ato de amor, um ato de salvação. Jesus Cristo, ao unir homem e Deus em Sua própria pessoa, reabriu o caminho de união entre Deus e a humanidade. Em pessoa, Cristo mostrou qual a verdadeira "semelhança de Deus" e por sua redenção e sacrifício vitorioso restabeleceu esta semelhança ao alcance do homem. Cristo, o segundo Adão, veio ao mundo e reverteu os efeitos da desobediência do primeiro Adão.

Os elementos essenciais na doutrina ortodoxa de Cristo já foram esboçados no Capítulo 2: Deus verdadeiro e homem verdadeiro, uma pessoa em duas naturezas, sem separação nem confusão: uma única pessoa dotada de duas vontades e duas energias.

Deus verdadeiro e homem verdadeiro; como colocou o Bispo Theophan, o recluso: "Atrás do véu da carne de Cristo, os cristãos adoram o Deus triuno." Estas palavras colocam-nos face a face ao que pode ser a característica mais extraordinária da abordagem ortodoxa sobre o Cristo encarnado: uma sensação irresistível da Sua glória divina. Há dois momentos na vida de Deus que esta glória foi especialmente manifestada: A transfiguração quando, no Monte Tabor, a Luz não criada da Sua divindade visivelmente atravessou as vestimentas de Sua carne; e a Ressurreição, quando o túmulo é aberto pela pressão da vida divina, e Cristo retorna triunfante dos mortos. Dá-se tremenda ênfase a ambos os eventos durante a adoração e espiritualidade ortodoxas. No calendário bizantino, a Transfiguração é reconhecida como uma das Doze Grandes Festas e desfruta maior eminência do que no Ocidente; e já falamos qual o lugar que a Luz não criada de Tabor ocupa dentro da doutrina ortodoxa de oração. Já a Ressurreição, seu sentido preenche toda a vida da Igreja Ortodoxa: Por todas as vicissitudes de sua história, a Igreja Grega foi capaz de manter algo do espírito dos primeiros tempos do Cristianismo. A Liturgia ainda cultua o elemento de puro júbilo na Ressurreição do Senhor, que encontramos em muitos escritos Cristãos dos primeiros tempos (P. Hammond, The Waters of Marah, p. 20).

O tema Ressurreição de Cristo une todos os conceitos teológicos e realidades do Cristianismo oriental em um conjunto harmônico (O. Rousseau, "Incarnation et anthropologie en oriente et en ocident," in Irénikon, vol. 26, 1953, p. 373).

No entanto, seria errado pensar na Ortodoxia apenas como um culto à glória divina de Cristo, à Transfiguração e à Ressurreição, e nada mais. Não importa quão grande é a devoção à glória divina de Nosso Senhor, os ortodoxos não deixam de lado a Sua humanidade. Considere por exemplo o amor dos ortodoxos pela Terra Santa: nada pode superar a intensa reverência feita por camponeses russos aos lugares exatos onde o Cristo Encarnado viveu, onde como homem comeu, ensinou (pregou), sofreu e morreu. Nem o sentido de júbilo pela Ressurreição leva a Ortodoxia a minimizar a importância da Cruz.Imagens da Crucifixão não são menos importantes em Igrejas não-ortodoxas do que na Igreja Ortodoxa, apesar de o respeito à Cruz Sagrada ser mais revelado na adoração bizantina do que na latina.

Deve-se, assim, entender que é errada a comum asserção de que o leste concentra-se no Cristo Ressuscitado e o oeste concentra-se no Cristo Crucificado. Se fizermos uma comparação, é mais exato dizer que ambos vêem a Crucifixão de forma um pouco diferente. A atitude ortodoxa perante a Crucifixão é melhor compreendida nos hinos cantados na sexta-feira Santa, como os seguintes.

Aquele que veste-se de luz como roupas,

Estava nu em Seu julgamento.

Em Seu rosto recebeu sopros

Das mãos que Ele criou.

A multidão sem leis pregada a Cruz

O Deus de glória.

A Igreja Ortodoxa, na Sexta-Feira Santa, não vê isoladamente a dor e o sofrimento humanos de Cristo, mas sim o contraste entre Sua humilhação externa e a glória interna. Os ortodoxos não vêem apenas o lado humano do Cristo sofrendo, mas o Deus sofrendo:

Hoje está suspenso no Lenho

O que suspendeu a Terra por entre as águas.

Uma coroa de espinhos o veste

Aquele que é o rei dos anjos.

Ele está envolvido em púrpura zombaria

Aquele que envolve os céus de nuvens.

Sob o véu da carne rompida e sangrenta, os ortodoxos ainda apreciam o Deus Triuno. Até Gólgota é uma Teofania; até na Sexta-Feira Santa a Igreja entoa notas da alegria da Ressurreição:

Nós adoramos Tua Paixão, ó Cristo:

Mostra-nos Tua gloriosa Ressurreição!

Eu glorifico Teus sofrimentos,

Eu louvo Teu sepultamento e Tua Ressurreição.

Clamando, Senhor, glória a Ti!

A Crucifixão não está separada da Ressurreição, pois ambas são um ato único. O Calvário é sempre visto à luz do sepulcro vazio; a Cruz é um símbolo (emblema) de vitória. Quando os ortodoxos pensam no Cristo Crucificado, não pensam apenas no Seu sofrimento e desolação; eles pensam no Cristo, o vitorioso, no Cristo Rei, reinando em triunfo na Cruz:

O Senhor veio ao mundo e viveu entre os homens para destruir a tirania do Demônio e libertá-los. Na Cruz, Ele triunfou sobre os poderes que se opunham a Ele, quando o sol escureceu e a terra estremeceu, quando as sepulturas abriram-se e os corpos dos santos levantaram-se (Do primeiro exorcismo antes do Santo Batismo). Cristo é nosso Rei vitorioso, não apesar da Crucifixão, mas por causa dela: "Eu O chamo de rei porque o vejo crucificado" (João Crisóstomo, Second Sermon on the Cross and the Robber, 3, P.G. 49, 413).

Este é o espírito de adoração dos cristãos ortodoxos à morte de Cristo na Cruz. Entre esta abordagem da Crucifixão e aquela do oeste medieval e pós-medieval existem, é claro, muitos pontos de contato; no entanto, na abordagem ocidental existem também determinados aspectos que deixam os ortodoxos apreensivos. O ocidente, ao que parece, tende a pensar na Crucifixão isoladamente, separando-a de forma brusca da Ressurreição. Como resultado, a visão do Cristo como um Deus sofredor é substituída, em prática, pela figura de um Cristo-Homem sofredor: o adorador ocidental, quando medita perante a Cruz, é estimulado com muita freqüência a sentir uma mórbida compaixão ao Homem das Dores, em vez de glorificar o rei vitorioso e triunfante. Ortodoxos sentem-se muito a vontade nas letras do grande hino latino de Venâncio Fortunato (530-609), Pange lingua, que saúda a Cruz com um emblema de vitória:

Canta, minha boca, a batalha gloriosa,

Canta o final da briga;

Agora sobre a Cruz, nosso troféu,

Soa alto o hino triunfal:

Conta como o Cristo, redentor do mundo,

Como vítima venceu o dia.

Da mesma forma sentem-se no hino Vexilla regis, também de Fortunato:

Cumprido está o que falou Davi

Em canto profético dos antigos:

Dentre as nações, disse ele,

Reinou e triunfou da Cruz.

No entanto, ortodoxos sentem-se menos à vontade com composições do final da Idade Média tal como Stabat Mater:

Pelo pecado de seu povo, em agonia,

Lá ela viu a vítima definhar-se,

Sangrar atormentado, sangrar e morrer:

Viu o Senhor sagrado ser levado;

Viu seu Filho a morte abandonado;

Ouviu Seu último suspiro de morte

É mister dizer que o Stabat Mater, em suas sessenta linhas, não faz referência alguma a Ressurreição.

Onde a ortodoxia vê sobretudo o Cristo vitorioso, o ocidente do final da Idade Média e pós-medieval vê sobretudo Cristo como vítima. Enquanto a ortodoxia interpreta a Crucificação primordialmente como um ato de vitória triunfante sobre os poderes do mal, o oeste desde os tempos de Anselmo de Canterbury (1033-1109) — tende a pensar na Cruz em termos jurídicos e penais, como um ato de satisfação ou substituição destinado a aplacar a ira de um Pai nervoso.

No entanto este contraste não deve ser muito estimulado. Escritores orientais, assim como os ocidentais, aplicaram linguagem jurídica e penal a Crucifixão e escritores ocidentais, assim como os orientais, nunca deixaram de considerar a Sexta-Feira Santa como um momento de vitória. Recentemente, no ocidente, houve revitalização da idéia patrística do Christus Victor, semelhante na teologia, na espiritualidade e na arte; e os ortodoxos estão bem satisfeitos que isto possa acontecer.

O Espírito Santo.

Durante as atividades dentre os homens, a Segunda e a Terceira pessoa da Trindade são complementares e recíprocas. A obra de redenção de Cristo não pode ser vista separada da obra de santificação do Espírito Santo. O Verbo virou carne, disse Atanásio, por isso podemos receber o espírito (On the Incarnation and against the Arians, 8, P.G. 26, 996c): de um ponto de vista, todo propósito da Encarnação é a descida do Espírito Santo no Pentecostes.

A Igreja Ortodoxa dá grande importância ao trabalho do Espírito Santo. Como já vimos, uma das razões da objeção ortodoxa ao filioque é porque eles vêem uma tendência a subordinar e desprezar o Espírito. São Serafim de Sarov descreveu de forma breve todo o propósito da vida cristã como nada além da aquisição do Espírito Santo, dizendo no início de sua conversa com Motovilov:

"Oração, jejum, vigílias e todas as outras práticas cristãs, por melhores que possam ser em si só, certamente não constituem o propósito da nossa vida cristã: são apenas maneiras indispensáveis de obter este propósito. Pois o verdadeiro alvo da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo de Deus. Quanto aos jejuns, vigílias, doações e outras boas obras feitas em nome de Cristo, estes são os únicos meios de adquirir o Espírito Santo de Deus. Note bem que apenas as boas obras feitas em nome de Cristo que nos trazem os frutos do Espírito."

"Esta definição," comentou Vladmir Lossky, "apesar de parecer a primeira vista muito simples, forma o conteúdo da tradição espiritual da Igreja Ortodoxa" (The Mystical Theology of the Eastern Church, p. 196). Como perguntou Teodoro, discípulo de São Pachomius: O que é mais magnífico do que obter o Espírito Santo? (First Greek Life de Pachomius, 135).

No próximo capítulo teremos a oportunidade de observar a posição do Espírito na doutrina da Igreja Ortodoxa; e em outros capítulos, algo será dito sobre o Espírito Santo na adoração ortodoxa. Em cada ato sagrado da Igreja, e de forma mais enfática no clímax da Oração Eucarística, o Espírito é solenemente invocado. Em suas orações matinais, um cristão ortodoxo coloca-se sob a proteção do Espírito Santo, com as seguintes palavras:

Rei dos Céus, Consolador, Espírito de Verdade, tu que estás presente em tudo e enches tudo, Tesouro de bens e Doador da vida, vem e habita em nós. Purifica-nos de toda a impureza e salva as nossas almas, Tu que és bom (esta mesma oração é usada no início da maioria dos ofícios litúrgicos).

Participantes da Natureza Divina.

O propósito da vida cristã, que Serafim descreveu como a aquisição do Espírito Santo de Deus, pode igualmente ser bem definida em termos de deificação. Basílio descreveu o homem como uma criatura que recebeu a ordem de tornar-se um deus; Atanásio, como sabemos, disse que Deus virou homem para que o homem pudesse virar deus. "Em meu reino, disse Cristo, serei Deus com vocês como deuses" (Cânon para as matinas da Quinta-Feira Santa, Ode 4, Tropario 3). Este, de acordo com os ensinamentos da Igreja Ortodoxa, é o objetivo final que cada cristão ortodoxo deve atingir: tornar-se Deus, alcançar a theosis, "deificação" ou "divinização," pois para a ortodoxia, a salvação e redenção do homem significam sua deificação.

Sob a doutrina de deificação existe a idéia do homem feito de acordo com a imagem e semelhança de Deus, a Divina Trindade. "Para que eles sejam todos um," rezou Cristo na Última Santa Ceia; "Como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam em nós" (João 17:21). Assim como as três pessoas da Trindade "vivem" umas nas outras em um movimento contínuo de amor, o homem feito a imagem da Trindade é chamado para viver no Deus Trinitário. Cristo reza para que nós possamos fazer parte da vida da Trindade, do movimento de amor que circula entre as três pessoas divinas; Ele reza para que possamos ser levados para a Divindade. Os santos, como coloca Máximo, o Confessor, são aqueles que expressam a Santíssima Trindade em si mesmos. Esta idéia de uma união pessoal e organizada entre Deus e o homem — Deus vivendo no homem e o homem Nele — é um tema constante no evangelho de São João e também nas Epístolas de São Paulo que vê a vida Cristã, acima de tudo, como uma vida "em Cristo." A mesma idéia é vista no famoso texto: "Para que por elas (as promessas de Cristo)  sejais feitos participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4). É importante ter em mente este ensinamento do Novo Testamento. A doutrina ortodoxa de deificação, distante de não ter escritura (como às vezes se pensa), tem base bíblica muito sólida, não apenas em 2 Pedro, mas em Paulo e no Quarto Evangelho.

A idéia de deificação deve sempre ser entendida a luz da distinção entre a essência de Deus e Suas energias. A união com Deus significa união com as energias divinas, não com a essência divina: quando fala de deificação e união, a Igreja ortodoxa rejeita qualquer forma de panteísmo.

Há outro ponto de igual importância que está muito ligado a este. A união mística entre Deus e o Homem é verdadeira, apesar de Criador e criatura não estarem aqui fundidos um ao outro como um ser único. Ao contrário da religião ocidental que ensina que o homem é sugado pela divindade, a teologia mística ortodoxa sempre insistiu que o homem apesar de muito ligado a Deus, mantém a sua integridade individual. O homem, quando deificado, permanece distinto (e não separado) de Deus. O mistério da "Trindade é um mistério de unidade em diversidade, e aqueles que expressam a Trindade em si não sacrificam suas características individuais. Quando São Maximus escreveu que "Deus e aqueles merecedores de Deus têm a mesma e única energia" (Ambigua, P.G. 91, 1076C), ele não quis dizer que os santos perdem o livre arbítrio, mas que quando deificados eles, voluntariamente e com amor, combinam suas vontades com a Vontade de Deus. Nem o homem, quando "se torna Deus," deixa de ser humano: "Nós permanecemos criaturas enquanto nos tornamos, por graça, deuses, assim como Cristo permaneceu Deus quando tornou-se homem na Encarnação (V. Lossky, The Mystical Theology of teh Eastern Church p. 87). O homem não torna-se Deus por natureza, mas é meramente um "deus criado," um deus por graça ou status.

A deificação é algo que envolve o corpo. Já que o homem é uma unidade de corpo e alma, e já que o Cristo Encarnado salvou e resgatou o homem como um todo, conclui-se que "o corpo humano é deificado ao mesmo tempo que sua alma" (Maximo, Gnostic Centuries, 2, 88, P.G. 90, 1168A). Na divina semelhança a que o homem é convidado a realizar em si mesmo, o corpo tem importância. "Vossos membros são o templo do Espírito Santo," escreveu São Paulo (1 Cor. 6:19). "Assim, que pela misericórdia de Deus vos rogo, irmãos, que ofereçais os vossos corpos como um sacrifício vivo a Deus" (Romanos 12:1). Deve-se esperar a completa deificação do corpo, no entanto, até o Último Dia, pois nesta vida a glória dos santos é, como regra, um esplendor interno, um esplendor apenas da alma; mas quando os justos voltarem dos mortos vestidos no corpo espiritual, então a santidade será manifestada externamente. "No dia da Ressurreição a glória do Espírito Santo virá de dentro para fora, cobrindo e forrando os corpos dos santos — a glória que tinham antes escondida em suas almas. O que agora tem o homem, mais tarde surge em seu corpo" (Homilias da Macário, 5, 9. É esta transfiguração do "corpo Ressuscitado" que o iconógrafo tenta reproduzir. Assim, enquanto preserva distintos traços das características fisionômicas dos santos, ele evita, de forma deliberada, pintar um retrato realista e "fotográfico." Pintar o homem como ele é agora, é pintá-lo em seu estado ainda decaído, com o corpo "terrestre" e não "celestial"). Os corpos dos santos serão transfigurados externamente pela Luz divina, assim como o de Cristo foi transfigurado no Monte Tabor. "Também devemos aguardar a aurora do corpo" (Minucius Felix, Final do século segundo, Octavius, 34).

Mas mesmo nesta vida, alguns santos provaram os primeiros frutos da glorificação visível e material. São Serafim é o mais conhecido, mas não é o único exemplo. Quando Arsênio, o Grande estava orando, seus discípulos o viram "como um fogo" (Apophthegmata, P.G. 65, Arsenius 27); e é registrado de outro Padre do Deserto: Como Moisés recebeu a imagem da glória de Adão, quando seu rosto foi glorificado, então a face de Abba Pambo mostrou-se como um raio e ele tornou-se rei sentado em seu trono" (Apophthemagta, P.G. 65), Pambo, 12. Compare Apophthemagta, Sisoes 14 e Silouanus 12. Epifânio em seu Life of Sergius of Radonezh, relata que o corpo do santo mostrou-se em glória depois da morte. Algumas vezes é dito, e com certa verdade, que a transfiguração corporal pela luz divina corresponde, dentre os santos ortodoxos, ao recebimento dos estigmas de Cristo para os santos ocidentais. Porém, não se deve delinear um contraste absoluto neste caso. Episódios de glorificação material também são encontrados no oeste, como por exemplo o caso da inglesa, Evelyn Underhill (1875-1941): um amigo relata como em uma ocasião seu rosto estava transfigurado em luz (toda a narrativa faz lembrar São Serafim: ver The Letters of Evelyn Underhill, editada Charles Williams, Londres 1943, p. 37). A estigmatização também não é desconhecida no leste: na vida copta de São Macário do Egito, sabe-se que um querubim apareceu para ele, "mediu seu peito" e "crucificou-o na terra"). Nas palavras de Gregório Palamas: "nas próximas eras o corpo compartilhará com a alma as bênçãos indescritíveis, é certo que devem compartilhar, na medida do possível, agora também" (The Tome of The Holy Mountain, P.G. 150, 1233C).

Porque os ortodoxos estão convencidos de que o corpo é santificado junto com a alma, eles têm tremendo respeito às relíquias dos santos. Como os católicos romanos, ortodoxos acreditam que a graça de Deus presente no corpo dos santos durante a vida permanece ativa em suas relíquias depois da morte, e que Deus usa estas relíquias como um canal de poder divino e instrumento de cura. Em alguns casos os corpos dos santos foram milagrosamente preservados da corrupção, mas mesmo onde isto não aconteceu, os ortodoxos mostram a mesma adoração aos ossos. Esta reverência às relíquias não é fruto de ignorância e superstição, mas brotos de uma teologia do corpo altamente desenvolvida.

Não apenas o corpo humano, mas toda a criação material será, ao final, transfigurada: "E vi um céu novo e uma terra nova. Porque o primeiro céu e a primeira terra se foram" (Apocalipse 21:1). O homem resgatado não deve ser separado de toda criação, esta é que deve ser salva junto com ele (ícones, como já vimos, são os primeiros frutos da redenção da matéria). "A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus... pois ela será liberta da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. Sabemos que até hoje ela vem sofrendo as dores do parto" (Romanos 8:19-22). Esta idéia de redenção cósmica é baseada, assim como as doutrinas ortodoxas sobre o corpo humano e sobre os ícones, em uma correta compreensão da Encarnação: Cristo tomou a carne — que é de ordem material — e tornou possível a redenção e metamorfose de toda criação — tanto a imaterial quanto a física.

A discussão sobre deificação e união, transfiguração do corpo e redenção cósmica pode parecer muito vaga na experiência de um cristão comum; mas quem chegar a esta conclusão, entendeu completamente errado a concepção da Theosis. Para prevenir essa má interpretação, seis idéias devem ser traçadas.

Primeiro, a deificação não é algo para alguns selecionados, mas para todos sem diferenciação. A Igreja Ortodoxa acredita que ela (a deificação) é o propósito comum de todo Cristão, sem exceção. Nós, é claro, apenas seremos deificados por completo no dia do Juízo Final; mas para cada um de nós, o processo de divinização deve começar aqui e agora, nesta vida. É verdade que aqui poucos atingem total união mística com Deus, mas cada verdadeiro cristão tenta amar a Deus e realizar todos os Seus mandamentos e quando o faz com sinceridade, não importa se fracas as tentativas ou freqüentes as tentações, ele já estará de alguma forma deificado.

Segundo, o fato de o homem ser deificado não significa que ele deixa de ter a consciência dos pecados. Ao contrário, a deificação pressupõe um ato contínuo de contrição. Um santo, por mais avançado que esteja em seu caminho para a santidade, nunca deixa de usar as palavras da Oração do Coração, "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tem piedade de mim pecador." O Padre Silouan do Monte Atos costumava dizer para si mesmo "Lembre-se do Inferno e não se desespere"; outros santos ortodoxos repetiam as palavras "Todos serão salvos e eu o único condenado." Escritores ocidentais dão grande importância ao "dom das lágrimas." A teologia ortodoxa é de glória e transfiguração e também de penitência.

Em terceiro lugar, não há nada de esotérico e extraordinário sobre os métodos a serem seguidos para a divinização. Se alguém pergunta "como posso tornar-me Deus?" a resposta será muito simples: vá a igreja, receba os sacramentos regularmente, reze a Deus "em espírito e em verdade," leia os Evangelhos e siga os mandamentos. O último item — siga os mandamentos — nunca deve ser esquecido. A ortodoxia, tanto quanto o cristianismo ocidental, rejeita o misticismo que busca dispensar as regras morais.

Quarto, a divinização é um processo "social" e não solitário. Nós já vimos que a deificação significa "seguir os mandamentos" que foram descritos por Cristo, de forma resumida, como amor a Deus e amor ao próximo, sendo essas maneiras de amor inseparáveis. Um homem pode amar ao próximo como a si mesmo apenas se amar a Deus sobre todas as coisas; e um homem não pode amar a Deus se não ama seu irmão (1 João 4:20). Assim, não existe egoísmo na deificação, pois somente amando seu irmão é que o homem pode ser santificado. "Do irmão surge a vida, e dele também surge a morte," disse Antônio do Egito. "Se ganhamos um irmão, ganhamos a Deus, mas se nele pisamos, pecamos contra Cristo" (Apophgmata, P.G. 65, Antônio 9). O homem, feito a imagem da Trindade, só pode atingir a divina semelhança se viver uma vida tal qual a da Santa Trindade: assim como as três pessoas da trindade "vivem" umas nas outras, o homem deve "viver" em seus irmãos, não apenas para si, mas para todos. "Se fosse possível encontrar um leproso," disse um dos Padres do Deserto, "trocaria meu corpo pelo dele com alegria, pois este é o perfeito amor" (ibid, Agatho 26). Esta é a verdadeira natureza da theosis.

Em quinto lugar, o amor a Deus e aos homens deve ser praticado. A ortodoxia não aceita qualquer tipo de quietismo ou de amor que não resulte em ação. A deificação, além de Ter as maravilhas da experiência mística, tem um aspecto muito prosaico e terreno. Quando nela pensamos, devemos nos lembrar de Hesychasts rezando em silêncio e do rosto transfigurado de São Serafim; devemos também lembrar de São Basílio cuidando dos doentes no hospital da Cesaréia, de São João, o doador de esmolas, de São Sérgio em suas roupas sujas, trabalhando como camponês na horta para fornecer comida aos convivas do mosteiro. Estas são uma única forma de amor.

Por último, a deificação pressupõe a vida na Igreja, em sacramento. De acordo com a semelhança da Trindade, a theosis envolve a vida em comum, mas apenas dentro da comunidade da Igreja que essa vida de intimidade (inerência)  pode ser corretamente realizada. A Igreja e os sacramentos são meios, indicados por Deus, pelos quais o homem pode adquirir o Espírito Santificado e ser transformado na divina semelhança.

 

 

A Igreja de Deus.

"Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a Si mesmo" (Ef 5:25).

"A Igreja é a mesma e igual ao Senhor — ao Seu Corpo,a Sua carne e aos Seus ossos. A Igreja é a videira da vida,cultivada por Ele e florescendo Nele. Nunca pense na Igreja separada do Senhor Jesus Cristo, do Pai e do Espírito Santo" (Padre João de Kronstadt).

Deus e Sua Igreja.

Um cristão ortodoxo tem consciência ativa de que pertence a uma comunidade. "Sabemos que quando qualquer um de nós peca," disse Komiakov, "peca sozinho, mas ninguém é salvo sozinho e sim na Igreja, como um membro dela e em comunhão com seus outros membros" (The Church is One, seção 9).

Algumas diferenças entre a doutrina da Igreja ortodoxa e aquela dos cristãos ocidentais terão se tornado evidentes na primeira parte deste livro. Ao contrário do Protestantismo, a ortodoxia insiste na estrutura hierárquica da Igreja, na sucessão apostólica, no episcopado, no sacerdócio; ela ora aos santos e intercede pelos que partiram. Até este ponto ortodoxos e romanos estão de acordo, mas quando os romanos consideram a supremacia e jurisdição universal do Papa, os ortodoxos consideram o Colegiado de Bispos e Concílio Ecumênico e quando os romanos enfatizam a infalibilidade Papal, os ortodoxos enfatizam a infalibilidade da Igreja como um todo. Sem dúvida, nenhum dos lados é inteiramente justo (ou agradável) com o outro, mas parece aos ortodoxos que os romanos vêem muito a Igreja em termos de poder e organização terrenos, enquanto que aos católicos romanos parece que a doutrina de espiritualidade e misticismo da Igreja ortodoxa é vaga, incoerente e incompleta. Os ortodoxos respondem que não rejeitam a organização terrena da Igreja, mas suas regras são pequenas e precisas, como qualquer um pode entender em uma rápida leitura dos Cânones.

Por ser a idéia da Igreja Ortodoxa realmente espiritual e mística, que a teologia nunca trata o aspecto terreno da Igreja de forma isolada, mas sempre da Igreja de Cristo e do Espírito Santo. Todo pensamento ortodoxo sobre a Igreja começa com a relação pessoal que existe entre a Igreja e Deus. Três frases podem descrever esta relação: A Igreja é 1. a imagem da Santa Trindade, 2. O Corpo de Cristo, 3. Um constante Pentecostes. A doutrina da Igreja ortodoxa é trinitária, Cristológica e "pneumatológica."

