O Mundo Espiritual

Protopresbítero Michael Pomazansky

Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior

 

 

Conteúdo:

A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja

Oração para os Mortos

A Comunhão com os Santos

O Futuro Destino do Mundo e da Humanidade

O Destino do Homem após a Morte.

Nossa Luta não é contra Carne e o Sangue

Aqui nós abordamos a questão dos "Pedágios."

 

 

A Ligação Espiritual

dos Membros da Igreja

A ORAÇÃO É a manifestação da vida da Igreja e do vínculo espiritual de seus membros com Deus na Santíssima Trindade e, de todos entre si. É tão inseparável da fé que pode ser chamada de atmosfera da Igreja ou de sua respiração. As orações são os filamentos da fábrica viva do corpo da Igreja, e vão a todas as direções. O vínculo da oração penetra todo o corpo da Igreja, direcionando cada parte na vida comum de seu corpo, animando cada componente e ajudando, pela nutrição, limpeza e através de outras formas de ajuda (Efe. 4:16). Ela une cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrestre entre si, e os membros terrenos com os membros celestiais. Não cessa, mas aumenta mais ainda e é exaltada no Reino Celestial.

Por toda o Novo Testamento das Sagradas Escrituras aparece o mandamento da oração incessante "Orai sem parar" (1 Tess. 5:17); "com orações e súplicas de toda a sorte, orai em todo tempo, no Espírito" (Efe. 6:18); "Contou-lhes ainda uma parábola para mostrar a necessidade de orar sempre, sem jamais esmorecer" (Lucas 18:1).

O exemplo perfeito de oração pessoal nos foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele deixou como exemplo a oração "Pai-Nosso — a oração do Senhor. A oração é (a) forma da vida da Igreja, (b) um instrumento ou meio de sua atividade, e (c) sua força de superação.

A oração é de dois tipos: pública e privada. Existe a oração de palavras feita em particular e existe a oração mental, isto é, oração interior, ou a oração da mente no coração. O conteúdo da oração é: (a) louvor ou glória; (b) agradecimento, (c) arrependimento; (d) súplicas pela piedade de Deus, pelo perdão dos pecados, pelo provimento das coisas boas da alma e do corpo, tanto divinas quanto terrenas. Algumas vezes, o arrependimento perante Deus tem a forma de uma conversa com sua própria alma, como, por exemplo, acontece freqüentemente nos cânones.

A oração pode ser para si próprio ou para outros. A oração para outra pessoa expressa o amor mútuo entre os membros da Igreja. Assim, de acordo com os Apóstolos, o amor nunca falha (1 Cor. 13:8), os membros terrenos da Igreja não só rezam uns para os outros, mas também, de acordo com a lei do amor cristão, rezam para aqueles que partiram (os membros celestiais); e, igualmente, os membros celestiais rezam para aqueles na terra, assim como para o descanso de seus irmãos que estão necessitados da ajuda da oração. Finalmente, nós mesmos apelamos para aqueles no céu com a súplica para rezar por nós e para nossos irmãos. Acima deste vínculo do celestial com o mundano encontra-se a preocupação dos anjos para conosco e nossas orações para eles.

A força da oração para os outros é constantemente afirmada pela palavra de Deus. O Salvador disse ao Apóstolo Pedro: "Eu, porém, orei por ti, afim de que tua fé não desfaleça" (Lucas 22:32). O santo Apóstolo Paulo freqüentemente roga aos cristãos que rezem por ele: "Graças às vossas orações, espero que vos serei restituído" (Fil. 22). "Irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor continue o seu caminho, e seja glorificado, como aconteceu entre vós" (2 Tess. 3:1). O Apóstolo participa com seus irmãos espirituais na oração comum mesmo estando bem longe. "Contudo, eu vos peço, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo, e pelo amor do Espírito, que luteis comigo, nas orações que fazeis a Deus por mim" (Rom. 15. 30). O Apóstolo Tiago instrui: "orai uns pelos outros, para que sejais curados. A oração fervorosa do justo tem grande poder" (Tiago, 5, 16). São João, o Teólogo, viu em revelação como vinte e quatro anciãos no paraíso, perante o trono de Deus, caíram diante do Cordeiro, e todos tinham cítaras e taças cheias de incenso, "que são as orações dos santos" (Ap. 5, 8); isto é, eles levantaram as orações dos santos da terra para o Trono Celestial.

Oração para os Mortos

"Orai uns pelos outros" (Tiago 5: 16)

"Portanto, quer vivamos, quer morramos,

pertencemos ao Senhor" (Rom. 14: 8).

"O amor nunca falha" (1 Cor. 13: 8).

"E o que pedirdes em meu nome,

eu o farei a fim de que o Pai seja glorificado no Filho" (João 14, 13).

EM DEUS, TUDO ESTÁ VIVO. A vida da Igreja é impregnada de uma consciência e sentimento de que nossos mortos continuam a viver depois da morte, mas numa forma diferente daquela na terra, e que eles não estão privados da proximidade espiritual com os que permanecem na terra.

Portanto, o vínculo da oração com eles por parte da Igreja peregrina (na terra) não cessa. "Pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro... poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rom. 8: 38). Os mortos necessitam somente de um tipo de ajuda dos seus irmãos: oração e súplica pela remissão dos seus pecados.

"Esta é a confiança que temos em Deus: se lhe pedimos alguma coisa segundo a Sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que Ele nos ouve em tudo o que Lhe pedimos, sabemos que possuímos o que havíamos pedido. Se alguém vê que seu irmão cometeu um pecado que não conduz à morte, que ele ore e Deus dará a vida a este irmão, se, de fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte, mas não é a respeito desse que digo que se ore" (1 João 5: 14-16).