1. A Imagem da Santa Trindade. Assim como cada homem é feito de acordo com a imagem do Deus Trinitário, também a Igreja como um todo é Seu ícone, reproduzindo na terra o mistério da unidade em diversidade. Na Trindade, as três pessoas são um único Deus, mas cada uma tem sua personalidade; na Igreja a multidão dos humanos é unida a uma, mas cada membro preserva igualmente a sua individualidade. Existe um paralelo entre convivência das pessoas e a inerência dos membros da Igreja. Nela não há conflito entre liberdade e autoridade; há unidade, não totalitarismo. Quando os ortodoxos aplicam a palavra "católica" à Igreja, têm em mente (dentre outras coisas) este milagre da unidade de muitas pessoas em uma.

Este conceito da Igreja como ícone da Trindade tem muitas outras aplicações. "Unidade em diversidade" — assim como cada pessoa da Trindade é autônoma, a Igreja é feita de numerosas Igrejas autocéfalas; e assim como as três pessoas da trindade são iguais, na Igreja nenhum bispo pode alegar a detenção de poder absoluto sobre todos os outros.

O conceito também ajuda a entender a ênfase ortodoxa aos concílios. Um concílio é uma expressão da natureza trinitária na Igreja. O mistério da unidade em diversidade, de acordo com a imagem da Trindade, pode ser visto em ação quando os muitos bispos reunidos no concílio chegam a um ponto em comum, sob a orientação do Espírito Santo.

A unidade da Igreja está mais particularmente ligada a pessoa do Cristo e sua diversidade, a pessoa do Espírito Santo.

2. O Corpo de Cristo: "Nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo" (Romanos 12:15). Existe entre Cristo e a Igreja a relação mais estreita possível: segundo a famosa frase de Inácio, "onde está Cristo, está a Igreja Católica" (To the Smyrnaeans, 8:2). A Igreja é a extensão da Encarnação, o lugar onde ela se perpetua. O teólogo grego, Chrestos Androustos, escreveu que a Igreja é "o centro e órgão da obra de redenção de Cristo;... não é nada além do que a continuação e extensão de seu poder profético, sacerdotal e majestoso... A Igreja e seu Fundador estão unidos de forma indissolúvel. Ela é Cristo em nós" (Dogmatic Theology, Atenas, 1907, pp. 262-5 (em grego)). Cristo não abandonou a Igreja quando subiu aos céus: "Eis que eu estarei com vocês até o fim do mundo," Ele prometeu (Mat 28:20), "pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei dentre eles" (Mat. 18:20). É muito fácil cair no erro de considerar Cristo ausente:

E permanece aqui a Santa Igreja

Apesar de o Senhor ter-nos deixado (um hino de J. M. Neale)

Mas como podemos dizer que Cristo nos deixou se Ele nos prometeu Sua presença eterna?

A unidade entre Deus e Sua Igreja é efetivada sobretudo nos sacramentos. No batismo, o novo cristão é morto e ressuscitado com Cristo; na Eucaristia, os membros do Corpo de Cristo, a Igreja, recebem Seu corpo em sacramento. Ao unir os membros da Igreja a Cristo, a Eucaristia também os une uns aos outros: "Nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo, pois participamos todos desse único pão" (1 Cor 10:17). A Eucaristia cria a união da Igreja. A Igreja (como viu Inácio) é uma sociedade Eucarística, um organismo sacramental que existe — em sua plenitude — onde é celebrada a Eucaristia. Não é coincidência que o termo "Corpo de Cristo" refira-se tanto a Igreja como ao sacramento, e que a frase Communio sanctorum no Credo Apostólico refira-se a "comunhão de pessoas divinas" (comunhão dos Santos) e também a "comunhão das coisas divinas" (comunhão de sacramentos).

A Igreja deve ser vista principalmente em termos sacramentais. Apesar de sua organização externa ser importante ela é secundária à vida sagrada.

3. Um constante Pentecostes. É tão fácil enfatizar que a Igreja é o Corpo de Cristo que acaba-se esquecendo o papel do Espírito Santo. Mas como já foi dito, em suas obras entre os homens, o Filho e o Espírito são complementos um do outro e isto é tão verdadeiro na doutrina da Igreja como em qualquer lugar. Enquanto Inácio escreveu que "onde Cristo está, está a Igreja Católica," Irineu escreveu com igual verdade que "onde está a Igreja, está o Espírito e onde está o Espírito, está a Igreja" (Against the Heresies 3, 26, 1). A Igreja, justo porque é o Corpo de Cristo, é também o templo e a moradia do Espírito.

O Espírito Santo é um Espírito de liberdade. Enquanto Cristo nos une, o Espírito resguarda nossa infinita diversidade na Igreja: no Pentecostes, as línguas de fogo foram "rachadas" ou divididas descendo separadamente a cada um dos presentes. A dádiva do Espírito é uma dádiva da Igreja e ao mesmo tempo individual, apropriada por cada um de suas próprias maneiras. "Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo" (1 Cor. 12:4). A vida na Igreja não significa tirar a variedade humana, nem impor um padrão rígido e uniforme a todos nós, mas exatamente o oposto. Os santos, longe de manifestarem uma monotonia enfadonha, desenvolveram personalidades muito distintas e ativas. Não é a santidade, mas o maligno que é maçante.

Resumidamente, esta é a relação entre a Igreja e Deus. Essa Igreja — o ícone da Trindade, o Corpo de Cristo, a plenitude do Espírito — é tão visível quanto invisível, divino quanto humano. É visível por ser composta de congregações concretas que participam da adoração aqui na terra; invisível por também incluir santos e anjos. É humana pois seus membros terrestres são pecadores; divina por ser o Corpo de Cristo. Não existe separação entre o visível e o invisível, entre (usando a terminologia ocidental) a Igreja militante e a triunfante pois as duas constituem uma realidade única e constante. "A Igreja visível, ou na terra, vive em completa comunhão e unidade com o Corpo da Igreja na qual Cristo é o Chefe" (Khomiakov, The Church is one, seção 9). Ela está em um ponto em que se cruzam a presente Era e a que virá e, ao mesmo tempo, vive nas duas.

A ortodoxia, então, quando usa a frase "Igreja visível e invisível," insiste em dizer que há apenas uma Igreja e não duas. Como disse Khomiakov:

"É apenas em relação ao homem que é possível reconhecer a divisão da Igreja em visível e invisível; sua unidade é, na realidade, verdadeira e absoluta. Aqueles que vivem na terra, aqueles que já terminaram o seu curso terreno, aqueles que como anjos não foram criados para viver na terra, os de gerações futuras que ainda não começaram sua rota terrena, estão todos reunidos em uma única Igreja, na única e eterna graça de Deus... A Igreja, Corpo de Cristo, manifesta-se adiante e completa-se no tempo sem mudar sua unidade essencial ou vida de graça interna. Portanto, quando falamos de "Igreja visível e invisível," falamos apenas em relação ao homem (The Church is one, seção, seção 1).

De acordo com Khomiakov, a Igreja é realizada na terra sem perder suas características essenciais; para Georges Florovsky, ela é "a imagem viva da eternidade no tempo" (‘Sobornost: The Catholicity of the Church, in The Church of God, editada por E.L. Mascall,p. 63). Este é um ponto cardeal do ensinamento ortodoxo. A ortodoxia não acredita meramente em uma Igreja ideal, invisível e celestial. A "Igreja ideal" existe visivelmente na terra, como realidade concreta.

Dessa forma, a ortodoxia não olvida a existência de um elemento humano assim como um divino na Igreja. O dogma da Calcedônia deve ser aplicado tanto à Igreja quanto a Cristo. Como Cristo, o Bom-Homem, tem duas naturezas (humana e divina), na Igreja também existe a sinergia e a cooperação entre o divino e o humano. Ainda, entre Cristo-Homem e a Igreja há a diferença obvia que um é perfeito e sem pecado, enquanto que o outro ainda não tem total plenitude. Apenas parte da Igreja humana — os santos no paraíso — atingiu a perfeição, enquanto que os outros membros aqui da terra fazem, com freqüência, o mau uso da sua liberdade. A Igreja na terra vive em um estado de animosidade: já é o Corpo de Cristo, mas por serem seus membros pecadores e imperfeitos, deve constantemente tornar-se o que é ("Esta idéia de ‘tornar-se o que é’ é a chave do ensinamento escatológico do Novo Testamento" (Gregory Dix, The Shape of the Liturgy, p. 247).

Mas o pecado humano não afeta a natureza essencial da Igreja. Não se pode dizer que porque os cristãos na terra pecam e são imperfeitos, a Igreja também é pois ela, mesmo na terra, é uma parte do céu e não pode pecar (v. Declaration of Faith and Order feita pelos Delegados Ortodoxos em Evanston, 1954, onde este ponto é esclarecido). São Efrém da Síria falou com exatidão "da Igreja dos penitentes, a Igreja daqueles que perecem," mas esta Igreja é ao mesmo tempo o ícone da Trindade. Como podem os membros da Igreja serem pecadores e fazerem parte da comunhão dos santos? "O mistério da Igreja consiste no fato de juntos os pecadores tornarem-se algo diferente do que são como indivíduos; este "algo diferente" é o Corpo de Cristo (J. Meyendorff, "What holds the Church together? In Ecumenical Review, vol. 12, 1960, p. 298).

Esta é a forma que a ortodoxia encara o mistério da Igreja. Ela é totalmente ligada a Deus. É uma nova vida de acordo com a Imagem da Trindade, uma vida em Cristo e no Espírito Santo, realizada pela participação nos sacramentos. A Igreja é uma realidade única, terrena e celestial, visível e invisível, humana e divina.

A Unidade e a Infalibilidade da Igreja.

"A Igreja é una e sua unidade é guiada pela necessidade da unidade de Deus" (The Church is one, seção 1). Estas foram as palavras introdutórias de Khomiakov em sua famosa dissertação. Se levarmos a sério a ligação entre Deus e sua Igreja, devemos inevitavelmente pensar na unidade da Igreja, assim como Deus é uno: existe apenas um Cristo, portanto existe apenas um Corpo de Cristo. Tampouco esta unidade é meramente ideal e invisível; a teologia ortodoxa recusa-se a separar a "Igreja visível" da "invisível" e portanto recusa-se a dizer que ela invisivelmente e visivelmente dividida. Não: a Igreja é uma, de forma que aqui na terra existe uma comunidade única e visível, que pode declarar-se a única e verdadeira Igreja. A "Igreja indivisível" não é apenas algo que existiu no passado e que esperamos que volte a existir no futuro: é algo que existe aqui e agora. Unidade é uma das características essenciais da Igreja, e já que ela, apesar de seus membros pecadores, conserva todas essas características, continua e sempre será visivelmente una. Pode haver dissidência da Igreja mas nunca na Igreja. E quando é inegavelmente verdadeiro que, em um nível humano, a vida da Igreja é empobrecida de forma dolorosa, como resultado de dissidências, pode-se dizer que essas dissidências não afetam a natureza essencial da Igreja.Um individuo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe a comunhão com seu Bispo; o Bispo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe comunhão com seus colegas Bispos.

A Ortodoxia, acreditando que a Igreja na terra permaneceu e deve permanecer visível, naturalmente também acredita ser ela própria a Igreja visível. Esse é um pleito audacioso, e para muitos ele parecerá um pleito arrogante; mas isso é um mal entendido sobre o espírito com o qual é feito o pleito. A Ortodoxia acredita ser ela a Igreja verdadeira, não por conta de seus méritos pessoais, mas pela graça de Deus, Ela diz com São Paulo: "Temos, porém, este tesouro em vaso de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós" (2 Cor. 4:7). Mas enquanto não pleiteando mérito algum para si próprio, os Ortodoxos estão com toda humildade convencidos que eles recebem um dom precioso e único de Deus; e se eles fingissem para os homens não possuir esse dom, eles seriam culpados de um ato de traição à vista do céu.

Escritores Ortodoxos as vezes escrevem como se eles aceitassem a "Teoria dos Galhos," que já foi popular entre os Anglicanos (de acordo com essa teoria a Igreja Católica e dividida em vários "galhos," usualmente três são citados, o Católico Romano, o Anglicano e o Ortodoxo). Mas tal ponto de vista não pode ser reconciliado com a teologia Ortodoxa tradicional. Se vamos falar em termos de "galhos," então do ponto de vista Ortodoxo os únicos "galhos" que a Igreja Católica pode ter são as Igrejas Autocéfalas locais de comunhão Ortodoxa.

Pleiteando, como faz, ser a verdadeira Igreja, a Igreja Ortodoxa também acredita que, ela poderia convocar e manter outro Concílio Ecumênico, igual em autoridade aos primeiros sete. Desde a separação de Oriente e Ocidente os Ortodoxos (ao contrário do ocidente) nunca de fato reuniram tal Concílio; mas isso não significa que eles acreditam não ter poder para tal.

A Ortodoxia tem a idéia de unidade da Igreja. A Ortodoxia também ensina que fora da Igreja não há salvação. Essa crença tem a mesma base que a crença Ortodoxa na indestrutível unidade da Igreja; ela decorre da estrita relação entre Deus e Sua Igreja. "Um homem não pode ter Deus como seu Pai se ele não tem a Igreja como sua Mãe" (On the Unity of the Catolic Church of God, p.53). Assim escreveu São Cipriano; e para ele isso pareceu uma evidente verdade, porque ele não conseguiu pensar em Deus e na Igreja separadas um do outro. Deus é salvação, e o poder salvífico de Deus é mediado para o homem em seu corpo, a Igreja. "Extra Ecclesiam nulla salus. Toda a categórica força e posição desse aforisma está em sua tautologia. Fora da Igreja não existe salvação, porque salvação é a Igreja" (G. Florovsky, Sobornost: The Catholicity of the Church, em The Church of God, p. 53). Dai segue que qualquer um que não está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente danado? Por certo que não! Ainda menos segue-se que quem está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente salvo. Como Sto Agostinho sabiamente remarcou: "Quantas ovelhas estão de fora, tantos lobos estão dentro!" (Homilies on John, 45,12) Porque não existe divisão entre a Igreja "Visível" e "Invisível," podem existir membros da Igreja que não são visíveis nela, mas que são conhecidos só por Deus. Se alguém é salvo, ele deve de algum modo ser um membro da Igreja; de que modo nós não podemos dizer.

A Igreja é infalível. Isso também decorre da indissolúvel unidade entre Deus e Sua Igreja. Cristo e o Espírito Santo não podem errar, e desde que a Igreja é o corpo de Cristo, desde que é um contínuo Pentecostes, ela é portanto infalível. Ela é a coluna e a firmeza da verdade" (1Tm 3:15). "Quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade" (Jo 16:13). Assim prometeu Cristo na última ceia; e a Ortodoxia acredita que a promessa de Cristo não pode falhar. Nas palavras de Dositeus: "Nós acreditamos ser a Igreja Católica ensinada pelo Espírito Santo... e por isso nós tanto acreditamos quanto professamos com verdadeira e indubitável certeza, que é impossível para a Igreja Católica errar, ou estar totalmente enganada, ou mesmo escolher falsidade ao invés de verdade (Confessiom, Decreto 12).

A infalibilidade da Igreja é expressa principalmente através dos Concílios Ecumênicos. Mas antes que possamos entender o que faz um Concílio ser Ecumênico, devemos considerar o lugar dos Bispos e dos leigos na comunhão Ortodoxa.

Bispos, Laicado, Concílios.

A Igreja Ortodoxa é uma Igreja hierárquica. Um elemento essencial em sua estrutura é a sucessão apostólica dos Bispos. "A dignidade do Bispo é tão necessária na Igreja," escreveu Dositeus, "Que sem ele nem a Igreja nem a palavra Cristão poderia existir ou ser falada... Ele é a imagem viva de Deus na terra... e uma fonte de todos os sacramentos da Igreja Católica, através da qual nós obtemos a salvação" (Confession, Decreto 10). "Se qualquer um não estiver com o Bispo," disse Cipriano, "Ele não está em Igreja" (Letter 66, 8).

Em sua eleição e sagração um Bispo Ortodoxo é dotado com o triplo poder de: 1) governar; 2) ensinar e 3) celebrar os sacramentos.

1. Um Bispo é indicado por Deus para guiar e comandar o rebanho entregue a seu encargo; ele é um "Monarca" em sua Diocese.

2. Em sua consagração um Bispo recebe um dom especial de carisma do Espírito Santo, em virtude do qual ele age como um professor da fé. Esse ministério de ensinamento o Bispo executa acima de tudo na eucaristia, quando ele prega o sermão para o povo; quando outros membros da Igreja — Padres ou Leigos — pregam sermão, estritamente falando eles agem como delegados dos Bispos. Mas apesar do Bispo ter um carisma especial, é sempre possível que ele caia em erro e dê falso ensinamento; aqui como em qualquer outro lugar o princípio da sinergia se aplica, e o elemento divino não expele o humano. O Bispo permanece homem, e como tal ele pode cometer erros. A Igreja é infalível mas não existe tal coisa como infalibilidade pessoal.

3. O Bispo como Dositeus coloca é "A fonte de todos os sacramentos." Na Igreja primitiva o celebrante na Eucaristia era normalmente um Bispo, e mesmo hoje um Padre quando celebra a Liturgia está na verdade atuando como delegado do Bispo.

Mas a Igreja não é só hierarquia, ela é carismática e pentecostal." Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias" (1Tes 5:19-20). O Espírito Santo é derramado sobre todo o Povo de Deus. Existe um Ministério especialmente ordenado de Bispos, Padres e Diáconos; no entanto ao mesmo tempo o Povo todo de Deus é profeta e Padre. Na Igreja Apostólica, além do Ministério Institucional conferido pelo impor de mãos, existem outros charismata ou Dons conferidos diretamente pelo Espírito Santo: Paulo menciona "Dons de cura" realização de milagres, "falando em línguas," e que tais (1Cor. 12:28-30). Na Igreja dos últimos tempos, esses ministérios carismáticos estiveram menos em evidência, mas eles nunca foram completamente extintos. Pensa-se no ministério dos Startsi, tão proeminente na Rússia do século dezenove; ele não era concebido por um Ato especial de ordenação, mas podia ser exercido tanto por um leigo quanto por um Padre ou um Bispo. Serafim de Savov e os startsi de Optino exerceram uma influência muito maior que qualquer hierarca.

Esse aspecto "Espiritual," não institucional da vida da Igreja tem sido particularmente enfatizado por certos teólogos recentes da migração Russa; Mas ele foi também destacado por escritores Bizantinos, mas notavelmente Simeão, o Novo Teólogo. Mais de uma vez na história da Ortodoxia os "carismáticos" entraram em conflito com a hierarquia, mas no final não há contradição entre os dois elementos da vida da Igreja: é o mesmo Espírito que está ativo em ambos.

Nós chamamos o Bispo de governador e monarca, mas esses termos não são para serem entendidos em um sentido severo e impessoal; pois ao exercer seus poderes o Bispo é guiado pela Lei Cristã do Amor. Ele não é um tirano mas um Pai para seu rebanho. A atitude Ortodoxa para com o oficio episcopal é bem expressa na oração usada na sagração: "Concede, ó Cristo, que esse homem, que foi apontado como procurador da graça episcopal, venha a ser um Teu imitador, o Verdadeiro Pastor, entregando sua vida pelas Tuas ovelhas. Faça dele um guia para os cegos, uma luz para aqueles na escuridão, um professor para os irrazoáveis, um instrutor para os tolos, uma tocha flamejante no mundo; para que tendo trazido para a perfeição as almas confiadas a ele na vida presente, ele possa se apresentar sem confusão avante do teu trono de julgamento, e receber a grande recompensa que Tu preparaste para aqueles que sofreram por pregar Teu Evangelho!

A autoridade do Bispo é fundamentalmente a autoridade da Igreja. No entanto por maior que sejam as prerrogativas do Bispo, ele não é alguém colocado sobre a Igreja, mas o portador de um cargo na Igreja. Bispo e povo são juntados em uma unidade orgânica, e não é possível nem pensar em estar em separados, um do outro. Sem Bispo não pode existir povo Ortodoxo, mas sem povo Ortodoxo não pode existir um verdadeiro Bispo. "A Igreja," disse Cipriano, "É o povo unido ao Bispo, o rebanho agarrado a seu Pastor. O Bispo está na Igreja e a Igreja no Bispo!" (Letter 66, 8).

A relação entre o Bispo e seu rebanho é mutua. O Bispo é professor da fé divinamente apontado, mas o guardião da fé não é o Episcopado sozinho, mas todo o povo de Deus, Bispos, Clero e Leigos todos juntos. A proclamação da verdade não é o mesmo que a posse da mesma: o povo todo possui a fé, mas é encargo particular do Bispo proclamá-la. A infalibilidade pertence à Igreja toda, não ao episcopado isolado. Como os Patriarcas Ortodoxos disseram em sua epistola de 1848 ao Papa Pio Nono:

"Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios podem introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da Religião é o verdadeiro corpo da Igreja, isto é, o Povo (Laos)."

Comentando sobre essa afirmação Khomiakov escreveu: "O Papa está redondamente enganado ao considerar que nós consideramos que a hierarquia eclesiástica é a guardiã do Dogma. O caso é completamente diferente. A invariável constância e a verdade sem erro do Dogma não depende de nenhuma ordem hierárquica; ela é guardada pela totalidade, pelo Povo todo da Igreja, que é o Corpo de Cristo (Letter in W. J. Birbeck, Russia and the Englush Church, pg. 94).

Esse conceito do laicado e de seu lugar na Igreja deve ser lembrado quando se considera a natureza de um Concílio Ecumênico. Os leigos são guardiões e não professores: Por isso, apesar de poderem atender a um concílio e ter uma parte ativa nos procedimentos (como Constantino e outros Imperadores Bizantinos fizeram), quando chega o momento do Concílio fazer uma proclamação formal de fé, são somente os Bispos sozinhos, em virtude de seu carisma, que tomam a decisão final.

Mas o concílio dos Bispos pode errar e estar enganado. Assim, como pode um desses concílios ser verdadeiramente Ecumênico e por conseqüência seus decretos serem infalíveis? Muitos concílios se autoconsideram ecumênicos e pretenderam falar no nome de toda a Igreja, e no entanto a Igreja os rejeitou como heréticos: Éfeso em 449, por exemplo, ou o Concílio Iconoclasta de Hieria em 754, ou Florença em 1438-9. No entanto esses concílios não parecem de modo algum na sua aparência externa serem diferentes dos concílios Ecumênicos. Qual é então, o critério para determinar se um concílio é ecumênico?

Essa é uma questão mais difícil de ser respondida do que parece ser a princípio, e apesar de ter sido muito discutida pelos Ortodoxos durante os últimos cem anos, não pode ser dito que as soluções sugeridas são inteiramente satisfatórias. Todos os Ortodoxos sabem quais são os Sete Concílios que sua Igreja aceita como Ecumênicos, mas precisamente o que faz um concílio ser ecumênico não está claro. Existem, assim deve ser admitido, certos pontos na teologia Ortodoxa dos concílios que permanecem obscuros e que pedem por mais considerações e pensamentos de parte dos teólogos. Com essa precaução em mente, vamos considerar resumidamente a presente tendência do pensamento Ortodoxo sobre esse assunto.

Sobre a questão de como se pode saber se um concílio é ecumênico, Khomiakov e sua escola dão uma resposta que à primeira vista parece clara e direta: Um concílio não pode ser considerado ecumênico a menos que seus decretos sejam aceitos pela Igreja toda. Florença, Hieria e o resto, enquanto ecumênicos em sua aparência externa, não o são na verdade, precisamente porque eles falharam em assegurar essa aceitação pela Igreja toda (Pode-se objetar: E Calcedônia? Foi rejeitado por Síria e Egito. Podemos então dizer que ele "foi aceito pela Igreja toda?"). Os Bispos, Khomiakov argumenta, porque eles são os professores da fé, definem e proclamam a verdade em concílio; mas essas definições devem ser aclamadas por todo o povo de Deus, incluindo os leigos, porque é o povo todo de Deus que constitui o guardião da Tradição. Essa ênfase na necessidade dos concílios serem recebidos pela Igreja toda tem sido vista com suspeição por alguns teólogos ortodoxos, tanto gregos quanto russos, que temem que Khomiakov e seus seguidores tenham posto em risco as prerrogativas do episcopado e "democratizado" a idéia de Igreja. Mas numa forma qualificada e cuidadosamente guardada, a opinião de Khomiakov é hoje amplamente aceita no pensamento Ortodoxo contemporâneo.

Esse ato de aceitação, essa recepção dos concílios pela Igreja toda, não deve ser entendida no sentido jurídico: "Isso não significa que as decisões do concílio devam ser confirmadas por um plebiscito e que sem tal plebiscito elas não tem força. Não existe tal plebiscito. Mas a experiência histórica mostra claramente que a voz de um certo concílio foi verdadeiramente a voz da Igreja, ou não: Isso é tudo" (S.Bulgakov, The Orthodox Church, p. 89).

Num verdadeiro Concílio Ecumênico os Bispos reconhecem o que é a verdade, e a proclamam, essa proclamação é então verificada pela aceitação de todo o povo Cristão, uma aceitação que não é uma regra, expressada formal e explicitamente, mas vivida.

Não são simplesmente os números ou a distribuição de seus membros que determinam a ecumenicidade de um concílio: "Um Concílio Ecumênico é tal, não porque representantes acreditados de todas Igrejas Autocéfalas tomam parte nele, mas porque ele dá nascimento a testemunhos da fé da Igreja Ecumênica" (Metropolita Serafin, L’Eglise Ortodoxs, p. 51).

A ecumenicidade de um concílio não pode ser decidida só por um critério externo: "A verdade não tem critério externo, pois é manifestada por ela própria, e feita evidente internamente." (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, p. 188). A infalibilidade da Igreja não tem que ser "exteriorizada," nem entendida num sentido muito "material": Não é a "ecumenicidade" mas a verdade dos concílios que torna as suas decisões obrigatórias para nós. Nós tocamos aqui no mistério fundamental da doutrina Ortodoxa da Igreja: A Igreja é o milagre da presença de Deus entre os homens, além de todo "critério" formal, de toda "infalibilidade" formal. Não é suficiente juntar um "concílio ecumênico!.. é necessário também que no meio daqueles assim reunidos esteja também presente Ele que disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida." Sem essa presença, não importa quão numerosa e representativa a assembléia possa ser, não estará na verdade. Os protestantes e Católicos Romanos usualmente não conseguem compreender essa verdade fundamental da Ortodoxia: Ambos materializam a presença de Deus na Igreja — os primeiros parcialmente nas palavras das Escrituras, os segundos na pessoa do Papa — Apesar de nem por isso evitar o milagre, eles o cobrem com uma forma concreta. Para a Ortodoxia, o único "critério da verdade" permanece o próprio Deus, vivendo misteriosamente na Igreja, conduzindo-a no caminho da verdade! (J. Meyendorff, citado em M.J. Le Guillou, Mission et Unité, Paris, 1960, vol.2, pg. 313).

 

Os Vivos e os Mortos:

A Mãe de Deus.

Em Deus e na Igreja não há divisão entre os vivos e os que partiram, mas todos são um no amor do Pai. Estejamos vivos ou mortos, como membros da Igreja nós ainda pertencemos à mesma família, e ainda temos o dever de carregar o fardo uns dos outros. Assim como os Cristãos Ortodoxos aqui na terra oram uns pelos outros e pedem orações aos outros, eles também pedem pelos fieis que partiram e pedem aos fieis que partiram que orem por eles, A morte não consegue cortar o vínculo de amor mútuo que liga todos os membros da Igreja juntos.

Orações pelos que partiram: "Ó Cristo, dá repouso às almas de teus servos, junto com Teus Santos, lá onde não há doenças, nem tristeza, nem gemidos, mas sim vida eterna." Assim a Igreja Ortodoxa ora pelos fiéis falecidos; e de novo:

"O Deus dos espíritos e de toda a carne, Que mataste a morte e derrotaste o Diabo, e deste vida ao Teu mundo: dá Tu, o mesmo Senhor, repouso às almas de Teus servos falecidos, no lugar de luz refrigério e repouso, do qual toda dor, tristeza e suspiros fugiram. Perdoa todas as transgressões que eles cometeram, por palavras, atos ou pensamentos!

Os Ortodoxos estão convencidos que os Cristãos aqui na terra tem obrigação de rezar pelos que partiram, e são confiantes que os mortos são ajudados por essas orações. Mas precisamente de que modo nossas orações ajudam os mortos? Qual é a condição exata das almas no período entre a morte e a ressurreição dos corpos no último dia? Aqui, o ensinamento Ortodoxo não é inteiramente claro, e tem variado alguma coisa em diferentes períodos. No século dezessete numerosos escritores Ortodoxos, mais notoriamente, Pedro de Moghila e Dositeus em sua Confessions — sustentaram a doutrina Católico-Romana do Purgatório, ou algo muito próximo (de acordo com o ensinamento Romano normal, as almas no Purgatório passam por sofrimento expiatório, e então prestam "satisfação" ou "justificativa" dos seus pecados. Deveria ser frisado, no entanto, que mesmo no século dezessete existiram muitos ortodoxos que rejeitaram o ensinamento Romano sobre Purgatórios. As afirmações sobre os mortos na Orthodox Confession de Moghila, foram cuidadosamente mudadas por Meletius Syrigos, enquanto já no fim da vida Dositeus especificamente retratou-se em relação ao que tinha escrito sobre os mortos em sua Confessions). Hoje a maioria, senão todos os teólogos Ortodoxos rejeitam a idéia do Purgatório, de qualquer forma. A maioria estaria inclinada a dizer que os fiéis mortos não sofrem nada. Outra escola sustenta que talvez eles sofram, mas se for assim, seu sofrimento é purificador mas não expiatório, pois quando um homem morre na graça de Deus, então Deus o liberta perdoando-lhe todos os pecados e não exige penalidades expiatórias: Cristo, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, é nossa única explicação e satisfação. Além desses, um terceiro grupo prefere deixar a questão inteiramente em aberto: evitemos formulações detalhadas acerca da vida após a morte, eles dizem, e preservemos uma reverente e agnóstica reticência. Quando Santo Antonio (Antão) do Egito estava certa vez pensando na divina providencia, uma voz veio a ele dizendo: "Antônio, pensa em ti próprio, pois isso que especulas são julgamentos de Deus, e não é para que Tu os conheça" (Apophthegmata P.g.65, Antony, 2).

Os Santos. Simeão, o novo Teólogo descreve os Santos como formando uma corrente dourada:

"A Santíssima Trindade, penetrando todos os Homens, do primeiro ao último, da cabeça aos pés, liga-os todos juntos... Os Santos em cada geração, juntam-se àqueles que se foram antes, e preenchidos como aqueles com luz, tornam-se uma corrente, dourada, na qual cada Santo é um elo separado, unido ao próximo pela fé, obras e amor. Assim, no Deus Único eles formam uma única corrente que não pode ser quebrada rapidamente" (Centuries 3, 2,4).

Tal é a idéia Ortodoxa da comunhão dos Santos. Essa corrente é uma corrente de mútuo amor e oração; e nessa oração amorosa os membros da Igreja na terra, "chamados para serem santos," tem seu lugar.

Privadamente um Cristão Ortodoxo está livre para pedir as orações de qualquer membro da Igreja, canonizado ou não. Seria perfeitamente natural para uma criança Ortodoxa, se órfã, terminar suas orações vespertinas pedindo pela intercessão não só da Mãe de Deus e dos Santos, mas de sua própria Mãe e de seu Pai. Nas suas orações publicas, no entanto, a Igreja ora pedindo só para aqueles que ela oficialmente proclamou como Santos. Mas em circunstâncias excepcionais um culto público pode vir a ser estabelecido sem qualquer ato formal de canonização. A Igreja Grega sob o Império Otomano começou logo a comemorar os Novos Mártires em seus ofícios, mas para evitar que os turcos ficassem sabendo normalmente não havia nenhum ato de proclamação: O culto dos Novos Mártires foi em muitos casos algo que apareceu espontaneamente da iniciativa popular. O mesmo aconteceu em anos mais recentes com os Novos Mártires da Rússia: em certos locais, tanto dentro quanto fora da União Soviética, eles começaram a ser comemorados como Santos nos ofícios da Igreja, mas as condições presentes na Igreja Russas fazem com que a canonização formal seja impossível.

A reverência pelos Santos está intimamente ligada com a veneração dos ícones. Eles são colocados pelos Ortodoxos não só em suas Igrejas, mas também em cada cômodo de suas casas, e até mesmo em carros e ônibus. Esses sempre presentes ícones agem como ponto de encontro entre os membros vivos da Igreja e aqueles que se foram antes. Os ícones ajudam os Ortodoxos a olhar os Santos não como figuras remotas e legendárias do passado, mas como contemporâneos e amigos pessoais.

No Batismo, um Ortodoxo recebe o nome de um Santo, "Como um símbolo de sua entrada na unidade da Igreja, que não é só a Igreja da terra, mas também a Igreja no Céu" (P. Kovalevsky, Exposé de la Foi Catholique Orthodoxe, Paris, 1957, p. 16). Um Ortodoxo tem uma devoção especial ao Santo de quem carrega o nome; usualmente ele mantém um ícone de seu santo padroeiro em seu quarto, e ora diariamente para ele. A festa do seu Santo padroeiro ele guarda como seu dia de Nome, e para muitos Ortodoxos (como também para muitos Católicos Romanos na Europa Continental), essa é uma data muito mais importante do que seu aniversário.

Um Cristão Ortodoxo ora não só para os Santos mas também para os anjos, e em particular para seu Anjo da Guarda. Os anjos "Cercam-nos com sua intercessão e escudam-nos com suas asas protetoras de glória imaterial" (Do hino de despedida da Festa dos Arcanjos, 8 novembro).

A Mãe de Deus. Entre os Santos, uma posição especial pertence à Virgem Maria a quem os Ortodoxos reverenciam como a mais exaltada entre as criaturas de Deus, "Mais venerável que os querubins, incomparavelmente mais gloriosa que os serafins" (Do Hino à Virgem, cantado na Liturgia de São João Crisóstomo). Note-se que nos a designamos "A mais exaltada entre as criaturas de Deus": Os Ortodoxos, como os Católicos Romanos, veneram ou honram a Mãe de Deus, mas em nenhum sentido os membros de ambas as Igrejas a consideram como a quarta pessoa da Trindade, nem asseguram a ela a adoração devida somente a Deus. Na teologia Grega a distinção é claramente marcada: existe uma palavra especial, latreia, reservada para a adoração de Deus, enquanto que para a veneração da Virgem, termos inteiramente diferentes são empregados (duleia, hyperduleia, proskynesis).

Nos ofícios Ortodoxos a Virgem Maria é mencionada com freqüência e em cada ocasião lhe é dado seu título completo: "Nossa Santíssima, Imaculada, Bendita e Gloriosa Senhora, Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria." Aqui estão os três principais epítetos aplicados para Nossa Senhora, pela Igreja Ortodoxa: Theotokos (Mãe de Deus), Aeiparthenos (Sempre Virgem) e Panagia (Toda Santa). O primeiro desses títulos foi designado a ela pelo Terceiro Concílio Ecumênico (Éfeso, 431), o segundo pelo Quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553). (A crença na Virgindade Perpetua de Maria pode parecer à primeira vista contrária às Escrituras, porque Marcos 3:31 menciona os "irmãos" de Cristo. Mas a palavra usada ali, em grego, pode significar meio-irmão, primo ou parente próximo, bem como irmão no sentido estrito). O Epíteto Panagia, apesar de nunca ter sido objeto de uma definição dogmática, é aceito e usado por todos os Ortodoxos.

O termo Theotokos é de particular importância, pois dele provem a chave para o culto Ortodoxo da Virgem. Nos louvamos Maria porque ela é a Mãe do Nosso Deus. Nós não a veneramos isoladamente, mas por sua relação com Cristo. Assim a reverência mostrada a Maria, longe de eclipsar a adoração de Deus, tem exatamente o efeito contrário: quanto mais estimamos Maria, mas vívida é a nossa consciência da Majestade de seu Filho, pois é precisamente por conta do Filho que nós veneramos a Mãe.

Nós louvamos a Mãe por conta do Filho: Mariologia é uma simples extensão da Cristologia. Os Padres do Concílio de Éfeso insistiram em chamar Maria de Theotokos, não porque quisessem glorificá-la como um fim em si próprio, à parte do seu Filho, mas porque somente louvando Maria poderiam salvaguardar a doutrina correta da pessoa de Cristo. Qualquer um que pense nas implicações da grande frase: O Verbo se fez Carne, não pode deixar de sentir um respeito temeroso por aquela que foi escolhida como instrumento de tão extraordinário Mistério. Quando os homens se recusam a louvar Maria, muito freqüentemente é porque eles não acreditam realmente na Encarnação.

Mas os Ortodoxos veneram Maria, não só porque ela é a Theotokos, mas também porque ela é a Panagia, Toda-Santa. Entre todas as criaturas de Deus, ela é o exemplo supremo de sinergia ou cooperação entre o propósito da divindade e a vontade livre do ser humano. Deus, que sempre respeitou a liberdade humana, não quis tornar-se encarnado sem o livre consentimento de Sua Mãe. Ele esperou pela resposta voluntária dela: "Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim, segundo a sua palavra" (Lc. 1:38). Maria poderia ter recusado: Ela não era meramente passiva, mas uma participante ativa no Mistério. Como Nicolau Cabasilas disse:

"A encarnação não foi trabalho só do Pai, de Seu Poder e de Seu Espírito... Mas foi também trabalho da vontade e da fé da Virgem... Assim como Deus encarnou voluntariamente, Ele também quis que Sua Mãe O portasse livremente e com seu consentimento completo!" (On the Annunciation, 4-5, Patrologia Orientalis, vol. 19, Paris, 1926, pg. 488).

Se Cristo é o Novo Adão, Maria é a nova Eva, aquela que se submeteu à vontade de Deus contrabalançando a desobediência de Eva no Paraíso! Assim o nó de Eva foi desatado pela obediência de Maria; pois o que Eva, uma virgem, atou pela sua descrença, Maria, uma virgem, desatou pela sua fé (Irineu, Against the Heresies, 3, 22, 4). "Morte por Eva, vida por Maria" (Jerome, letter 22,21).

A Igreja Ortodoxa chama Maria de a "Toda Pura"; ela é chamada "Imaculada," ou "sem mancha" (em Grego, Achrantos); e todos os Ortodoxos concordam em acreditar que Nossa Senhora, era livre do pecado durante sua vida. Mas foi ela livre também do pecado original? Em outras palavras, a Ortodoxia concorda com a doutrina católico-romana da Imaculada Conceição, proclamada como dogma pelo Papa Pio, o Nono em 1854, de acordo com a qual Maria, desde o momento em que foi concebida por sua mãe Santa Ana, foi por decreto especial de Deus liberada de "toda mancha do pecado original?" A Igreja Ortodoxa nunca de fato fez qualquer pronunciamento formal e definitivo sobre o assunto. No passado Ortodoxos individualmente fizeram afirmações que ainda que não confirmando definitivamente a doutrina da Imaculada Conceição, de algum modo se aproximando dela; mas desde 1854 a grande maioria dos Ortodoxos rejeitaram a doutrina, por várias razões. Eles sentiam que ela era desnecessária; eles entendiam que de qualquer modo, como definida pela Igreja Católico-Romana, ela implica num falso entendimento do Pecado original; eles suspeitavam da doutrina porque ela parece separar Maria do resto dos descendentes de Adão, colocando-a numa classe completamente diferente de todos os outros homens e mulheres justos do Velho Testamento. Do ponto de vista Ortodoxo, no entanto, a questão toda pertence ao Reino das opiniões teológicas; e se um Ortodoxo individual sente-se impelido em acreditar na Imaculada Conceição, ele não poderia ser classificado de herético por isso.

Mas a Ortodoxia, enquanto em sua grande maioria nega a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, acredita firmemente em sua Ascensão Corpórea (Imediatamente após o Papa ter proclamado a Assunção como dogma em 1950, alguns Ortodoxos (mais como reação contra a Igreja Católico-Romana) começaram a expressar dúvidas sobre a Ascensão Corpórea e mesmo a nega-la explicitamente. Mas certamente eles não são representativos da Igreja Ortodoxa como um todo). Como o resto da humanidade, Nossa Senhora passou pela morte física, mas no caso dela a Ressurreição do Corpo foi antecipada: depois da morte seu corpo foi elevado e "assumido" no céu e seu tumulo foi encontrado vazio. Ela passou além da morte e do julgamento, e já vive no Tempo que há de vir. No entanto Ela não está por isso separada da humanidade, pois essa glória corpórea da qual Maria desfruta agora, todos nos esperamos dela partilhar um dia.

A crença na Ascensão da Mãe de Deus é afirmada claramente e sem ambigüidade nos hinos cantados na Igreja em 15 de agosto, Festa da Dormição! Mas a Ortodoxia diferentemente de Roma, nunca proclamou a Assunção como dogma, nem nunca desejou fazer isso. As doutrinas da Trindade e da Encarnação foram proclamadas como dogmas, por elas pertencerem a pregação pública da Igreja; mas a glorificação de Nossa Senhora pertence a Tradição interna da Igreja:

É difícil falar e não menos difícil pensar acerca dos mistérios que a Igreja guarda escondidos nas profundezas de sua consciência interna... A Mãe de Deus nunca foi tema da pregação pública dos Apóstolos; enquanto Cristo era pregado pelos telhados, e proclamado para todos para ser conhecido num ensinamento iniciatório dirigido ao mundo todo, o Mistério de Sua Mãe só era revelado para aqueles que estavam dentro da Igreja... Não é tanto um objeto de fé como é a fundação de nossa esperança, um fruto da Fé, amadurecido na Tradição. Mantenhamos então silêncio, e não tentemos dogmatizar acerca da suprema gloria da Mãe de Deus" (V. Lossky, "Panagia," em The Mother of God, editado por E. L. Mascall, pg. 35),

 

As últimas coisas.

Para os Cristãos só existem duas alternativas definitivas, Céu e Inferno. A Igreja espera a consumação do final, que na teologia Grega é chamada de apocatastasis ou "restauração," quando Cristo retornará em grande glória para julgar tanto os vivos quanto os mortos. Essa apocatastasis final envolve, como vimos, a redenção e a glorificação da matéria: no último dia os justos levantarão dos túmulos e serão unidos novamente a um corpo — não um corpo como possuímos agora, mas um transfigurado e "espiritual" no qual a santidade interna é tornada manifesta externamente. E não só os corpos humanos mas toda a ordem material será transformada Deus criará um Novo Céu e uma Nova Terra.

Mas o Inferno existe tanto quanto o Céu. Nos anos recentes muitos Cristãos não só no ocidente, mas com o tempo também na Igreja Ortodoxa — começaram a achar a idéia de Inferno inconsistente com a crença num Deus amoroso. Mas argumentar assim é colocar uma triste e perigosa confusão no pensamento. Enquanto que é verdade que Deus nos ama com amor infinito, também é verdade que Ele nos deu livre arbítrio; e já que temos livre arbítrio, é possível para nós rejeitarmos Deus. Desde que existe livre arbítrio, o Inferno existe; pois o Inferno nada mais é que a rejeição de Deus. Se nós negamos o Inferno, nós negamos o livre arbítrio. "Ninguém é tão bom e cheio de piedade como Deus" escreveu Marcos, o Monge ou Eremita (começo do quinto século); "Mas nem Ele perdoa aqueles que não se arrependem" (On those who think to be justified from works, 71, PG. 65, 9400). Deus não nos forçará a ama-lo, pois o amor não é mais amor se não for livre; como pode então Deus reconciliar Consigo próprio àqueles que recusam qualquer reconciliação?

A atitude Ortodoxa em relação ao Juízo Final e Inferno é expressa claramente na escolha das leituras do Evangelho lidas nos três domingos sucessivos imediatamente antes da Grande Quaresma. No primeiro domingo é lida a parábola do Publicano e do Fariseu, no segundo a parábola do Filho Pródigo, histórias que ilustram o perdão imenso e misericórdia de Deus para com todos os pecadores que se arrependem. Mas no Evangelho do terceiro domingo — a parábola das ovelhas e dos bodes — nós somos lembrados de outra verdade: que é possível rejeitar Deus e virar-se d’Ele para o Inferno. "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus amigos" (Mt. 25:41)

Não existe terrorismo na doutrina Ortodoxa de Deus. Os Cristãos Ortodoxos não bajulam Deus com um medo abjeto, mas pensam Nele como philanthropos, o "Que ama o Homem." Ainda assim eles mantêm na mente que Cristo em Sua segunda vinda virá como Juiz.

O Inferno não é tanto um lugar onde Deus aprisiona o homem, como um lugar onde o homem, por mal uso do seu livre — arbítrio, escolhe ele próprio se aprisionar. E mesmo no Inferno os malditos não são privados do amor de Deus, mas por sua própria escolha eles experimentam tanto sofrimento quanto os santos experimentam júbilo." O amor de Deus será um tormento intolerável para aqueles que não o adquiriram para dentro de sí" (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, pg 234).

O Inferno existe como uma possibilidade final, mas vários dos Padres acreditaram não menos de que no fim tudo será reconciliado com Deus. É herético dizer que todos deverão ser salvos, pois isso é negar o livre arbítrio; mas é legitimo esperar que todos possam ser salvos. Até que o último dia venha, não devemos nos desesperançar da salvação de ninguém, mas devemos aguardar e orar pela reconciliação de todos sem exceção. Ninguém deve ser excluído de nossa intercessão amorosa. "O que é um coração misericordioso?" perguntou São Isaac, o Sírio. "É um coração que arde com amor por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelas bestas, pelos demônios, por todas as criaturas" (Mystic Treatises, editado por A J. Wensinck, Amsterdam, 1823, pg.341). Gregório de Nissa disse que os Cristãos podem legitimamente ter esperança na salvação mesmo do Diabo.

As escrituras terminam com uma nota de aguda expectativa:..."certamente cedo eu venho. Amém. Ora vem, Senhor Jesus" (Ap. 22:20). No mesmo Espírito de ansiosa esperança os Cristãos primitivos costumavam orar: "Que venha a graça e que esse mundo passe" (Didaque, 10,6). De um ponto de vista os primeiros Cristãos estavam errados: Eles imaginavam que o fim do mundo ocorreria quase imediatamente, enquanto que de fato dois milênios já se passaram e o fim do mundo ainda não veio. Não é para nós conhecermos os tempos e as estações, e talvez essa ordem presente venha a durar por muitos milênios mais. No entanto de outro ponto de vista a Igreja primitiva estava certa. Pois venha o fim mais cedo ou mais tarde, ele está sempre eminente, sempre espiritualmente perto, à mão, ainda que ele possa temporariamente não estar perto. O dia do Senhor virá "Como o ladrão de noite" (1Ts 5:2) numa hora em que os homens não o esperam. Os Cristãos, por isso, como nos tempos Apostólicos, ainda hoje devem estar sempre preparados, esperando em constante expectativa. Um dos mais encorajadores sinais de renascimento na Ortodoxia contemporânea é a renovada consciência entre muitos Ortodoxos da Segunda Vinda e sua relevância. "Quando um pastor em visita à Rússia perguntou qual era o problema mais quente da Igreja Russa, um Padre respondeu sem hesitação: a Parusia" (P. Evdokimov, L’Orthodoxe, P.g.9 (Parousia: o temo Grego para a Segunda Vinda)).

No entanto a segunda vinda não é simplesmente um evento futuro, pois na vida da Igreja, o tempo a vir já começou a surgir na presente época. Para membros da Igreja de Deus, os "Últimos Tempos" já foram inaugurados, porque aqui e agora os Cristãos desfrutam os primeiros frutos do Reino de Deus. Mesmo assim, vem senhor Jesus. Ele já veio — na Sagrada Liturgia e na Louvação da Igreja.

 

Louvação Ortodoxa:

O Céu na Terra.

 

"A Igreja é o céu na terra no qual o Deus celeste habita e se move" (Germanus, Patriarca de Constantinopla, Morto em 733)

 

Doutrina e louvação.

Há uma história na Russian Primary Chronicle de como Vladimir, príncipe de Kiev, enquanto ainda pagão, desejou conhecer qual era a Religião verdadeira, e por isso mandou seus seguidores visitar vários paises do mundo. Eles foram primeiro para os Búlgaros Muçulmanos do Volga mas observando que eles quando oravam olhavam esgazeados em torno de si como se estivessem possuídos, os Russos continuaram sua viagem insatisfeitos. "Não há alegria entre eles," eles reportaram a Vladimir, mas muitas lamentações e um forte cheiro; e não há nada de bom em seu sistema." Viajando em seguida para Alemanha e Roma, eles acharam a louvação mais satisfatória, mas reclamaram que lá também não existia beleza. Finalmente eles viajaram para Constantinopla, e lá finalmente, quando eles assistiram a Divina Liturgia na Grande Igreja de Santa Sofia, eles descobriram o que eles desejavam. "Nós não sabemos se nós estávamos no céu ou na terra, pois certamente não há tal esplendor e beleza em nenhum lugar da terra. Nós não podemos descreve-la para o Senhor: Só sabemos isso, que Deus habita lá entre os homens, e seus ofícios ultrapassam a louvação de todos os outros lugares. Nós não podemos esquecer aquela beleza."

Nessa história podem ser vistos vários aspectos característicos do Cristianismo Ortodoxo. Há primeiro a ênfase sobre a divina beleza: não podemos esquecer aquela beleza. Tem parecido a muitos que o dom peculiar dos povos Ortodoxos — e especialmente Bizâncio e Rússia — é esse poder de perceber a beleza do mundo espiritual, e exprimir essa beleza em sua louvação.

Em segundo lugar é característico aquilo que os Russos devem ter dito: Nós não sabíamos se estávamos no céu ou na terra. Louvação, para a Igreja Ortodoxa, é nada mais do que "o céu na terra." A Sagrada Liturgia é algo que abraça dois mundos de uma vez, pois em ambos, no céu e na terra a Liturgia é uma e a mesma — um altar, um sacrifício, uma presença. Em todos os lugares de louvação, ainda que humilde em sua aparência exterior, quando os fiéis se juntam para celebrar a Eucaristia, eles são levados para cima para os "lugares celestes"; em todo lugar de louvação quando o Santo Sacrifício é oferecido, não somente a congregação local está presente, mas a Igreja Universal — os Santos, Os Anjos, a Mãe de Deus e o próprio Cristo. "Agora os poderes celestes celebram invisivelmente conosco" (palavras cantadas na Grande entrada da Liturgia dos Pré-Santificados) Isso nós sabemos, que Deus habita lá entre os homens.

Os Ortodoxos, inspirados por essa visão do "Céu na Terra" empenharam-se em fazer da sua louvação em esplendor e beleza externos, um Ícone da Grande Liturgia no Céu. No ano 642, o pessoal da Igreja de Santa Sofia era composto de 80 padres, 150 diáconos, 40 diaconisas, 70 subdiáconos, 160 leitores, 25 cantores e 100 guardadores das portas: Isso dá uma pálida idéia da magnitude do ofício que os enviados do Príncipe Vladimir assistiram. Mas muitos que experimentaram a louvação ortodoxa nos mais variados ambientes sentiram, não menos que os Russos de Kiev, um sentimento da presença de Deus entre os homens. Viremos, por exemplo da Russian Primary Chronicle para a carta de uma mulher inglesa escrita em 1935:

"Esta manhã foi tão esquisita. Uma sala muito suja e sórdida de uma missão presbiteriana construída sobre uma garagem, onde aos russos é permitido celebrar quinzenalmente a Liturgia. Uma iconostase improvisada e removível montada com material de palco e alguns poucos ícones modernos. Um chão sujo para se ajoelhar e um lambri ao longo da parede... E nesse lugar dois soberbos padres velhos, um diácono, nuvens de incenso e, na Anáfora, uma impressionante impressão sobrenatural " (The Letters of Evelyn Underhill, pg. 2.18)

Existe ainda uma terceira característica que a história dos enviados do príncipe Vladimir ilustra. Quando eles quiseram descobrir a verdadeira fé, os Russos não perguntaram acerca de regras morais nem demandaram uma razoável apresentação da doutrina, mas eles observaram as diferentes nações em oração. A aproximação Ortodoxa da religião é fundamentalmente uma aproximação litúrgica, que compreende a doutrina no contexto de louvação divina; não é coincidência que a palavra Ortodoxia signifique tanto crença correta quanto louvação correta, pois as duas coisas são inseparáveis. Foi dito corretamente dos Bizantinos: "Com eles dogma não é só um sistema intelectual apreendido pelo clero e exposto aos leigos, mas um campo de visão no qual todas as coisas na terra são vistas em sua relação com as coisas no céu, primeiramente e principalmente através da celebração Litúrgica." (G. Every, The Bizantine Patriarchate, primeira edição, pg.9). Nas palavras de Georges Florovsky: "Cristianismo é uma religião litúrgica. A Igreja é antes de tudo uma comunidade de louvação. Louvação vem antes, doutrina e disciplina depois." (The Elements of Liturgy in the Orthodox Catholic Church, no periódico One Church, Vol.13, New York, 1959, nrs. 1-2, pg.24). Aqueles que querem conhecer sobre Ortodoxia não devem tanto ler livros como seguir o exemplo da comitiva de Vladimir e assistir a Liturgia. Como Felipe disse para Natanael: "Vem, e vê" (Jo. 1:46).