Correspondendo a esta instrução do Apóstolo, a Igreja reza por todas as crianças que morreram com arrependimento verdadeiro. A Igreja segue as palavras do Apóstolo rezando para eles e para aqueles que estão vivos; "Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e voltou à vida para ser o Senhor dos vivos e dos mortos" (Rom. 14: 8-9). Aqueles, entretanto, que morreram sem se arrepender dos pecados, fora da comunhão com a Igreja, não são nem dignos de orações, como segue das palavras acima mencionadas do Apóstolo João: "Eu não digo que ele deva rezar para isso," porque essas orações não teriam propósito. Na Igreja do Antigo Testamento também existe o hábito de se rezar pelos mortos. Há o testemunho da história sagrada sobre isso. Assim, nos dias do líder piedoso dos Judeus, Judas Macabeus, quando após uma inspeção daqueles que caíram no campo de batalha, foi encontrado em seus vestuários objetos consagrados aos ídolos, todos os judeus "tendo bendito o modo de proceder do Senhor, justo Juiz que torna manifestas as coisas escondidas, puseram-se em oração para pedir que o pecado cometido fosse completamente cancelado." O próprio Judas Macabeus foi enviado à Jerusalém "a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim absolutamente bem e nobremente, com pensamento na ressurreição" (2 Mac. 12:39-46).

Que a remissão dos pecados daqueles que não haviam pecado na morte possa ser dada na presente vida e depois da morte é concluída naturalmente das palavras do próprio Senhor: "Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro" (Mateus 12:32). Igualmente, da palavra de Deus, sabemos que o Senhor Jesus tem "as chaves da Morte e do Hades (Inferno)" (Apo. 1:18); e, conseqüentemente, Ele tem poder para abrir as portas do inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do Sacrifício sem derramamento de sangue conciliatório que é oferecido aos mortos.

Todas as liturgias antigas da Igreja Cristã, ambas do Oriente e do Ocidente, testificam sobre a lembrança da Igreja, em orações, dos mortos. Tais liturgias são conhecidas pelos nomes dos: Santo Apóstolo Tiago, o irmão do Senhor; São Basílio Magno; São João Crisóstomos e São Gregório, o Dialogista. Referências similares são encontradas nas liturgias romana, espanhola, francesa, e finalmente, nas liturgias antigas dos grupos que se separaram da Ortodoxia: os Jacobitas, Coptas, Etiopianos, Siríacos, e outros. Por todas elas, não existe uma única destas liturgias onde não haja oração para os mortos. O testemunho dos Padres e Mestres da Igreja fala da mesma coisa.

Sobre o bom efeito da comunhão piedosa em nome do Senhor Jesus Cristo entre aqueles que vivem na terra e os mortos, Efrein, o Sírio, por exemplo, assim fundamenta: "para os mortos, a lembrança conduzida pelos santos durante sua vida é benéfica. Vemos um exemplo disso em um grande número dos atos de Deus. Por exemplo, num vinhedo há as uvas amadurecidas no campo, e o vinho já espremido dentro dos recipientes; quando as uvas amadurecem na videira, então o vinho que está intacto na casa começa a espumar e a se agitar, como se quisesse escapar. A mesma coisa acontece, aparentemente, com outra planta, a cebola; porque assim que a cebola que foi plantada na terra começa a amadurecer, a cebola que está na casa também começa a dar broto. Então, se mesmo coisas que crescem têm entre si tal sentimento-associativo, não serão as petições de orações mais sentidas pelos mortos? E quando você concordar sensivelmente que isto ocorre de acordo com a natureza das criaturas, então apenas imagine que você é a primeira das criaturas de Deus."

Rezando para os mortos, a Igreja intercede por eles assim como para os vivos, não em seu próprio nome, mas em nome do Senhor Jesus Cristo (João 14: 13-14), e pelo poder de Seu Sacrifício na Cruz, que foi oferecido pela salvação de todos. Essas orações fervorosas ajudam as sementes da nova vida que nossos mortos levaram consigo - se essas sementes não foram capazes de se abrir suficientemente aqui na terra - para abrirem-se gradualmente e desenvolverem-se sob a influência das orações e com a piedade de Deus, assim como uma semente boa se desenvolve na terra sob os raios vitais da luz do sol, com o clima favorável. Mas não pode receber sementes podres as quais perderam o verdadeiro princípio da vida vegetativa. Similarmente, as orações não teriam poder para os mortos que morreram na impiedade e sem arrependimento, que secaram em si o Espírito de Cristo (1 Tess. 5:19). É precisamente relativo a tais pecadores que se deve lembrar as palavras do Salvador na parábola do homem rico e de Lázaro: que não há libertação para eles das profundezas do inferno, e nem transferência deles para junto de Abraão (Lucas 16: 26). E, de fato, normalmente, tais pessoas não deixam para trás na terra outros que possam rezar sinceramente para Deus por elas, e do mesmo modo, não adquiriram para si amigos nos céus entre os santos, os quais, quando eles caírem (quer dizer, morrerem), possam recebê-los nas habitações eternas isto é, que possam rezar por eles (Lucas 16: 9).

Obviamente, não se sabe após a morte por qual sina cada um foi sujeitado na terra. Mas a oração do amor nunca é sem proveito. Se nossos mortos, que nos são queridos, foram dignos do Reino dos Céus, eles respondem à oração feita para eles com uma oração em resposta por nós. E se nossas orações não tem poder para ajudá-los, em qualquer caso elas não são prejudiciais a nós, de acordo com a palavra do Salmista: "minha oração voltará para meu peito" (Salmos 35 (34): 13), e, de acordo, com a palavra do Salvador: "volte a vós a vossa paz" (Mateus 10: 13). Mas, certamente, são úteis para nós. São João Damasceno observa: "Se alguém deseja ungir um homem doente com mirra ou outro óleo sagrado, primeiro ele deve tomar-se parte da unção e, então, ungir o doente. E também, qualquer um que batalhe para a salvação de seu próximo, primeiro que ele receba benefício, e depois então, ofereça a seu próximo; porque Deus não é injusto para esquecer as obras, de acordo com as palavras do Apóstolo Divino."

A Comunhão com os Santos

A Igreja reza por todos que morreram em fé, e pede pelo perdão de seus pecados, porque não há nenhum homem sem pecado, "Se ele já viveu apenas um único dia na terra" (Jô 14:5, Septuagint). "Se dissermos: ´não temos pecado’, enganamo-nos a nós mesmos e a Verdade não está em nós" (1 João 1: 8). Assim, não importa quão justo seja um homem, quando ele parte deste mundo, a Igreja acompanha sua partida com orações por ele para o Senhor. "Orai por nós, irmãos," o Santo Apóstolo Paulo pede de seus filhos espirituais (1 Tess. 5:25).