Porque eles se aproximam da Religião desse modo litúrgico, os Ortodoxos freqüentemente atribuem a pontos de detalhe do ritual uma importância que deixa atônitos os Cristãos ocidentais. Mas uma vez que se tenha entendido a posição central da louvação na vida da Ortodoxia, um incidente como o do cisma dos Velhos Crentes não mais parecerá inteiramente ininteligível: se louvação é a fé em ação, então modificações na Liturgia não podem mais serem olhadas superficialmente. É típico que um escritor Russo do século quinze, quando atacando o Concílio de Florença, tenha encontrado falhas nos latinos, não em erros doutrinais, mas pelo seu comportamento na louvação: "O que vos vistes de valor entre os latinos? Eles não sabem nem como venerar a Igreja de Deus. Eles elevam suas vozes como tolos, e o seu canto é um lamurio discordante. Eles não têm idéia de beleza e reverência na louvação, pois eles tocam trombones, assopram cornetas, usam órgãos, elevam suas mãos, batem os pés e fazem muitas outras coisas irreverentes e desordenadas que trazem alegria para o diabo." (Citado em N. Szernov, Moscow the Third Rome, pg.37; Eu cito essa passagem, simplesmente como um exemplo da aproximação litúrgica da Liturgia, sem necessariamente endossar os comentários críticos sobre a louvação ocidental, que ela contém!).

A Ortodoxia, vê o homem acima de tudo como uma criatura litúrgica que é mais verdadeiramente ele próprio quando ele glorifica Deus, e que acha sua perfeição e se completa quando em louvação. Na Sagrada Liturgia que expressa sua fé, o povo Ortodoxo despejou sua completa experiência religiosa. Foi a Liturgia que inspirou sua melhor poesia, arte, e música. Entre os Ortodoxos, a Liturgia nunca tornou-se a preservadora dos instruídos e do clero, como ela tendeu a ser no ocidente medieval, mas ela manteve-se popular — a posse comum de todo o povo cristão: "O Ortodoxo normal fica louvador, por familiaridade desde a tenra infância, sente-se inteiramente em seu lar na Igreja, inteiramente participante nas partes audíveis da Liturgia, e toma parte com inconsciente e não estudada facilidade nas ações do rito, numa extensão só compartilhada pelos hiper-devotos e de mentalidade eclesiástica no ocidente" (Austin Oacley, The Orthodox Liturgy, Londres, 1958, pg.12).

No dias negros de sua história — sob os mongóis, os turcos e os comunistas — foi para a Sagrada Liturgia que os povos Ortodoxos sempre se voltaram buscando inspiração e esperança nova; e eles não se voltaram em vão.

O arranjo exterior dos Ofícios:

Padre e povo.

O Padrão básico de ofícios é o mesmo na Ortodoxia que o da Igreja Católica Romana: Há, primeiro, A Sagrada Liturgia (A Eucaristia ou Missa); secundariamente, o Ofício Divino (i.e. os dois principais ofícios de Matinas e Vésperas junto com as seis "horas menores" de Noturnas, Primeira, Tércia, Sexta, Nona e Completas; na Igreja Romana o oficio de Noturnas é uma parte da Matinas, mas no Rito Bizantino Noturnas é um ofício separado. A Matinas Bizantina é equivalente a Matinas e Laudes no Rito Romano); e por fim, os Ofícios Ocasionais — i.e. Ofícios indicados para ocasiões especiais, tais como Batismo, Casamento, Recepção Monástica, Coroação Real, Consagração de uma Igreja, Sepultamento dos Mortos (Em adição a esses, a Igreja Ortodoxa faz uso de uma grande variedade de bênçãos menores).

Enquanto em muitas igrejas paroquiais anglicanas e em quase todas Igrejas paroquiais Romanas, a Eucaristia é celebrada diariamente, na Igreja Ortodoxa de hoje a Liturgia diária não é usual a não ser em catedrais e grandes Mosteiros; numa Igreja Paroquial normal é celebrada aos Domingos e festas. Mas na Rússia em muitas paróquias de cidades,o Ofício Divino é recitado diariamente em Mosteiros, grandes e pequenos, e em algumas catedrais; também em muitas das paróquias de cidades na Rússia. Mas em uma Igreja Ortodoxa Paroquial é cantado nos fins de semana e festas. As Igrejas Gregas mantêm vésperas aos sábados à noite, e Matinas no Domingo de manhã antes da Liturgia; nas Igrejas Russas a Matinas é usualmente "antecipada" e cantada imediatamente após vésperas aos sábados à noite, de maneira que Vésperas e Matinas, seguidas de Primeira hora, junto constituem o que é chamado de "Ofício de Vigília" ou "Vigília de Toda Noite." Assim, enquanto Cristãos ocidentais, se celebram no início da noite, tendem a fazer isso no Domingo, os Cristãos ortodoxos celebram ao anoitecer de sábados.

Em seus ofícios a Igreja Ortodoxa usa a Língua do povo: Árabe em Antioquia, Finlandês em Helsinque, Japonês em Tókio, Inglês (quando solicitado) em Nova York. Uma das primeiras tarefas dos missionários Ortodoxos — de Cirilo e Metódio no século nove, a Inocente Veniaminou e Nicolau Kassatkin no século dezenove — foi sempre traduzir os livros de ofícios nas línguas nativas. Na prática, no entanto, existem exceções parciais a esse princípio geral de ser usado o vernacular: As Igrejas de língua Grega usam, não o grego moderno, mas o Grego do Novo Testamento e dos tempos Bizantinos, enquanto a Igreja Russa ainda usa as traduções do século nove em eslavônico de Igreja. No entanto em ambos os casos as diferenças entre a linguagem litúrgica e o vernáculo contemporâneo não é tão grande a ponto de tornar os ofícios ininteligíveis para a congregação. Em 1906 muitos Bispos Russos de fato recomendaram que o eslavônico fosse substituído mais ou menos generalizadamente pelo Russo moderno, mas a revolução Bolchevik ocorreu antes que esse esquema fosse implantado de fato.

Na Igreja Ortodoxa hoje, como na Igreja do início, todos os ofícios são cantados. Não existe na Ortodoxia o equivalente à Católica Romana "Low Mass" (O equivalente à "Low Mass" Católico-Romana) ou à Anglicana "Said Mass" (Missa que é falada, não cantada pelo celebrante que é assistido por um auxiliar e que é muito menos cerimonial que a High Klass, não se usando nem música nem coro.) Em todas as liturgias, assim como em todas Matinas e Vésperas; é usado incenso e o ofício é cantado, ainda que não tenha coro ou congregação, mas só o Padre e um só leitor. Na música de sua Igreja os Ortodoxos de língua Grega continuam a usar o antigo canto Monotônico Bizantino com seus oito "Tons." Esse canto monotônico os missionários Bizantinos levaram consigo para as terras eslavas, mas com os séculos ele se tornou extensivamente modificado, e as várias Igrejas eslavas cada qual desenvolveu seu estilo próprio e musica eclesiástica tradicional. Dessas tradições as musicas eclesiásticas Russas são as mais conhecidas e as mais atrativas para ouvidos ocidentais; muitos consideram a música Russa a melhor dentro de toda Cristandade, e tanto na União Soviética quanto na Igreja Russa emigrada existem corais mui justamente celebrados. Até muito recentemente todos os cantos na Igreja Russa eram normalmente feitos pelo coral; hoje um pequeno porém crescente número de paróquias na Grécia, Rússia, Romênia e na Diáspora estão começando a reviver o canto congregacional — se não durante todo o ofício, pelo menos de qualquer modo em momentos especiais como no Credo e no Pai Nosso.

Na Igreja Ortodoxa de hoje, como na Igreja primitiva, o canto não é acompanhada por qualquer instrumento e não existe música instrumental. A maioria dos Ortodoxos não usam sinos de mão ou de santuário dentro da Igreja; mas eles tem fora da Igreja ou anexa a ela torres com sinos, e tem muito prazer em tocar esses sinos não só antes mas em vários momentos durante os ofícios. O toque de sinos Russos costumava ser particularmente famoso. "Nada," escreveu Paulo de Alepo, durante sua visita a Moscou em 1655, "me afetou tanto quanto o soar conjunto de todos os sinos nas vésperas de domingos e grandes festas, e à meia-noite antes das festas. A terra treme com suas vibrações, e como trovão o zumbido de suas vozes vai para o alto dos céus! "Eles tocam seus sinos de bronze de acordo com seus costumes. Que Deus não se choque com o barulho desagradável de seus sons" (The Travels of Macarius, Editado por Ridding, pg. 27 e p. 6)

Uma Igreja Ortodoxa usualmente é mais ou menos quadrada no plano, com um largo espaço central coberto com um dono. (na Rússia o domo das Igrejas assumiu aquela surpreendente forma de cebola que dá um aspecto tão característico a quase todas paisagens). As naves alongadas, comum nas catedrais e grandes igrejas paroquiais do estilo gótico, não são encontradas na arquitetura de Igrejas Orientais. Como regra não existem cadeiras ou bancos na parte central da Igreja, apesar de poderem existir colocadas ao longo da parede. Um Ortodoxo normalmente fica em pé durante os ofícios da Igreja (não Ortodoxos visitantes freqüentemente ficam atônitos ao verem mulheres velhas permanecendo em pé por muitas horas sem sinais aparentes de fadiga); mas há momentos nos quais a congregação pode se sentar ou ajoelhar-se. O Cânon 20 do Primeiro Concílio Ecumênico proíbe qualquer ajoelhamento aos domingos ou em qualquer dos cinqüenta dias entre a Páscoa e o Pentecostes; mas infelizmente hoje em dia essa regra não é mais sempre estritamente observada.

É uma coisa notável a grande diferença que faz a presença ou ausência de bancos no espírito da louvação Cristã. Existe na louvação Ortodoxa uma flexibilidade, uma informalidade inconsciente, não encontrada entre as congregações ocidentais.

Os fiéis ocidentais enfileirados nos seus arrumados bancos, cada um no seu lugar próprio, não podem se movimentar durante os ofícios sem causar perturbação; uma congregação ocidental é esperada que chegue no início e fique até o fim. Mas nos ofícios ortodoxos o Povo pode ir e vir muito mais livremente, e ninguém fica surpreso se alguém se movimenta durante o ofício. A mesma informalidade e liberdade também caracteriza o comportamento do clero: A movimentação cerimonial não é tão minuciosamente prescrita como no ocidente, os gestos do Padre são menos estilizados e mais naturais. Essa informalidade, enquanto de um lado pode levar algumas vezes à irreverência, do outro lado é, no fim, uma qualidade preciosa que os Ortodoxos ficariam muito tristes se perdessem, Eles estão em casa em sua Igreja — não tropas em uma parada, mas crianças na casa de seu Pai. A louvação Ortodoxa é freqüentemente chamada de "de outro mundo" mas poderia ser mais verdadeiramente ser chamada de "caseira" ou "no lar": É um assunto familiar. No entanto, por trás dessa informalidade e intimidade existe um profundo sentimento de Mistério.

Em toda Igreja Ortodoxa o Santuário é separado do resto pela iconostase, uma separação sólida, muitas vezes de madeira coberta com ícones. Nos dias antigos o santuário era separado somente por uma parede baixa de um metro ou pouco mais. Muitas vezes essa separação tinha uma série de colunas que suportavam uma luminária horizontal ou uma trave: Algo desse tipo pode ainda ser visto hoje na Igreja de São Marco, em Veneza. Só em comparativamente mais recentes tempos — em muitos lugares não antes aos séculos quinze ou dezesseis — esse espaço entre as colunas foi preenchido, e a iconostase apresentou sua atual forma sólida. Muitos liturgistas Ortodoxos hoje em dia ficariam satisfeitos em seguir o exemplo de São João de Kronstadt, e reverter para um tipo mais aberto de iconostase: em alguns poucos lugares isso na verdade já foi feito.

A iconostase é aberta em três locais com portas. A porta grande no centro — a Porta Real — quando aberta permite uma vista do altar. Essa porta é em duas metades, atrás das quais fica uma cortina. Fora do tempo de ofícios, com exceção da semana após a Páscoa (semana Jubilosa), as portas são mantidas fechadas e a cortina também. Durante os ofícios, em momentos particulares as portas são abertas, ou fechadas, enquanto que ocasionalmente as portas estão fechadas e a cortina aberta. Muitas paróquias Gregas, no entanto, não fecham mais as portas e as cortinas em qualquer momento da Liturgia; em certas Igrejas as portas foram removidas, enquanto outras Igrejas seguiram um caminho que é liturgicamente mais correto mantendo as Portas mas removendo as cortinas. Das duas outras portas, a da esquerda conduz ao altar da Prothesis ou Preparação (onde são mantidos os vasos sagrados, e onde o Padre prepara o pão e o vinho no começo da Liturgia); a da direita conduz ao Diakonikon (agora geralmente usado como local de paramentação, mas originalmente o local onde os livros sagrados, particularmente o evangeliário, eram guardados junto com as relíquias). Leigos não são permitidos a irem além da iconostase, exceto por razões especiais como prestar algum serviço na Liturgia. O altar em uma Igreja Ortodoxa — A Mesa Sagrada ou Trono como é chamado — fica livre no centro do santuário; atrás do altar, contra a parede é colocado o trono do Bispo.

As Igrejas Ortodoxas são cheias de ícones — na iconostase, nas paredes, em relicários especiais, ou numa espécie de escrivaninha onde eles podem ser venerados pelos fieis. Quando um Ortodoxo entra na Igreja, sua primeira ação é comprar velas, ir para a frente de um ícone, fazer o sinal da cruz, beijar o ícone e acender uma vela em frente a ele. "Eles são grandes oferecedores de velas," comentou o mercador inglês Richard Chancelor, visitando a Rússia no reinado de Elizabeth I. Na decoração da Igreja, as várias cenas iconográficas e figuras não são dispostas fortuitamente, mas sim de acordo com um esquema teológico definido, de maneira que o edifício todo forme um grande ícone ou imagem do Reino de Deus. Na arte religiosa Ortodoxa, como na arte Religiosa do ocidente medieval, há um elaborado sistema de símbolos, envolvendo cada parte do prédio da Igreja e de sua decoração. Ícones, frescos e mosaicos não são meros ornamentos, com a finalidade de fazer a Igreja "parecer bonita," mas tem uma função teológica e litúrgica a preencher.

Os ícones que enchem a Igreja servem como ponto de encontro entre o céu e a terra. Como cada congregação ora Domingo após Domingo, cercada pelas figuras de Cristo, dos Anjos e dos Santos, essas imagens visíveis relembram os fiéis incessantemente da presença invisível de toda companhia do céu na Liturgia. Os fiéis podem sentir que as paredes da Igreja, se abrem para a eternidade, e eles são ajudados a constatar que sua liturgia é uma e a mesma com a Grande Liturgia do Céu. Os múltiplos ícones expressam visivelmente o sentido de "céu na terra."

A louvação da Igreja Ortodoxa é comum e popular. Qualquer não-Ortodoxo que assista os ofícios Ortodoxos com alguma freqüência constatará rapidamente quão próxima a comunidade orante toda, Padre e povo também, está junta em uma só; entre outras coisas, a ausência de bancos ajuda a criar um sentimento de unidade. Apesar da maioria das congregações Ortodoxas não participar do canto, executado por um coral, não se deveria daí imaginar que eles não estejam tomando parte real no ofício; nem a iconostase — mesmo na sua presente forma sólida — faz o povo se sentir cortado do Padre no santuário.Em todo caso, muitas das cerimônias têm lugar em frente da iconostase, à vista completa da congregação.

Os leigos Ortodoxos não usam a frase "assistir a missa," pois na Igreja Ortodoxa a Liturgia nunca foi algo feito pelo clero para o povo, mas sim alguma coisa que clero e povo celebram juntos. No ocidente medieval, onde a Eucaristia era celebrada em uma língua erudita não entendida pelo povo, os homens iam à Igreja para adorar a hóstia na Elevação, e por outro lado tratavam a Missa principalmente como uma ocasião conveniente para dizer suas orações privadas (tudo isso, por certo, foi agora mudado no ocidente pelo Movimento Litúrgico). Na Igreja Ortodoxa onde a Liturgia nunca cessou de ser uma ação comum celebrada pelo Padre e pelo Povo juntos, a congregação não vai a Igreja para dizer suas orações privadas, mas para dizer as orações públicas da Liturgia e tomar parte na própria ação do Rito. A Ortodoxia nunca passou pela separação entre a Liturgia e a devoção pessoal que ocorreu (e que fez muito sofrer) no ocidente medieval e pós-medieval.

Certamente a Igreja Ortodoxa, assim como o ocidente, tem necessidade de um Movimento Litúrgico; na verdade, alguns desses movimentos já começaram ainda que pequenos em muitas partes do mundo Ortodoxo (renascimento do canto congregacional, portas da Porta Real deixadas abertas durante a Liturgia, formas mais abertas de íconostase, e assim por diante). No entanto o escopo desse Movimento Litúrgico será na Ortodoxia muito mais restrito, porque as modificações requeridas são muito menos drásticas. O sentido de oração corporativa cujo restauro e o principal objetivo da reforma litúrgica no ocidente, nunca cessou em ser uma realidade na Igreja Ortodoxa.

Há na maioria das louvações Ortodoxas uma qualidade não apressada e fora do tempo, um efeito produzido em parte pela repetição constante de Litanias. Tanto na forma mais longa quanto na mais curta, a Litania ocorre várias vezes em todo ofício Ortodoxo do Rito Bizantino. Nessas Litanias, o diácono (senão existir, o Padre) chama o povo para rezar para as várias necessidades da Igreja e do mundo, e a cada petição o coro e o povo responde Senhor, tem piedadeKirie Eleison em Grego, Gospodi pomilui em Russo — provavelmente as primeiras palavras de um ofício Ortodoxo que um visitante acompanha (em algumas litanias a resposta é mudada para Concede, Senhor). A congregação se associa com as diferentes intercessões fazendo o sinal da cruz e se inclinando. No geral, o sinal da cruz é empregado muito mais freqüentemente pelos fieis Ortodoxos que pelos ocidentais, e existe uma liberdade muito maior sobre os momentos em que ele é usado: diferentes fiéis fazem o sinal da cruz em diferentes momentos quando eles querem apesar de logicamente existirem ocasiões nos ofícios quando praticamente todos fazem o sinal da cruz ao mesmo tempo.

Nós descrevemos a louvação Ortodoxa como fora do tempo e não apressada. Muitas pessoas do ocidente têm a idéia que os ofícios bizantinos, mesmo que não literalmente fora do tempo, são de qualquer modo de uma duração extrema e intolerável. Certamente as funções Ortodoxas tendem a ser mais prolongadas que suas contrapartes ocidentais, mas não devemos exagerar. É perfeitamente possível celebrar a Liturgia Bizantina, com uma curta Homilia, em uma hora e um quarto, e em 1943 o Patriarca de Constantinopla determinou que nas Paróquias sob sua jurisdição a Liturgia Dominical não deveria durar mais do que uma hora e meia. Os Russos no geral levam mais tempo para celebrar os ofícios que os Gregos, mas numa paróquia da Imigração normal, o ofício de Vigília no sábado a noite não leva mais que duas horas, e freqüentemente menos. Ofícios monásticos naturalmente são mais longos, e no Monte Athos nas Grandes Festas o Ofício as vezes chega a levar doze ou mesmo quinze horas em intervalo, mas no conjunto todo isso é algo excepcional.

Os não-Ortodoxos devem ficar sabendo que de fato Ortodoxos freqüentemente ficam tão alarmados quanto eles com a duração dos ofícios; "E agora nos entramos no nosso trabalho e angústia," escreve Paulo de Alepo em seu diário quando ele entrou na Rússia. "Pois todas as Igrejas deles são vazias de assentos. Não existe nenhum, nem para o Bispo; vê-se o povo todo durante todo o ofício em pé como Rochas, sem se movimentar e incessantemente inclinando-se com sua devoção. Deus nos ajude com a duração de suas orações e cantos e missas, pois nós sofremos muita dor, de modo que nossas almas são torturadas com fadiga e angustia! E no meio da Semana Santa ele exclama: "Deus conceda-nos especial ajuda para passar pelo todo dessa presente semana! Pois os Moscovitas, tem seguramente os pés feitos de ferro" (The Travels of Macarius, editado por Ridding, pg.14 e pg.46).

 

 

 

Louvação Ortodoxa:

Os Sacramentos.

"Ele que esteve visível como nosso Redentor agora passou para os Sacramentos" (São Leão, o Grande)

O lugar principal na louvação Ortodoxa pertence aos Sacramentos ou, como eles são chamados em Grego aos mistérios. É chamado de mistério, escreve São João Crisóstomo sobre a eucaristia, pois aquilo em que acreditamos não é o mesmo que nós vemos, mas vemos uma coisa e acreditamos em outra... Quando eu ouso mencionar o corpo de Cristo, eu entendo o que é dito em um sentido o descrente em outro (Homilies on I Corinthians, 7:1 (p.g. 61,55). Este duplo caráter, ao mesmo tempo exterior e interior, é o aspecto distintivo de um Sacramento: Os Sacramentos, como a Igreja, são ambos visíveis e invisíveis; em todo o Sacramento existe a combinação de um Sinal visível no exterior com uma Graça espiritual interior. No batismo o Cristão passa por uma exterior lavada na água, e é só ao mesmo tempo limpo interiormente de seu pecado; na Eucaristia ele recebe o que do ponto de vista visível parece ser pão e vinho, mas na realidade ele come o Corpo e Sangue de Cristo.

Na maioria dos Sacramentos a Igreja usa coisas materiais — água, pão, vinho, óleo e faz delas um veículo do Espírito. Desse modo os sacramentos parecem-se com a encarnação, quando Cristo tomou carne material e fez dela um veículo do Espírito; E eles parecem-se no futuro, ou melhor antecipam, a apocatastasis e a redenção final da matéria no último dia.

A Igreja Ortodoxa costumeiramente fala de sete sacramentos, basicamente os mesmo sete da teologia Católico-Romana:

  1. Batismo
  2. Crisma (Equivalente a Confirmação no Ocidente)
  3. Eucaristia
  4. Arrependimento ou Confissão
  5. Santas Ordens
  6. Sagrado Patrimônio
  7. Unção dos Enfermos (Correspondente à Extrema Unção na Igreja Católica Romana)

Somente no século dezessete, quando a influência latina estava no auge a lista tornou-se fixa e definida. Antes dessa data os escritores Ortodoxos variavam consideravelmente quanto ao número de sacramentos: São João Damasceno fala de dois, Dinis o Aeropagita de seis; Joasaph, Metropolita de Éfeso (século quinze), de dez; e aqueles teólogos Bizantinos que de fato falam de sete sacramentos diferem quanto aos itens que eles incluem em suas listas. Ainda hoje o número sete não tem significado absoluto para a teologia Ortodoxa, mas é usado primariamente como uma conveniência para o ensino.

Aqueles que pensam em termos de sete sacramentos devem ser cuidadosos e se resguardar de duas concepções errôneas. Em primeiro lugar, enquanto todos os setes são verdadeiros Sacramentos eles não são de igual importância, mas existe uma certa hierarquia entre eles. A Eucaristia, por exemplo, aparece no coração da vida e experiência Cristã de um modo que a unção de enfermos não aparece. Entre os sete, batismo e eucaristia ocupam uma posição especial: Para usar uma expressão adotada pelo Comitê de Teólogos Romenos e Anglicanos em Bucareste em 1935 esses dois Sacramentos são proeminentes entre os Mistérios Divinos.

Em segundo lugar, quando nós falamos de sete sacramentos, nós nunca devemos isolar esses sete de muitas outras ações da Igreja que também possuem um caráter Sacramental, e que são convenientemente chamados de sacramentais. Incluídos nesses Sacramentais estão os ritos de Profissão Monástica, a Grande Benção das Águas na Epifania, o Serviço de Sepultamento dos mortos, e a Unção de um Monarca. Em todos esses existe uma combinação de sinais visíveis no exterior e graça espiritual interior. A Igreja Ortodoxa também emprega um grande número de bênçãos menores, e essas também são de natureza sacramental: benção de milho, vinho e óleo; de frutas, campos e lares, de qualquer objeto ou elemento. Essas bênçãos menores são freqüentemente muito práticas e prosaicas: há bênçãos para abençoar um carro ou uma locomotiva ou para limpar um lugar de ervas daninhas (A Religião popular da Europa Oriental é litúrgica e ritualística, mas não completamente de outro mundo. Uma Religião que continua a propagar novas formas de amaldiçoar lagartas e remover ratos mortos do fundo do poço dificilmente pode ser rejeitada como puro misticismo (G. Every, The Byzantining Patriarchate, 1ª edição, P. 198)). Entre o mais abrangente e o mais estreito sentido do termo ‘sacramento’ não existe uma divisão rígida: a completa vida Cristã deve ser vista como uma unidade, como um único mistério ou um grande sacramento, cujos diferentes aspectos são expressões em uma grande variedade de atos, alguns acontecidos de uma só vez na vida de um homem, outros talvez diariamente.

Os sacramentos são pessoais: eles são os meios pelos quais a Graça de Deus é apropriada para cada Cristão individualmente. Por essa razão na maioria dos sacramentos da Igreja Ortodoxa o padre menciona o nome Cristão de cada pessoa, enquanto administra o sacramento. Quando dando a Santa Comunhão, ele diz: "O servo (a) de Deus... (Nome) comunga o corpo e o sangue...; na unção dos enfermos, ele diz: "Ó Pai, cura o teu servo... (Nome) das doenças tanto do corpo quanto da alma.

Batismo.

Na Igreja Ortodoxa hoje, como na Igreja dos primeiros séculos, os três sacramentos da iniciação Cristã — Batismo, Crisma, Primeira Comunhão — são ligados. Um Ortodoxo que torna-se um membro de Cristo é admitido aos privilégios completos de tal sociedade.

Crianças Ortodoxas não são só batizadas na infância, mas confirmadas na infância, e recebem comunhão na infância...."deixai os meninos e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o Reino dos Céus" (Mt. 19:14).

Existem dois elementos essenciais no ato do Batismo: A invocação do nome da trindade, e a tripla emersão em água. O padre diz: o servo de Deus... (Nome) é batizado em nome do Pai, amém. E do Filho, amém. E do Espírito Santo, amém. Quando o nome de cada pessoa da Trindade é mencionado, o padre mergulha a criança na fonte ou enfiando-a inteiramente sob a água, ou de qualquer forma derramando água sobre o corpo completo. Se a pessoa a ser batizada esta tão doente que a imersão colocaria em risco a sua vida, então é suficiente derramar água sobre sua fronte; mas de outra forma a imersão não deve ser omitida.

Os Ortodoxos estão muito aflitos pelo fato que o Cristianismo Ocidental, abandonando a antiga prática do Batismo por imersão, está agora satisfeito em meramente derramar um pouco de água sobre a cabeça do candidato. A Ortodoxia vê a imersão como essencial (exceto em emergências), pois se não há imersão, a correspondência entre o sinal exterior e o significado interior está perdido, e o simbolismo no sacramento é destruído. O Batismo significa um enterro místico e uma mística ressurreição com Cristo (Ro 6:4-5 e Col 2:12); e o sinal exterior desse sacramento é o mergulho do candidato na fonte, seguido por sua emergência da água. O simbolismo sacramental portanto requer que o candidato seja imerso ou "enterrado" nas águas do Batismo, e então "ressuscitado" das águas mais uma vez.