Ao mesmo tempo, quando a voz comum da Igreja testemunha sobre a integridade da pessoa repousada, os cristãos, além da oração por ele, são ensinados pelo bom exemplo de sua vida e colocam-no como um exemplo a ser imitado.

E quando, mais adiante, a convicção comum da santidade da pessoa repousada é confirmada pelo testemunho especial tal como martírio, confissão sem medo, auto-sacrifício servindo a Igreja, o dom da cura, e especialmente quando o Senhor confirma a santidade da pessoa repousada por milagres após sua morte quando ele é lembrado em orações, então a Igreja o santifica de uma maneira especial. Como que a Igreja não glorificaria aqueles que o próprio Senhor chama de Seus "amigos"? "Vós sois meus amigos... eu vos chamo amigos" (João 15:14-15), aqueles que ele recebeu em suas mansões celestiais no cumprimento das palavras "onde eu estiver, estejais vós também" (João 14:3). Quando isso acontece, orações para o perdão dos pecados dos que partiram e para o seu descanso cessam, eles cedem lugar para outras formas de comunhão da Igreja com ele, chamados: primeiro, o louvor pela sua luta em Cristo, "nem se acende uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, e assim ela brilha para todos os que estão em casa" (Mateus 5:15); segundo, súplicas a ele para que reze por nós, para a remissão de nossos pecados, e para nosso desenvolvimento moral, e que ele possa ajudar-nos em nossas necessidades espirituais e em nossas aflições.

É dito: "Bendito os mortos, os que desde agora morrem no Senhor" (Apo. 14: 13) e nós realmente os bendizemos. É dito: "eu lhes dei a glória que me deste" (João 17: 22), e nós realmente damos a eles esta glória de acordo com o mandamento do Salvador.

Do mesmo modo o Salvador disse: "Quem recebe um profeta na qualidade de profeta, receberá uma recompensa de profeta. E quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá uma recompensa de justo" (Mateus 10:41). "Porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mateus 12:50). Portanto, nós também devemos receber os justos como justos. Se ele é um irmão para o Senhor, então ele também tem que ser para nós. Os santos são nossos irmãos espirituais, irmãs, mães, pais, e nosso amor para com eles é expresso pela comunhão em oração com eles.

O Apóstolo João escreve aos seus irmãos cristãos: "O que vimos e ouvimos vo-lo anunciaremos para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo" (1 João 1:3). E dentro da Igreja, essa comunhão com os Apóstolos não é interrompida; atravessa para dentro do outro domínio de suas existências, o domínio celestial.

A proximidade dos santos do Trono do Cordeiro e a elevação deles das orações para a Igreja na terra é representada no livro do Apocalipse de São João, o Teólogo: "em minha visão, ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono, os Seres vivos e dos Anciãos seu número era de milhões de milhões e milhares de milhares," que louvaram o Senhor (ver 5:11).

A comunhão em oração com os santos é a realização em fato efetivo do vínculo entre os cristãos na terra e os da Igreja Celestial da qual o Apóstolo fala: "mas vós vos aproximastes do monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém Celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus, e de Deus, o Juiz de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição" (Hebreus 12: 22-23).

As Sagradas Escrituras apresentam inúmeros exemplos do fato de, enquanto ainda vivos na terra, os justos poderem ver, ouvir e saber muito do que é inacessível à compreensão comum. Cada vez mais esses dons estão presentes com eles, quando eles deixam o corpo e vão para os céus. O santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias, de acordo com o livros dos Atos (5: 3). Foi revelado para Eliseu o ato ilegal do servo Giezi (2 Reis 4), e o que é mais notável é que foi revelado à ele todas as intenções secretas da corte siríaca, as quais ele comunicou ao rei de Israel (2 Reis 6:12). Enquanto em vida, os santos penetraram em espírito no mundo de cima; alguns deles viram coros de anjos, outros foram dignos de ver a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e outros ainda foram levados ao Terceiro Céu e ouviram lá as palavras místicas, indizíveis. Quão mais permanecerem nos céus, mais eles serão capazes de saber o que está acontecendo na terra e de ouvir aqueles que chamam por eles porque os santos nos céus são semelhantes aos anjos (Lucas 20:36).

Sabemos, da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lucas 16:19-31), que Abraão, estando no céu, pôde ouvir o grito do rico que estava sofrendo no inferno, apesar do "grande abismo" que os separavam. As palavras de Abraão para os irmãos do homem rico, "Eles têm Moisés e os profetas; que os ouçam!" (Lucas 16:29), claramente indica que Abraão sabe sobre a vida do povo hebreu que ocorreu depois de sua morte; ele sabe sobre Moisés e as Leis, sobre os profetas e seus escritos. A visão espiritual das almas dos justos no céu, sem qualquer dúvida, é maior do que era quando na terra. O Apóstolo escreve: "E agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido" (1 Cor. 13:12).

A Santa Igreja sempre guardou os ensinamentos de invocação dos santos, estando plenamente convencida de que eles intercedem por nós perante Deus no céu. Vemos isso nas liturgias antigas. Na liturgia do Santo Apóstolo Tiago é dito: "especialmente celebramos a memória da Santa, Gloriosa e Sempre Virgem Senhora Abençoada Mãe de Deus (Theotokos). Lembre-se Dela, Ó Senhor Deus, e por suas puras e santas orações tenha compaixão e tende piedade de nós." São Círilo de Jerusalém, explicando a Liturgia da Igreja de Jerusalém, observa: "então nós também comemoramos (oferecendo os Sacrifícios incruentos) aqueles que partiram antes de nós: primeiramente de todos patriarcas, profetas, apóstolos, mártires que por suas orações e intercessões junto a Deus recebam nossas petições."