Através do Batismo nos recebemos um perdão completo de nossos pecados, sejam o original ou os presentes; nós "nos pomos em Cristo," tornando-nos membros de seu Corpo, a Igreja. Para lembrarem-se de seus Batismos, os Cristãos ortodoxos usam normalmente por toda a vida uma pequena Cruz, pendurada no pescoço por uma corrente.

O Batismo deve ser normalmente executado por um bispo ou padre: Em casos de emergência, pode ser feito por um diácono, ou por qualquer homem ou mulher, desde que sejam Cristãos Ortodoxos. Mas enquanto os teólogos Católico-Romanos sustentam que se necessário até um não-Cristão pode administrar o Batismo, a Ortodoxia sustenta que isso não é possível. A pessoa que batiza deve ela própria ter sido batizada.

Crisma.

Imediatamente após o Batismo, uma criança Ortodoxa é "crismada" ou "confirmada." O padre usa um óleo especial, o Crisma (em Grego, Myron), e com ele o Padre unge várias partes do corpo da criança, marcando-as com o sinal da Cruz: primeiro a testa, depois os olhos, as narinas, boca, orelhas, peito, mãos e pés. Enquanto unge cada parte ele diz: "O selo do dom do Espírito Santo!" A criança que foi incorporada a Cristo pelo Batismo, agora recebe na crisma o Dom do Espírito, tornando-se assim um laikos (leigo), um membro completo do povo (laos) de Deus. Crisma é a extensão do Pentecostes: O mesmo Espírito que desceu visivelmente sobre os Apóstolos em línguas de fogo agora desce invisivelmente sobre os novos batizados. Através do Crisma todo o membro da Igreja torna-se um profeta, e recebe uma parte do sacerdócio real de Cristo; todos os Cristãos, porque são crismados, são chamados a agir como testemunhas conscientes da verdade. "E vós tendes a unção (o Crisma) do Santo e sabeis tudo" (1Jo 2:20).

No Ocidente, é o normal que o bispo em pessoa confira o Crisma; no Oriente, o Crisma é administrado por um padre, mas o Crisma (Mirom) que ele usa deve ter primeiramente sido benzido por um bispo. (na prática Ortodoxa moderna, só um bispo que é chefe de uma Igreja Autocéfala goza do direito de benzer o Crisma). Assim tanto no Oriente quanto no Ocidente o bispo está envolvido no segundo sacramento da iniciação Cristã: No Ocidente diretamente, no Oriente indiretamente. O Crisma é usado também como um sacramento de reconciliação. Se um Ortodoxo se apostata para o Islamismo e depois retorna para a Igreja, quando é aceito de volta ele é crismado. Similarmente se Católicos Romanos tornam-se Ortodoxos, o Patriarcado de Constantinopla e a Igreja da Grécia normalmente os recebe pelo Crisma: mas a Igreja Russa normalmente os recebe através de uma simples confissão de fé sem os Crismar. Anglicanos e Protestantes são sempre recebidos pelo Crisma. As vezes convertidos são recebidos pelo Batismo.

Tão logo quanto possível, depois no Crisma a criança Ortodoxa é levada a comunhão. Suas memórias da Igreja estarão centradas no ato de receber os santos dons do corpo e do sangue de Cristo. Comunhão não é algo que ele recebe na idade de 6 ou 7 anos (como na Igreja Católico-Romana). Na adolescência (como no Anglicanismo), mas algo do qual ele nunca foi excluído.

A Eucaristia.

Hoje em dia a Eucaristia é celebrada na Igreja Oriental seguindo um de quatro diferentes ofícios.

  1. A Liturgia de São João Chrisóstomo (A liturgia normal aos Domingos e dias de semana)
  2. A Liturgia de São Basílio, o Grande (usada dez vezes ao ano; externamente é muito pouco diferente da Liturgia de São João Chrisóstomo, mas as orações ditas privadamente pelo Padre são muito mais longas)
  3. A Liturgia de São Tiago, o irmão do Senhor (usada uma vez no ano, no dia de São Tiago, 23 de outubro, em alguns lugares só. (Até recentemente, usada só em Jerusalém e na Ilha Grega de Zante; agora revivida em mais alguns lugares (por exemplo Igreja Patriarcal em Constantinopla; Catedral Ortodoxa em Londres; Mosteiro Russo em Jordanville, USA).
  4. Liturgia do Pré Santificado (usada nas quartas e sextas feiras na Grande Quaresma, e nos três primeiros dias da Semana Santa. Não há consagração nessa Liturgia, mas a comunhão é dada com elementos consagrados no Domingo precedente).

As estruturas gerais das Liturgias de São João Chrisóstomo e São Basílio são como seguem:

1 — O Ofício de preparação — A Protése ou Proskomidia: A preparação do pão e vinho a serem usados na Eucaristia.

2. — A Liturgia da Palavra — a Synaxis

A. A abertura do ofício — A Enarxis (Estritamente falando, a Synaxis só começa com a pequena Entrada; a Enarxis é agora acrescentada ao início, mas originalmente era um ofício separado).

A Litania da Paz

Salmo 102 (103)

A Pequena Litania

Salmo 145 (146), seguido pelo hino Ó Filho Único e Verbo de Deus...

A Pequena Litania

As beatitudes (com hinos especiais ou Troparia indicadas para o dia).

B. A Pequena Entrada, seguida pelo Hino de Entrada ou Introito do dia.

O Trisagion — "Deus Santo, Santo Forte, Santo Imortal, Tem Piedade de Nós" — cantado três vezes ou mais.

C. Leituras das Escrituras

O Prokimenon — Versículos, usualmente dos Salmos

A Epistola

Aleluia — cantada nove vezes ou as vezes três vezes, com versículos das Escrituras intercalados.

O Evangelho

O Sermão (Homília) — Freqüentemente transferido para o final do ofício.

D. Intercessão pela Igreja

Litania de Súplica ou pela Igreja

Litania pelos Mortos

Litania pelos Catecúmenos, e despedida dos Catecúmenos

3. A Eucaristia

A. Duas Litanias curtas pelos fiéis conduzem à Grande Entrada, que é então seguida pela Litania de Súplica

B. O Beijo da Paz e o Credo.

C. Anáfora Eucarística

Diálogo de Abertura

Agradecimento — culminando com a narrativa da Última Ceia, e as palavras de Cristo: "Isto é meu Corpo... Isto é meu Sangue.."

Anamnesis: o ato de "trazer à memória" e oferecer. O padre trás à memória "A Morte de Cristo, sepultamento, Ressurreição, Ascensão, e Segunda Vinda, e "Oferece" os Santos Dons à Deus.

Epiclesis — a Invocação do Espírito Santo sobre os Santos Dons.

Grande Comemoração de todos os membros da Igreja: A Mãe de Deus, os Santos, os Mortos, e os Vivos

Litania de Súplica, seguida pela oração do Pai Nosso...

D. A Elevação e Fração (partir) dos Dons consagrados.

E. Comunhão do Clero e do Povo

F. Conclusão do serviço: Agradecimento e Benção Final: Distribuição do Antidoron

A primeira parte da Liturgia, o Ofício de Preparação, é feito privadamente pelo padre e diácono na Capela da Protese. Assim a parte pública do ofício é composto de duas seções, a Synaxis (conjunto de hinos, orações e leituras das Escrituras) e a Eucaristia propriamente dita: Originalmente a Synaxis e a Eucaristia eram freqüentemente feitas separadas, mas desde o século quatro as duas virtualmente foram fundidas em um só ofício. Ambas, Synakis e Eucaristia contêm uma procissão, conhecidas respectivamente como Pequena e Grande Entrada. Na Pequena Entrada o Pão e o Vinho (preparados antes do início da Synaxis) são trazidos em procissão da Capela da Protese para o altar. A Pequena Entrada corresponde ao Introito do Rito Ocidental. (originalmente a Pequena Entrada marcava o início da parte pública do ofício, mas no presente ela é precedida por várias Litanias e Salmos); A Grande Entrada é na essência uma Procissão de Ofertório. A Synaxis e a Eucaristia têm ambas um clima claramente marcado: na Synaxis, a leitura do Evangelho; na Eucaristia, a Epiclesis do Espírito Santo.

A crença da Igreja Ortodoxa em respeito à Eucaristia é tornada muito clara durante a Oração Eucarística. O padre lê a parte de abertura do agradecimento em voz baixa, até que ele chega nas palavras de Cristo na última Ceia: "Tomai e comei, isto é o meu corpo..." "Tomai e bebei, isto é o meu Sangue..." Essas palavras são sempre lidas em voz alta, para que toda congregação possa ouvir claramente. Em voz mais baixa, a seguir o padre recita a Anamnesis: "Celebrando, pois, Senhor, o memorial de tudo quanto foi realizado para nossa salvação: A Cruz, o Sepulcro, a Ressurreição ao Terceiro Dia, a Ascensão aos Céus, o Trono à direita de Deus Pai, a Segunda e Gloriosa vinda!"

Ele continua alto: "Aquilo que é teu, recebendo-o de Ti, nós Te oferecemos por todos e por tudo!"

Depois da consagração dos dons, o padre e o diácono imediatamente se prostram diante dos Santos Dons, que agora foram consagrados.

Ficará evidente que o "momento da consagração" é entendido de maneira um tanto diferente entre as Igrejas Ortodoxas e Católico-Romana. De acordo com a Teologia Latina, a consagração é efetuada pelas Palavras da Instituição: "Isto é meu Corpo..." "Isto é meu Sangue..." De acordo com a teologia Ortodoxa, o ato de Consagração não está completo até o final da Epiclesis, e veneração dos Santos Dons antes deste ponto é condenada pela Igreja Ortodoxa como "Artolatria" (veneração do Pão). A Ortodoxia, no entanto, não ensina que a Consagração é efetuada somente pela Epiclesis, nem olha para as Palavras da Instituição como acidentais e desimportantes. Ao contrário, ela olha para Orações Eucarísticas inteiras como formando um único e indivisível todo, de maneira que as três seções mais importantes da oração — Agradecimento, Anamnesis, Epiclesis — todas formam uma parte integral do Ato único de Consagração (Alguns escritores Ortodoxos vão além disso, e mantém que a consagração é produzida pelo processo todo da Liturgia começando com a Protesis e incluindo a Sinaxis! Tal visão, no entanto, apresenta muitas dificuldades, e tem pouco ou nenhum suporte na tradição Patrística). Mas isso logicamente significa que tivermos que escolher um "momento de consagração," tal momento não pode ser nenhum até o Amém da Epiclesis (Antes do Vaticano 2º Cânon Romano segundo todas as aparências não tinha Epiclesis; mas muitos Liturgistas Ortodoxos, mais notavelmente Nicolau Cabasilas, olham o Parágrafo Supplices te como constituindo em efeito uma Epiclesis, apesar dos Católicos Romanos hoje em dia, com algumas notáveis exceções, não entendem esse parágrafo assim).

A Presença de Cristo na Eucaristia. Como as palavras da Epiclesis deixam completamente claro, a Igreja Ortodoxa acredita que após a consagração o pão e o vinho tornam-se verdadeiramente o Corpo e o Sangue de Cristo: Eles não são só símbolos, mas a realidade. Mas enquanto a Ortodoxia sempre insistiu na realidade da mudança, ela nunca tentou explicar o modo da mudança: A Oração Eucarística na Liturgia simplesmente usa o termo neutro metaballo, "virar" e "mudar," ou "alterar." É verdade que no século dezessete não só escritores Ortodoxos individualmente, mas Concílios Ortodoxos como o de Jerusalém em 1672, fizeram uso do termo Latino "Transubstanciação" (em Grego Metousiosis), junto com a distinção escolástica entre Substância e Acidentes (Na Filosofia Medieval é marcada uma distinção entre a substância ou essência, substancia, isto é, tudo aquilo que pode ser percebido pelo sentido — tamanho, peso, forma, cor, sabor, cheiro e assim por diante). Uma substância é algo existente por si próprio (ens per se), um acidente só pode existir herdando de alguma outra coisa (ens in alio). Aplicando essa distinção para a Eucaristia, nós chegamos na Doutrina da Transubstancia. De acordo com essa Doutrina, no momento da consagração na Missa há uma mudança de substância, mas os acidentes continuam a existir como antes: as substâncias do Pão e do Vinho são mudadas para aquelas do Corpo e Sangue de Cristo, mas os acidentes do Pão e Vinho — isto é, as qualidades de calor, sabor, cheiro e assim por diante — continuam miraculosamente a existir e serem perceptíveis aos sentidos). Mas ao mesmo tempo os Padres de Jerusalém foram cuidadosos em acrescentar, que o uso desses termos não constitui uma explicação da maneira da mudança, porque isso é um Mistério e deve permanecer sempre incompreensível (Sem dúvida muitos Católicos romanos diriam o mesmo). No entanto, apesar desse repúdio, muitos Ortodoxos sentiram que Jerusalém tinha se comprometido muito com a terminologia do Escolasticismo Latino, e é significativo que quando em 1838 a Igreja Russa publicou uma tradução dos Atos de Jerusalém, enquanto mantendo a palavra transubstanciação, ela cuidadosamente parafraseou o resto da passagem de modo a que os termos técnicos substância e acidentes não fossem empregados (esse é um exemplo interessante do modo da Igreja ser seletiva em suas aceitações dos Decretos dos Concílios Locais).

Hoje em dia escritores Ortodoxos ainda usam o termo transubstanciação, mas eles insistem em dois pontos: primeiro, existem muitas outras palavras que podem com igual legitimidade serem usadas para descrever a consagração, e entre todas elas, o termo transubstanciação não goza de autoridade única ou decisiva; segundo, seu uso não compromete os teólogos com a aceitação dos conceitos filosóficos Aristotélicos. A posição geral da Ortodoxia na matéria toda é claramente sintetizada no Longer Catechism, escrito por Filaret, Metropolita de Moscou (1782-1867?), e autorizado pela Igreja Russa em 1839:

Pergunta: Como devemos entender a palavra transubstanciação?

Resposta: A palavra transubstanciação não deve ser tomada para definir a maneira como o pão e o vinho são mudados para Corpo e Sangue do Senhor: Pois isso ninguém pode entender senão Deus; mas somente isso é o significado: que o pão verdadeiramente, realmente, e substancialmente torna-se o verdadeiro Corpo do Senhor, e o vinho o verdadeiro Sangue do Senhor (tradução do Russo para o Inglês em R. W. Blackmore, The doctrine of the Russian Church, Londres, 1845, pg.92).

E o Catecismo continua com uma citação de São João Damasceno:

"Se você pergunta como isso acontece, é suficiente para você aprender que é através do Espírito Santo... Nós não sabemos mais do que isso, que a palavra de Deus, é verdadeira, ativa e onipotente, mas na sua maneira de operar é inexplorável" (On the Orthodox Faith, 4, 13, PG. 94, 1145A).

Em toda paróquia Ortodoxa, o Sacramento abençoado é normalmente reservado, na maioria dos casos em um tabernáculo sobre o altar, apesar de não haver regra restrita sobre o lugar de se reservar. A Ortodoxia, no entanto, não celebra ofícios de devoção pública diante do sacramento reservado, nem tem qualquer equivalente aos ofícios Católicos Romanos de exposição e benção, apesar de parecer não haver razão teológica (distinta de razão litúrgica) para não se fazer isso. O padre abençoa o povo com o sacramento durante o correr da Liturgia, mas nunca fora dela.

A Eucaristia como um sacrifício. A Igreja Ortodoxa acredita ser a Eucaristia um sacrifício; e aqui também o ensinamento básico Ortodoxo é colocado claramente no texto da própria Liturgia. "Aquilo que é Teu, nós Te oferecemos por todos e por tudo!" 1) Nós oferecemos aquilo que é teu. Na Eucaristia, o sacrifício oferecido é o próprio Cristo, e é o próprio Cristo Que na Igreja executa o ato de oferecer: Ele é tanto o padre quanto a vítima: "Pois és Tu que ofereces e é oferecido" (da oração do padre antes da Grande Entrada). 2) Nós Te oferecemos. A Eucaristia é oferecida a Deus a Trindade — não somente ao Pai mas também ao Espírito Santo e ao próprio Cristo (Isto foi estabelecido com ênfase por um Concílio em Constantinopla em 1156.). Assim se perguntarmos, o que é o sacrifício da Eucaristia? Por quem é ele oferecido? Para quem é ele oferecido? — Em dado caso a resposta é Cristo. 3) Nós oferecemos por todos e por tudo: De acordo com a teologia Ortodoxa, a Eucaristia é um sacrifício propiciatório (em Grego, Thusia Hilastirios), oferecido por conta tanto dos vivos quanto dos mortos.

Na Eucaristia, então, o sacrifício que oferecemos é o sacrifício de Cristo. Mas o que isso significa? Teólogos sustentaram e continuam a sustentar muitas teorias diferentes sobre esse assunto. Algumas dessas teorias a Igreja rejeitou como inadequadas, mas ela nunca se comprometeu formalmente com qualquer explanação particular de sacrifício eucaristico. Nicolau Cabasilas resumiu a posição padrão da Ortodoxa como se segue:

Primeiro, o sacrifício não é uma mera figura ou símbolo mas um sacrifício verdadeiro; segundo, não é o Pão que é sacrificado, mas o próprio Corpo de Cristo; terceiro, o Cordeiro de Deus foi sacrificado só uma vez, para todo o tempo... O sacrifício na Eucaristia consiste, não na real e sanguinolenta imolação do Cordeiro, mas na transformação do Pão no Cordeiro Sacrificado! (Commentary on the Divine Liturgy, 32).

A Eucaristia não é uma simples comemoração nem uma representação imaginária do Sacrifício de Cristo, mas é o próprio e verdadeiro sacrifício; no entanto de outro lado, não é um novo sacrifício, nem a repetição do sacrifício no Calvário, porque o Cordeiro foi sacrificado "somente uma vez, por todo o tempo." Os eventos no sacrifício de Cristo — A encarnação, a Crucificação, a Ressurreição, a Ascensão (note que o sacrifício de Cristo inclui muitas coisas além de Sua morte: Este é um ponto muito importante no ensinamento Ortodoxo e Patrístico) — Não são repetidos na Eucaristia, mas ele é tornado presente. "Durante a Liturgia, através de seu divino Poder, nós somos projetados para onde a eternidade corta o tempo, e nesse ponto nós nos tornamos verdadeiros contemporâneos com os eventos que nós comemoramos" (P. Evdokmov, L’Orthodoxie, pg. 241). "Todas as Santas Ceias da Igreja não são nada mais que a única e eterna Ceia, aquela de Cristo no Salão Superior. O mesmo ato divino acontece tanto num momento específico da história quanto é oferecido sempre no sacramento" (ibid pg 208).

Santa Comunhão. Na Igreja Ortodoxa os leigos como o clero recebem a comunhão ‘nas duas espécies.’ A comunhão é dada para os leigos em uma colher, contendo um pequeno pedaço do Santo Pão junto com uma porção do Santo Vinho; é recebida em pé. A Ortodoxia insiste num jejum estrito antes da comunhão, e nada pode ser bebido ou comido após o acordar na manhã ("Vós sabeis que aquele que convida o Imperador para sua casa, primeiro limpa a sua casa. Assim se vós desejais trazer Deus para vosso lar corporal para a Iluminação de vossas vidas, primeiro santificar vossos corpos pelo jejum" (do Cem Capítulos de Gennadius). Em casos de doença ou necessidade genuína, o confessor pode conceder dispensa desse jejum pré-comunhão). Muitos Ortodoxos nos dias presentes recebem comunhão com pouquíssima freqüência, talvez só cinco ou seis vezes ao ano, não por qualquer desrespeito ao sacramento, mas sim porque esse foi o jeito em que foram criados. Mas nos anos recentes algumas Paróquias na Grécia e na Diáspora Russa restauraram a antiga prática de comunhão semanal, e parece que comunhão também está se tornando mais freqüente atrás da Cortina de Ferro. Parece também esperançosa a possibilidade desse movimento pró-comunhão freqüente vir a ganhar corpo lentamente mas com segurança nos anos a vir.

Depois da benção final com a qual a Liturgia termina, o Povo vem para beijar a Cruz que o Padre segura na mão, e para receber um pequeno pedaço de Pão, chamado de Antidoron, que é abençoado mas não consagrado, apesar de ser do mesmo Pão usado na consagração. Na maioria das paróquias ortodoxas, não-Ortodoxos presentes na Liturgia são permitidos (na verdade encorajados) a receber a Antidoron, como uma expressão da amizade e amor Cristãos.

Arrependimento.

Uma criança Ortodoxa recebe comunhão desde a infância. Assim que ele tem idade para saber a diferença entre certo e errado e a compreender o que é pecado, provavelmente com a idade de seis ou sete anos, ele deve ser levado para receber outro sacramento: Arrependimento e Penitência, ou Confissão (em Grego, Metanoia ou exomologisis). Através desse sacramento, pecados cometidos depois do Batismo são perdoados e o pecador é reconciliado com a Igreja: Por essa razão esse sacramento é freqüentemente chamado de "Segundo Batismo." Ao mesmo tempo o sacramento age como cura para a alma, porque o padre não dá só absolvição mas também conselho espiritual. Desde que todo pecado é pecado não só contra Deus mas também contra nosso vizinho, contra a comunidade, a confissão e a disciplina penitencial na Igreja dos primeiros tempos, era um assunto público. Mas com o passar dos séculos tanto no oriente quanto no ocidente a confissão no Cristianismo tomou a forma de uma conferência "privada" entre o padre e o penitente sozinho. O padre é estritamente proibido de revelar para qualquer terceira pessoa o que ele ouviu em confissão.

Na Ortodoxia a confissão é ouvida, não em um confessionário fechado com uma tela separando confessor e penitente, mas em qualquer parte conveniente da Igreja, usualmente no espaço imediatamente defronte à Iconostase; as vezes o padre e o penitente ficam por detrás de um anteparo, ou pode existir uma sala especial na Igreja se parada para confissões. Enquanto no ocidente o padre senta e o penitente se ajoelha, na Igreja Ortodoxa ambos ficam em pé (ou às vezes os dois sentam). O penitente fica de frente para uma mesa especial onde são colocados, a Cruz e um ícone do Salvador ou o Livro do Evangelho; o Padre fica ligeiramente de lado. Esse arranjo exterior enfatiza mais claramente que o sistema ocidental, que na confissão não é o padre mas Deus que é o Juiz, enquanto o padre é só uma testemunha e ministro de Deus. Esse ponto é reforçado pelas palavras que o padre diz imediatamente antes da confissão propriamente:

"Veja, meu filho, Cristo está aqui invisivelmente e recebe tua confissão. Por isso não fique envergonhado nem temeroso; não esconda nada de mim, mas diga-me sem hesitação tudo que tiver feito; e assim tu terás perdão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vê, este santo ícone de Jesus Cristo está diante de nós: E eu sou só uma testemunha, levando em testemunho para Ele, todas as coisas que tu tiveres para me dizer. Mas se tu esconderes qualquer coisa de mim, tu terás pecado maior Tome cuidado, portanto, do contrário será como se tivesse ido a um médico e saísse não curado!" (essa exortação é encontrada nos livros eslavônicos mas não nos Livros Gregos).

Depois disso o padre questiona o penitente sobre seus pecados e dá-lhe conselhos. Quando o penitente tiver confessado tudo, ele ajoelha ou abaixa a sua cabeça, e o padre, colocando sua estola (epitrachilion) sobre a cabeça do penitente e pondo a sua mão sobre a estola, diz a oração de absolvição. Nos Livros Gregos a fórmula de absolvição é suplicatória (i.e. na terceira peço, "Que Deus perdoe..."), nos Livros Eslavônicos é indicativa (i.e. na primeira pessoa, "Eu, perdôo...").

A formula Grega diz:

"O que você tenha dito para minha humilde pessoa, e o que você tenha falhado em dizer, seja por ignorância ou esquecimento, o que quer que seja, que Deus te perdoe neste mundo e no próximo... Não tenha mais ansiedade; vá em paz!

Em eslavônico existe esta fórmula:

"Que Nosso Senhor e Deus, Jesus Cristo, pela graça e generosidade de Seu amor pelo homem, Te perdoe, meu filho (nome), todas as tuas transgressões. E eu, um indigno padre, pelos poderes que por Ele me foram dados, te perdôo e te absolvo de todos os teus pecados."

Essa fórmula usando a primeira pessoa, EU, foi originalmente introduzida nos Livros Ortodoxos sob influência Latina por Pedro Moghila na Ucrânia, e foi adotada na Igreja Russa no século dezoito.

O padre pode, se ele acha aconselhável, impor uma penitência (epitimion), mas isso não é uma parte essencial, ou sacramento, e é freqüentemente omitida. Muitos Ortodoxos tem um "Pai Espiritual" especial, não necessariamente seu padre paroquial, a quem eles procuram regularmente para confissão e aconselhamento espiritual (na Ortodoxia não é inteiramente desconhecido um leigo agir como pai espiritual; mas nesse caso, enquanto ele ouve a confissão, dá conselhos, e assegura ao penitente o perdão de Deus, ele não pronuncia a oração de absolvição sacramental, mas manda o penitente para um padre). Não há na Ortodoxia uma regra estrita que estabeleça com que freqüência se deve confessar; os Russos tendem a confessar mais freqüentemente que os Gregos. Aonde a comunhão não freqüente prevalece — por exemplo quatro ou cinco vezes por ano — espera-se que os fiéis confessem antes de cada comunhão; mas em círculos onde a comunhão freqüente foi estabelecida, o padre não necessariamente espera que seja feita confissão antes de cada comunhão.

Santas Ordens.

Existem três "Ordens Maiores" na Igreja Ortodoxa, Bispo, Presbítero, Diácono; e duas "Ordens Menores," Subdiáconos e Leitores (existiram no passado outras Ordens Menores, mas no presente, com exceção dessas duas, todas caíram largamente em desuso). Ordenações para as Ordens maiores sempre ocorrem durante o correr da Liturgia, e deve sempre ser feita individualmente (O Rito Bizantino, diferentemente do Romano, estabelece que não mais de um Diácono, um Presbítero e um Bispo podem ser ordenados em uma única Liturgia). Somente um Bispo tem poder para ordenar (em caso de necessidade um Arquimandrita ou Arcipreste, agindo como delegado do Bispo, pode ordenar um Leitor) e a sagração de um Bispo deve ser feita por três ou ao menos dois Bispos, nunca por um Bispo só: desde que o episcopado é de caráter "colegial," uma consagração episcopal é conduzida por um "colégio" de Bispos. Uma ordenação, enquanto feita por um Bispo, também requer o consentimento de todo Povo de Deus; assim num ponto particular do ofício a congregação reunida aclama a ordenação gritando "Axios!" ("Ele é Digno!"; O que acontece se a Assembléia grita "Anaxios!" "Ele é Digno!"). Isto não esta muito claro. Em muitas ocasiões em Constantinopla ou na Grécia durante o século vinte a congregação de fato expressou sua desaprovação desse modo, no entanto sem efeito. Mas alguns afirmam que, de qualquer modo em teoria, se os leitos expressam seu dissenso, a ordenação ou consagração não pode ser feita).

Os Presbíteros e Diáconos Ortodoxos são divididos em dois grupos distintos, os "Brancos" ou clero casado, e os "Pretos" ou monásticos. Os ordenados devem decidir antes da ordenação a que grupo eles querem pertencer, pois é uma regra estrita que ninguém pode casar depois de sua ordenação para uma ordem Maior. Aqueles que querem se casar devem portanto faze-lo antes de serem ordenados Diáconos. Aqueles que não querem se casar devem se tornar Monges antes de sua ordenação; mas na Igreja Ortodoxa hoje em dia existe um certo número de clero celibatário que não fizeram formalmente os votos monásticos. Esses Padres celibatários, no entanto, não podem a posteriori mudar de idéia e decidir se casar. Se a mulher de um Padre morre, ele não pode se casar de novo.

Como regra o clero paroquial da Igreja Ortodoxa é casado, e um Monge só é indicado para algum cargo em uma Paróquia por razões excepcionais (de fato nos dias presentes particularmente na Diáspora os Monges são freqüentemente feitos encarregados de Paróquias. Muitos Ortodoxos, lamentam esse afastamento da prática tradicional. Bispos são escolhidos exclusivamente do clero Monástico. (Isto tem sido regra desde pelo menos o século seis; mas nos tempos primitivos existiram muitos exemplos de Bispos Casados. Por exemplo, o próprio São Pedro), apesar de um viúvo poder ser feito Bispo se ele aceitar os votos Monásticos. Tal é o estado do Monasticismo em muitas partes da Igreja Ortodoxa hoje em dia, que não é sempre fácil achar candidatos adequados para o episcopado, e alguns Ortodoxos começam a se perguntar se a limitação de Bispos provirem do clero Monástico não seria contra indicada sob as condições modernas. No entanto seguramente a verdadeira solução não será mudar a Regra presente que Bispos devem ser Monges, mas sim revigorar a própria vida monástica.

No início da Igreja o Bispo era eleito pelo Povo da Diocese, clero e leigos juntos. Na Ortodoxia de hoje é usualmente o Sínodo de cada Igreja Autocéfala que indica Bispos para tronos vacantes; mas em algumas Igrejas, Antioquia por exemplo, e Chipre, um sistema modificado de eleição ainda existe. O Concílio de Moscou de 1917-1918 estabeleceu que daí em diante os Bispos na Igreja Russa deveriam ser eleitos pelo clero e pelos Leigos; essa regra é seguida pelo grupo de Russos de Paris e pela OCA, mas as condições tornaram a aplicação dessa regra impossível dentro da União Soviética.

A ordem dos Diáconos é muito mais proeminente na Igreja Ortodoxa que nas comunidades ocidentais. No Catolicismo romano antes do Vaticano 2º o Diácono tinha se tornado simplesmente num estágio preliminar no caminho do Presbiterado, mas na Ortodoxia ele permaneceu um cargo permanente, e muitos Diáconos tem a intenção de nunca virar Presbítero. No ocidente de hoje a parte do diácono na Missa Solene é usualmente feita por um Presbítero, mas na Liturgia Ortodoxa ninguém que não seja um Diácono de fato pode executar as funções Diaconais.

A Lei Canônica estabelece que ninguém pode tornar-se Presbítero antes da idade de trinta anos nem Diácono antes da idade de vinte e cinco anos, mas na prática essa regra esta sendo relaxada.

Uma Nota sobre Títulos Eclesiásticos.

Patriarca. O título usado pelos chefes de algumas Igrejas autocéfalas. Os chefes das outras Igrejas são chamados de Arcebispos ou Metropolitas.

Metropolita, Arcebispo. Originalmente um Metropolita era o Bispo da capital de uma província, enquanto Arcebispo era mais um título geral de honra, dado para Bispos de especial eminência. Os Russos ainda usam os títulos mais ou menos na forma original; mas os gregos (exceto em Jerusalém) agora dão o nome de Metropolita para todo Bispo diocesano, e chamam pelo título de Arcebispo aqueles que nos tempo anteriores eram chamados de Metropolitas. Assim entre os Gregos um Arcebispo agora está acima de um Metropolita, mas entre os Russos o Metropolita é a posição mais alta.

Arquimandrita. Originalmente um Monge encarregado com a supervisão espiritual de vários Mosteiros, ou o superior de um Mosteiro de importância especial. Atualmente usado simplesmente como título de honra para Presbíteros-Monges de distinção.

Higumenos. Entre os Gregos, o Abade de um Mosteiro. Entre os Russos, um título de honra para Presbiteros-Monges (não necessariamente Abade). Um Higumenos Russo fica abaixo de um Arquimandrita.

Arcipreste ou Protopapa. Título de honra dado a Presbítero não Monástico; equivalente a Arquimandrita.

Hieromonge. Um Presbítero Monge.

Arcediago. Um título de honra dado para Diáconos Monges. (no Ocidente o Arcediago é hoje em dia um Presbítero, mas na Igreja Ortodoxa ele ainda é diácono como na Igreja Primitiva).

Protodiácono. Título de honra dado para Diáconos que não são Monges.

Casamento.

O Ministério Trinitário da unidade na diversidade aplica-se não só para a doutrina da Igreja mas também para doutrina do casamento. O homem é feito à imagem da Trindade e exceto em casos especiais, não é intenção de Deus que ele viva sozinho mas em família. E como Deus abençoou a primeira família comandando que Adão e Eva fossem frutíferos e se multiplicassem, assim a Igreja dá hoje a sua benção para a união de homem e mulher. O casamento não é só um estado da natureza mas um estado de graça. Vida de casado, não menos que vida Monástica, é uma vocação especial, requerendo um particular Dom ou Carisma do Espírito Santo; e esse Dom é conferido pelo Sacramento do Santo Matrimônio.

O Ofício de Casamento é dividido em duas partes, anteriormente celebradas separadamente, mas agora celebradas em sucessão imediata: preliminarmente o Ofício de Noivado, e o Ofício de Coroação, que se constitui no próprio Sacramento. No Ofício de Noivado constitui-se principalmente da benção e troca das alianças; esse é um sinal exterior de que os parceiros juntam-se em casamento por suas próprias vontades livres e consentimento, pois sem livre consentimento dos dois lados não pode existir o Sacramento de Casamento Ortodoxo. A segunda parte do Ofício culmina com a Cerimônia de Coroação: Nas cabeças do Noivo e da noiva o padre coloca Coroas, feitas entre os Gregos de folhas e flores, mas entre os Russos de prata ou ouro. Esse, o sinal externo e visível do sacramento, significa a graça especial que o casal recebe do Espírito Santo, antes que eles se coloquem para fundar uma nova família, uma Igreja doméstica. As coroas são coroas de alegria, mas elas também são coroas de martírio, porque todo casamento verdadeiro envolve um incomensurável auto-sacrifício dos dois lados. No fim do Ofício os dois recém casados bebem da mesma taça de vinho, que relembra o milagre na festa de casamento de Canaã na Galiléa: Essa taça comum é um símbolo do fato que daí para frente eles compartilharão uma vida comum, um com o outro.

A Igreja Ortodoxa permite o divórcio e o re-casamento, baseando sua autoridade para isso no texto de Mateus 19:9 onde Nosso Senhor diz: ."..qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério..." Como Cristo permitiu uma exceção para sua regra geral acerca da indissolubilidade do casamento, a Igreja Ortodoxa também quer autorizar uma exceção. Seguramente a Ortodoxia encara o casamento como em princípio para toda a vida, e indissolúvel, e ela condena a quebra do casamento como um pecado e algo maligno. Mas enquanto condenando o pecado, a Igreja ainda deseja ajudar os pecadores e conceder-lhes uma segunda chance. Quando, portanto, um casamento cessa inteiramente de ser uma realidade, a Igreja Ortodoxa não insiste na preservação de uma ficção legal. Divórcio é visto como uma excepcional mas necessária concessão ao pecado humano; é um ato de oikonomia ("economia" ou dispensa) e de philanthropia ("gentileza amorosa"). No entanto, apesar de dar assistência a homens e mulheres a levantarem-se de novo depois de um queda, a Igreja Ortodoxa sabe que uma segunda aliança nunca pode ser igual à primeira; e então no ofício para o segundo casamento varias das alegres cerimônias são omitidas, e substituídas por orações penitenciais.

A Lei Canônica Ortodoxa, que permite o segundo e mesmo o terceiro casamento, proíbe terminantemente o quarto. Na teoria os Canons só permitem divórcio em caso de adultério, mas na prática é as vezes concedido também por outras razões.

Um ponto deve ser entendido claramente: do ponto de vista da Teologia Ortodoxa um divórcio concedido pelo Estado nas cortes civis não é suficiente. Re-casamento na Igreja só é possível se as autoridades da Igreja tiverem elas próprias concedido o divórcio.

O uso de contraceptivos e outros dispositivos para controle de natalidade são, no conjunto, fortemente desencorajados na Igreja Ortodoxa. Alguns Bispos e Teólogos condenam o emprego de tais métodos. Outros, no entanto, recentemente começaram a adotar uma posição menos estrita e argumentam que a questão é melhor que seja deixada à discrição de cada casal individual, em consulta com o pai espiritual.

A unção dos enfermos.

Esse Sacramento, conhecido entre os Gregos como evchelaion, "O Óleo da Oração" é descrito por São Tiago: "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da Igreja, e deixem que orem sobre ele ungindo-o com azeite em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados" (Tiago 5:14-15). O Sacramento, como essa passagem indica, tem um duplo propósito: não só a cura do corpo mas também o perdão dos pecados. As duas coisas vão juntas, pois o homem é a unidade de corpo e alma e não pode então haver aguda e rígida distinção entre doenças corporais e espirituais. A Ortodoxia certamente não acredita que a unção é invariavelmente seguida por uma recuperação da saúde: As vezes, na verdade, o sacramento serve como um instrumento de cura, e o paciente se recupera; mas em outras vezes ele não se recupera, caso em o sacramento ajuda de outra maneira, dando ao paciente a força espiritual para se preparar para a morte ("Esse sacramento tem duas faces: uma se volta para a cura, a outra para a libertação da doença pela morte" (S. Bulgakov, The Orthodox Churck, pg. 135). Na Igreja Católica Romana o sacramento tornou-se "Extrema Unção," dirigido só para os moribundos (Uma mudança foi feita aqui pelo Concílio Vaticano segundo); assim o primeiro aspecto do sacramento, a cura, tornou-se esquecido. Mas na Igreja Ortodoxa a Unção pode ser conferida a qualquer um que esteja doente, seja com risco de vida ou não.

 

Louvação Ortodoxa:

Festas, jejuns e oração privada.

"O verdadeiro objetivo da oração é entrar em conversação com Deus. Não é restrita a certas horas do dia. Um Cristão tem que se sentir pessoalmente na presença de Deus. O objetivo da oração é precisamente estar com Deus sempre" (George Florovsky).

O ano Cristão.

Se alguém quiser recitar ou seguir os ofícios públicos da Igreja da Inglaterra, então (em teoria, de qualquer modo) dois volumes serão suficientes: A Bíblia e o Livro de Orações comuns; similarmente na Igreja Católica romana ele também requer dois volumes, O Missal e o Breviário; mas na Igreja Ortodoxa, tal é a complexidade dos ofícios que ele precisará de uma pequena biblioteca de dezenove ou vinte tomos substanciais. "Numa computação moderada," remarcou J. M. Neale dos Livros de Ofícios Ortodoxos, "esses volumes juntos compreendem aproximadamente 5000 paginas quádruplas, impressas em colunas duplas" (Hymus of the Eastern Church, 3ª Edição, London, 1866, pg. 52). No entanto esses livros, à primeira vista tão difíceis de manejar, são um dos maiores tesouros da Igreja Ortodoxa.

Nesses vinte livros estão contidos os ofícios para o Ano Cristão, aquela seqüência anual de festas e jejuns que comemora a encarnação e seu cumprimento na Igreja. O calendário Eclesiástico começa em 1 de Setembro. Proeminente entre todas as festas é a Páscoa, a Festa das Festas, que é por si só uma classe de Festas; e só ela permanece a essa classe. A seguir em importância vem as Doze Grandes Festas.

 

  1. Natividade da Mãe de Deus (8 de Setembro).
  2. Exaltação (ou elevação) da Honorável e Vivificante Cruz (14 de Setembro).
  3. Apresentação da Mãe de Deus no Templo (21 de Novembro).
  4. Natividade de Cristo (25 de Dezembro).
  5. Batismo de Cristo no Jordão (Epifania) (6 de Janeiro)
  6. Apresentação de Nosso Senhor no Templo (no ocidente "Candelária") (2 de Fevereiro).
  7. Anunciação da Mãe de Deus (no ocidente em inglês "Lady Day") (25 de Março).
  8. Entrada de Nosso Senhor em Jerusalém (Domingo de Ramos) (uma semana antes da Páscoa).
  9. Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo (40 dias depois da Páscoa).
  10. Pentecostes (conhecido no ocidente de língua Inglesa como Whit Sunday, mas no oriente como Domingo da Trindade) (50 dias depois da Páscoa).
  11. Transfiguração de Nosso Salvador Jesus Cristo (6 de Agosto).
  12. Dormição da Mãe de Deus (Assunção) (15 de Agosto).

Assim três da Doze Grandes Festas dependem da data da Páscoa e são móveis; o resto são fixas. Oito são as Festas do Salvador e quatro as da Mãe de Deus. Existe também um grande número de outras Festas de importância variável. Entre as mais proeminentes estão:

Circuncisão de Cristo (1 de Janeiro)

Os três Grandes Hierarcas (30 de Janeiro)

Natividade de São João Batista (24 de Junho)

São Pedro e São Paulo (29 de Junho)

Decapitação de São João Batista (24 de Agosto)

Proteção da Mãe de Deus (1 de Outubro)

São Nicolau o Taumaturgo (6 de Dezembro)

Todos os Santos (primeiro domingo após Pentecostes)

Mas além de festas existem jejuns. A Igreja ortodoxa, olhando para o homem como uma unidade de corpo e alma, sempre insistiu que o corpo deve ser treinado e disciplinado assim como a alma. Jejum e autocontrole são as primeiras virtudes, a mãe, raiz, fonte e fundação de tudo que é bom (Callistos e Ignatio Xanthopoulos, em Philokalia, Atenas, 1964, Vol 4, pg.232). Existem quatro períodos principais de jejum durante o ano:

  1. A Grande Quaresma — começa sete semanas antes da Páscoa.
  2. Quaresma dos Apóstolos — começa segunda-feira oito dias após o Pentecostes, e termina em 28 de Junho, a véspera da Festa de São Pedro e São Paulo, em duração variável de uma a seis semanas.
  3. Quaresma da Dormição — dura duas semanas, de 1 a 14 de Agosto.
  4. Quaresma de Natal — Dura quarenta dias, de 15 de Novembro a 24 de Dezembro.

Adicionalmente a esses quatro períodos principais de jejum, todas as quartas e sextas feiras, e em alguns mosteiros também as segundas feiras, são dias de jejum (exceto entre o Natal e a Epifania, durante a semana de Páscoa e durante a semana após o Pentecostes). A Exaltação da Cruz, a Decapitação de São João Batista e a Véspera da Epifania também são dias de jejum.

As regras de jejum na Igreja Ortodoxa são de um rigor que espantarão e apavorarão muitos Cristãos ocidentais. Em muitos dias na Grande Quaresma e da Semana Santa, por exemplo, não só a carne é proibida, mas também peixe e produtos animais (Toicinho, ovos, manteiga, leite, queijo), e também vinho e óleo. Na prática, no entanto, muitos Ortodoxos, particularmente da diáspora, acham que nas condições da vida moderna não é mais praticável seguir exatamente as regras tradicionais, vistas com uma situação exterior muito diferente em mente; e assim certas dispensas são concedidas. No entanto, ainda assim a Grande Quaresma, especialmente a primeira semana e a Semana Santa, é ainda, para membros Ortodoxos, um período de genuína austeridade e sério rigor físico. Quando todas as facilitações e dispensas são levadas em consideração, ainda permanece verdadeiro que os Cristãos Ortodoxos no século atual, leigos tanto quanto monges, jejuam com uma severidade que não encontra paralelo no Cristianismo Ocidental, exceto talvez nas Ordens Religiosas mais rigorosas.

O Ano da Igreja, com sua seqüência de Festas e jejuns, é alguma coisa de importância fundamental na experiência religiosa do Cristão Ortodoxo:

"Ninguém que tenha vivido e louvado entre os Cristãos Gregos por qualquer período de tempo deixou de ter sentido em alguma medida o extraordinário suporte que o ciclo recorrente da liturgia da Igreja, dá ao povo comum. Ninguém que tenha acompanhado a Grande Quaresma com a Igreja Grega, que participou do jejum que se estende pesadamente sobre toda nação por quarenta dias; que ficou em pé por longas horas, um da inumerável multidão que lota as pequenas Igrejas Bizantinas de Atenas e que se espalha pelas ruas, enquanto o padrão familiar da economia salvífica de Deus para o homem é reapresentado em salmos e profecias, em leituras do Evangelho, e a poesia inigualável dos canons; que conheceu a desolação da Grande Sexta-Feira Santa, quando todos os sinos da Grécia tocam seus lamentos e o Corpo do Salvador jaz rodeado de flores em todas as Igrejas por todo o país, que esteve presente no acender do novo fogo e experimentou a alegria de um mundo liberado das amarras do pecado e da morte, ninguém pode ter vivido tudo isso e não ter concluído que para o Cristão Grego o "Evangelho está inseparavelmente ligado com a Liturgia que é desdobrada semana por semana em sua Igreja Paroquial. Não só entre os Gregos mas entre todo o Cristianismo Ortodoxo a Liturgia permaneceu no mais profundo do coração da vida de Igreja" (P. Hammond, The Waters of Marah, pg. 51-52).

Diferentes momentos do ano são marcados por cerimônias especiais; a Grande Benção de águas na Epifania (freqüentemente feita fora da Igreja, num rio ou numa praia); benção de frutas na Transfiguração; e solene exaltação e adoração da Cruz em 14 de setembro; o ofício do Grande Perdão no Domingo precedente ao início da Grande Quaresma, quando o clero e o povo ajoelham-se uns em frente aos outros, um por um, e pedem o perdão do outro. Mas naturalmente é durante a Semana Santa que os mais comoventes e impressionantes momentos da louvação Ortodoxa ocorrem, quando dia a dia e hora a hora a Igreja entra na Paixão do Senhor. A Semana Santa atinge seu clímax, primeiro na procissão do Epithafion (a figura do Cristo Morto jazendo para sepultamento) no entardecer da Sexta-feira Santa, e então na exultante Matinas da Ressurreição à meia-noite de Páscoa.

Ninguém pode estar presente nesse ofício de meia-noite sem ser tomado por sentido de júbilo universal. Cristo libertou o mundo de suas antigas amarras e seus terrores anteriores, e a Igreja inteira rejubila triunfantemente em sua vitória sobre as trevas e a Morte:

"O bramido dos sinos sobre nossas cabeças, respondido pelos 1600 sinos dos campanários iluminados de todas as igrejas de Moscou, os canhões trovejando das colinas do Kremlin sobre o Rio, e as procissões com suas deslumbrantes vestimentas em ouro e com cruzes, ícones e estandartes, saindo entre nuvens de incenso de todas as outras Igrejas no Kremlin, e vagarosamente abrindo seu caminho através da multidão, tudo se junta para produzir um efeito que ninguém que tenha testemunhado poderá jamais esquecer" (Al Riley, Birkbeck and the Russian Church, pg.142).

Assim W. J. Birkbeck escreveu sobre a Páscoa na Rússia pré-revolucionária. Hoje as Igrejas do Kremlin são museus, os canhões não mais são disparados em honra da ressurreição, e apesar de sinos serem tocados, seu número encolheu muito dos 1600 dos dias anteriores; mas as vastas e silenciosas multidões que ainda se juntam na meia noite de Páscoa em milhares e dezenas de milhares ao redor das Igrejas de Moscou, são a seu modo um testemunho mais impressionante da vitória de Cristo sobre os poderes malignos.

Antes que terminemos o assunto do Ano da Igreja, alguma coisa precisa ser dita sobre a vexatória questão do calendário, sempre, por alguma razão, um tópico explosivo entre os Cristãos orientais. Até o fim da Primeira Guerra Mundial, todos os Ortodoxos ainda usavam o calendário do velho estilo ou calendário Juliano, que no presente é treze dias atrás do Novo Calendário ou Calendário Gregoriano, seguido no ocidente. Em 1923 o Patriarcado Ecumênico reuniu um "Congresso Inter-Ortodoxo" em Constantinopla, atendido por delegados da Sérvia, Romênia, Grécia, Chipre (os Patriarcas de Antioquia e Jerusalém recusaram-se a enviar delegados; o Patriarca de Alexandria sequer respondeu ao convite; a Igreja da Bulgária não foi convidada). Várias propostas foram apresentadas: Bispos casados; permissão para os Padres casarem de novo depois da morte da mulher; adoção do Calendário Gregoriano. As duas primeiras questões permaneceram letra morta até hoje, mas a terceira foi levada a efeito por certas Igrejas Autocéfalas. Em março de 1924 Constantinopla introduziu o Novo Calendário; e no mesmo ano, ou logo depois, ele também foi adotado por Alexandria, Antioquia, Grécia, Chipre, Romênia e Polônia. (A Igreja da Bulgária adotou o Novo Calendário em 1968). Mas as Igrejas de Jerusalém, Russa e Sérvia, junto com os Mosteiros do Monte Athos, continuam até hoje a seguir a contagem Juliana. Isso resulta numa situação difícil e confusa que espera-se venha a ser levada ao fim brevemente. No presente os Gregos (fora do Monte Athos e Jerusalém) mantêm o Natal no mesmo dia que o ocidente, em 25 de dezembro (Novo Estilo), enquanto os Russos mantém o Natal treze dias depois, em 07 de janeiro; e assim por diante. Mas praticamente todas as Igrejas Ortodoxas observam a Páscoa no mesmo dia, marcando-a pelo Calendário Juliano (Velho Estilo): Isso significa que a data Ortodoxa da Páscoa às vezes coincide com a data ocidental, mas outras vezes é uma, quatro ou cinco semanas depois (A discrepância entre as Páscoas ortodoxa e Ocidental é causada também por dois sistemas de calcular as "epactas"* que determinam o ano lunar). A Igreja da Finlândia e algumas poucas paróquias na diáspora sempre têm a Páscoa na data ocidental.

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*Nota do Tradutor: Epacta — número de dias que se deve adicionar ao ano lunar para faze-lo igual ao ano solar. Ver novo dicionário da Lingua Portuguesa — Aurélio Buarque de Hollanda

A reforma do calendário levantou viva oposição, particularmente na Grécia, onde grupos de "Velhos Calendaristas" ou Palaioimerologitai (incluindo mais do que um Bispo) continuaram a seguir a velha marcação de dias; eles reclamavam que como o calendário e a data da Pascoa dependiam de canons de autoridade ecumênica, ele só poderia ser alterado por uma decisão conjunta do todo da Igreja Ortodoxa — não de Igrejas Autocéfalas separadas agindo independentemente. Enquanto rejeitando o Novo Calendário, os mosteiros do Monte Athos, todos com exceção de um, mantiveram comunhão com o Patriarca de Constantinopla e com a Igreja da Grécia, mas os Palaioimerologitai em quase toda a Grécia foram excomungados pela Igreja da Grécia oficial. Eles são usualmente tratados pelas autoridades civis gregas como uma organização ilegal e sofreram perseguições (muitos dos seus lideres foram presos); mas eles continuam a existir em muitas áreas e tem seus próprios Bispos, Mosteiros e Paróquias.

Oração Privada.

Quando um Ortodoxo pensa em oração, ele pensa primeiramente na oração litúrgica pública. A oração corporativa da Igreja desempenha uma parte muito maior na experiência religiosa do que na média do cristianismo ocidental. Logicamente isso não significa que o Ortodoxo nunca ora exceto quando na Igreja: ao contrário, existem manuais especiais com orações diárias a serem feitas por todos os Ortodoxos, pela manhã e à noite, diante dos seus ícones, em casa. Mas as orações nesses manuais são tiradas em sua maior parte diretamente dos Livros de Ofícios usados na oração pública, de maneira que mesmo em sua própria casa um Ortodoxo ainda está orando com a Igreja; mesmo em sua casa ele ainda está junto em amizade com todos os outros Cristãos Ortodoxos que estão orando as mesmas palavras que ele. À oração pessoal é possível só no contexto da comunidade. Ninguém é um Cristão por si próprio, mas só se for um membro do corpo. Mesmo na solidão, "no quarto," um cristão ora como um membro da comunidade redimida, da Igreja. E é na Igreja que ele aprende sua prática devocional (S. Florovsky, Prayer Private and Corporate, O’lagos publications, Saint Louis, pg.1). E assim como não existe na espiritualidade Ortodoxa separação entre liturgia e devoção privada, também não existe separação entre Monges e aqueles que vivem no mundo; as orações dos manuais usadas pelos leigos são as mesmas orações que as comunidades monásticas recitam diariamente na Igreja como partes dos Ofícios Divinos. Maridos e mulheres seguem o mesmo caminho cristão que monges e monjas, e todos igualmente usam as mesmas orações. Naturalmente os manuais são somente um guia e orientação de oração, e cada Cristão é livre também para orar espontaneamente com suas próprias palavras.

As orientações no começo das orações da manhã enfatizam a necessidade de concentração, para uma oração viva para o Deus vivo. No começo delas é dito:

"Tendo despertado do sono, antes de qualquer outra ação, levante-se com reverência, considerando estar na presença do Deus que tudo vê, e, tendo feito o sinal da Cruz, diga: Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Depois pouse por um momento, até que tenha recobrado todos os teus sentidos e seus pensamentos abandonem todas as coisas mundanas: e faça três pequenas metanóias, dizendo: Ó Deus, sê misericordioso comigo que sou pecador..."

Na conclusão das orações da manhã uma nota estabelece:

‘Se o tempo à disposição é curto, e a necessidade de iniciar o trabalho está pressionando, é melhor dizer só algumas das orações sugeridas com atenção e devoção, do que recitar elas todas com pressa e sem a necessária concentração."

Há também uma nota nas orações da manhã encorajando todos a ler a Epistola e o Evangelho do dia.