Numerosos são os testemunhos dos Padres e Mestres da Igreja, especialmente do século IV e após, sobre a veneração dos santos pela Igreja. Mas já desde o começo do século II, há indicações diretas da literatura cristã antiga sobre a fé nas orações dos santos nos céus por seus irmãos terrenos. O testemunho da morte em martírio de São Inácio, o Defensor de Deus (no começo do século II) diz: "Tendo retornado a suas casas em lágrimas, tivemos uma noite completa de vigília... Então, depois de dormir um pouco, alguns de nós viram repentinamente o abençoado Inácio de pé e abraçando-nos, e outros também viram ele rezando para nós." Registros semelhantes mencionando as orações e intercessões dos mártires por nós são encontradas em outros relatos da época das perseguições contra os cristãos.

 

O Futuro Destino do Mundo e da Humanidade

O Símbolo da Fé Niceno-Constantinopolitano (O Credo), nos 7º, 11º e 12º parágrafos, contém a confissão cristã ortodoxa na vinda futura do Filho de Deus a terra, O (Último) Julgamento Geral, e a futura vida eterna.

7.o E novamente virá com glória, para julgar

os vivos e os mortos e o seu Reino não terá fim.

11.o Espero a ressurreição dos mortos;

12.o E a vida do século futuro. AMÉM.

Na Economia Divina há um plano para o futuro até o fim dos séculos. E uma parte inseparável dos ensinamentos cristãos é composta daquilo que a palavra de Deus nos diz sobre os eventos do fim dos tempos: a Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos mortos e o fim do mundo e então, sobre o início do Reino da Glória e a vida eterna. A última parte da teologia dogmática assim fala sobre a culminação do grande processo que teve seu início anunciado na primeira página do Livro de Gênesis.

O Destino do Homem após a Morte.

A MORTE É A SINA COMUM DOS HOMENS. Porém não é uma aniquilação para o homem, mas somente a separação da alma do corpo. A verdade sobre a imortalidade da alma humana é uma das verdades fundamentais do Cristianismo. "Ele não é Deus dos mortos, mas sim dos vivos; todos, com efeito, vivem para Ele" (Mateus 22:32; Lucas 20:38). No Novo Testamento das Sagradas Escrituras a morte é chamada de "declínio (partida) da alma" ("Assim, farei tudo para que, depois da minha partida, vos lembrei sempre delas" (2 Pedro 1:15)). É chamada a liberdade da alma da prisão (2Cor. 5:1-4); o despojar-se do corpo, ("sabendo que em breve hei de despojar-me dela, 2 Pedro 1:14); uma dissolução ("o meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é muito melhor," Filipenses 1: 23)); uma partida ("e chegou o tempo de minha partida," 2 Tim. 4:6); uma dormição, (Davi "adormeceu," Atos 13:36).

O estado da alma após a morte, de acordo com o testemunho claro da palavra de Deus, não é inconsciente, mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem rico e Lázaro, Lucas 16:19-31). Após a morte o homem é sujeitado a um julgamento chamado "particular" para distinguí-lo do último julgamento geral. Aos olhos do Senhor é fácil recompensar um homem "na hora da morte conforme sua conduta," diz o mais sábio filho de Sirach (Eclesi. 11:26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo Paulo "e como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem um julgamento" (Hebreus 9:27). O Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se segue imediatamente após a morte de um homem, e, evidentemente, entende isto não como o julgamento geral, mas como o julgamento particular, assim como os Santos Padres da Igreja têm interpretado esta passagem. "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23:43), o Senhor revelou ao ladrão arrependido.

Nas Sagradas Escrituras não nos é dado saber como ocorre o julgamento particular após a morte de um homem. Podemos concluir acerca disto somente em partes pelas expressões separadas que são encontradas na palavra de Deus. Assim, também é natural pensar que no julgamento particular uma grande parte do destino de um homem após a morte é determinado por ambos, anjos bons e maus: os primeiros são implementos da misericórdia de Deus e os segundos pela permissão de Deus são implementos da Justiça de Deus. Na parábola do homem rico e Lázaro, é dito que "Lazaro foi levado pelos anjos ao seio de Abraão" (Lucas 16:22). Na parábola do homem rico louco, à ele é dito: "Insensato! Nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a alma! (lit. "eles levarão," Lucas 12:20); evidentemente são as forças do mal que serão "tiradas" *** (São João Crisóstomos). Porque, de um lado, os anjos destes "pequeninos," nas próprias palavras do Senhor, sempre sustentaram a face do Pai Celestial (Mateus 18:10), e do mesmo modo no fim do mundo o Senhor enviará Seus anjos, que "separarão os maus dentre os justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo" (Mateus 13: 49); e, por outro lado, "eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar" (1Pedro 5: 8), e o ar, assim como era, é preenchido de espíritos do diabo sob os céus, e o seu príncipe é chamado de "príncipe do poder do ar" (Ef. 6:12, 2:2).

Baseados nestas indicações das Sagradas Escrituras, desde a antiguidade os Santos Padres da Igreja têm representado o caminho da alma após a separação do corpo como um caminho através de tal amplitude espiritual onde os poderes do mal procuraram devorar aqueles que são fracos espiritualmente, e onde, portanto, alguém está em necessidade especial de ser defendido pelos anjos celestiais e assistidos pela oração por parte dos membros vivos da Igreja. Entre os Padres antigos os seguintes falam sobre isso: São Efrão, o Sírio; Atanásio, o Grande; Macário, o Grande; Basílio, O Grande; João Crisóstomos, e outros.

O desenvolvimento mais detalhado dessas idéias é feito por São Círilo de Alexandria em sua "Homilia sobre a Partida da Alma," a qual é comumente impressa no Saltério Seqüencial (o Saltério com adições dos Serviços Divinos). Uma descrição ilustrada deste caminho é apresentado na vida de São Basílio, o Novo (26 de Março), onde a partida da abençoada Teodora, numa visão durante o sono comunicada ao discípulo de Basílio, relata o que ela viu e experimentou após a separação de sua alma do corpo e durante a ascensão da alma às mansões celestiais.