Como exemplo tomemos duas orações do Manual, a primeira uma oração para o início do dia, escrita por Philaret, Metropolita de Moscou:

"Senhor, conceda-me a graça de saber aceitar tudo que venha acontecer neste dia que se inicia. Permita que eu me entregue completamente à Tua santa vontade e em todo momento deste dia. Ajuda-me e orienta-me em tudo em todos os meus atos e palavras. Guia meus pensamentos e sentimentos em todos os casos inesperados. Não permita que eu me esqueça que tudo vem de Ti)

E essas são algumas frases da intercessão geral com que as orações da noite se encerram:

"Ó Senhor, que amas a humanidade, perdoa aqueles que nos odeiam e nos fazem mal. Faz o bem àqueles que fazem o bem, Concede aos nossos irmãos e próximos a salvação e a vida eterna; visita os enfermos e concede-lhes a cura. Guia os que estão no mar. Acompanha os que viajam... Segundo a Tua imensa misericórdia, tem misericórdia daqueles que nos pediram para orar por eles. Lembra-Te, Senhor, dos nossos pais e irmãos que partiram antes de nós e concede-lhes o repouso onde a luz do Teu rosto os ilumine... Lembra-Te, também, Senhor, dos Teus servos vis, pecadores e indignos..."

Existe um tipo de oração privada, largamente usada no ocidente desde os tempos da Contra-Reforma, que nunca foi um assunto da espiritualidade Ortodoxa, a "Meditação" formal, feita de acordo com um "Método, o Inaciano, o Sulpiciano, o Salesiano, ou algum outro. Os Ortodoxos são encorajados a ler as escrituras ou os Santos Padres lenta e pensativamente; mas tal exercício, ainda que encarado como excelente, não se considera que constitua uma oração, nem foi sistematizado e reduzido a um "Método." Cada um é solicitado a ler do modo que ele ache mais útil.

Mas enquanto aos Ortodoxos não praticam Meditação discursiva, existe um outro tipo de oração pessoal que por muitos séculos desempenhou uma parte extraordinariamente importante na vida da Ortodoxia: a Oração do Coração: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de mim pecador (a)" Como algumas vezes é dito que os Ortodoxos não dão suficiente atenção à pessoa do Cristo Encarnado, é importante chamar a atenção para o fato essa oração seguramente a mais clássica das orações Ortodoxas, é essencialmente Cristocêntrica, e uma oração endereçada para e concentrada no Senhor Jesus Cristo. Aqueles que são conduzidos à tradição da Oração do Coração não são liberados para em nenhum momento esquecer o Cristo Encarnado.

Como auxilio para recitar essa oração muitos Ortodoxos usam um rosário, que difere em estrutura do terço ocidental; um Rosário Ortodoxo é quase sempre feito de lã, assim ao contrário de uma fieira contas, ele não faz barulho.

A Oração do Coração, é uma oração de maravilhosa versatilidade. É uma oração para principiantes, mas igualmente uma oração que conduz aos mais profundos mistérios da vida contemplativa. Pode ser usada por qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar; esperando em filas, andando, viajando em ônibus ou trens; no trabalho; quando incapaz de dormir à noite; em tempos de especial ansiedade quando é impossível se concentrar em outro tipo de oração. Mas enquanto logicamente todo Cristão pode usar a Oração em momentos impares, é uma questão diferente recitar a Oração mais ou menos continuadamente e usar os exercícios físicos que foram associados a ela. Os escritores espirituais Ortodoxos insistem que aqueles que usam a Oração do Coração sistematicamente, deveriam sempre que possível, colocarem-se sob a guia de um orientador experiente e não fazer nada por sua iniciativa própria.

Para alguns chega um momento em que a oração do Coração "entra no coração," de modo que ela não é mais recitada por um esforço deliberado, mas é recitada espontaneamente, continuamente mesmo quando se esteja falando ou escrevendo, presente nos sonhos, acordando-nos na manhã. Nas palavras de São Isaac, o Sírio:

"Quando o Espírito orará constantemente nele. Então, nem enquanto dorme, nem quando está acordado, a oração será contada de sua alma; mas quando ele come ou bebe, quando ele se deita, ou faz qualquer trabalho, mesmo quando ele esta imerso no sono, os perfumes da oração soprarão em seu coração espontaneamente" (Nystic Treatises, editado po Wensinck, pg.174).

Os Ortodoxos acreditam que o poder de Deus está presente no nome de Jesus, assim que a invocação desse Divino Nome age como um efetivo sinal da ação de Deus, como um tipo de sacramento (um Monge da Igreja do Oriente, A oração de Jesus, Chevetogne, 1952, pg.87). ‘O Nome de Jesus, presente no coração humano, comunica a ele, o poder da deificação... Brilhando através do coração, a luz do Nome de Jesus ilumina todo o universo’ (S. Bulgakov, The Orthodox Church, pg.170-171).

Tanto para aqueles que recitam a Oração continuadamente quanto para aqueles que a empregam ocasionalmente, ela prova ser uma grande fonte de recuperação de segurança e de alegria. Para citar o Peregrino Russo*: "E é assim que eu ando agora, e repetindo a oração do coração sem cessar, que é mais preciosa e doce para mim do que qualquer outra coisa do mundo. As vezes eu ando algo como 43 ou 44 milhas** por dia, e não sinto que estou andando. Eu só fico consciente de que estou rezando minha Oração. Quando o frio amargo me penetra, eu começo a falar minha oração mais fervorosamente, e rapidamente sou aquecido por inteiro. Quando a fome começa e me sobrepujar, eu chamo o Nome de Jesus mais vezes, e eu esqueço de meu desejo por comida. Quando eu caio doente e tenho reumatismo nas minhas costas e pernas, eu fixo meus pensamentos na Oração e não noto a dor. Se qualquer um me ofende eu só tenho que pensar, "quão doce é a Oração do Coração!"e a injuria e a raiva passam logo e eu esqueço de tudo... Eu agradeço a Deus que agora eu entenda o significado das palavras que eu ouvi na Epistola: "Orai sem cessar" (1 Ts 5:17; The Way of a Pilgrim, pg. 17-18).

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* Nota 1 do Tradutor: Relatos de um Peregrino Russo foi publicado pelas Edições Paulinas.

** Nota 2 do Tradutor: Equivalente a 69 a 70 Kms.

 

 

A Igreja Ortodoxa e

E a reunião dos Cristãos.

"O maior infortúnio que aconteceu na humanidade foi, sem dúvida, o cisma entre Roma e a Igreja Ecumênica. E a maior benção que a humanidade pode esperar seria a reunião do oriente e ocidente, a reconstituição da grande unidade Cristã" (General Alexander Kireev, 1832-1910)

‘Uma Santa Igreja Católica’: O que queremos dizer?

A Igreja Ortodoxa com toda humildade acredita ser ela mesmo a "Uma, Santa, Católica e Apostólica Igreja" da qual o Credo fala: Essa é uma convicção fundamental que guia os Ortodoxos em suas relações com outros Cristãos. Existem divisões entre os Cristãos, mas a própria Igreja não está dividida e nunca estará.

Cristãos das tradições reformadas talvez protestarão: "Essa é uma afirmação dura; quem pode ouvi-la?" Pode parecer a eles que essa reivindicação exclusiva do lado Ortodoxo impeça qualquer sério "dialogo ecumênico" com os Ortodoxos, e qualquer trabalho construtivo de reunião. E no entanto eles estariam redondamente enganados ao tirar essa conclusão: Pois, suficientemente paradoxal, nas últimas décadas existiram um grande número de contatos encorajadores e frutíferos entre Ortodoxos e outros Cristãos. Apesar de enormes obstáculos ainda permanecerem, tem havido grandes progressos na direção de uma reconciliação.

Se os Ortodoxos reclamam serem a Uma Verdadeira Igreja, o que eles consideram ser o estado daqueles Cristãos que não pertencem à sua comunhão? Ortodoxos diferentes responderiam de maneiras ligeiramente diferentes, pois apesar de todo Ortodoxo leal concordar com o ensinamento fundamental da Igreja, eles não concordam inteiramente com as conseqüências práticas que decorrem desse ensinamento. Primeiro existe um grupo mais moderado, que inclui a maioria daqueles Ortodoxos que tiveram contatos pessoais próximos com outros Cristãos. Esse grupo sustenta que, enquanto é verdadeiro dizer que a Ortodoxia é a Igreja, é falso concluir daí que aqueles que não são Ortodoxos não podem de modo algum pertencer à Igreja. Muitas pessoas podem ser membros da Igreja sem serem visivelmente isso; laços invisíveis podem existir apesar de uma separação exterior. O Espírito de Deus sopra onde quer, e, como disse Irineu, onde está o Espírito está a Igreja. Nós sabemos onde a Igreja está mas não podemos ter certeza de onde ela não esta; e então devemos refrear em fazer julgamentos sobre Cristãos não-Ortodoxos. Nas palavras eloqüentes de Khomiakov:

"Tanto quanto a Igreja terrena e visível não é a totalidade e completitude do toda da Igreja que o Senhor indicou para aparecer no julgamento final de toda criação, ela age e conhece somente o que está dentro dos seus limites próprios; e... não julga o resto da humanidade, e só olha para aqueles como excluídos, isto é, não pertencendo a ela, aqueles que se excluíram a si próprios. O resto da humanidade, seja estranho à Igreja, ou a ela unidos por laços que Deus não quis revelar a ela, ela deixa para o julgamento do Grande Dia" (The Church is One, Seção 1).

Existe só uma única Igreja, mas existem muitos meios diferentes de ser relacionado com essa única Igreja, e muitos meios diferentes de estar-se separado dela. Alguns não-Ortodoxos estão de fato muito próximos da Ortodoxia, outros nem tanto; alguns são amistosos à Igreja Ortodoxa, outros indiferentes ou hostis. Pela graça de Deus a Igreja Ortodoxa possui a totalidade da verdade (assim seus membros são levados a crer), mas existem outras comunhões Cristãs que possuem em maior ou menor grau uma medida genuína de Ortodoxia. Todos esses fatos devem ser levados em conta: não se pode simplesmente dizer que todo não-Ortodoxo está fora da Igreja, e deixar isso assim; não se pode tratar outros Cristãos como se eles estivessem no mesmo nível dos descrentes.

Essa é a visão do partido mais moderado. Mas também existe na Igreja Ortodoxa um grupo mais rigoroso, que sustenta que já que a Ortodoxia é a Igreja, qualquer um que não é Ortodoxo não pode ser membro da Igreja. Assim o Metropolita Antony, chefe da Igreja Russa no Exílio e um dos mais distinguidos dos teólogos Russo moderno, escreveu em seu Catechism:

Pergunta: É possível admitir-se que uma divisão dentro da Igreja ou entre as Igrejas possa um dia ter lugar?

Resposta. Nunca. Heréticos e cismáticos de tempos em tempos caíram fora da Igreja indivisível, e, por fazer isso, eles cessaram de ser membros da Igreja, mas a Igreja, ela própria, nunca poderá perder sua unidade de acordo com a promessa de Cristo.

Com certeza (assim esse grupo estrito acrescenta) a graça divina é ativa entre muitos não-Ortodoxos, e se eles são sinceros em seu amor por Deus, então vós podemos estar seguros que Deus terá misericórdia por eles; mas eles não podem em seu estado presente, ser denominados membros da Igreja. Trabalhadores pela unidade Cristã que não encontram com freqüência essa escola rigorista não podem esquecer que tais opiniões são sustentadas por muitos Ortodoxos de grande erudição e santidade.

Por que eles acreditam ser sua Igreja a verdadeira Igreja, os Ortodoxos só podem ter um desejo definitivo: a conversão ou reconciliação de todos os Cristãos para ou com a Ortodoxia. No entanto não deve ser entendido que os Ortodoxos desejam a submissão de outros Cristãos e um centro particular de poder e jurisdição (A Ortodoxia não deseja a submissão de qualquer pessoa ou grupo; ela deseja fazer com que cada um compreenda, S. Bulgakov, The Orthodox Church, pg.21)). A Igreja Ortodoxa é uma família de Igrejas irmãs, descentralizadas em estrutura, o que significa que comunidades separadas podem ser integradas sem perder sua autonomia: A Ortodoxia deseja a reconciliação delas, não sua absorção (comparar o título de um famoso trabalho escrito por Dom Lambert Beauduin e lido pelo Cardeal Mercier nas conversações Malines, "The Anglicam Church United, Not Absorbed"). Em todas discussões em reuniões os Ortodoxos são guiados (ou de qualquer modo deveriam ser guiados) pelo princípio da unidade na diversidade. Eles não procuram transformar Cristãos ocidentais em Bizantinos ou "Orientais," nem desejam impor uma rígida uniformidade em todos os semelhantes: Pois há espaço na Ortodoxia para muitos modelos culturais diferentes, para muitos meios diferentes de louvação, e mesmo para muitos sistemas diferentes de organização exterior.

No entanto há um campo no qual diversidade não pode ser permitida. A Ortodoxia insiste sobre unidade em questões da Fé. Antes que possa haver reunião entre os Cristãos, deve existir primeiro completa concordância na fé: Este é um princípio básico para os Ortodoxos em todas as suas relações ecumênicas. É a unidade da fé que conta, não a unidade organizacional; e assegurar unidade de organização ao preço de um compromisso no dogma e como atirar fora a semente de uma noz e guardar a casca. Os Ortodoxos não estão desejosos de tomar parte num esquema de Reunião "mínima," que assegure concordância em alguns pontos e deixe todo resto para opiniões particulares. Só pode existir uma base para a união — A totalidade da fé; pois os Ortodoxos olham para a fé como um todo unido e orgânico. Falando da conferência Anglo-Russa em Moscou em 1956, o Arcebispo de Canterbury, Dr. Michael Ramsey, expressou o ponto de vista Ortodoxo com exatidão: "Os Ortodoxos com efeito disseram:..."A Tradição é um fato concreto aqui está ela, em sua totalidade. Vocês Anglicanos aceitam-na, ou vocês a rejeitam? A Tradição é para os Ortodoxos um todo indivisível: A vida inteira da Igreja em sua completitude de crença e costumes através dos séculos, incluindo Mariologia e a veneração dos ícones. Defrontado com esse desafio, a resposta tipicamente Anglicana foi: "Nós não olharíamos veneração de ícones e Mariologia como inadmissíveis, desde que em determinando o que é necessário para a salvação, nós nos confinemos à Sagrada Escritura." Mas essa resposta só põe em relevo o contraste entre o apelo Anglicano para o que considerado necessário para a salvação e o apelo ortodoxo para o organismo Uno e Indivisível da Tradição, e que mexer com qualquer parte do qual é estragar o todo do mesmo modo que uma única mancha numa pintura pode estragar sua beleza. ("The Moscou Conference in Retrospect" Em Sobormost, serie 3, nº23, 1958, pg. 562-563).

Nas palavras de outro escritor Anglicano: "Foi dito que a Fé é como uma rede e não um ajuntamento de dogmas separados; corte-se um fio e a rede toda perde seu significado" (T.M.Parker, "Devotion to the Mother of God," em The Mother of God, editado por E.L.Mascall, pg. 74). Os Ortodoxos, então, pedem aos outros Cristãos que eles aceitem a Tradição como um todo; mas deve ser lembrada a diferença entre Tradição e Tradições. Muitas crenças mantidas pelos Ortodoxos não são parte da Tradição Una, mas são simples opiniões teológicas, theologumena; e não pode haver a questão de impor simples questões de opinião a outros Cristãos. Os homens podem possuir completa unidade na fé, e no entanto sustentar opiniões teológicas divergentes em certos campos.

Esse princípio básico — não reunião sem unidade na Fé — tem um corolário importante: Até que a união na Fé tenha sido alcançada, não haverá comunhão nos sacramentos. Comunhão na Mesa do Senhor (A maioria dos Ortodoxos crê) não pode ser usada para assegurar a unidade na fé, mas deve vir como conseqüência e coroamento de uma unidade já obtida. A Ortodoxia rejeita todo o conceito de "Intercomunhão" entre corpos Cristãos separados, e não admite a forma de companheirismo sacramental antes da comunhão total. Ou as Igrejas estão em comunhão umas com as outras, ou não estão: Não pode haver meio-termo. (Essa é a posição padrão Ortodoxa. Mas há teólogos Ortodoxos individuais que acreditam que algum degrau de intercomunhão é possível, mesmo antes de se atingir um completo acordo dogmático. Uma leve qualificação deve ser acrescida. Ocasionalmente Cristãos Ortodoxos, se inteiramente cortados das ministrações de sua própria Igreja, são permitidos com permissão especial a receber a comunhão de um Padre Ortodoxo. Mas o inverso não é verdadeiro pois os Ortodoxos são proibidos de receber comunhão de qualquer um que não seja um Padre de sua própria Igreja). Algumas vezes é dito que os Anglicanos ou a Velha Igreja Católica estão "em comunhão" com os Ortodoxos, mas este não é o caso. As duas não estão em comunhão, nem podem estar, até que os Anglicanos e Ortodoxos concordem em matéria de Fé.

 

 

Relações Ortodoxas com outras Comunhões

Oportunidades e Problemas.

"As Igrejas Orientais "Separadas." Quando eles pensam em reunião, os Ortodoxos olham não só para o Ocidente, mas pra seus vizinhos no oriente, os Nestorianos, e os Monofisistas. De muitos modos. A Ortodoxia está mais próxima das Igrejas "separadas" do Oriente que de qualquer confissão ocidental.

Os Nestorianos são hoje em número muito reduzidos, talvez 50.000, e quase inteiramente desprovido de teólogos, assim é difícil entrar em negociação com eles. Mas uma união parcial entre ortodoxos e Nestorianos já ocorreu. Em 1998 um Nestoriano assírio, Mar Ivanos, Bispo de Urumia, na Pérsia, junto com seu rebanho, foi recebido em comunhão pela Igreja Russa. A iniciativa coube primariamente ao lado Nestoriano, e não houve pressão, política ou de outro tipo, de parte dos Russos. Em 1905 essa diocese ex-Nestoriana dizia-se ter 80 paróquias e 70.000 féis; mas entre 1915 e 1918 os Ortodoxos Assírios foram assassinados pelos turcos numa série de massacres não provocados, dos quais poucos milhares escaparam. Mesmo tendo sido sua vida cortada logo e tão tragicamente, a reconciliação dessa antiga comunidade Cristã forma um precedente encorajador: Porque não poderia a Igreja Ortodoxa de hoje chegar a um entendimento similar com o resto da comunhão Nestoriana? (Quando visitando um convento perto de Nova York em 1960, eu tive o prazer de encontrar um Bispo Ortodoxo Assírio, originalmente da comunidade de Urumia, também chamado Mar Ivanios (sucessor do original Mar Ivanos). Um Padre Casado, tornou-se Bispo depois da morte da mulher. Quando eu perguntei a idade dele as monjas, elas disseram: "Ele diz ter 102, mas seus filhos dizem que ele deve ser muito mais velho que isso").

Os Monofisistas, do ponto de vista prático, estão em uma posição muito diferente dos Nestorianos, pois eles são comparativamente numerosos, mais de dez milhões, e possuem teólogos capazes de apresentar e interpretar sua posição doutrinal tradicional. Numerosos eruditos ocidentais e Ortodoxos hoje acreditam que o ensinamento Monofisita acerca da pessoa de Cristo foi no passado seriamente mal entendido, e que a diferença entre aqueles que aceitam e aqueles que rejeitam os decretos de Calcedônia é largamente, se não mesmo inteiramente verbal. Quando visitando a Igreja Copta Monofisita do Egito em 1959, o Patriarca de Constantinopla falou com grande otimismo: "Na verdade, nós todos somos um, todos somos Cristãos Ortodoxos... Temos os mesmos sacramentos, a mesma história, as mesmas tradições. A divergência está no nível de fraseologia" (Discurso feito no Instituto de Altos Estudos Copta, Cairo, 10 de dezembro de 1959). De todos os contatos "ecumênicos" da Ortodoxia, a amizade com os Monofisitas parece ser o mais desejável e o que mais provavelmente levará a resultados concretos num futuro próximo. A questão de união com os Monofisitas estava bastante no ar nas Conferências Pan-Ortodoxas de Rhodes, e com certeza figurará proeminentemente na agenda de futuros concílios Pan-Ortodoxos. Durante Agosto de 1964 uma muito amistosa "Consulta não-oficial" realizou-se em Aarhus na Dinamarca entre teólogos Ortodoxos e Monofisistas. "Nós todos aprendemos uns com os outros, "declararam os delegados dos dois lados na "declaração de concordância" feita ao final da reunião. "Nossos desentendimentos herdados começaram a ser esclarecidos. Reconhecemos, uns nos outros, a fé Ortodoxa una da Igreja. Quinze séculos de alienação não nos desviaram da fé de nossos Pais." Consultas adicionais aconteceram em Bristol (1967), Genebra (1970) e Addis Abeba (1971).

A Igreja Católica Romana.Entre Cristãos Ocidentais, é com os Anglicanos que a Ortodoxia mantém relações mais cordiais, mas é com os Católicos romanos que a Ortodoxia tem de longe mais em comum. Com certeza há entre a Ortodoxia e Roma muitas dificuldades. As barreiras psicológicas usuais existem. Dentre os Ortodoxos e sem duvida dentre os Católicos Romanos da mesma forma — há uma infinidade de preconceitos herdados que não podem ser rapidamente ultrapassados; e os Ortodoxos não acham fácil esquecer a experiência infelizes do passado — tais como as Cruzadas, a "União" de Brest-Litovski, o cisma em Antioquia no século XVIII, ou a perseguição da Igreja Ortodoxa na Polônia pelo governo Católico Romano entre as duas guerras mundiais. Os Católicos Romanos normalmente não se dão conta de quão profundo é o sentido de receio e apreensão que muitos devotos Ortodoxos — tanto cultos quanto simples — ainda sentem quando pensam na Igreja de Roma. Mais sérias do que estas barreiras psicológicas são as diferenças doutrinais entre os dois lados — acima de tudo o filioque e as prerrogativas papais. Uma vez mais muitos Católicos Romanos falham ao não considerarem quão sérias são as dificuldades teológicas, e quão grande importância os Ortodoxos dão a estes dois assuntos. Mesmo quando tudo foi dito sobre divergências dogmáticas, diferenças na espiritualidade e na abordagem geral, ainda permanece verdadeiro que há muitas coisas que os dois lados compartilham em sua experiência dos sacramentos, por exemplo, e em sua devoção à Mãe de Deus e aos santos — para mencionar apenas duas instâncias em muitas — Ortodoxos e Católicos Romanos são na maior parte muito próximos.

Já que os dois lados têm tanto em comum, haverá, talvez, alguma esperança de reconciliação? À primeira vista, somos tentados a não ter esperança, particularmente quando considera-se a questão das reivindicações papais. Os Ortodoxos acham-se incapazes de aceitar as definições do Concílio Vaticano de 1870 referente à suprema jurisdição ordinária e à infalibilidade do Papa, mas a Igreja Católica Romana considera o Concílio Vaticano ecumênico e então tende a tomar suas definições como irrevogáveis. Entretanto estes assuntos não estão completamente num impasse. Podemos perguntar, quão acertadamente os controversialistas Ortodoxos compreenderam os decretos do Vaticano? Talvez o significado atribuído às definições pela maioria dos teólogos ocidentais nos últimos noventa anos não seja, de fato, a única interpretação possível. Ademais agora é amplamente admitido pelos Católicos romanos que os decretos do Vaticano são incompletos e unilaterais: Falam unicamente do Papa e de suas prerrogativas, mas não falam nada sobre os bispos. Porém agora que o Segundo Concílio vaticano realizou-se uma declaração dogmática sobre as poderes do episcopado, a doutrina Católica romana das prerrogativas papais começaram a aparecer para o mundo Ortodoxo sob uma luz diferente.

E se Roma no passado falou talvez muito pouco sobre a posição dos bispos na Igreja os Ortodoxos por sua vez precisam levar a idéia de Primazia mais a sério. Os Ortodoxos concordam que o Papa é primeiro dentre os Bispos: será que eles se perguntaram cuidadosa e diligentemente o que isto de fato significa? Se a Sé primazial de Roma fosse uma vez mais reunida à Comunhão Ortodoxa, o que seria precisamente este status? Os Ortodoxos não estão dispostos a atribuir ao Papa uma supremacia universal de jurisdição "ordinária," mas não seria possível para eles atribuírem a ele, como Presidente e primaz no colégio dos Bispos, uma responsabilidade universal, um todo-abrangente cuidado pastoral estendendo-se por sobre toda a Igreja? Recentemente o Movimento da juventude Ortodoxa no patriarcado de Antioquia sugeriu duas formulações. "O Papa, dentre os bispos, é o irmão mais velho, estando o pai ausente." "O Papa é a boca da Igreja e do episcopado." Obviamente estas formulações aproximam-se das declarações do Vaticano sobre a jurisdição e infalibilidade Papal, mas podem servir de alguma maneira como base para uma discussão construtiva. Até agora os teólogos Ortodoxos, no calor da controvérsia, muito freqüentemente contentaram-se em apenas atacar a doutrina Romana do Papado (como eles a compreendem) sem aprofundarem-se e declarar em linguagem positiva os que a verdadeira natureza da primazia Papal é do ponto de vista Ortodoxo. Se os Ortodoxos pensassem e falassem mais de maneira construtiva e menos em termos negativos e polêmicos, então a divergência entre os dois lados poderia parecer menos tão absoluta.

Depois de longo adiamento as Igrejas Ortodoxa e Católica Romana estabeleceram em 1980 uma comissão internacional mista para discussões teológicas. Muito vem sendo feito informalmente através de contatos pessoais. Um trabalho de valor inestimável foi feito pelo Católico Romano "Mosteiro da União" em Chevetogne na Bélgica, fundado originalmente em Amay-sur-Mense em 1926. É um Mosteiro de "Rito duplo" onde os monges oram nos ritos Romano e Bizantino: O periódico de Chevetogne, Irénikon, contem um relato precioso e simpático dos assuntos atuais na Igreja Ortodoxa, bem como inúmeros estudos, com freqüência fornecidos por Ortodoxos.

Com certeza, deve-se ser sóbrio e realista: a união entre a Ortodoxia e Roma, se algum dia acontecer, será uma tarefa de extraordinária dificuldade. Porém os sinais de uma reaproximação crescem dia a dia. O Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras de Constantinopla encontraram-se três vezes (Jerusalém, 1964; Constantinopla e Roma, 1967); em 7 de dezembro de 1965 os anátemas de 1054 foram simultaneamente retirados pelo Concílio Vaticano em Roma e o Santo Sínodo em Constantinopla; em 1979 o Papa João Paulo II visitou o Patriarca Dimitrios. Através de tais gestos simbólicos a confiança mútua está sendo criada.