O caminho da alma após a partida do corpo é comumente chamada de "pedágios." A respeito das imagens nos relatos dos pedágios, o Metropolita Macário em sua Teologia Dogmática Ortodoxa anota: "deve-se firmemente lembrar da instrução que o anjo fez a São Macário de Alexandria quando ele tinha apenas começado a dizê-lo sobre os pedágios: ´Aceite coisas terrenas aqui como o tipo mais fraco de ilustração das coisas divinas`. Deve-se ilustrar os pedágios o máximo possível no sentido espiritual, que está escondido sob as características mais ou menos sensíveis e antropomórficas."

Com relação ao estado da alma após o Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão em um estado de bem-aventurança ou tormento de acordo com suas ações. Depois de estarem separados do corpo, imediatamente, elas atravessam ou na alegria ou em aflição e tristeza, entretanto, elas não sentem nem bem-aventurança completa, nem tormento completo. Porque bem-aventurança completa ou tormento completo cada um recebe após a Ressurreição Geral, quando a alma é reunida com o corpo no qual viveu em virtude ou em vício (A Epístola dos Patriarcas Orientais sobre Fé Ortodoxa, parágrafo 18). Assim, a Igreja Ortodoxa distinguir duas condições diferentes depois do Julgamento Particular: aquele para os justos, e outro para os pecadores; em outras palavras, paraíso e inferno. A Igreja não reconhece o ensinamento católico Romano de três condições: 1) bem-aventurança, 2) purgatório, e 3) Geena (inferno). O próprio nome "geena" os Padres da Igreja comumente referem-se à condição "após" o último Julgamento, quando ambos morte e inferno serão lançados no "lago de fogo" (Apo. 20: 15). Os Padres da Igreja, baseando-se na palavra de Deus, supõem que os tormentos dos pecadores antes do Último Julgamento têm um caráter preparatório. Esses tormentos podem ser afrouxados e mesmo retirados pelas orações da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo 18). Do mesmo modo, os espíritos caídos são "lançados nos abismos tenebrosos do Tártaro" (no inferno) "onde serão guardados à espera do Julgamento" (2 Pedro 2:4; Judas 1:6).

Nossa Luta não é

contra Carne e o Sangue

Sobre a questão dos "Pedágios"

"Nós somos loucos por causa de Cristo,

vós, porém, sois prudentes em Cristo" (1Cor. 4: 10)

NOSSA VIDA ENTRE uma população que, embora nominalmente seja cristã, em muitas considerações tem concepções e visões diferentes da nossa no campo da fé. Algumas vezes isto nos inspira a responder questões sobre nossa Fé quando são levantadas e discutidas por pontos de vista não-ortodoxos por pessoas de outras confissões, e algumas vezes por cristãos ortodoxos que não possuem mais uma base ortodoxa firme sob seus pés.

Nas condições limitadas de nossa vida, infelizmente somos completamente incapazes de reagir a afirmações ou a responder às questões que são levantadas. Entretanto, algumas vezes sentimos tal necessidade. Em particular, agora temos uma chance de definir a visão ortodoxa dos "pedágios," que é um dos tópicos do livro que apareceu em inglês sob o título, Mitologia Cristã pelo Canon George Every. Os pedágios são a experiência da alma cristã imediatamente após a morte, do modo como são descritas pelos Padres da Igreja e pelos ascetas cristãos. Em anos recentes, uma abordagem crítica a uma série completa de crenças de nossa Igreja tem sido observadas; essas crenças são vistas como sendo "primitivas," o resultado de uma visão mundial "ingênua" de piedade, e elas tem sido caracterizadas por palavras tais como "mitos," "mágica," e similares. É nosso dever responder.

A questão dos pedágios não é especificamente um tópico da teologia cristã ortodoxa: não é um dogma da Igreja no sentido exato, mas compreende material de caráter moral e edificante, pode-se dizer pedagógico. Para abordá-lo corretamente, é essencial entender as bases e o espírito da visão ortodoxa de mundo. "Quem, pois, dentre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, o que está em Deus, ninguém o conhece senão o Espírito de Deus" (1 Cor 2: 11-12). Nós mesmos devemos nos aproximar da Igreja, "a fim de que conheçamos os dons da graça de Deus" (1 Cor. 2:12).

Na presente questão a base é: Nós acreditamos na Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo celestial e terreno, pré-designado para a perfeição moral de seus membros da parte terrena e para a benção, alegria e sempre vida ativa da parte de seu domínio celestial. A Igreja na terra glorifica a Deus, unifica os fiéis e educa-os moralmente para que desta forma possa enobrecer e exaltar a própria vida terrena — ambas, a vida pessoal de seus filhos e a vida da humanidade. Seu objetivo principal é ajudá-los a obter a vida eterna em Deus, a obtenção da santidade, sem a qual "ninguém verá o Senhor" (Hebreus 12:14).

Assim, é essencial que haja comunhão constante entre aqueles na Igreja terrena e na Igreja Celestial. Todos os seus membros são interativos no corpo de Cristo. No Senhor, Pastor da Igreja, há, assim como houve, dois rebanhos: o celestial e o divino (Epístola dos Patriarcas Orientais, Século XVII). "Se um membro sofre, todos os membros compartilham o seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros compartilham a sua alegria" (1 Cor. 12:26). A Igreja Celestial regozija-se, mas ao mesmo tempo simpatiza com os semelhantes membros na terra. São Gregório, o Teólogo, deu o nome "a Ortodoxia sofredora" à Igreja terrena; e assim permaneceu até hoje. Esta interação é valiosa e indispensável para o objetivo comum de "cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo, cujo Corpo, em sua inteireza, bem ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de cada uma de suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria edificação no amor" (Efe. 4: 15-16).

O fim de tudo isso é deificação no Senhor, para que "Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15:28). A vida terrena do cristão deve ser um lugar de crescimento espiritual, progresso, ascensão da alma em direção ao céu. Sofremos profundamente, com exceção de alguns de nós, mesmo que saibamos nosso caminho, desviamo-nos para longe por causa de nossa ligação àquilo que é exclusivamente terreno. E, mesmo que estejamos prontos para nos arrepender, ainda assim continuamos a viver negligentemente. Entretanto, não há em nossa alma a chamada "paz da alma" a qual está presente na psicologia cristã oriental, e que é baseada em um tipo de "moral mínima," isto é, tendo cumprido minha obrigação que supre uma disposição conveniente da alma para, então, ocupar a si próprio com interesses mundanos.

Portanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" acaba, que está aberto o campo de perfeição para o trabalho interno dos cristãos. "Pois, se pecarmos voluntariamente e com pleno conhecimento da verdade, já não há sacrifício pelos pecados. Aguarda-nos apenas um julgamento tremendo e o ardor de um fogo que consumirá os adversários... quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo" (Hebreus 10:26-31). Passividade e descuido são estranhos à alma; por sermos passivos e descuidados, humilhamos a nós mesmos. Entretanto, para reergue-se é necessário vigilância constante da alma e, mais que isso, o combate.

Com quem é este combate? Consigo próprio apenas? "Pois o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais" (Ef. 6:12).

 

Aqui nós abordamos a questão dos "Pedágios."

NÃO É POR ACASO, que a Oração do Senhor termina com as palavras: "e não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do Mal." A respeito deste mal, em outro de Seus discursos, o Senhor disse a seus discípulos: "Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago" (Lucas 10: 18). Subjugado do Céu, ele se tornou assim um residente da esfera mais baixa, o príncipe do poder do ar, o príncipe da legião dos espíritos impuros. Quando um espírito impuro sai de um homem, mas não encontra repouso para si, ele retorna para casa da qual ele partiu e, encontrando-a desocupada, limpa e em ordem, "diante disso, vai e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e vêm habitar ai. E, com isso, a condição final daquele homem torna-se pior do que antes. Eis o que vai acontecer a esta geração má" (Mat. 12:43-45).

Isto só a uma geração? Sobre a mulher subjugada que foi curada no dia do Sabá, o Senhor responde: "E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não convinha soltá-la no dia de sábado?" (Lucas 13:16).

Os apóstolos não esquecem em suas instruções dos nossos inimigos espirituais. São Paulo escreve aos Efésios: "Neles vivíeis outrora, conforme a índole deste mundo, conforme o Príncipe do poder do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (Efe. 2: 2). Portanto, agora "revesti-vos da armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do diabo" (Efe 6: 11), "eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar" (1 Ped. 5, 8). Sendo cristãos, devemos chamar estas qüotações das Escrituras de "mitologia"?

Essas advertências a gerações antecedentes que se encontram na palavra escrita de Deus também estão relacionadas a nós. Portanto, os obstáculos para a salvação são os mesmos. Alguns deles são devidos ao nosso descuido, nossa própria autoconfiança, nossa falta de discernimento, nosso egoísmo, as paixões do corpo; outras estão nas tentações e nos tentadores que nos rodeiam: em pessoas, e nas forças das trevas invisíveis que nos circundam. Por isso é que, em nossas orações pessoais diárias, nós imploramos a Deus que não permita nenhum "sucesso do Mal" (das Orações Matinas), isto é, que não nos seja permitido nenhum sucesso em nossos atos que possam ocorrer com a ajuda das forças das trevas. Em geral, em nossas orações privadas e na Adoração Divina em público, nunca perdemos de vista a idéia de sermos transferidos para uma vida diferente após a morte.

Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros cristãos, quando os cristãos eram mais inspirados, quando as diferenças entre o mundo dos pagãos e o mundo dos cristãos eram mais distintas, quando o sofrimento dos mártires era uma luz para a Cristandade, havia menos interesse em auxiliar o espírito dos cristãos somente pela pregação. Mas o Evangelho é todo cingido! As demandas do Sermão na Montanha não foram só intencionadas para os Apóstolos! E, portanto, nos escritos dos Apóstolos nós já lemos não apenas simples instruções, mas também advertências sobre o futuro, quando deveremos prestar contas.

"Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do diabo... para poderdes resistir no dia mau e sair firmes de todo o combate" (Efe. 6:11-13). "Pois, se pecarmos voluntariamente e com pleno conhecimento da verdade, já não há sacrifícios pelos pecados. Aguarda-nos apenas um julgamento tremendo e o ardor de um fogo que consumirá os adversários. Quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo!" (Hebreus 10: 26-31). "Procurai convencer os hesitantes; a outros procurai salvar, arrancando-os ao fogo; de outros ainda tende misericórdia, mas com temor, aborrecendo a própria veste manchada pela carne" (Judas 22-23). "De fato, os que uma vez foram iluminados e que saborearam o dom celeste, receberam o Espírito Santo, experimentaram a beleza da palavra de Deus e as forças do mundo que há de vir. E, não obstante, decaíram, é impossível que renovem a conversão uma segunda vez, porque da sua parte crucificam novamente o Filho de Deus e o expõem às injúrias" (Hebreus 6:4-6).

Assim era na Era Apostólica. Mas quando a Igreja, após ter recebido a liberdade, começou a ser preenchida com massas de pessoas, quando a inspiração geral da fé começou a enfraquecer-se, houve mais uma necessidade crítica por palavras poderosas, por dencias, por chamada para a vigilância espiritual, para o temor de Deus e o temor pelo destino de cada um. Na coleção das instruções pastorais dos mais zelosos arciprestes lemos homilias severas dando o quadro do julgamento futuro que nos espera após a morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores aos seus sentidos, e, evidentemente, eram proferidos durante períodos de arrependimento cristão geral, antes da Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da retidão de Deus, a verdade de que nada impuro entraria no reino da santidade; esta verdade estava vestida de imagens terrenas vívidas, parcialmente figurativas, as quais eram conhecidas por todos na vida diária. As próprias hierarquias deste período chamaram estas imagens do julgamento que ocorrem após a morte de pedágios. As tabelas dos publicanos, os cobradores de taxas e impostos eram evidentemente pontos para deixar que alguém seguisse no caminho mais além dentro da parte central da cidade. Com certeza, a palavra "pedágio" por si mesma não nos indica nenhum significado religioso em particular. Em linguagem patrística significa aquele curto período após a morte quando a alma cristã deve prestar contas pelo seu estado moral.