Os Velhos Católicos. Era mais do que natural que os Velhos Católicos que se separaram de Roma depois do Concílio Vaticano de 1870 tivessem entrado em negociações com os Ortodoxos. Os Velhos Católicos queriam recuperar a fé verdadeira da antiga "Igreja Indivisa" usando como base os Padres e os sete Concílios Ecumênicos: Os Ortodoxos argumentaram que estas fé não era meramente uma coisa do passado, a ser reconstruída por uma pesquisa arcaica, mas uma realidade presente a qual, pela graça de Deus, eles jamais deixaram de possuir. Os dois lados encontraram-se em numerosas conferências, em particular em 1874 e 1875, em Roterdam em 1894, de novo em Bonn em 1931 e em Rheifieden em 1957. Uma grande parte de concordância doutrinal foi alcançada nesses encontros, embora não tenham levado a nenhum resultado prático, embora as relações entre Velhos Católicos e Ortodoxos continuem a ser muito amistosas, nenhuma união foi efetivada. Em 1975 um diálogo teológico em larga escala foi resumido entre as duas Igrejas, e uma importante série de declarações doutrinais foram feitas, mostrando uma vez mais o quanto os dois lados têm em comum.

A Comunhão Anglicana. Como no passado hoje em dia há muitos Anglicanos que vêem a Reforma Inglesa do século XVI como nada além do que um arranjo interino que apela, como os Velhos Católicos, para os Concílios Gerais, os Padres e a tradição da "Igreja Indivisa." Pensa-se no Bispo Pearson no século XVII, com seu apelo: "Buscai como era no começo; ide à nascente da fonte; olhai para a antiguidade." Ou no Bispo Ken, o não-Juror, que disse: "Morro na fé da Igreja Católica, antes da desunião do ocidente e do oriente." Esta chamada à antiguidade levou muitos Anglicanos a olharem com simpatia e interesse a Igreja Ortodoxa, e da mesma forma, levou muitos Ortodoxos a olharem com interesse e simpatia o Anglicanismo. Como resultado do trabalho pioneiro de Anglicanos tais como William Palnur (1811-1879) (Recebido na Igreja Católica Romana em 1855). J.M.Neale (1818-1866), and W.J.Birbeck (1859-1916). As relações Anglo-Ortodoxas durante os últimos 100 anos desenvolveu-se e floresceu de forma bastante viva.

Várias conferências entre teólogos Ortodoxos e Anglicanos foram realizadas. Em 1930, uma delegação Ortodoxa representando dez Igrejas Autocéfalas (Constantinopla, Alexandria, Antioquia, Jerusalém, Grécia, Chipre, Sérvia, Bulgária, Romênia, Polônia) foi enviada à Inglaterra por ocasião da conferência Lambeth, e manteve diálogos com um comitê de Anglicanos; e no ano seguinte uma Junta Anglicana-Ortodoxa reuniu-se em Londres, com representantes das mesmas Igrejas de 1930 (exceto Búlgaros).

Tanto em 1930 quanto em 1931 uma tentativa honesta foi feita no sentido de encarar os pontos de discordância doutrinal. Dentre os tópicos levantados estavam a relação entre Escrituras e Tradição, a Processão do Espírito Santo, a doutrina dos sacramentos, e a idéia Anglicana de autoridade na Igreja. Uma conferência similar realizou-se em 1935 em Bucareste, com delegados Anglicanos e Romenos. Esta reunião concluiu suas deliberações declarando: "Uma base sólida foi preparada por meio da qual uma completa concordância dogmática pode ser afirmada entre as comunhões Ortodoxa e Anglicana. Em retrospectiva, estas palavras parecem demasiadamente otimistas. Durante os anos trinta os dois lados pareciam estar fazendo grande progresso em direção a uma completa concordância dogmática e muitos — especialmente do lado dos Anglicanos — começaram a pensar que em breve viria um tempo em que as Igrejas Ortodoxa e Anglicana estariam em comunhão. Desde 1945, entretanto, tornou-se claro que tal esperança era prematura: a completa concordância dogmática e a comunhão nos sacramentos estão ainda muito longe. A maior conferência teológica entre Anglicanos e Ortodoxos realizada desde a guerra, em Moscou em 1956, foi muito mais cautelosa do que as que a precederam nos anos trinta. A primeira vista seus veredictos parecem ser, comparativamente, pobres e decepcionantes, mas na verdade eles constituem uma avanço importante, pois são marcados por um realismo visivelmente maior. Nas conferências entre as guerras havia a tendência de selecionar pontos específicos de discordância e de considerá-los isoladamente. Em 1956 um esforço genuíno foi feito no sentido de levar a questão inteira para um nível mais profundo: não somente saídas particulares mas a própria fé das duas Igrejas foi discutida, assim pontos específicos poderiam ser vistos em um contexto mais amplo.

Um diálogo teológico oficial envolvendo todas as Igrejas Ortodoxas e a Comunhão Anglicana inteira começou em 1973. Em 1977-1978 ocorre uma crise nas conversações por conta da Ordenação de mulheres presbíteras em várias Igrejas Anglicanas. As conversações continuaram mas o progresso tornou-se lento.

Nos últimos quarenta anos um grande número de Igrejas Ortodoxas fizeram declarações sobre a validade das Ordens Anglicanas. À primeira vista estas declarações parecem contradizer uma a outra de forma curiosa e extraordinária:

  1. Seis Igrejas fizeram declarações que parecem reconhecer as ordenações Anglicanas como sendo válidas: Constantinopla (1922), Jerusalém e Sinai (1923), Chipre (1923, Alexandria (1930), Romênia (1936).
  2. A Igreja Russa no Exílio, no Sínodo de Karkovtzy de 1935, declarou que o clero Anglicano que se tornasse Ortodoxo deveria ser reordenado. Em 1948, numa grande conferência realizada em Moscou, o Patriarcado de Moscou promulgou um decreto com a mesma posição, o qual foi também assinado pelos delegados oficiais (presentes na conferência) das Igrejas de Alexandria, Antioquia, Sérvia, Bulgária, Romênia, Geórgia e Albânia.

Para interpretar estas declarações, seria necessário discutir em detalhes a visão Ortodoxa da validade dos sacramentos, que não é a mesma dos teólogos ocidentais, e também o conceito Ortodoxo de "economia eclesiástica," e estes temas são tão complexos e obscuros que não poderiam ser levados a fundo aqui. Porém certos pontos devem ser mencionados. Primeiro, as Igrejas que se declararam a favor das Ordens Anglicanas aparentemente não sustentaram sua decisão. Recentemente, quando o clero Anglicano aproximou-se do Patriarcado de Constantinopla visando entrar na Igreja Ortodoxa, tornou-se evidente para eles que seriam recebidos como leigos e não como padres. Segundo, as declarações favoráveis tomadas por grupos (1) são cuidadosamente qualificadas e devem ser vistas como provisionais. O Patriarcado Ecumênico, por exemplo, quando comunicou a decisão de 1922 ao Arcebispo de Canterbury, disse em sua nota de abertura: "É evidente que ainda não se trata aqui de um decreto de toda a Igreja Ortodoxa. Pois é necessário que o resto das Igrejas Ortodoxas tenham a mesma opinião da santíssima Igreja de Constantinopla." Em terceiro lugar, a Ortodoxia é extremamente relutante em fazer julgamentos sobre o status dos sacramentos realizados por não-Ortodoxos. A maior parte dos Anglicanos entendeu as declarações feitas por grupo (1) como constituindo um "reconhecimento" das Ordens Anglicanas no presente momento. Mas na verdade os Ortodoxos não estavam tentando reponder a pergunta "As ordenações Anglicanas são válidas em si, aqui e agora? "Eles tinham em mente uma questão bastante diferente: "Supondo que a comunhão Anglicana fosse para alcançar a completa concordância na fé com os Ortodoxos, seria então necessário reordenar o clero Anglicano?"

Isto ajuda a explicar porque em 1922 Constantinopla pôde declarar-se favorável às ordenações Anglicanas, embora na prática trate-as como inválidas: esta declaração favorável não podia ser efetiva visto que a Igreja Anglicana não era plenamente Ortodoxa na fé. Quando as coisas são vistas sob esta luz, o decreto de Moscou de 1948 não parece mais inteiramente inconsistente com as declarações do período pré-guerra. Moscou baseou sua decisão na presente discrepância entre as crenças Anglicana e Ortodoxa. "A Igreja Ortodoxa não pode concordar em reconhecer a retidão dos ensinamentos Anglicanos sobre os sacramentos em geral, e sobre o sacramento da Santa Ordenação em Particular; e então não pode reconhecer as ordenações Anglicanas como válidas." (Note-se que a teologia Ortodoxa nega-se a tratar da questão da validade das ordenações isoladamente, mas considera, ao mesmo tempo, a fé da Igreja em questão).

Porém, assim continua o decreto de Moscou, se no futuro a Igreja Anglicana tornar-se completamente Ortodoxa na fé, então seria possível reconsiderar a questão. Enquanto dava uma resposta negativa no presente, abria uma esperança para o futuro.

Assim é a situação no que se refere a pronunciamentos oficiais. O clero Anglicano que entre para a Igreja Ortodoxa é reordenado, mas se o Anglicanismo e a Ortodoxia alcançassem uma completa unidade na fé, talvez esta reordenação pudesse não ser considerada necessária. Dever-se-ia acrescentar, entretanto, que um grande número de teólogos Ortodoxos individuais sustentam que sob nenhuma circunstancia seria possível reconhecer a validade das ordens Anglicanas.

Além das negociações oficiais entre líderes Anglicanos e Ortodoxos, realizaram-se muitos encontros construtivos no nível mais pessoal e informal. Duas sociedades na Inglaterra são especialmente devotadas à causa da reunião Anglo-Ortodoxa: A Associação das Igrejas Anglicana e Oriental (cuja organização — Associação da Igreja Oriental, começou em 1863, principalmente com a iniciativa de Neale) e a Fraternidade de Santo Albano e São Sérgio (fundada em 1928), que organiza uma conferência anual e tem um centro permanente em Londres, a Casa de São Basílio (52, ladbroke Grove, W11). A Fraternidade pública um valioso periódico chamado Sobornost, que sai duas vezes por ano; no passado a Associação das Igrejas Anglicana e Oriental publicava também uma revista, o Oriente Cristão, substituída agora por um boletim Informativo.

Qual é o principal obstáculo à união entre Anglicanos e Ortodoxos? Do ponto de vista Ortodoxo há uma grande dificuldade: a compreensão do Anglicanismo, a extrema ambigüidade das formulações doutrinais anglicanas, a ampla variedade de interpretações que estas formulações permite. Há indivíduos anglicanos que estão bem próximos da Ortodoxia, como pode ser visto por qualquer um que leia dois admiráveis panfletos: A Ortodoxia e a Conversão da Inglaterra, por Derwas Chitty; e Anglicanismo e Ortodoxia, por H.A. Hodges. "O problema ecumênico, "conclui o Professor Hodges, é ser visto "como o problema de trazer de volta o, Ocidente... a uma mente sã e a uma vida saudável, isto é a Ortodoxia... A fé Ortodoxa, aquela Fé que os Padres Ortodoxos testemunharam e da qual a Igreja Ortodoxa é a guardiã permanente, é a Fé Cristã em sua forma essencial e verdadeira." (Anglicanismo e Ortodoxia, pg. 46-7). No entanto há muitos outros Anglicanos que divergem ferozmente deste julgamento e que vêem a Ortodoxia como corrupta na doutrina e herética. A Igreja Ortodoxa, apesar de seu desejo profundo de união, não pode entrar em relação próxima com a comunhão Anglicana até que os próprios Anglicanos sejam mais claros a respeito de sua crença. As palavras do general Kereen são tão verdadeiras hoje quanto forma há cinqüenta anos atrás: "Nós Orientais sinceramente desejamos chegar a um entendimento com a grande Igreja Anglicana, mas este feliz resultado não pode ser alcançado... a menos que a Igreja Anglicana torne-se homogênea e a doutrina de suas partes constitutivas tornem-se idênticas" (Le Géneral Alexandre Kerreff et l’ancien _ Catholicisme, editado por Olga Norikoff, Berna, 1911, P.224).

Outros Protestantes. Os Ortodoxos têm muitos contatos com os Protestantes no Continente, sobretudo na Alemanha e (em menor grau) na Suécia. As discussões Tubingem do século dezesseis foram reabertas no século vinte, com resultados mais positivos.

O Conselho Mundial das Igrejas. Na Igreja Ortodoxa hoje existem duas atitudes diferentes em relação ao Conselho Mundial das Igrejas e o "Movimento Ecumênico." Uma parte sustenta que os Ortodoxos deveriam não tomar parte no Conselho Mundial (ou no máximo enviar observadores aos encontros, mas não delegados); a participação plena no Movimento Ecumênico compromete a reivindicação da Igreja Ortodoxa de ser a única verdadeira Igreja de Cristo e sugere que todas as "Igrejas" são iguais. Típica deste ponto de vista é a declaração feita em 1938 pelo Sínodo da Igreja Russa no Exílio.

Os Cristãos Ortodoxos devem olhar a Santa Igreja Católica Ortodoxa como a verdadeira Igreja de Cristo, uma e única. Por esta razão, a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio proibiu seus filhos de tomarem parte no movimento Ecumênico que baseia-se no princípio da igualdade de todas as religiões e confissões Cristãs.

Mas — assim teria objetado o segundo partido — isto é entender completamente errado a natureza do Conselho Mundial das Igrejas. Os Ortodoxos, em participando, não dizem com isso que eles vêem todas as confissões Cristãs como iguais, nem comprometem a reivindicação Ortodoxa de ser a verdadeira Igreja. Como tão cuidadosamente apontou a Declaração de Toronto de 1950 (adotada pelo Comitê Central do Conselho Mundial): a Inscrição no Conselho Mundial não implica a aceitação de uma doutrina específica referente à natureza da unidade do Conselho... A inscrição não implica que cada Igreja tenha que olhar as outras Igrejas participantes como Igreja no verdadeiro e pleno sentido da palavra. Em vista desta declaração explícita (assim argumenta o segundo partido), os Ortodoxos podem tomar parte no Movimento Ecumênico sem por em risco a sua Ortodoxia, E se os Ortodoxos podem participar então assim devem proceder: pois já que eles acreditam ser a fé Ortodoxa verdadeira, é seu dever dar testemunho desta fé o mais amplamente possível.

A existência destes dois pontos de vista conflitantes conta para a algo confusa e inconsistente política que a Igreja Ortodoxa seguiu no passado. Algumas Igrejas têm enviado regularmente delegações ao Movimento Ecumênico, outras espasmodicamente ou quase nunca. Aqui está uma breve análise da representação Ortodoxa durante 1927-28:

Como pode ser visto por este resumo, o Patriarcado de Constantinopla sempre esteve representando nestas conferências. Desde o começo ele manteve firmemente uma política de total participação no Movimento Ecumênico. Em janeiro de 1920 o Patriarcado publicou uma carta famosa endereçada "A todas as Igrejas de Cristo, onde quer que esteja, pedindo uma mais íntima cooperação entre corpos Cristãos separados, e sugerindo uma aliança de Igrejas, paralela a recém-formada liga das Nações; muitas das idéias nesta carta antecipam desenvolvimentos posteriores no Movimento Ecumênico. Mas enquanto Constantinopla aderiu sem hesitar aos princípios de 1920, outras Igrejas foram mais reservadas. A Igreja da Grécia, por exemplo, declarou a um certo momento que somente enviaria leigos como delegados ao Conselho Mundial, embora esta decisão tenha sido revogada em 1961. Algumas Igrejas Ortodoxas foram até mais longe do que isto: na Conferência de Moscou em 1948, foi passada uma resolução condenando toda participação no conselho Mundial. Esta resolução foi declarada rudemente: "Os objetivos do Movimento Ecumênico... em seu presente estado não corresponde nem aos ideais do Cristianismo nem à missão da Igreja de Cristo, como compreende a Igreja Ortodoxa." Isto explica porque em Amsterdã, Lunk e Evanston as Igrejas Ortodoxas atrás da Cortina de Ferro não estavam representadas. Entretanto, em 1961, o Patriarcado de Moscou inscreveu-se para o Conselho Mundial e foi aceito, e isto abriu caminho a outras Igrejas ortodoxas no mundo comunista para também tornarem-se membros. Daí em diante, até onde se pode julgar, os Ortodoxos, terão um papel mais completo e mais efetivo no Movimento Ecumênico do que tiveram até então. Mas não se deve esquecer que ainda há muitos Ortodoxos — incluindo um grande número de Bispos e Teólogos — ansiosos por verem sua Igreja fora do Movimento.

A participação Ortodoxa é um fator de importância capital para o Movimento Ecumênico: é principalmente a presença Ortodoxa que protege o Concílio Mundial de Igrejas de parecer simplesmente uma aliança Pan-Protestante e nada mais. Porém o Movimento Ecumênico é importante para a Ortodoxia: ele ajudou a forçar as várias Igrejas Ortodoxas para fora de seu isolamento comparativo, fazendo-as encontrarem-se umas com as outras e a entrarem em contato com Cristãos não-Ortodoxos.

Aprendendo uns com os outros.

Khomiakov, tentando descrever a atitude Ortodoxa para outros Cristãos, em uma de suas cartas faz uso de uma parábola. Um mestre partiu, deixando seus ensinamentos para seus três discípulos. O mais velho fielmente repetia o que o seu mestre havia ensinado, nada mudando. Dos dois mais novos, um acrescentou ao ensinamento, e o outro retirou parte do ensinamento. Na sua volta o mestre sem estar zangado com ninguém, disse ao mais novo: ‘Agradeça ao seu irmão mais novo; sem ele tu não terias preservado a verdade que eu te passei.’ Então disse ao mais velho:’ Agradeça aos teus irmãos mais novos; sem eles tu não terias entendido a verdade que eu confiei a ti.’

Os Ortodoxos, com toda humildade, vêem-se na posição do irmão mais velho> Eles acreditam que pela graça de Deus eles foram capacitados a preservar a fé não prejudicada,’ nem acrescentando nada, nem tirando nada.’ Eles pleiteiam uma continuidade viva com a antiga igreja, com a Tradição dos Apóstolos e dos Padres, e eles acreditam que num Cristianismo dividido e confuso, é sua obrigação dar testemunho dessa primitiva e imutável Tradição. Hoje em dia no ocidente há muitos, tanto no lado católico quanto no lado protestante, que estão tentando ficar livres da ‘cristalização e fossilização do século dezesseis’, e que desejam ‘ir para trás da Reforma e da Idade Média.’ É precisamente aí que a Ortodoxia pode ajudar. A ortodoxia esteve fora do círculo de idéias no qual os Cristãos ocidentais se moveram nos últimos nove séculos; ela não passou pela revolução Escolástica, nem pelas Reforma e Contra Reforma, mas vive ainda na Tradição mais antiga dos Padres que tantos no ocidente desejam agora recuperar. Esse, é então o papel ecumênico da Ortodoxia: questionar a fórmula aceita do ocidente Latino, da Idade Média e da Reforma.

Além disso, se os Ortodoxos cumprirem esse papel apropriadamente, eles deverão entender sua própria Tradição melhor do que o fizeram no passado; e é o ocidente que pode ajudá-los a fazer isso. Os Ortodoxos devem agradecer aos irmãos mais novos, pois através do contato com Cristãos do ocidente — Católicos Romanos, Anglicanos, Luteranos, Calvinistas, Quakers — eles estão aptos a adquirir uma nova visão da Ortodoxia.

Os dois lados estão justamente começando a se descobrir um ao outro, e cada um tem muito que aprender. Assim como no passado a separação do oriente e ocidente provou ser uma grande tragédia para as duas partes e a causa de um penoso empobrecimento mútuo, hoje em dia a renovação dos contatos entre oriente e ocidente, já esta provando ser uma fonte de mútuo enriquecimento. O ocidente, com seus padrões críticos, e sua escolaridade Bíblica e Patrística, pode capacitar os Ortodoxos a entender o ambiente histórico das Escrituras de novas formas e a ler os padres com crescente acuracía e discriminação. Por sua vez os Ortodoxos podem dar aos Cristãos ocidentais uma renovada consciência do significado interior da Tradição, dando assistência a eles para olharem os Padres como uma realidade viva. (A edição romena da Philokalia mostra quão proficuamente os padrões críticos ocidentais, e a tradicional espiritualidade Ortodoxa podem ser combinadas). Assim como a luta dos Ortodoxos pela recuperação da comunhão freqüente, pode ter um encorajamento pelo exemplo dos Cristãos ocidentais, muitos destes por sua vez viram suas próprias orações e louvação serem incomparavelmente aprofundadas pela familiarização com a arte dos ícones Ortodoxos, a Oração do Coração, e a Liturgia Bizantina. Quando a Igreja Ortodoxa por detrás da Cortina de Ferro puder funcionar mais livremente, talvez as experiências e experimentos ocidentais a ajudarão a manejar os problemas do testemunho Cristão dentro de uma sociedade secularizada e industrial. Enquanto isso a Igreja Ortodoxa perseguida serve como lembrança para o ocidente da importância do martírio, e constitui um testemunho vivo do valor do sofrimento na vida Cristã.

 

 

Leituras Complementares.

Obras Gerais

A. Schmemann, The Historical Road of Eastern Orthodoxy, New York, 1963 (trata também da história mais recente da Ortodoxia).

J. M. Hussey, The Byzantine World, London, 1957.

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D. Obolensky, The Byzantine Commonwealth: Eastern Europe, 500-1453, London, 1971.

G. Every, The Byzantine Patriarchate, 2nd ed., London, 1962.

J. Meyendorff, Byzantine Theology: Historical Trends and Doctrinal Themes, New York, 1974 (também dá uma análise geral da doutrina Ortodoxa).

J. Pelikan, The Christian Tradition, vol. 2, The Spirit of Eastern Christendom (600-1700), Chicago/London, 1974.

Bizâncio, o Grande Cisma.

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G. Every, Misunderstandings between East and West, London, 1965.

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Hesicasmo

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Período Turco

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The Humiliated Christ in Modern Russian Thought, London, 1938.

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Bishop Alexander (Semenoff-Tian-Chansky), Father John Kronstadt: A Life, London (?1978).

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Ortodoxia hoje.

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S. Alexander, Church and State in Yugoslavia since 1945, Cambridge, 1979.

Trabalho Missionário Ortodoxo

E. Smirnoff, Russian Orthodox Missions, London, 1903.

S. Bolshakoff, The Foreign Missions of the Russian Orthodox Church, London, 1943.

Teologia Ortodoxa

Obras gerais.

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The Mystical Theology of the Eastern Church, London, 1957 (extremamente importante).

The Vision of God, London, 1963.

In the Image and Likeness of God, New York, 1974.

Orthodox Theology: An Introduction, New York, 1978.

G. Florovsky, The Collected Works, Belmont, Mass., 1972 onwards (em progresso; vol. 5 apareceu em 1979; importante).

P. Evdokimov, L’Orthodoxie, Paris, 1959 (excelente).

A. Khomiakov, ‘The Church is One,’ in W. J. Birbeck, Russia and the English Church (pequeno mas muito valioso).

S. Bulgakov, The Orthodox Church, London, 1935.

F. Gavin, Some Aspects of Contemporary Greek Orthodox Thought, Milwaukee, 1923 (serve para ver a Teologia Ortodoxa através de exibições latinas).

P. N. Trembelas, Dogmatique de l’Église Orthodoxe Catholique, 3 vols, Chevetogne, 1966-1968.

D. Staniloae, Theology and the Church, New York, 1980.

Archbishop Paul of Finland, The Faith We Hold, New York, 1980.

Kallistos (Timothy) Ware, The Orthodox Way, London, 1979.

Teologia Bíblica.

G. Barrois,

The Face of Christ in the Old Testament, New York, 1974.

Scripture Readings in Orthodox Worship, New York, 1977.

V. Kesich, The Gospel Image of Christ: The Church and Modern Criticism, New York, 1972

Natureza humana, a Igreja e a Virgem Maria.

O. Clément, Questions sun 1’homme, Paris, 1972.

P. Sherrard, Christianity and Eros, London, 1976.

E. L. Mascall (ed.), The Church of God: An Anglo-Russian Symposium, London, 1934.

The Mother of God: A Symposium, London, 1949.

Teologia dos Sacramentos.

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For the Life of the World: Sacraments and Orthodoxy, New York, 1973.

Of Water and the Spirit, New York, 1974.

A Monk of the Eastern Church, Orthodox Spirituality, 2nd ed. London, 1978.

Nicholas Cabasilas, The Life in Christ, traps. C. J. de Catanzaro, New York, 1974.

P. Evdokimov, Sacrement de 1’amour, Paris, 1962 (no casamento).

J. Meyendorff, Marriage: An Orthodox Perspective, New York, 1970.

Louvação Ortodoxa

Há muitas traduções da Liturgia. Entre as mais convenientes há uma edição emitida pela Irmandade de Santo Albano e São Sergio, The Orthodox Liturgy, London, 1939; e uma edição com grego e inglês em paginas opostas publicadas pela Faith Press, The Divine Liturgy of Saint John Chrysostom, London (sem data).

Uma grande parte de material pode ser achada em Service Book of the Holy Orthodox-Catholic Apostolic Church, ed. I. F. Hapgood, 2nd ed., New York, 1922. Textos completos para Natal, Epifania, e sete de outras grandes festas são contidas em The Festal Menaion, trans. Mother Mary and Archimandrite Kallistos (T. Ware), London, 1969. Para ofícios da Grande Quaresma, veja The Lenten Triodion, London, 1978, pelos mesmos tradutores; Também A. Schmemann, Great Lent, New York, 1969. Consulte também La priére des Églises de rite byzantin, ed. E. Mercenier, F. Paris, and G. Bainbridge, 3 vols, Chevetogne, 1947-53; new ed. of vols 1 and 3, Chevetogne, 1972-1975.

Para o clássico comentário Bizantino na Liturgia, veja: Nicholas Cabasilas, A Commentary on the Divine Liturgy, trans. J. M. Hussey and P. A. NcNulty, London, 1960.

Para as preces diárias usada pelos Cristãos Ortodoxos, veja: A Manual of Eastern Orthodox Prayers, London, 1945 (editado pelo the Fellowship of St Alban and St. Sergius). Prayer Book, Jordanville, N.Y, 1960.

Na doutrina Ortodoxa de oração, veja: Igumen Chariton, The Art of Prayer: An Orthodox Anthology, trans. E. Kadloubovsky and E. M. Palmer, London, 1966. A Monk of the Eastern Church, The Prayer of Jesus, New York, 1967. The Philokalia, trans. G. E. H. Palmer, P. Sherrard, K. Ware, London, 1979 onwards (será completada em 5 volumes). Veja também a mais recente tradução de partes de The Philokalia (Russian text) by E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer: Writings from the Philokalia on Prayer of the Heart, London, 1951; Early Fathers from the Philokalia, London, 1954. Para uma moderna escrita na ‘Tradição da Philokalia’ tradition, ver T. Colliander, The Way of the Ascetics, London, 1960.

Monasticismo Ortodoxo.

D. J. Chitty, The Desert a City, Oxford, 1966.

N. F. Robinson, Monasticism in the Orthodox Churches, London, 1916.

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Monte Athos.

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P. Sherrard, Athos The Holy Mountain, London, 1982.

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Reunião.

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# P089

(orthodoxy_timothy_ware_p.doc, 11-02-2002)

 

 

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