São Basílio escreve, "Que ninguém se deixe ser enganado com palavras vãs, então, lhes sobrevirá repentina destruição (1 Tess. 5: 3) e causará um transtorno como uma tempestade. Um anjo severo virá, ele liderará forçosamente sua alma, amarrada pelos pecados. Ocupe-se, portanto, com a reflexão sobre o último dia... Imagine para si a confusão, a brevidade da respiração, e a hora da morte, a sentença de Deus se aproximando, os anjos apressando-se na sua direção, a confusão terrível da alma tormentada por sua consciência, com seu lamentável olhar pasmo no que está acontecendo, e finalmente, a translação inevitável para um lugar distante" (São Basílio o Grande, citado na ""Essay in a Historical Exposition of Orthodox Theology," do Bishop Sylvester, Vol. 5, página 89).

São Gregório, o Teólogo, que guiou um imenso rebanho por períodos curtos, limitou-se a palavras gerais, dizendo que "cada um é um juiz sincero de si próprio, por causa do assento do julgamento que o espera."

Existem mais exemplos de impressionante ilustração encontrado em São João Crisóstomos: "Se, dirigindo-se a qualquer país ou cidade estrangeiros temos necessidade de guias, então o quanto nós precisamos de guias de modo a passar desimpedido pelos anciões antigos, as forças, os regentes dos ares, os perseguidores, os chefes de cobrança! Por esta razão, a alma, voando para longe do corpo, freqüentemente ascende e descende, teme e treme. A consciência do pecado sempre nos tormenta, mais ainda no momento em que devemos ser conduzidos para aqueles julgamentos e aquele lugar assustador do julgamento." Continuando, Crisóstomos nos dá instruções morais para um modo de vida cristão. Assim, para crianças que morreram, ele coloca nos lábios deles as seguintes palavras: "Pacificamente, os santos anjos nos separaram dos nossos corpos, e tendo bons guias e sem ferimentos passamos pelas forças do ar. Os espíritos malignos não encontraram em nós o que eles procuravam, não notaram aquilo que eles queriam provocar vergonha; vendo uma alma imaculada, eles se envergonharam; vendo uma língua inviolada, eles ficaram em silêncio. Passamos e os deixamos humilhados. O ninho foi arrendado, e nós fomos entregues. Abençoado é Deus, que não nos deu como uma presa a eles" (São João Crisóstomos, Homilia 2, "Sobre a Recordação dos Mortos."

A Igreja Ortodoxa representa os mártires cristãos, homens e mulheres, como atingindo a câmara matrimonial celestial tão livremente como as crianças e sem dano. No Século V, uma representação do julgamento imediato sobre a alma depois da partida do corpo, chamada de Julgamento Particular, foi ainda mais colocada próxima da representação dos pedágios, assim como vemos na "Homilia sobre a Partida da Alma" de São Círilos de Alexandria, a qual adiciona as imagens deste tipo nos Padres da Igreja que o precederam.

É perfeitamente estimada por alguém que imagens puramente terrenas são usadas para um assunto espiritual de modo que a imagem, sendo impressa na memória, pode acordar a alma de um homem. "Olhe o Noivo que veio à noite, e abençoado é o servo o qual Ele encontrará assistindo." Ao mesmo tempo, nessas ilustrações a pecabilidade que está presente no homem caído é revelada em vários tipos e formas, e isto inspira o homem a analisar seu próprio estado de alma. Nas instruções dos Ascetas Ortodoxos os tipos e formas de pecabilidade possuem uma marca própria; nas Vidas dos Santos há também uma característica de marca.

Devido à disponibilidade das Vidas dos Santos, os relatos dos pedágios da Justa Teodora, descrito por ela em detalhes por São Basílio, o Novo, em seus sonhos, tornaram-se especialmente bem conhecidos. Os sonhos geralmente expressam o estado da alma de um determinado homem, e em casos especiais também são autênticas visões das almas dos que partiram de suas formas terrenas. O relato de Teodora possui característica de ambos. A idéia de que bons espíritos, nossos anjos-da-guarda, assim como os espíritos do mal sob o céu, participam do destino do homem (após a morte) encontra confirmação na parábola do homem rico e Lázaro. Imediatamente após a morte, Lázaro foi levado por anjos ao âmago de Abraão. Em outra parábola o homem injusto escuta estas palavras: "Insensato, nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a alma" (Lucas 12:20); e, evidentemente, aqueles que "reclamam" não são ninguém mais do que os mesmos "espíritos de maldade sob os céus."

De acordo com a simples lógica e também como confirmado pela Palavra de Deus, a alma, imediatamente após sua separação do corpo, entra numa esfera onde seu destino futuro é definido. "E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois da que vem um julgamento," lemos no Apóstolo Paulo (Hebreus 9:27). Este é o Julgamento Particular, que é independente do Último Julgamento Universal.

O ensinamento sobre o Julgamento Particular de Deus entra na esfera da teologia dogmática Ortodoxa. Com relação aos pedágios, escritores russos de sistemas gerais de teologia limitam-se mais propriamente a uma nota estereotipada: "Com relação a todas as imagens carnais e terrenas com as quais o Julgamento Particular é apresentado na forma de pedágios, embora em suas idéias fundamentais sejam completamente verdadeiras, assim mesmo elas devem ser aceitas do modo pelo qual o anjo instruiu São Macário de Alexandria, como sendo somente a maneira mais débil de representar coisas celestiais." (veja Macário, Metropolita de Moscou, Teologia Dogmática Ortodoxa, Saint Petersburg, 1883, vol. 2, pág 538; também o livro do Bispo Silvestre, Reitor da Academia Teológica de Kiev. O Arcebispo Filareto de Chernigov, em seu trabalho de dois volumes de teologia dogmática não comenta sobre este assunto).

Se um reclama do caráter tenebroso das representações dos pedágios não existem muitas representações similares nas escrituras do Novo Testamento e nas palavras do próprio Senhor, - não nos amedrontamos pela simples questão: "Como entraste aqui sem a veste nupcial?" (Mateus 22: 12).

Respondemos às discussões sobre os pedágios, um tópico que é secundário no universo de nosso pensamento ortodoxo, porque isto dá uma oportunidade de elucidar a essência da vida na Igreja. A vida de oração de nossa Igreja Cristã é comunhão mútua ininterrupta com o reino celestial. Não é apenas uma "invocação dos santos," assim como comumente é chamado; é uma interação no amor. Entretanto, em todo o corpo da Igreja, estando unidos e fortalecidos em seus membros e vínculos, "realiza o seu crescimento em Deus" (Col. 2:19). Através da Igreja "vós vos aproximastes da Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus, e de Deus, o Juiz de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição" (Hebreus 12:22-23). Nossa interação piedosa estende-se a todas as direções. Foi-nos comandado: "Ore uns para os outros." Vivemos de acordo com nosso princípio de fé: "quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor" (Rom. 14: 8). "O amor nunca falha" (1 Cor 13:8). "O amor cobre uma multitude de pecados" (1 Pedro 4:8).

Para a alma não existe a morte. A vida em Cristo é um mundo de oração. Penetra em todo o corpo da Igreja, unifica cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrena entre si, e os membros da Igreja terrena com os da Igreja Celestial. As orações são as fibras da fábrica viva do corpo da Igreja, porque "a oração do justo tem muita força" (Tiago 5:16). Os vinte e quatro anciãos no trono de Deus prosternaram-se diante do Cordeiro, cada um tendo cítaras e taças cheias de incenso, "que são as orações dos santos" (Apo. 5:8); isto é, eles ofereceram orações na terra para o trono divino.

As ameaças são necessárias, elas podem e devem nos alertar, nos reter das ações malignas. A mesma Igreja nos persuade que o Senhor é compassivo e misericordioso, paciente e repleto de piedade, e que está angustiado pelas ações malignas dos homens, tomando para Si nossas fraquezas. Na Igreja Celestial estão também nossos intercessores, nossos ajudantes, aqueles que rezam por nós. A Mais Pura Mãe de Deus é nossa protetora. Nossas orações genuínas são as orações dos santos, escritas por eles, as quais vieram de sua contrição de coração durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles que rezam podem sentir isso, e assim, os próprios santos tornam-se próximos de nós. Tais são nossas orações diárias; igual também é todo o ciclo dos serviços divinos da Igreja, os diários, os semanais e das comemorações.

Toda esta literatura litúrgica não foi concebida como um exercício acadêmico. Os inimigos do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas temos que ter fé, e nossas orações devem ser fervorosas e sinceras. Há mais alegria nos céus sobre um que se arrepende, do que sobre outros que não necessitam de arrependimento. Quão insistentemente a Igreja nos ensina (em suas litanias) a passar "o resto de nossas vidas em paz e arrependimento," e a morrer assim! Nos ensina a chamar à lembrança nossa mais Santa, Pura, e sempre Abençoada Virgem Mãe de Deus (Theotokos) e todos os santos, e então a confiarmo-nos uns aos outros e em Cristo nosso Deus.

Ao mesmo tempo, com toda essa imensidão de protetores divinos, somos alegrados pela proximidade especial de nossos Anjos da Guarda. Eles são meigos, regojizam-se sobre nós, e também sofrem com nossas faltas. Somos preenchidos com esperança neles, no estado que estaremos quando nossa alma se separar do corpo, quando devemos entrar numa nova vida: será esta de luz ou na escuridão, na alegria ou na tristeza? Portanto, cada dia rezamos aos nossos anjos pelo presente dia: "Livrai-nos de cada astúcia do inimigo." Em cânones especiais do arrependimento suplicamos a eles que não nos deixe agora nem depois de nossa morte: "Eu vos vejo com meu olhar espiritual fixo, Vós que permaneceste comigo, meu conservador companheiro, Santo Anjo, observando, acompanhando e permanecendo comigo e sempre me oferecendo aquilo que é para a salvação." "Quando minha humilde alma for desligada de meu corpo, que cubrai-la, Ô meu Instrutor, com seu brilho e suas mais sagradas asas." "Quando o som temível dos trompetes ressurgirem-me no julgamento, coloque-se ao meu lado, em silêncio e alegre, e com esperança da salvação leve de mim meu medo." "Porque estais formoso em virtude, doce e alegre, uma mente brilhante como o sol; brilhantemente interceda por mim com semblante alegre e olhar radiante quando eu for ser levado da terra." "Que eu possa então vê-lo de pé do lado direito de minha pobre alma, brilhante e em silêncio, vós que intercedereis e rezareis para mim quando meu espírito será tirado por força; que eu o observe banindo aqueles que me perseguem, meus inimigos cruéis" (do Cânone do Anjo Guardião do Monge João, no Livro de Orações para Padres).

Assim, a Santa Igreja através dos graus de seus edificadores: os Apóstolos, os grandes hierarcas, os santos ascetas, tendo como seu Pastor Chefe nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo criou e nos deu todos os meios para ao nosso aperfeiçoamento espiritual e a obtenção da abençoada vida eterna em Deus, superando nossa negligência e pequena disposição ao medo e aos rigorosos avisos, e ao mesmo tempo introduzindo em nós um espírito vigilante e uma esperança acesa, nos envolvendo com guias e ajudante santos e celestiais. No Typicon dos serviços Divinos da Igreja, nos é dado um caminho direto para a obtenção do Reino da Glória.

Entre as imagens do Evangelho, a Igreja freqüentemente nos relembra a parábola do Filho Pródigo, e uma semana no ciclo anual dos serviços da Igreja é totalmente devotado a esta lembrança, para que possamos saber do ilimitado amor de Deus e do fato de que o arrependimento sincero, contrito e em prantos de um homem fiel supera todos os obstáculos e todos os pedágios no caminho para o Pai Celestial.

 

Missionary Leaflet # P77e

Copyright © 2005 Holy Trinity Orthodox Mission

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Editor e Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior

(valerio_santos@ig.com.br)

(Spiritual_world_p.doc, 3-17-2005)